Atualmente todos os passos que o Homem dá em terra firme encontram-se vigiados, quase todos felizmente. Também o mar é alvo de vigia e monitorização constante, graças ao empreendedorismo de projetos universitários que, apesar de nos parecerem enclausurados em linguagem técnica e científica, conduzindo os seus resultados num futuro de conhecimento e equilíbrio ímpares, sobre o que está para lá da superfície aquática. São o “Big Brother do Mar”.
A estória cómica e intrigante que me ocorreu quando conheci a bordo do Creoula durante a expedição M@rBis 2013 no Algarve os três biólogos marinhos: Pedro Monteiro; Nuno Sales Henriques e Frederico Oliveira é a de três biólogos marinhos recém formados, que nunca tinham visto o mar. Caminharam até alcançar uma zona costeira. Sem conter a emoção de ver pela primeira vez o oceano, um deles exclama: Incrível…tanto mar, tanta água, tão grandioso que é o oceano! O segundo retorquiu: pois é, é mesmo muito mar, nunca pensei que tivesse tanta água. O terceiro ainda incrédulo comenta; é mesmo um mundo infinito, fora o que está lá por baixo!
Mas deixemo-nos de estórias e concentremo-nos na História que estes três “mosqueteiros marinhos” pretendem escrever para Portugal, com o seu estudo, pesquisa e conhecimento do Mar Português!
Parafraseando Pedro Monteiro, Licenciado em biologia marinha e pescas e mestrado em estudos marinhos e costeiros ambos pela universidade do Algarve: “Quem não vê, não conhece nem ama!” De facto, para quem como o Pedro e a sua equipa tem como objetivo, conhecer, mapear e identificar os biótipos marinhos, as zonas protegidas e sustentáveis. Mergulhando no tema e explorando com detalhe, conseguem um mapeamento completo do que existe debaixo do enorme tapete de água que banha o Algarve.
“O nosso grupo começou a trabalhar com o setor das pescas, monitorizando a zona costeira, os seus bancos pesqueiros e as características das espécies coletadas. O mapeamento dos habitats marinhos da zona costeira da costa algarvia requer muito trabalho de campo…leia-se de água! Começamos pela base, os fundos marinhos, se é rochoso, arenoso ou misto. Debruçamo-nos depois sobre os seus habitats, os tipos de organismos que lá vivem. O nosso desejo é criar uma imagem fotográfica das zonas que exploramos e o que é que se destaca em cada um dos habitats que estudamos. Para scanear os fundos e conseguir uma imagem topográfica precisa da zona, usamos aparelhos de varrimento de ondas. Sonares que varrem o fundo e criam imagens tridimensionais coloridas em função das profundidades e da morfologia do subsolo. Complementamos este projeto de mapeamento com o trabalho de vistoria, observação e contabilização do que caracteriza o cenário marinho. Usamos genericamente métodos de amostragem, recorrendo a zonas delimitadas por uma guia a que chamamos transcepto. Em função do tipo de espécies delimitamos a área de amostragem. No caso de serem peixes que nadam livremente a observação abrange uma área mais ampla, se forem peixes demersais ou crípticos, ou seja, que se escondem nas rochas e nos fundos restringimos a nossa observação, à medida que os seus tamanhos vão diminuindo obrigamo-nos a um trabalho de “Sherlock Holmes”, levantando pedras e espreitando fendas. Anotamos tudo em pranchetas e conseguimos ter uma amostragem muito real do que povoa uma determinada zona de território marinho.
No caso das algas é diferente, colocamos um quadrado de meio metro e estimamos a cobertura que a espécie ocupa no leito, projetando os resultados em relação ao espaço da amostragem. Nos fundos arenosos ou de substrato móvel, utilizamos uma técnica proibida na pesca comercial que é o arrasto de vara. Para profundidades maiores utilizamos um veículo operado remotamente ROV.
Graças à campanha M@rBis, contactámos de perto com uma zona bastante interessante, a pedra do barril na zona de Santa Luzia, Tavira. Apesar de ser uma zona muito batida pela pesca, encontrámos muitos aparelhos perdidos, este é um excelente local para ver corais. Sobretudo algumas espécies que só sabíamos existirem a maiores profundidades: o Astrospartus mediterraneus, um ofiurídio e o coral de profundidade, Dendrophyllia ramea.
