Sagres transporta o mito de ter sido durante séculos, o ponto mais afastado do mundo conhecido. Envolto numa áurea de misticismo, que o litoral, o vento e a vegetação selvagem impõem, a sua carga telúrica prescuta-se em terra firme, a cada passo.
Desde o neolítico que o Cabo de São Vicente é um local de culto. Já no século IV a.c., autores gregos relatavam cerimónias religiosas envolvendo deuses. Subir ao promontório, meditar, cumprir promessas, era um ritual obrigatório de todos os marinheiros que se aventuravam pelo mar adentro, Para além do cabo nada existia, apenas mar e o fim do mundo. Foi aqui que começou a globalização do mundo moderno.
Mais do que uma criar escola naval, o Infante D. Henrique reunia aqui mareantes e cientistas, aprendiam-se práticas de hábeis marinheiros, desenvolveram-se novos métodos de navegar, desenhar cartas e adaptar navios, formar heróis do mar como Vasco da Gama Afonso de Albuquerque ou Cristóvão Colombo. Após a descoberta da América por Colombo, o Cabo de São Vicente deixou de ser o fim do mundo para ser a rampa de lançamento para novos mundos. Não é de estranhar que em 2004 a vila se tenha geminado com Cabo Canaveral nos EUA, local de partida das descobertas espaciais.
Quando o sol desaparece no horizonte junto ao cabo de São Vicente, deixa-nos confiado às memórias de outrora, em que se semearam novos sonhos. Renasce em nós, nova vontade de sonhar, de descobrir novos mundos. Da proa do Creoula observo os biólogos participantes na campanha M@rBis 2013/Algarve que procuram preservar esses sonhos traduzindo-os em fotografias. Eles conhecem os segredos e tesouros que a biodiversidade marinha algarvia preserva. Sentem-no com o conhecimento empírico e transformam o convés em aulas práticas de ciência viva.
Adelino Soares conhece bem a região. Sempre viveu aqui e preside atualmente ao município de Vila do Bispo que integra Sagres no seu Concelho.
A conjuntura sócio-económica mundial que o país também atravessa fecham-lhe os projetos na gaveta, à espera que o sol e a economia brilhem de novo e se encontre novo rumo. Sendo Sagres e o concelho de Vila do Bispo uma referência mundial a nível histórico, cultural e turístico é natural que tenha em carteira investimentos e infra-estruturas que projetem ainda mais a imagem do Concelho para o mundo. O porto de pesca da Baleeira merece particular destaque com vista à criação de melhores condições aos pescadores locais e à náutica de recreio. É seu desejo continuar ao leme do Concelho, para poder levar a cabo investimentos na área do turismo rural, ecológico e sustentável bem como através do programa pólis, recuperar a frente mar e as condições de acesso ao cabo, uma ciclovia que o ligue à fortaleza, e criar um centro de estudo dedicado ao mar português e à sua história. De momento o seu foco prende-se com as pessoas da terra. Já não são os marinheiros de outrora, vivem entre a agricultura e o mar com os recursos que a região lhes oferece. A sua preocupação latente e presente é a preservação do bem estar social das pessoas da região.
“A sazonalidade do turismo não é por nós notada, o Surf por exemplo, é uma atividade que só se pratica fora da época balnear. Congregamos atividades turísticas que não dependem do sol nem das férias pelo que os visitantes procuram-nos durante todo o ano. Também as rotas náuticas que cruzam o atlântico em direção ao mediterrâneo é aqui que encontram o primeiro porto de abrigo. Daí o meu enfoque na recuperação do porto da Baleeira. A nossa lota é a que reúne maior diversidade de espécies das lotas nacionais, demonstrando bem a riqueza das nossas águas. Os marisqueiros seguindo a tradição familiar ganharam fama com a qualidade do nosso marisco. Para nosso orgulho ostentamos 30 bandeiras azuis sendo que doze receberam o galardão máximo da Querqus de bandeira dourada. Da história à geologia, do património religioso ao imenso mar, da gastronomia ao desporto, reunimos todos os recursos coadjuvados pela beleza natural do parque natural da Costa Vicentina para que a região seja sempre um tesouro por descobrir.” Comenta o bem disposto e orgulhoso presidente.
Confesso que fiquei fã do presidente, por precisamente não parecer um autarca mas sim um apaixonado pelo que faz, pelas pessoas por quem faz, por poder viver aqui em Sagres e sobretudo pela paixão sobre o tema mar que nos uniu neste encontro a bordo do Creoula quando fundeámos ao largo da baía do beliche.
Voltemos ao mar e sobretudo ao mergulho em Sagres. Reconhecido mundialmente pelas revistas internacionais da especialidade como integrando o top 10 mundial, o ponto mais ocidental a sul de Portugal continental congrega inúmeros locais de eleição para a prática do mergulho. Existem três centros de mergulho aqui localizados apesar de não ser um local de turismo de mergulho massificado, uma média de 20 pessoas por dia, durante praticamente todo o ano mergulham nestas águas onde as temperaturas variam entre os 13 e os 20 graus.
