Finalmente, depois de mais tempo e dinheiro que o inicialmente previsto e com a devida pompa e circunstância, foi inaugurada a remodelada estação de tratamento de águas residuais de Alcântara, em Lisboa. De um tratamento incipiente (apenas primário, isto é, separação dos sólidos) e a céu aberto (que causava mau cheiro na área próxima), passamos para um tratamento sofisticado e completo dos efluentes urbanos, feito em edifícios fechados cuja cobertura é um amplo jardim. Está assim assegurado o tratamento dos esgotos de uma população estimada em 750 mil habitantes, não apenas do concelho de Lisboa, mas também de Amadora e Oeiras. Este investimento é um elemento fundamental na recuperação da qualidade da água e da mais valia ecológica do Estuário do Tejo que será acompanhado pelo início de funcionamento nos próximos tempos de estações de tratamento similares, em particular na margem Sul do rio.
Se estamos assim a finalizar um ciclo que já há alguns anos deveria ter terminado (tratar de acordo com as exigências da legislação os efluentes, faz parte do que se designa como políticas de primeira geração no domínio dos recursos hídricos), por outro lado há todo um conjunto de ações e de planeamento que estão com um atraso considerável.
Portugal, com uma Lei da Água desde 2005 (Lei nº 58/2005), não está a conseguir cumprir os compromissos europeus no âmbito da Diretiva Quadro que a referida Lei transpôs, havendo um incumprimento generalizado das tarefas que constituem o diploma legislativo aprovado pela Assembleia da República há seis anos atrás. A implementação do Programa para o Uso Eficiente ainda não avançou e a revisão dos Planos de Bacia Hidrográfica e do Plano Nacional da Água ainda está por fazer.
A demora no início do funcionamento das Administrações de Região Hidrográfica (ARHs), a incapacidade de financiamento das tarefas obrigatórias de monitorização, a falta de articulação entre ARHs e um Instituto da Água (INAG) cada vez mais descapitalizado de pessoal, a total incapacidade do INAG para implementar o Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água, ou o atraso na definição adequada de preços para as diferentes utilizações da água, são algumas das circunstâncias que marcam os últimos anos de política da água. Aliás, voltando a falar do Tejo, todo o trabalho de diagnóstico e monitorização generalizada do Estuário feito nos anos oitenta fica muito à frente daquilo que atualmente é efetuado. Apesar de estarem previstos Planos específicos para alguns estuários, nomeadamente para o Tejo, o acompanhamento e avaliação da sua recuperação é ainda um objetivo distante.
Assim, e se olharmos para alguns elementos da política da água, o panorama contrasta com as boas, importantes novidades das inaugurações recentes.
O Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA), aprovado em 2005 pela Resolução de Conselho de Ministros nº 113/2005 de 30 de Junho, continua sem ser aplicado. Um conjunto de medidas de poupança que foram devidamente listadas e avaliadas deveriam estar já há alguns anos em aplicação nos setores da agricultura (o maior consumidor e com maior desperdício), do abastecimento de água de consumo humano e da indústria. As ações são fundamentais para reduzir os custos das entidades e dos consumidores e deviam fazer parte de uma estratégia de desenvolvimento sustentável do país e de uma melhor preparação para épocas de seca.
O abastecimento de água às populações corresponde a 8% do consumo total nacional, mas representa 46% dos custos efetivos de produção de água. Para este setor, o PNUEA prevê um aumento da eficiência na utilização de 20% em 10 anos, correspondendo a uma poupança estimada em 160 milhões de metros cúbicos por ano. No entanto, com a não aplicação do programa, não há dados sobre a eficiência no consumo, dados esses que permitiriam a seleção das medidas mais adequadas e com melhor eficiência de custo.
O Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água – Bases e Linhas Orientadoras (PNUEA) tem como principal finalidade a promoção do uso eficiente da água em Portugal, especialmente nos setores urbano, agrícola e industrial, contribuindo para minimizar os riscos de escassez hídrica e para melhorar as condições ambientais nos meios hídricos.
No que respeita aos planos de bacia hidrográfica, nenhum está ainda concluído, havendo uma situação muito díspar entre os diferentes rios, sendo que nalguns casos só a fase de caracterização está concluída e de forma incipiente, pelo que não antes do final do ano entrarão em discussão pública todos estes instrumentos fundamentais de planeamento. Mais ainda, a sua execução deveria decorrer de orientações do Plano Nacional da Água cujo atraso ainda é maior. Os Planos deveriam estar todos concluídos em Dezembro de 2009, e no caso dos rios internacionais devidamente articulados com a Espanha. A Comissão Europeia advertiu já Portugal no passado mês de Junho do incumprimento da legislação comunitária.
Os planos de gestão de bacia hidrográfica são instrumentos cruciais de planeamento que visam a gestão, a proteção e a valorização ambiental, social e económica das águas ao nível da bacia hidrográfica.
Quanto do Plano Nacional da Água, o mesmo deveria ter sido concluído em 2010 e as perspetivas do mesmo estar terminado este ano e com a qualidade exigida não são as melhores. Existem diferentes empresas externas a quem foi adjudicado o trabalho para cada um dos tópicos em análise, há falta de informação de base para o avanço dos trabalhos e para proporcionar a interligação entre as áreas, sendo que os objetivos do plano, acima de tudo de natureza estratégica nacional no que respeita às várias componentes da política da água (uso sustentável, economia da água, vulnerabilidades, articulação com Espanha), podem não vir a ser conseguidos.
O Plano Nacional da Água é o instrumento de gestão das águas, de natureza estratégica, que estabelece as grandes opções da política nacional da água e os princípios e as regras de orientação dessa política, a aplicar pelos planos de gestão de bacias hidrográficas e por outros instrumentos de planeamento das águas.
A gestão dos nossos recursos hídricos é um elemento fundamental e muitas vezes controverso e polémico, nomeadamente quando olhamos para as suas questões económicas e financeiras associadas, a começar na fatura que certamente recebemos no final de cada mês. É preciso respeitar as prioridades e assegurar os meios para este domínio-chave da política ambiental tenha, no contexto de todas as atividades da sociedade, o relevo e o impacte que é necessário e que merece.