Também a zona de Sagres é verdadeiramente surpreendente em termos de biodiversidade. Assumindo características distintas, as grutas congregam espécies que não são vistas noutros locais. Os grandes blocos rochosos são muito interessantes e sobretudo numa batimetria entre os 50 e os 70 metros a densidade e diversidade de gorgónias supera toda a costa portuguesa.” Resume assim o trabalho que desenvolve em prol do projeto MESH Atlantic, o biólogo Pedro Monteiro.
Esta é a grande base de trabalho sobre a qual os biólogos e a comunidade científica extraem as condições de sustentabilidade para o futuro do mar. Um trabalho que é urgente apoiar e compreender. A valorização dos resultados obtidos podem ser fatores de decisão e a chave para que o nosso mar sobreviva aos ataques desenfreados em prol do lucro fácil dos que o usurpam e para que continue a renascer todos os dias como fonte saudável de vida.
O biólogo marinho e mestre em pescas e aquacultura, formado na Universidade do Algarve, Nuno Sales Henriiques, é o segundo vetor deste triângulo de ciência e conhecimento e dá-nos a conhecer uma das suas áreas de interesse, o planeamento e conhecimento das áreas e reservas marinhas a sul de Portugal.
“No que toca aos habitats onde mergulhámos, tenho a destacar a zona do sotavento, mais propriamente em frente a Tavira. Torna-se, no entanto, prematuro descrever o estado de saúde desses habitats. De facto, não vimos muitos peixes, muito menos peixes de grandes dimensões, mas em contrapartida vimos espécies como as gorgónias, que embora frágeis existiam em número mais restrito, no passado. Estas são espécies importantes, pois tornam o habitat estruturalmente mais complexo, aumentando a protecção fisica de larvas de diversas espécies, nomeadamente as comercias, contra a predação.
Também a zona da baía de Armação de Pêra merece o meu destaque, é uma zona muito rica, pelo que estes hotspots de biodiversidade devem ser protegidos.
Sem biodiversidade, a pesca tem os dias contados. Todas as espécies, comerciais ou não, têm que se alimentar, reproduzir e criar. Cada espécie tem o seu alimento alvo, o seu habitat “preferido” para procriar e viver. Por sua vez, esses alimentos alvo também dependem de outras espécies. Também os habitats necessitam de uma enorme variedade especifica para funcionar. É um meio bastante complexo e encontra-se altamente interligado, onde uma alteração num qualquer factor pode levar a uma escalada de alterações muito mais significativas e nefastas do que inicialmente poderia parecer. Um pouco como o efeito borboleta na teoria do caos de Edward Lorenz.
Nos dias que correm, onde o mar é das principais fontes de alimento para a população humana, a pressão das pesca e de outras actividades ligadas à exploração marinha, têm exercido um forte impacto nos ecossistemas, resultando na destruição de habitats. Todos estas actividades contribuem para a redução da biodiversidade e consequentemente para a redução dos stocks de pesca. Parece-me que a preservação da biodiversidade é fundamental não só para o “bem estar” do meio marinho, mas também para o bem estar da espécie humana, muito do que comemos e do ar que respiramos, estão dependentes de um oceano saudável!
A indústria tem de pensar a longo prazo. Numa economia onde reina a regra do lucro desenfreado sem olhar a meios, não acredito que possa haver uma “harmonia marinha” com a indústria. Por exemplo, os stock de pesca tem que ser bem geridos, de forma a haver peixe no mar que se possa reproduzir e produzir mais peixe que possa ser pescado nos anos seguintes. Se este setor for mal gerido e regulamentado, o peixe vai faltar, e vai ficar mais dispendioso sair para o mar para pescar menos…. Quanto a isso, nem subsídios ajudam, porque o peixe vai continuar a faltar. Com isto cria-se o efeito bola de neve, onde se gastam mais fundos para fomentar uma actividade, que quando mal praticada e gerida, é altamente autodestrutiva.
Para mim, preservar a biodiversidade, não se trata de salvar ou proteger o oceano ou o planeta Terra. Este lindo Astro azul a flutuar à volta do Sol continuará aqui muito depois de nós já não cá estarmos. Agora, para o nosso bem estar, como só mais uma espécie deste planeta, temos que o manter da forma mais semelhante ao que o encontrámos até à bem pouco tempo atrás: prístino, diverso e cheio de vida!” Defende Nuno Sales Henriques.
Com o intuito de criar de forma harmoniosa, zonas de proteção marinha, também nesta área se desenvolvem estudos e congregam esforços. Nuno Sales Henriques especialista em design de áreas marinhas comenta os dados que servirão de plataforma decisora à criação de zonas protegidas.
