DECORAÇÃO Apanhados do chão
Noutra vida, Guida Costa Santos, 37 anos, andava num virote para dar atenção aos clientes que mantinha na agência de marketing onde trabalhava. Depois de ser mãe do primeiro filho, começou a cansar-se dessa correria e a fazer contas às horas do dia para poder dar atenção à criança. Agora, recebe-nos no seu ateliê junto do mercado de Arroios, em Lisboa, com um fato de macaco amarelo, bastante pintalgado e descido até à cintura, e botas próprias para trabalhar com materiais corrosivos mas com um entusiasmo na voz que, apostamos, não tinha quando, há cinco anos, a sua vida era o tal virote.
É nesta oficina que nascem os Monstros (o nome da empresa), móveis antigos que iriam parar ao lixo aqueles a que chamamos monos e que ganham nova vida dentro desta marcenaria da era atual, onde se trabalha com métodos e ferramentas bem tradicionais. “Custa-me ver peças em bom estado no lixo, só porque não ficam bem em casa. Gosto que as pessoas olhem para elas de outra perspetiva, lembrando-se de que há ali uma memória que deve ser preservada”, explica Guida, a solitária artesã, bastante realizada.
Antes de começar a vender, recuperou mobiliário que os amigos não queriam e só depois de fotografar e pôr tudo no site é que abriu oficialmente a atividade. Hoje, essa atividade que dá vazão à sua criatividade está um pouco na gaveta porque há que dar resposta às encomendas de móveis para recuperar. Nem por isso deixa de colecionar cadeiras que apanha por aí e que pendura nas paredes do ateliê apesar de o espaço começar a revelar-se apertado para tanta relíquia. “Sou um bocado coletora.” Curiosamente, e apesar da distância, Gabriel Loureiro, 31 anos, queixa-se do mesmo.
Pensando bem, não é curioso, porque a lógica de aproveitar aquilo a que outros não dão valor é a mesma.
Este ilustrador desempregado criou, há menos de um ano, a Repa, uma oficina onde dá forma aos seus protótipos a partir de peças que recolhe entre os amigos. Se lhe dão uma guitarra partida, transforma-a num cabide ou numa coluna. “Junto criatividade e materiais diferentes e atribuo outro valor ao lixo”, conta, a partir de Aveiro, onde vive. Quando recolhe um mono, este já está associados a uma ideia, que irá resultar noutra forma, quase de certeza divertida.
Se não, imagine-se a coleção de candeeiros feitos a partir de bonecas que arranjou na Feira da Vandoma, no Porto (têm lâmpadas no lugar das cabeças). “Em Portugal, valoriza-se muito pouco a recuperação. Pode até tratar-se de lixo, mas tenho de cobrar pela ideia e pelo tempo que lhe dediquei.” Note-se que, na Repa, não existem duas peças iguais todas dependem da matéria-prima que se encontra.
Mas a variedade é muita, como se descobre num passeio pelo site da oficina, enquanto se gaba as peças. Depois de uma encomenda, e dependendo do que se escolha, a entrega demora, no máximo, duas semanas. Há esperas que valem a pena.
Luísa Oliveira
DESIGN Grande suspensão
O limite para a utilização da cortiça como matéria-prima parece ser a imaginação. Da indústria aeroespacial, à moda, este material combina excelentes características técnicas com impacto positivo na economia e no ambiente a sua exploração garante a preservação do montado, cria emprego e evita a utilização de outros materiais como o plástico ou as fibras sintéticas.
Um ano depois do lançamento de Cork, a coleção de candeeiros concebidos com cortiça, a Mood empresa portuguesa de design de iluminação criou Chaparro, uma peça feita de encomenda para a nova zona de restauração do Amoreiras, em Lisboa, a propósito do 29.º aniversário deste centro comercial. É um enorme candeeiro de 13 metros, composto por 124 placas de cortiça, previamente cozidas e prensadas para serem aparadas. Está há uma semana montado, a iluminar uma mesa corrida ondulada, “evocando a sombra dos sobreiros no Alentejo ou em Trás-os-Montes, a tradição portuguesa e o convívio entre as pessoas”, explica Rita Muralha, uma das sócias da empresa, acrescentando que foi assim que conseguiram levar um pouco de natureza àquela referência urbana, na área do consumow . A conceção deste original candeeiro permitiu que a Mood materializasse, ao mesmo tempo, dois dos seus grandes objetivos: “Trabalhar com produtos nacionais e naturais.” Pode ser um recanto de fast food, mas perca-se algum tempo, entre uma dentada e outra, para se apreciar esta peça de design.
