Os cenários das alterações climáticas mais conservadores apontam para uma subida, no mínimo, de 2ºC de temperatura a nível global. Mas as diferenças regionais são muito importantes e o Mediterrâneo, onde nos encontramos, é uma das duas zonas com maiores impactos esperados das alterações climáticas. Os efeitos globais são magnificados no olho do furacão.
Se o aquecimento global é o aumento da temperatura média da atmosfera e dos oceanos em todo o planeta, os efeitos das alterações climáticas não são iguais em todo o planeta. Para a região do Mediterrâneo, já marcada por importantes alterações nas últimas décadas (subida da temperatura média em pelo menos 1ºC), as principais projeções prevêem uma grande amplitude nas alterações futuras – é um hotspot de alterações climáticas.
Os verões quentes e secos e invernos frios e húmidos serão muito afectados pelas alterações climáticas nesta região com mais de 470 milhões de habitantes: as temperaturas continuarão a aumentar durante o século XXI, a duração, frequência e intensidades de épocas quentes e ondas de calor aumentarão na região e a precipitação média cairá. No cenário mais grave, a temperatura será de mais 7ºC em média no final do século XXI, quando comparada com a temperatura de hoje. Na menos grave, pelo menos 2ºC.
As secas em grande escala no Mediterrâneo são uma consequência do aumento global da temperatura, aumentando o risco de secas agrícolas. A evaporação aumentará sobre a maior parte do oceano e da terra, com importantes áreas de decréscimo de evaporação sob a terra correspondentes às áreas com redução de precipitação.
O número de dias com gelo irá diminuir e aumentará o número de noites tropicais (dias por ano onde a temperatura mínima é superior a 20ºC).
O que mais ameaça a região do Mediterrâneo é o decréscimo na precipitação média e o aumento da variabilidade da precipitação durante a estação seca e quente. O sinal de um Verão cada vez mais seco faz do Mediterrâneo uma das regiões mais reativas à alteração global.
O Mediterrâneo possui os registos mais antigos do mundo no que diz respeito ao clima, recuando mais de dois milénios sob a forma fontes escritas, pinturas, marcadores de cheias e arquivos naturais. Estas fontes permitem fazer reconstruções climáticas recuando muitos séculos e analisando as alterações em climas extremos e respectivos impactos socioeconómicos anteriores na região, o que aumenta muito a certeza sobre o que já aconteceu e o que irá ocorrer: o Mediterrâneo aqueceu claramente desde o início do século XX, mais 0,5ºC desde a década de 50 e houve uma descida pronunciada dos valores da precipitação (20% menos) a partir da década de 60 do século XX.
O impacto sobre a natureza
Por outro lado, os impactos destas alterações na região são particularmente graves, desde logo porque o Mediterrâneo é uma região que alberga uma importante biodiversidade (terrestre, ripícola e marinha), que a classifica como um hotspot de diversidade. Além destruição do meio natural, os efeitos na produção agrícola e florestal serão muito relevantes numa região em que estas actividades são importantes do ponto de vista económico e social. Os sistemas montanhosos estão entre os mais ameaçados pelas alterações climáticas com uma perda estimada para a flora de montanha até 62% até 2080.
Prevê-se a redução da extensão dos sistemas florestais devido ao aquecimento gradual e secas na região. A redução da pluviosidade limitará a distribuição de várias espécies de árvores, assim como as taxas de produtividade e o sequestro de carbono, devendo conduzir a um decréscimo na biomassa florestal. A previsão de aumentos de frequência e intensidade de fogos florestais que deverão reduzir a distribuição das florestas e converter áreas florestais em zonas de arbustos. O aumento da pressão sobre os recursos hídricos agravará ainda a pressão sobre o hotspot da biodiversidade.
E a sociedade humana?
Se os impactos sobre os meios naturais ou semi-naturais é assombroso, a verdade é que na sociedade humana é sobre as camadas mais pobres que se reflectirá o maior impacto: naqueles com baixos rendimentos, que vivem nas zonas mais vulneráveis, mais expostos à falta de segurança alimentar, à falta de acesso a água de qualidade, à construção de má qualidade, à falta de cuidados de Saúde e educação para preparar os territórios e as comunidades. O desafio colectivo das alterações climáticas implicará nada menos do que uma revolução em todos os aspectos da vida quotidiana, na energia, no comércio, na habitação, na economia, na política.
Em Portugal, a preparação para as alterações climáticas implicará, para começar, uma profunda defesa da costa. Mas desde a floresta à agricultura, passando pela geração e distribuição de energia e os transportes, uma alteração de fundo ocorrerá, planeada ou catastrófica. Não há mais tempo para a política económica primitiva para a qual o estado caduco do capitalismo de casino nos empurra. O investimento em actividades económicas que façam sentido é a última hipótese: deixar de financiar os combustíveis fósseis e usar esse dinheiro para expandir as energias renováveis descentralizadas, repensar o sistema energético para que não seja um monopólio cujo objectivo é produzir dinheiro, mas sim energia. O mesmo com os transportes, a alimentação, a economia em geral. Nada menos do que isto chegará. De todas as reservas de combustíveis fósseis do planeta, 80% não podem ser extraídas do subsolo e utilizadas, sob pena de o aumento global da temperatura ser acima de 2ºC (magnificado no Mediterrâneo). Isto significa que há empresas, gigantes monopolistas como a Shell, a Chevron Texaco, a Saudi Aramco, a Gazprom, entre outras, que são inviáveis. Para continuar a dar trabalho e lucro às petrolíferas e sectores económicos afins, pomos ainda mais em risco o nosso futuro no planeta. As alterações climáticas são a prova acabada do falhanço rotundo da economia de Mercado livre. A pressão para se continuar nesta lógica servirá apenas para se acelerar a marcha inexorável na direcção de catástrofes incontroláveis. Para as quais a lógica do Mercado tem apenas uma solução: vender os bilhetes para o fim-do-mundo.
Em Dezembro em Paris serão negociadas as novas metas de emissões. Depois do falhanço de Kyoto, em que as grandes empresas do business as usual ganharam e a população do planeta perdeu, há uma nova hipótese. Tempo é que já não há.