Afinal, correu bem a economia mundial em 2023, devendo crescer 3% face a 2022. As taxas de juro caíram, bem como a inflação, o barril de petróleo Brent está abaixo dos 70 euros, o gás natural baixou quase 70% ao longo do ano, os principais índices bolsistas estão em alta e o número de multimilionários não para de aumentar.
Mais uma vez, combustíveis fósseis e tecnológicas foram os investimentos mais rentáveis, com a Saudi Aramco e a Apple a liderar as 2000 maiores empresas mundiais, as quais registaram 4 biliões de euros em lucros e ativos no valor de 231 biliões de euros (o PIB português é cerca de 0,1% desse valor).
É verdade que 2023 foi também um ano sangrento e o mais quente de sempre, mas a maioria de nós não o sentiu no dia a dia. O mundo está violento, o planeta em declínio, a coesão social em risco e o bem-estar das futuras gerações ameaçado, mas lá vamos vivendo “com a cabeça entre as orelhas”.
Temos uma dificuldade crónica em ter uma consciência global e futura, isto é, em fazer mudanças em benefício de outras geografias ou de quem ainda nem sequer nasceu, sobretudo as nossas lideranças. Recorrendo a Freud, agimos como “reis-bebés”, ou seja, somos narcisistas, infantis e inseguros, e temos uma enorme intolerância face à dor e à frustração, e um enorme desejo de poder e atenção.
Ainda por cima, já somos mais de oito mil milhões de “reis-bebés” a habitar o planeta (oito vezes mais do que em 1800), vivemos cada vez mais anos (segundo as Nações Unidas, em 1970, havia apenas 27 mil pessoas com mais de 100 anos, mas, em 2050, serão 3,5 milhões), e o poder de compra e expetativas de consumo não param de aumentar. Tudo isto num planeta finito, com equilíbrios frágeis e capacidade de carga limitada.
A mudança de um paradigma de desenvolvimento focado no crescimento e no consumo, para o paradigma da sustentabilidade e do bem-estar, implica a rápida transição para uma economia verde. Para tal, a atividade e o financiamento das empresas e das economias têm de passar a adotar prioritariamente critérios de retorno ambiental e social. É tão simples quanto isto.
Preparar o mundo para 10 mil milhões de pessoas, com uma esperança de vida cada vez mais próxima dos 100 anos, exige mudanças profundas nos nossos estilos de vida e nas nossas economias. Ora, a mudança, qualquer mudança, é sempre um desafio complexo, já que estamos biologicamente programados para conservar a energia, para o status quo.
O paradigma da sustentabilidade apela a uma nova consciência, a uma ética de vida nos nossos diversos papéis, e a inovação em larga escala – tanto nas políticas públicas, como nos negócios das empresas. É verdade que, ao nível do discurso, das metas coletivas e das exigências legais, o tema da sustentabilidade, isto é, diversos aspetos ambientais, sociais e de boa governança, tem vindo a ganhar relevo nos últimos anos. Porém, o ritmo a que estamos a fazer progressos é claramente insuficiente e, em alguns casos, demagógico.
Estarão as atuais lideranças à altura do desafio de governar para o bem comum e para o longo prazo? No caso das empresas, muitas já adotaram preocupações ESG (ambientais, sociais e de boa governança); porém, tendem a focar-se mais em temas que não afetem a sua rentabilidade – por exemplo, a causa da diversidade ou o voluntariado empresarial –, adiando mudanças e investimentos decisivos – tais como, a neutralidade carbónica das cadeias de valor, a seleção criteriosa de fornecedores (com critérios ESG exigentes), as competências verdes, a suavização dos estímulos aos consumo, a boa cidadania fiscal e a adoção de indicadores de performance ESG com impacto direto e profundo na remuneração dos gestores.
Em 2024, pela primeira vez haverá mais pessoas no mercado de trabalho da Geração Z (nascidos entre 1997 e 2012) do que Boomers (nascidos entre 1946 e 1964), o que poderá ter consequências culturais relevantes. A Geração Z não só terá uma maior propensão para valorizar o bem-estar, inclusive espiritual, como tem uma abordagem pragmatopian aos desafios que enfrentamos, isto é, capaz de aliar pragmatismo e utopia. Sem a busca incessante de novas e melhores soluções, sem a prototipagem contínua do futuro – algo que o futurista Kevin Kelly designa de protopia –, dificilmente teremos um mundo mais equilibrado e coeso.
Decorridos cinco anos desde que me juntei à equipa, deixo o cargo de Secretário-geral do BCSD Portugal no final do ano. Agradeço à VISÃO o espaço que me deu, bem como a atenção dos eventuais leitores. Como agora se diz, seguimos juntos.