Qual o potencial da cortiça numa transição para um mundo que se quer mais sustentável?
A cortiça, sendo um produto 100% natural, 100% renovável e 100% reciclável, afigura-se como uma excelente alternativa quer para reduzir a dependência global de produtos não renováveis, quer para baixar a pegada de carbono de produtos finais. A Corticeira Amorim procura constantemente acrescentar valor à cortiça, e mantém um papel proativo na ampliação do vasto campo de aplicação deste material único. Uma matéria-prima que, sustentada pelas suas características inatas, destaca-se também pela sua leveza, excelente isolamento e consequentemente eficiência energética.
Adicionalmente, a produção de cortiça é indiscutivelmente a principal atividade económica do montado de sobro. Desta forma, a produção de cortiça é o agente dinamizador da criação de interesse económico para os proprietários de montado de sobro e para a manutenção da exploração do sobreiro. Por seu lado, o montado de sobro, além de ter um papel importante na geração de riqueza para as pessoas na região do Mediterrâneo, tem também um papel fundamental na promoção de funções ecológicas, como a conservação do solo, o armazenamento de carbono, a retenção de água, a preservação da biodiversidade e a regulação do clima. Um estudo realizado pela EY [Ernst & Young] concluiu que os serviços dos ecossistemas de um montado bem gerido têm um valor médio superior a 1300 euros / hectares/ ano.
A Amorim tem apostado em novas técnicas de plantação de sobreiros. Em que é que isso se tem traduzido na melhoria ambiental?
Ao longo das últimas décadas tem-se assistido à perda de vitalidade dos sobreiros devido, entre outros fatores, a más práticas de gestão, à ocorrência de agentes bióticos nocivos e a alterações climáticas. A preservação do sobreiro e do ecossistema montado é imprescindível para que se possa continuar a usufruir não só da cortiça produzida, mas também de muitos outros valiosos serviços dos ecossistemas para as populações da bacia do Mediterrâneo, como a regulação do clima ou a preservação da biodiversidade. Desde 2013 que a Corticeira Amorim tem em curso o Projeto de Intervenção Florestal (PIF) que visa tornar mais resilientes as áreas de floresta de sobreiro existentes, possibilitando, ao mesmo tempo, a introdução de novos modelos silvícolas, modernas tecnologias e material vegetal selecionado. O que permite instalar novas florestas de sobreiro, mais eficientes e resilientes, face aos cenários climáticos previstos.
Qual o contributo para a melhoria do ar que se respira?
Os ecossistemas florestais têm um papel importante na regulação do clima. As plantas durante a fotossíntese capturam CO2 da atmosfera, libertando oxigénio enquanto retêm carbono. Ora, os sobreiros possuem uma longevidade média de 200 anos. Como a árvore não é cortada durante a extração de cortiça, e o processo tem efeitos negligenciáveis na retenção de carbono, o sobreiro tem a capacidade de sequestrar e reter carbono ao longo do seu ciclo de vida, contribuindo, assim, para a regulação climática. A capacidade de sequestro de carbono varia de acordo com o tipo de floresta e da sua gestão. Mas é sabido que uma tonelada de cortiça produzida pode sequestrar até 73 toneladas de CO2. Sendo que as novas plantações de sobreiros no âmbito do PIF considerarão um aumento de densidade de árvores por hectare, das atuais 50 árvores por hectare para cerca de 350 árvores por hectare, e por isso resultarão num aumento substancial de captura de CO2. As remoções naturais de carbono são instrumentos essenciais identificados no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 de Portugal, bem como no Pacto Ecológico Europeu. Assim, os montados podem ter contribuições significativas para Portugal atingir as suas metas de neutralidade carbónica até 2050.
E para o desenvolvimento da biodiversidade?
No que diz respeito à biodiversidade, os montados têm estatuto de proteção reconhecido. Como parte da Bacia do Mediterrâneo, o montado está inserido num dos 36 hotspots de biodiversidade mundial. As propriedades ambientais, materiais e físicas do montado são, pois, as principais causas para o seu elevado valor ecológico. As árvores perenes com longos períodos de vida, aliadas à verticalidade e densidade do estrato arbustivo, promovem a coexistência de fauna e flora autóctones. Ocupando uma área estimada de mais de 2,1 milhões de hectares na Bacia do Mediterrâneo Ocidental, Portugal, Espanha, Marrocos e Argélia, as florestas de sobreiros são habitat para mais de 130 espécies de vertebrados, 75 dos quais são aves, 28 mamíferos, 10-15 répteis e 5-7 anfíbios. Ou seja, cerca de 95% de todos os mamíferos terrestres presentes em Portugal vivem também no montado. Quanto à flora, mais de 1350 hectares de plantas vasculares, muitas destas classificadas como raras, podem encontrar-se neste ecossistema único.
Cortiça já não significa apenas rolhas. Novos derivados têm surgido. Qual a vantagem de um isolamento térmico de cortiça num edifício e que poupança energética pode proporcionar na sua climatização?
