A víbora-cornuda (Vipera latastei) é uma das espécies de serpentes que existe em Portugal, e tem a particularidade de ser venenosa. Mas antes de começar a imaginar uma cena de um filme do Indiana Jones a ter de passar por centenas de víboras-cornudas para conseguir chegar a um tesouro perdido, talvez valha a pena conhecer melhor esta espécie.
Em primeiro lugar, é bom saber que se trata de uma pequena serpente que se alimenta sobretudo de ratos, com um comprimento que varia habitualmente entre 50 e 60 centímetros que não impressionaria muito num filme de ação. No entanto, o seu focinho proeminente a fazer lembrar um pequeno corno e que lhe deu o nome de víbora-cornuda parece indicar que é muito dona do seu nariz.
Este réptil hiberna entre outubro e março nas zonas mais frias do interior do país, tendo um período mais curto de inatividade (ou nem sequer hibernando) em zonas costeiras com invernos mais suaves. Num estudo realizado no Parque Nacional da Peneda-Gerês, determinou-se que a distância percorrida por machos adultos durante os meses de atividade são uns míseros 5.4 metros por dia, exceto durante a época de reprodução em setembro, em que a busca por envolvimentos amorosos sobe esta média para 21.5 metros diários. A sua estratégia de alimentação reforça a ideia de um predador que não está para grandes esforços: caça geralmente durante o dia ficando imóvel à espera que um petisco passe perto, de seguida morde-o e deixa o veneno atuar e só quando a sua presa fica quieta é que se dá ao trabalho de a ir comer. Resumindo, esta espécie tem um estilo de vida que até um reformado que raramente sai de casa acharia um bocado parada.
Esta víbora (e não estou de modo algum a tentar ofendê-la, mas apenas a designá-la pelo primeiro nome) encontra-se na Península Ibérica e no Norte de África, preferindo locais com boa insolação como zonas rochosas secas com alguma vegetação, mas também zonas abertas em bosques, matos ou dunas costeiras. Em Portugal, distribui-se por todo o território em populações dispersas e fragmentadas, que estão concentradas nas áreas montanhosas.
A vida não está fácil para ninguém, e esta espécie não é exceção, tendo regredido no nosso país nas últimas décadas sobretudo devido à perda e degradação do habitat. O facto de se reproduzir apenas de três em três anos e a sua baixa mobilidade também não ajudam muito à sua recuperação. Para além disso, as víboras-cornudas são suscetíveis de serem atropeladas nas estradas, existindo locais onde isto é bastante frequente. Como aqueles pontos negros da sinistralidade rodoviária referidos nas operações de Natal da polícia, mas em versão para serpentes.
Tendo ainda a sorte de pertencer a um grupo de animais retratados como mentirosos e detestáveis num livro que pretende promover o amor e a fraternidade entre todos (a Bíblia), as víboras-cornudas também são mortas por aversão ou superstição. Neste último caso, são usadas como amuletos, o que motiva a captura e o comércio ilegal de exemplares. Num passado recente, e ainda hoje, existem anúncios na imprensa ou na internet que elogiam os efeitos benéficos das “cabeças de víbora batizadas, tratadas com sete ondas do mar, que afastam inimigos e dão muita sorte”. Seja batizadas ou já com a primeira comunhão, tratadas com sete ondas do mar ou apenas com uma grande onda do mar da Nazaré, esta prática trará certamente benefícios, mas é a quem ganha dinheiro com este negócio e aos ratos que não são comidos por estas serpentes.
Também é importante dizer que a víbora-cornuda só ataca pessoas quando se sente ameaçada. Do seu ponto de vista, é um desperdício de veneno e um risco desnecessário que só vale a pena correr quando a sua vida está em jogo. Quando tal acontece, a sua mordedura normalmente não é fatal, sendo possível aplicar um antídoto genérico para víboras, nos casos mais graves. Por isso, é capaz de não ser boa ideia pegar em víboras ou outra serpente qualquer que não saiba identificar. A não ser que esteja no cenário de um filme a fazer papel de Indiana Jones…
Referências bibliográficas:
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