L.O.
RESISTÊNCIA À conquista das ondas gigantes
Resistência e flexibilidade são os atributos que Garrett McNamara procura quando enfrenta ondas gigantes. A sua nova prancha de cortiça desenvolvida pela Corticeira Amorim, a Mercedes Benz e a Polen Surfboards é única no mundo e alia um design inovador à utilização de um produto natural, que pode ser moldado à medida das necessidades. “Há uns anos que começámos a trabalhar a cortiça, na área do desporto”, recorda Carlos de Jesus, diretor de marketing da Corticeira Amorim. O caso mais conhecido é o da parceria com o fabricante de caiaques de competição Nelo, recordista da conquista de medalhas olímpicas. Mesmo assim, ainda há quem se admire do facto de não ser preciso cortar a árvore para obter a matéria-prima. Carlos de Jesus está habituado a dar as devidas explicações sempre que vai a feiras internacionais. “É contraintuitivo”, admite Carlos de Jesus.
De um produto do passado, a cortiça passou a ser um material surpreendente, capaz de cumprir as mais variadas especificações, sem custos para o ambiente. “Não existe desenvolvimento sem sustentabilidade e nós queremos que a cortiça tenha um papel importante nesta conquista.”
Sará Sá
AQUACULTURA Plástico de algas
Têm sido feitas várias tentativas, mas ainda não se conseguiu produzir um plástico rígido, de origem vegetal, que possa substituir o que é produzido a partir de combustíveis fósseis. Uma boa alternativa são as macroalgas marinhas. A empresa portuguesa AlgaPlus e o CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental, da Universidade do Porto -, participam num projeto europeu, o Seabioplas, que tem como objetivo otimizar a produção de algas em aquacultura e a sua aplicação à produção de plástico. Nas instalações da AlgaPlus, em Ílhavo, Aveiro, combina-se aquacultura de peixes e de algas, num sistema que permite o aproveitamento máximo dos recursos. As algas “alimentam-se” dos nutrientes libertados pelos peixes, acabando por filtrar a água. É a chamada aquacultura multitrófica integrada, que não é mais do que a imitação dos ecossistemas naturais. Em estudo está a produção de plástico a partir das algas verdes e vermelhas, procurando enriquecê-las em amido, uma boa fonte de ácido polilático. Este ácido pode ser usado na produção de biofilme – uma espécie de película aderente usada para cobrir os alimentos. Também pode ser a matéria-prima de fibras cirúrgicas, já que é biodegradável. “No Ocidente, as macroalgas ainda não são um alimento muito comum, daí que possam ter outros aproveitamentos. Já no Oriente, há uma competição com o mercado alimentar”, nota Rodrigo Ozório, investigador do CIIMAR.
S.Sá
CIANOBACTÉRIAS Repelente natural
Os pequenos seres que se agarram aos cascos dos navios podem ser responsáveis por diminuir em 10% a sua velocidade. O controlo deste problema passa normalmente por adicionar substâncias, tóxicas às tintas dos navios, para evitar que os bichos se agarrem. Na Universidade do Porto, o grupo do investigador Vítor Vasconcelos procura uma solução, na própria água – do mar, dos rios e dos lagos. A pesquisa está a ser feita entre as 400 espécies de microalgas, ou cianobactérias, recolhidas em todo o País pelos investigadores do CIIMAR (Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental). Numa vasta “biblioteca” de 400 espécies de microalgas, ou cianobactérias, já há bons candidatos à substituição dos metais pesados usados habitualmente. “As microalgas são organismos antiquíssimos, que tiveram muito tempo para se aperfeiçoarem, e acabam por produzir substâncias que podem ter interesse em várias áreas”, justifica Vítor Vasconcelos. Em testes feitos em larvas de mexilhão, verificou-se que os animais detetam o odor das algas e fogem, sem se fixarem nas superfícies. Vítor Vasconcelos prevê que em meados do próximo ano já esteja formalizado o pedido de patente deste repelente natural.
