Contariamente à vontade da maior parte de nós, o ser humano não é assim tão distante, comportamentalmente, dos seus parentes mais próximos do reino animal. Estudos comportamentais em primatas têm, ao longo dos anos e cada vez com mais resultados, evidenciado traços que nos são comuns, demonstrando que muitas das características que pensávamos serem únicas ao homem têm origem na organização social dos primatas superiores.
Estudos efectuados em primatas com maior proximidade genética ao ser humano e com uma complexa organização social, os chimpanzés (Pan troglodytes) e os bonobos (Pan paniscus), evidenciaram uma tendência para comportamentos de pretenso altruísmo, dirigido a membros da própria comunidade, de outras comunidades ou mesmo de outras espécies. Há exemplos registados de primatas em cativeiro que ofereceram a sua protecção a elementos de outras espécies, que inadvertidamente caíram no seu habitat, evitando que outros elementos da comunidade tivessem uma reacção menos positiva contra os intrusos acidentais, até que os profissionais zoológicos os pudessem resgatar. Um dos casos envolveu uma ave, protegida por uma fêmea de bonobo; e o outro uma criança, que foi acolhida por uma fêmea de gorila.
Ainda que estes dois exemplos se tratem de casos isolados, não recolhidos de forma sistematizada e contextualizada, no seio da organização social dos grupos onde se enquadravam estes primatas, a verdade é que outros foram observados, quer no habitat natural, quer em cativeiro, no âmbito de estudos estruturados e baseados em observações sistemáticas, por investigadores.
Essa disponibilidade para ajudar os outros é, necessariamente, mais forte no centro da família nuclear, diminuindo de intensidade à medida que se alarga a parentes menos próximos, membros da comunidade, membros de outras comunidades, elementos estranhos pertencentes à própria espécie e, finalmente, a outras espécies. Operamos em vários círculos de proximidade, com os quais temos diferentes níveis de ligação.
Mas há também uma realidade, inerente a estas sociedades de primatas e para a qual também conseguimos encontrar paralelismo no nosso próprio comportamento social, que se refere às fronteiras dessa generosidade ou altruísmo. A nossa disponibilidade para alargar a nossa generosidade tem, na maior parte das vezes e com algumas excepções, uma relação directa com a disponibilidade de recursos ou a necessidade de protecção daqueles que nos são mais próximos.
Uma comunidade que esteja a ser fustigada pela escassez de recursos ou por algum tipo de ameaça, fecha-se sobre si própria e a torna-se, necessariamente, mais hostil ou, pelo menos, menos disponível para as necessidades daqueles que estão fora do seu círculo mais próximo de relacionamento social.
O ser humano não é diferente. Tal comportamento é perfeitamente observável nas situações de guerra ou mesmo na actual crise económica. Ainda que o nosso código de conduta moral procure combater essa tendência, a realidade (bem patente na proliferação dos partidos xenófobos, mesmo no seio da velha e social Europa) é que, na escassez, vamos-nos fechando sobre nós próprios. O alcance do nosso altruísmo encolhe.
Se falarmos então em outras espécies, a nossa disponibilidade diminui ainda mais. Por essa razão é que, em alturas de cortes orçamentais, um dos investimentos que mais rapidamente é reduzido é o do ambiente e da conservação da natureza. E a população, na generalidade, compreende e aceita esse desinvestimento. Porque há outros problemas que lhe parecem mais prementes.
É uma realidade que nos é inerente, muito provavelmente associada ao nosso sentido de sobrevivência.
Mas com isto não pretendo, de todo, afirmar que os nossos comportamentos se baseiam única e exclusivamente em instintos de sobrevivência, ou que entra em vigor o “salve-se quem puder” e a lei do mais forte. É nesta altura que eu acredito que entra em campo a capacidade, até agora única do ser humano, de racionalização. A capacidade que nos permite, entre outras coisas, compreender o planeta como um único ser vivo, bastante complexo, tendo a noção que a nossa intervenção, ou falta dela, acaba por ter repercussões potencialmente graves no mesmo.
Como já referi, não pretendo teorizar que, em alturas de maior contracção dos recursos disponíveis, o ser humano se comporte como um animal acossado. Pretendo sim reflectir sobre a importância de termos a consciência da existência deste gradiente de circulos de proximidade. Em particular quando pretendemos que bandeiras tão importantes, como a da conservação das espécies e da proteção dos ecossistemas, não sejam obliviadas em períodos de crise económica. Porque é nestas alturas que o ser racional tem que emergir.
Leituras recomendadas:
- Waal, F. B. (2006). Our inner ape: A leading primatologist explains why we are who we are. Penguin.
- De Waal, F. (2009). Primates and Philosophers: How Morality Evolved. Princeton University Press.