Assobiar para o lado, fingir que não estamos, apagar as luzes quando tocam à campainha ou ignorar o chamamento de alguém que queremos evitar. Tudo são táticas humanas, à primeira vista ridículas mas que permitem que vivamos camuflados perante os outros. Quantos de nós não pensámos que, por vezes na vida seria preferível passar despercebido ou quem nunca desejou desaparecer perante dantescos cenários? Desviamos o olhar, misturamo-nos na multidão ou entramos numa loja de caça e vestimos um camuflado. Quer sejam questões do foro comportamental quer tenhamos o intuito de nos tornarmos invisíveis ao mundo, o homem sempre engendrou esquemas mentais e físicos para viver em determinadas situações, sem parecer estar presente.
Que o digam alguns habitantes dos mares que ao longo do tempo desenvolveram e apuraram técnicas de camuflagem preservando os mais apurados instintos de sobrevivência, quais Houdinis dos Mares!
Terão os humanos aprendido algo com a natureza? Certamente terão aprendido a moldar a sua presença, num mundo onde só os mais fortes e inteligentes sobrevivem, espelho de uma cadeia evolutiva de seleção natural.
Os recursos que a natureza e a biodiversidade possuem são ínfimos e ancestrais, mas ainda não conseguimos imitar todos os planos, estratégias e armas usadas pelos animais. Dificilmente conseguiremos algum dia imitar um choco ou uma lula que, ao sentirem-se ameaçados expelem uma bolsa de tinta escura para intimidar e perturbar a visão do predador. Impossível será pensarmos em encostarmo-nos a uma superfície e adotarmos a mesma pigmentação e textura tal como um polvo faz.
Sempre me impressionou a camuflagem natural que alguns peixes e os cefalópodes possuem. A habilidade inata de se esconderem dos predadores e muitas vezes de uma observação menos atenta de mergulhadores recreativos e com o olho pouco treinado para toda esta fisiologia.
Os polvos ou Octopus vulgaris, possuem oito longos e elásticos braços providos de duas colunas de potentes ventosas, são carnívoros, envolvem as suas presas num abraço letal e possuem um coeficiente de “inteligência” que deixa muitos humanos de braços caídos. Abrem frascos, adivinham resultados futebolísticos, propulsionam-se na água com uma destreza ímpar, conseguem trocar de “roupa” num ápice e desfilar como tropa de elite ou como areia do mar, parecem um pau, podem ser pedra. Procuram disfarçar-se e ser apenas parte do cenário. Vivem desde a antiguidade com conhecimentos de artes mágicas, a ciência, apenas na atualidade deu os primeiros passos para compreender e replicar este fenómeno que de vulgar nada tem.
Nuno Vasco Rodrigues é para mim uma referência no que toca ao conhecimento das espécies submarinas. Este biólogo vive e respira a biodiversidade marinha como poucos, está presente na campanha M@rBis a bordo do Navio de Treino de Mar Creoula e já me ajudou numa crónica passada, (a crónica 4), a identificar as principais caracteristicas das espécies que encontramos na nossa costa mas que não associamos à forma e aspeto. Se existisse um concurso televisivo em que, quem identificasse o maior número de espécies ganharia, tenho a certeza que o nuno Vasco seria o vencedor e seria conhecido como o papa concursos do mar. Assisti a uma pequena demonstração desse vasto conhecimento quando lhe mostraram uma fotografia feita em mergulho onde surgiam retratadas várias espécies. De imediato o biólogo e investigador de fauna marinha apontou o dedo e vociferou os nomes científicos de mais de dez espécies, assim de rajada, impressionante!
O biólogo marinho falou-me deste fenómeno natural e de adaptação ao meio que tanto me apaixona durante o mergulho, a camuflagem:
“Na verdade existem dois tipos de comportamento desta natureza, o mimetismo e a camuflagem. Os princípios não devem ser confundidos. Se no mimetismo a espécie evolui especificamente para se assemelhar com outra espécie mais protetora, imitando a postura do mimetizado, a camuflagem projeta-nos para um mundo ainda mais complexo de proteção e evolução e surge com muito mais frequência na nossa biodiversidade. Os caranguejos e ouriços conseguem enfeitar-se com algas e organismos, usando os artefactos que vão encontrando para assim se confundirem com os fundos que habitam. Os pequenos crustáceos usam a transparência ou adotam a côr do hospedeiro para assim evitarem a predação. No caso dos cefalópodes o processo é distinto e apaixonante para a ciência. Os chocos e os polvos têm ao longo do seu corpo células pigmentadas e microscópicas que produzem cores quimicamente, são os cromatóforos. Esta maquilhagem quimica permite-lhes comunicar entre espécies mas também iludir os predadores pois conseguem assumir cores, padrões e as texturas do substrato envolvente.”
Ao mesmo tempo que é uma defesa pode também ser uma forma de ataque. Que o digam as lulas que por viverem na coluna de água, usam esta maquilhagem quimica para se comunicarem e quando se sentem ameaçadas expelem um jato de tinta e propulsionam a sua fuga de forma explosiva. Também o peixe escorpião usa a sua cor e pretuberâncias naturais para se confundir com o cenário envolvente. Ficar imóvel é uma das características que mais ajuda ao disfarce com o meio. Os peixes que vivem na areia, os linguados e solhas ou o peixe achatado entre tantos outros, preferem enterrar-se no substrato e passar completamente despercebidos adotando uma outra forma de camuflagem coadjuvados pela sua forma física que naturalmente já contribui bastante para o disfarce.
Não é medo de acabarem grelhados e serem repasto apetecível numa esplanada no verão, é apenas vontade em sobreviver neste mundo aquático de guerra e paz onde nem sempre os mais fortes vencem mas, certamente os mais inteligentes sobrevivem.