S.SÁ
SUPERALIMENTOS Uma quinta no telhado
João Henriques, 31 anos, pode ter sido “descoberto” pelos críticos gastronómicos e chefes de cozinha na última edição da iniciativa Sangue na Guelra, que decorreu em abril, em Lisboa. Mas a dedicação à cultura dos biovivos, ou superalimentos biológicos – proteína vegetal com baixas calorias, rico em vitaminas, antioxidantes e ácido fólico – já não é nova para este desenhador, construtor e inventor de jardins verticais, hortas domésticas e estufas urbanas. Para ajudar a desenvolver a agricultura urbana criou em 2008 a Urbangrow, uma empresa dedicada à instalação de jardins e hortas verticais, com e sem terra, e ao mobiliário verde.
Para pôr em prática a sua invenção, João Henriques, que também é colaborador do projeto Estufa Urbana na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde dá workshops e desenvolve biovivos, teve que bater a muitas portas. Em todas fez o mesmo pedido: alguns metros quadrados livres para cultivar os seus legumes, que considera versáteis e com baixo custo (um quinto do preço dos microlegumes tradicionais).
A administração do ginásio Clube VII, no Parque Eduardo VII, foi a primeira a acreditar no seu projeto, e por isso, entregou-lhe cerca de 18 metros quadrados, no cimo do telhado. De lá retira cerca de 2 160 tabuleiros de biovivos de ervilhas, girassol, erva trigo e feijão mung que levam, em média, duas a quatro semanas a ser cultivados. E com esta pequena “horta” já recebeu um prémio: é a primeira estufa de telhado biocertificada na Europa.
Sandra Pinto
WAVEROLLER Com a força do mar
A energia está ali, disponível. Só falta saber aproveitá-la. Em vários pontos do mundo, há grupos a tentar o “milagre”: produzir energia elétrica a partir da ondulação. Ao largo de Peniche está um dos projetos mais promissores nesta área, beneficiando de uma ondulação apropriada e da existência de estaleiros navais no concelho. O projeto Waveroller, da empresa finlandesa AW Energy, já injeta energia na rede desde o verão de 2012 e um novo investimento, na ordem dos 25 milhões de euros (boa parte entregue pela Comissão Europeia), garante a entrada na fase comercial em 2017.
Na zona do Baleal, a 900 metros da costa, pás gigantes vão oscilando com a força das ondas que lhes passam por cima. Um dispositivo transforma esta força em energia elétrica, que segue por um cabo submarino até um transformador que a injeta na rede. O projeto teve início em 2007, numa fase experimental e de desenvolvimento. Por agora está prevista a instalação de 16 máquinas, cada módulo com capacidade para produzir 350 kw, num total de 5,6 MWatts. A previsão é de que se venha a atingir os 11,4 gigawatts/hora por ano, suficiente para abastecer 5 500 habitações, ou 16 500 habitantes.
Não será ainda a solução para todos os problemas energéticos, mas um passo importante de demonstração desta tecnologia. Nem só de surf vive Peniche!
S.Sá
CROWDFUNDING Vamos ser donos deste terreno?
“É possível contar com as pessoas”, defende Henrique Pereira dos Santos, dirigente da recém-criada associação de conservação da natureza Montis, contrariando a ideia feita de que os portugueses não são muito participativos.
A Montis nasceu com o objetivo de gerir o território, promovendo a regeneração dos solos e as atividades ligadas à natureza. Para começar em grande, a associação propôs-se a comprar dois terrenos, num total de 5,5 hectares, na serra do Caramulo, recorrendo ao crowdfunding – uma forma de angariar fundos, em que toda a população é convidada a participar, recebendo em troca recompensas simbólicas.
O projeto foi lançado na plataforma PPL há três semanas e já angariou mais de 40% do montante necessário, 20 mil euros. Henrique Pereira dos Santos admite a surpresa pela resposta rápida e, sobretudo, pelo perfil dos contribuintes. “Não temos apenas os habituais apoiantes das associações ambientalistas”, revela. No carvalhal, a Montis pretende promover passeios, além de garantir a recuperação do terreno. Já pensou ser dono de um espaço protegido?