Eu próprio considero sagres como o paraíso do mergulho nacional, se excetuar as ilhas açoreanas, claro. Aqui encontramos uma morfologia e paisagem de cortar a respiração…não convém! A variedade da vida marinha, a proximidade a terra e a diversidade de mergulhos entre, grutas, canyons, naufrágios paredes e recifes coralinos oferece uma diversidade ímpar de cenários e níveis de mergulho. O sudoeste alentejano e a costa vicentina são os locais menos afetados pela intervenção humana em Portugal, congregando condições ecológicas e biofísicas únicas. A confluência de diversas massas de água (atlântico, mediterrâneo e correntes africanas) bem como a diversidade dos leitos marinhos da zona costeira e sobretudo a ocurrência de “Upwelling” que por influência de ventos e marés empurra as águas frias e ricas em nutrientes do fundo oceânico fazendo-as convergir com as águas mais quentes da superfície alimentando toda uma vasta cadeia de biodiversidade que aqui reside.
A preservação de áreas de reserva marinha contribuem também para a preservação do ecossistema. Os números deste ecossistema são incríveis, só mesmo quem já mergulhou aqui, acredita ser possível tanta biodiversidade. Não flando em quantidade mas sim em diversidade, acredite-se ou não, só na classe dos crustáceos onde se incluem os camarões, caranguejos, lagostas, etc., poderemos encontrar mais de um milhão de espécies. No reino dos moluscos encontramos com facilidade um ancestral Chiton que sobrevive desde o tempo dos dinossauros, por entre as 65000 espécies de peixes. Aqui é também, o reino dos nudibrânquios, onde a mítica personagem Algarvia alba teima em esconder-se dos mergulhadores e do tão apetecido prémio proposto pela Subnauta para quem a encontrar e fotografar.
Quem conhece bem os fundos marinhos que a zona de Sagres tem para nos oferecer é André Cid, o homem dos cetáceos que se dedica também ao ensino de mergulho no principal centro de mergulho localizado no porto da Baleeira, a Diverscape.
“Mergulho e trabalho aqui desde 2008. Bem vindos ao meu quintal! Adoro dizer isto aos visitantes e mergulhadores que ficam pasmados com tanta beleza. Sei que lhes causo alguma inveja mas de facto aqui em Sagres temos condições para mergulhar durante todo o ano. Temos oferta para todos os níveis e tipos de mergulho e sobretudo a proximidade dos “spots” do nosso centro de mergulho é uma mais valia em termos de conforto e segurança para os mergulhadores que são integrados num ambiente familiar, onde não falta um chá e umas bolachas após o regresso a terra. Para mim a melhor altura para mergulhar aqui é no final do mês de Agosto mas também durante o mês de Setembro e por vezes Outubro. A áqua fica mais quente e a visibilidade aumenta. Como os fundos são predominantemente rochosos albergam imensa vida, sobretudo nas zonas abrigadas a vida é infinita. É uma paraíso para a fotografia subaquática, sobretudo em ambiente macro. Apesar de ter sido guia de mergulho nas Caraíbas, sempre senti, no período em que lá trabalhei, uma saudade imensa do mergulho em Sagres, pela dificuldade, por reter tanta biodiversidade e sobretudo pela ambiência das paisagens.” Descreve-nos André Cid depois de ter batizado dois membros da guarnição do Creoula num mergulho junto às ilhas do martinhal.
Preocupado em contribuir para as questões sociais André, oferece experiências de mergulho aos alunos das escolas do Concelho onde o biólogo, explica o mar de forma apaixonada e em jeito de pastor evangelizador, procura converter mais fieis à sua causa marinha.
A Diverscape foi pioneira ao criar ações de limpeza do fundo marinho nomeadamente no porto da Baeleeira, onde aparecem os mais incríveis objetos desde baterias de automóvel a scooters e até carrinhos de supermercado. Estas ações tem ganho expressão e de ano para ano os mergulhadores crescem em número e interesse por colaborarem na preservação do meio marinho.
Pedi ao André para me guiar no seu top 5 de mergulho. Também para que me inspire a voltar e a mergulhar em Sagres mas sobretudo para que fiquemos com o registo do que de melhor o “fim do mundo português” oferece:
1 – Ponta dos Caminhos – A paisagem é espetacular e o mergulho considerado fácil com uma profundidade máxima de 14 metros. A vida que este local congrega é de uma riqueza enormíssima.
2 – Grutas da Atalaia – Este complexo de várias grutas, requer algumas técnicas especiais, para que se possam apreciar as várias formações coralinas e a beleza da sua arquitetura natural.
3 – Ilhas do Martinhal – Sendo uma reserva parcial, os cardumes de grandes peixes encontram aqui refúgio. Também as paredes são pródigas em vida. A proximidade ao porto da Baleeira e a diversidade fazem deste local, acessível a todos os níveis de mergulho.
4 – Praia do Martinhal – Sendo um mergulho feito a partir da praia é perfeito para ser palco das primeiras experiências e aulas dos cursos de mergulho. A partir de 1,5m de profundidade já conseguimos observar a biodiversidade que aqui existe o que o torna bastante apelativo mesmo em apneia.
5 – Torvore Vapor 19 – é um mergulho em naufrágio, algo profundo. Conhecer previamente a história deste naufrágio torna-se interessante e sobretudo cria-nos uma proximidade com os destroços. Aqui encontramos com frequência peixes-lua e safios.
LINKS:
- http://www.diverscape.com
- http://www.campanhasmarbis.org/
- http://www.emepc.pt/
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