Ainda se lembra da reacção das pessoas quando, em 2003, teve de bater a várias portas para constituir a Comissão Estratégica dos Oceanos (CEO): “Olhavam-me como se fosse louco.” Ou de quando fez lóbi na Organização das Nações Unidas (ONU) para que 1998 fosse consagrado o Ano Internacional dos Oceanos, já depois de Portugal ter conquistado a Expo. “No exterior, havia a percepção de que tínhamos uma especial massa crítica nos assuntos do mar quando, na realidade, não a tínhamos.
Tivemos 30 anos de abandono, nesta matéria.” Com Tiago Pitta e Cunha, 41 anos, também foi assim. Na adolescência fez surf e, depois, mergulho, mas o mar só se tornou parte importante da sua vida já depois de adulto. “Trabalhava como advogado, dava aulas e não tinha a mínima percepção do valor do mar”, conta à VISÃO. Em 1993, ao fazer um mestrado em Direito Internacional na London School of Economics, um dos docentes lamentou-se por não ter mais alunos interessados no Direito do Mar pois Portugal tinha a maior Zona Económica Exclusiva (ZEE) da Europa.
“Foi uma surpresa”, admite. “Fiquei com a sensação de que, se calhar, teria crescido com mais amor-próprio se os adultos me tivessem ensinado que Portugal tinha essa marca.” “Cresci com um discurso de alguma desresponsabilização do papel de Portugal no mundo. Mas compreendi que o que faz de nós um país marítimo não são os navegadores do passado mas sim a geografia do presente. Se há um país, na Europa, que tem 18 vezes mais mar do que terra, deveria ser todo ele projectado sobre essa realidade. Mas nós não somos assim”, salienta.
No curriculum conta com uma (curta) passagem de 16 meses pelo cargo de coordenador da Comissão Estratégica dos Oceanos, que se auto-extinguiu, após ter elaborado um relatório com 250 propostas para uma Estratégia Nacional para o Oceano. O documento foi entregue ao Governo de Santana Lopes e Paulo Portas, que não resistiu a explorá-lo politicamente sem que tivesse seguido os princípios contemplados na estratégia. Desiludido, Tiago Pitta e Cunha foi para Bruxelas com Durão Barroso, onde encontrou uma função à sua medida, no gabinete do comissário para os Assuntos do Mar. É, para muitos, o “pai” da actual política marítima europeia, aprovada há um ano.
Apesar das razões que o fizeram “desertar”, está mais optimista quanto ao futuro do País. “Tenho recebido sinais de que as questões do mar estão a entrar nas agendas dos decisores.
Daqui a dez anos ninguém vai estar a perguntar porque é que não há políticas públicas de apoio ao mar.” Mesmo sem ter visto, até agora, uma única das suas 250 medidas ganhar corpo em Portugal.