A indústria cinematográfica, sempre se apoiou nas mais bizarras formas da natureza para reproduzir no grande ecrã, criaturas alienígenas. Estranhas formas de vida que atormentam atores e inquietam plateias. Esta ponte entre o mundo do fantástico e a biodiversidade marinha vai apaixonando dentro e fora de água aqueles que tem uma sede imensa de conhecimento, sobretudo por haver ainda tanto por fantasiar e descobrir.
Gonçalo Calado é reconhecido internacionalmente como um dos maiores especialistas no conhecimento de lesmas do mar. À primeira vista será difícil percebermos como pode alguém dedicar uma vida ao estudo destas minúsculas criaturas, os opistobrânquios, vulgo lesmas. A designação por si só, já provoca alguma relutância ao contacto próximo, ainda assim quis perceber as razões de tanta paixão por estes seres que mais parecem de outro mundo.
Vulgarmente conhecidas como nudibrânquios, as pequenas lesmas encerram lacunas no seu conhecimento profundo, pelo facto de não possuírem concha, toda a sua observação e estudo só podem ser feitos durante a sua vida e no seu habitat. São excelentes modelos ecológicos, possuem características evolutivas únicas de onde se destaca a defesa química.
Como pode uma criatura aparentemente tão frágil estar no topo da pirâmide do ecossistema? A resposta é-nos dada pela própria magia da sua natureza. Desprovidos de concha, naturalmente ficariam vulneráveis à predação, recorrem contudo a uma característica designada como aposematismo. A coloração viva que apresentam, indicia toxicidade, tornando-se pouco ou nada apetecíveis para os seus predadores. Tal como acontece na América central com as garridas rãs venenosas, também as lesmas do mar carregam em si um alerta permanente. Diria que dão e querem dar nas vistas pelos piores motivos. Caso para dizer: Se não os posso vencer, impressiono-os com o que visto! Um destes exemplares , a Babakina anadori remete-me para os caretos de podence. Esta tão remota tradição lusitana cruza-se no meu imaginário comparativo, em termos de explosão de côr com um pequeno e surpreendente molusco. Serão já muitos dias no mar?
Falar de nudibrânquios é despertar para um mundo de cores vivas, movimentos lentos e tamanhos diminutos. É deveras apaixonante para quem mergulha, poder encontrar um exemplar, na imensidão do oceano. As cores saltam à vista, a lenta atitude de vida refletida na sua locomoção e os seus encontros deliciam-nos. Reconhecem-se entre iguais pela química, e adotam uma postura sexual verdadeiramente revolucionária: São hermafroditas. Durante o ato, fecundam-se mutuamente em posição 69, permitindo uma união perfeita, como comprovará por uma das fotografias da galeria de imagens desta crónica.
Dentro deste grupo existem aqueles que são ainda mais pequenos, podendo medir pouco mais de um milímetro. São os dotos, miméticos e crípticos, é quase impossível distingui-los por entre a folhagem dos hidrozoários dos quais se alimentam.
De forma geral, os opistobrânquios, assim designados porque as suas brânquias se situam no exterior do corpo e sem proteção, possuem defesas químicas. Acumulam o que comem das esponjas alterando a sua estrutura molecular. Sendo um grupo bastante evoluído em termos químicos conseguem imitar as esponjas carregando a sua toxicidade ou mesmo apropriar-se das mesmas defesas das anémonas numa atitude de cleptodefesa como é o caso da Flabellina affinis. Algumas espécies, por não conseguirem fugir de predadores, segregam ácido sulfúrico para se protegerem. Assustador!
Outra das prodigiosas espécies é a Elysia viridis, consome algas e absorve-as na sua pele provocando fotosíntese, podem viver sem comer durante oito meses bastando a luz solar para continuar a processar energia. Notável!
Gonçalo Calado dedicou-se durante 4 anos ao estudo de uma espécie, a Calma gobioophaga, um nudibrânquio que mede apenas 1 centímetro e que se alimenta exclusivamente de ovos de góbios. Partilha o seu conhecimento nesta matéria num livro sobre as lesmas do mar. Uma autêntica bíblia produzida em parceria com a Subnauta, onde se apresentam as espécies bem como as suas características específicas, profusamente ilustrado com fotografias. Este guia tem duas características técnicas distintas e inovadoras, é impresso num material impermeável bem como poderemos acrescentar páginas/fichas à medida que mais espécies forem sendo documentadas.
A zona de Sagres congrega o segundo maior núcleo de vida e biodiversidade da Europa para os opistobrânquios, o primeiro é a zona do estreito de Gibraltar. No ponto mais ocidental a sul de Portugal poderemos encontrar cerca de 150 espécies diferentes, provando que só mesmo as boas ideias em termos evolutivos e genéticos podem subsistir na natureza. Fotografá-los por si só requer muito poder de observação e sobretudo conhecimento dos seus habitats mas sobretudo uma paciência de santo.
Um verdadeiro mito marinho é a espécie Algarvia alba, trata-se de um nudibrânquio que mede apenas 5 milímetros. Apenas dois exemplares foram recolhidos em 1989 na zona de sagres e estão conservados no museu de paris. Como não há registos fotográficos da espécie no seu habitat, a Subnauta oferece mil euros a quem o fotografar. Um justo e merecido prémio para quem tiver olho de lince nas águas do Algarve.