Em tempos de crise, obter alguns produtos alimentares à custa do nosso trabalho, num terreno cedido pela autarquia, próximo do local onde vivemos, é uma excelente oportunidade a diversos níveis.
Por um lado, ganha uma relevância económica significativa para as famílias, e mesmo que pouco, para o país, que é muito dependente do exterior; por outro evita custos ambientais no transporte dos bens alimentares; é uma possibilidade de educação e aprendizagem numa área tão elementar como o assegurar da nossa subsistência; por último, é o aproveitar de um conjunto de serviços invisíveis que um solo agrícola num meio urbano nos pode proporcionar, como seja a infiltração das águas das chuvas, a presença de um elemento natural e verde.
Nas últimas semanas diversas foram as reportagens que vi ou ouvi sobre este tema, abrangendo concelhos como a Maia (o caso mais antigo promovido pela LIPOR), Cascais e mais recentemente Lisboa.
O caso das hortas urbanas parece-me ser uma forma de redenção da mentalidade e das políticas de muitos autarcas (não necessariamente dos concelhos mencionados), onde depois de construírem nas zonas de solos mais produtivos, em leito de cheia, destruindo o património construído associado a bonitas quintas na periferia urbana, em plena Reserva Ecológica Nacional ou mais ainda em Reserva Agrícola Nacional (verdadeiro guardião dos nossos solos mais produtivos e que no futuro muito valeriam), agora revitalizam (e bem) o que sobrou de solos agricultáveis.
Há muitos anos que inúmeros especialistas alertavam para a grande relevância destes espaços pelas suas múltiplas valências, suportando tradições como a famosa laranja de Setúbal produzida ao longo da várzea actualmente coberta em grande parte por prédios e vivendas.
Teve de chegar a crise e um sentimento de nostalgia de produtos próximos, que actualmente são substituídos por proveniências longínquas e que mostram bem a nossa dependência alimentar, para se dar razão ao que estava na lei e que sucessivos governos e autarquias foram permitindo ocupar ou impermeabilizar de forma irreversível.
No ano passado, e depois de mais umas alterações legislativas que põem em causa a protecção destes solos riquíssimos em termos de produção, foi lançado uma petição para a salvaguarda da Reserva Agrícola nacional.
Viva as hortas urbanas!
Mas por favor, não se desclassifique nem se destrua mais um metro quadrado daqueles espaços de terra espalhados pelos concelhos, que mais tarde nos serão fundamentais, quando se calhar a crise económica e/ou ambiental, ainda for mais grave.