S.Sá
OS TRÊS Rs Mordomias sem culpas
Neste turismo criativo e sustentável é assim que se autodenominam há ervas aromáticas a crescer em todo o lado. E isto não é uma imagem saem de um tampo de mesa ou da perna de uma cadeira. Mas nestes dois hectares de terreno, onde metade ficam “gastos” em agricultura, joga-se sempre entre a reciclagem, o aproveitamento de desperdícios (de obras, por exemplo), a contenção de gastos (há um monitor que regista a pegada carbónica de cada estada), e a economia social (é uma senhora da terra que lá vai amassar o pão ao final do dia, para que chegue quentinho à mesa, depois de passar pelo forno a lenha). A mobília dos 15 quartos, pensada quase toda por Telmo Faria, o dono, é a face mais visível desta preocupação com o ambiente, porque há desde camas feitas com portas antigas a espelhos criados com restos de lenha. Também em Lisboa, um ato tão simples como beber água, no Inspira Santa Marta Hotel, significa ajudar a construir furos de água potável e instalações sanitárias em África. Depois de filtrada e engarrafada a água no hotel, a sua venda reverte para a ONG Pump Aid. Esta é apenas uma das medidas “verdes” praticadas pelo Melhor Hotel Sustentável de Portugal, uma distinção atribuída, pela primeira vez no nosso país, pelo International Hotel Awards. Inovadores são também os 70 m2 de painéis solares e termoacumuladores no telhado, o que permitiu poupar, de 2012 para 2013, 4,91% kwh no consumo de eletricidade e 1,18% m3 no consumo de gás por cliente. A fatura enviada por e-mail faz parte da política “sem papel”, que, no ano passado, possibilitou poupar 35 500 folhas.
L.O. e S.C.
INCÊNDIOS Vigiar a partir do ar
De 2000 a 2012, desapareceram 31 mil hectares de mato e floresta, por conta de 1098 incêndios, no único Parque Nacional de Portugal, a Peneda-Gerês. Um flagelo que levou quase 40% da área total do Parque e que poderá agora vir a ser travado a partir do ar. Num projeto de colaboração entre a empresa portuguesa Tekever e a GNR, foi desenvolvido um sistema de vigilância que combina dois aviões não tripulados, ou drones, e jipes no terreno. Apresentado na semana passada, o projeto VIANA (cuja designação é um acrónimo de “Sistema de Vigilância do Ambiente e da Natureza no Alto Minho”) está a ser inteiramente financiado com fundos comunitários, orientado para a prevenção e vigilância de zonas prioritárias da Rede Natura 2000.
“A tecnologia não tripulada permite uma ação imediata em caso de incêndio, mas também se mostra útil em missões de busca e salvamento e na proteção do enorme conjunto de espécies de animais e plantas desta região, permitindo ainda maior eficácia no combate à caça e pesca ilegais”, disse por altura da apresentação do VIANA, Ricardo Mendes, administrador do Grupo Tekever.
O sistema é composto por duas aeronaves uma com alcance até 60km e outra de até 10km que podem funcionar de noite e de dia. Para grandes males, grandes remédios.
S.Sá
REPOVOAR Contra a invasão
Ao local onde chega o achigã e o lagostim-vermelho-do-Louisiana, nada mais cresce. Estas espécies exóticas, que crescem muito depressa, competem pelo habitat e eliminam em pouco tempo a população autóctone.
Nas barragens de Sintra, estes animais vieram ameaçar as bogas portuguesas endémica do Tejo e do Sado e criticamente em perigo e o escalo-do-sul endémico da Península Ibérica e em perigo. Armados de seixos e caixas de rede, biólogos da Parques de Sintra e investigadores do Instituto de Psicologia Aplicada armaramse em “cegonhas” e montaram um projeto de repovoamento da bacia hidrográfica de Sintra. À mudança dos caudais e à degradação do habitat juntaram-se as ameaças a esta população de peixes.
As bogas foram pescadas pela Parques de Sintra na Ribeira de Colares e mantidas em quarentena durante 15 dias, devidamente acondicionadas. Os escalos foram cedidos pelo ISPA, resultando do programa de reprodução ex-situ que a instituição mantém no Aquário Vasco da Gama. Nas barragens, os escalos encontraram seixos que lhes permitem esconder-se, e as bogas descobriram locais de reprodução, a salvo dos predadores. O projeto terá uma duração de três anos com acompanhamento e monitorização da população de peixes. Mas em poucos meses, já foram detetados escalos bebés. “Queremos criar uma espécie de reservatório destas espécies em risco”, avança a bióloga Inês Moreira, responsável pelo projeto.
S.Sá