Quando Jordi Bonet i Armengol sugeriu usar cortiça no pavimento na Sagrada Família, em Barcelona, responderam-lhe: “Só serve para vedar garrafas!”. No entanto, o arquiteto responsável por continuar a icónica obra de Antoni Gaudí há muito que sentia o conforto da cortiça no seu próprio estúdio e não se demoveu. Encorajado pelas propriedades térmicas e acústicas da cortiça – de importância extrema para aquela obra – e pela expectativa de durabilidade e resiliência, ainda lhe acrescentou mais um argumento: o de ser um produto natural, em perfeita harmonia com a filosofia de Gaudí.
Os atributos da cortiça são, pois, incontáveis, sendo um dos materiais de eleição do conceito green building, que aponta para a utilização de materiais que sejam energeticamente eficientes e sustentáveis. O isolamento térmico é apenas um dos campos de aplicação da cortiça. O isolamento acústico e o isolamento vibrático são outras duas caraterísticas que funcionam em benefício da construção. O revestimento de paredes e de chão acrescentam a agradabilidade ao toque da cortiça. Além do mais, a cortiça tem uma elevada estabilidade dimensional, uma durabilidade praticamente ilimitada, mantendo sempre as caraterísticas técnicas, suporta temperaturas entre -180ºc e +120ºc, é permeável ao vapor de água, promove o atraso térmico, reduz condensações e preserva a qualidade do ar interior A+.
De que modo tem sido posta em prática a economia circular nos desperdícios de cortiça no processo de fabrico das rolhas?
Uma das principais estratégias, e ao mesmo tempo desafios, da Corticeira Amorim é precisamente a valorização da sua matéria-prima e dos resíduos gerados. Sob o mote “nada se perde, tudo é valorizado”, desde 1963 que a Corticeira Amorim desenvolve um esforço contínuo para terminar com desperdícios ou resíduos de cortiça, otimizando-se o valor acrescentado de toda a matéria-prima. Por isso, os subprodutos gerados durante o processo produtivo das rolhas, ou a cortiça que não reúne características adequadas para a sua produção, são incorporados noutras aplicações de elevado valor acrescentado. A parte que não é passível de ser incorporada em produtos é valorizada como fonte de energia, a biomassa, considerada neutra em matéria de emissões de CO2.
Adicionalmente, várias iniciativas de recolha e reciclagem de cortiça também são apoiadas nos cinco continentes e, embora nenhuma árvore seja cortada para a produção de cortiça, alguns destes programas, em particular o Green Cork em Portugal, privilegiam iniciativas de reflorestação de árvores autóctones, incluindo sobreiros.
Em 2020, a cortiça foi aproveitada a 100% no processo de produção, mais de 80% dos materiais consumidos pela Corticeira Amorim são renováveis (mais de 85% se também forem considerados os produtos reciclados), 90% de todos os resíduos não cortiça foram enviados para valorização, 66% da energia utilizada teve como fonte a biomassa (essencialmente pó de cortiça), e 736 toneladas de cortiça foram recicladas no fim de vida. Desde 2008, as receitas dos programas de reciclagem de cortiça permitiram plantar mais de 1 200 000 árvores autóctones em Portugal através do programa Floresta Comum da Quercus.
Para quando um rolhão, um sistema integrado de recolha de rolhas usadas?
A cortiça é simultaneamente renovável, reciclável, reutilizável e capaz de circular continuamente na economia. Embora a cortiça reciclada já não possa ser incorporada nas rolhas de cortiça, pode ser integrada em inúmeros produtos. A Corticeira Amorim promove desde 2008 iniciativas para recolha seletiva e reciclagem de rolhas de cortiça. O primeiro projeto em Portugal foi o Green Cork, uma parceria da Corticeira Amorim com a Quercus e outros parceiros. Hoje em dia, existem programas a decorrer nos cinco continentes.
Sempre promovemos diversas ações com o objetivo de sensibilizar o público para as vantagens ambientais dos produtos de cortiça como suporte do ecossistema, promovendo paralelamente a sua reciclagem. Por exemplo, a Corticeira Amorim juntou-se em 2019 à Missão Continente e à Quercus e distribuiu 500 mil pequenos depósitos domésticos de rolhas, os “rolhinhas”, permitindo aos consumidores juntar as suas rolhas em casa e depois despejá-las nos recipientes próprios existentes nas lojas Continente . No mesmo ano, mas em Itália, dois arquitetos italianos aproveitaram rolhas de cortiça usadas para transformá-las em pequenos grânulos, e depois combiná-las com outros materiais, e criar a coleção SUBER. Uma coleção repleta de objetos quotidianos, como sistemas de iluminação e pequeno mobiliário.
A Corticeira Amorim pretende continuar, e até mesmo intensificar, os seus esforços nestes e em outros projetos de recolha e reciclagem. O potencial destas iniciativas é enorme já que apenas uma pequena parte (menos de 2%) das rolhas que o setor produz e vende todos os anos são recuperadas pela Corticeira Amorim.