“Os dados sócio-económicos mais relevantes para podermos apresentar trunfos que nos permitam defender o mar na sua plenitude são as zonas criadas para a implantação de recifes artificiais (para melhorar as pescas), zonas de extracção de areia (para alimentar as praias) e as zonas de ancoragem e distribuição do esforço da pesca local. Estes resutados foram obtidos através de inquéritos aos pescadores, onde pedimos para indicarem 3 zonas concretas onde gostavam mais de pescar. Com a informação da distribuição das actividades, podemos desenhar uma área marinha protegida reduzindo os conflitos com as partes interessadas da zona-alvo. Decidimos incluir os vários tipos de substrato, aumentando o espetro de biodiversidade dentro da área marinha protegida.
Com a informação dos atributos biológicos/ecológicos da nossa área de estudo, podemos decidir que zonas deverão ter uma prioridade de proteção, enquanto reduzimos os conflitos com quem faz dessas zonas, um meio de vida/subsistência.”
Frederico Oliveira completa o ciclo de investigadores envolvidos nestes projetos trazidos para bordo, sem no entanto esquecer toda a equipa que ficou em terra. O biólogo marinho também formado na Universidade do Algarve é um conhecedor nato das espécies que povoam os mares do algarve fascina-o sobretudo o conhecimento das profundezas onde só se chega com o apoio de ROV’s.
“Para mim o Projecto Rensub foi a grande oportunidade. Tudo o que conheço hoje sobre a fauna subaquática do Algarve tem origem directa ou indirecta neste projecto. Na altura (2003-04), eu era recém-licenciado e ganhei uma bolsa de Investigação para trabalhar com a equipa do Doutor Jorge Gonçalves (o coordenador do Projecto Rensub) na fase inicial do projecto, em particular com as comunidades de substratos móveis. A partir daí fiquei ligado ao projecto em todas as suas etapas e tive acesso a uma enorme quantidade de organismos que só conhecia de velhas ilustrações nos livros e guias. Para um jovem biólogo marinho, é díficil começar melhor!
A biodiversidade marinha que conheço do Algarve está ainda muito restrita às zonas costeiras, porque à medida que nos deslocamos para zonas mais fundas a exploração torna-se mais díficil e começa a ser necessário utilizar tecnologia que na maior parte dos casos ainda tem custos insuportáveis para um Centro de Investigação Científica em Portugal. Pessoalmente, considero que o Algarve é uma das zonas mais ricas do nosso País. E também acredito que quanto mais procurarmos mais espécies vamos encontrar, principalmente as menos conhecidas e pouco estudadas.
Se a esta localização geográfica adicionarmos a enorme diversidade de habitats (estuários, rias, pradarias submarinas, recifes naturais e artificiais e planícies de areia de diversas granulometrias), então podemos perceber que existem condições propícias para encontrarmos uma elevada diversidade de organismos.
As zonas rochosas são quase sempre bastante complexas em termos tridimensionais e portanto oferecem uma grande gama de habitats. Por isso encontramos aí, em geral, maior biodiversidade. Desde espécies exploradas comercialmente, como os sargos ou os pargos, as lagostas ou outras de interesse ecológico, como as gorgónias ou ainda o surpreendente camarão pistola que recolhemos para amostragem e fotografámos. Os substratos móveis, para a maior parte das pessoas são desertos de areia debaixo de água. Na verdade, estão cheios de vida. Têm essa denominação porque de facto são bastante dinâmicos e movem-se de acordo com as correntes e marés. A fauna que aí existe está bastante bem adaptada à vida entre a areia e é onde encontramos várias espécies de linguados, caranguejos-eremitas e outros pequenos crustáceos.
A participação na campanha foi uma experiência engraçada, até porque a oportunidade de estar a bordo do “Creoula” não acontece todos os dias!
Para o estudo da costa Algarvia, foi mais um passo, mais informação recolhida para juntar ao conhecimento que já temos, mas que necessita de estar o mais actualizada possível.
Os objectivos futuros são explorar mais fundo. A zona costeira até aos 30 metros de profundidade é razoavelmente bem conhecida. Estamos agora a aventurar-nos até aos 100 metros utilizando um mini-veículo submarino em busca de habitats prioritários para a conservação e quem sabe encontraremos novas espécies para ciência.”
LINKS:
- http://www.meshatlantic.eu/
- http://www.rensub.com/
- http://ccmar.ualg.pt/cfrg/index.shtml
- https://www.facebook.com/pages/CFRG-Coastal-Fisheries-Research-Group/516366771757021