Um dos glaciares que mais preocupa os cientistas, devido aos impactos que pode ter, está a derreter há mais de 80 anos. Um estudo publicado em fevereiro na revista Proceedings of the National Academy of Sciences revela que o recuo do Thwaites, o maior da Antártida, começou em 1940 e demonstra a possibilidade, alarmante e quase irreversível, do seu colapso. Os cientistas já tinham documentado o ritmo acelerado da perda de gelo desde 1970, mas não era evidente, até agora, o momento em que se iniciou a fase de fusão significativa do glaciar.
O Thwaites, situado na Antártida Ocidental, tem mais de duas vezes o tamanho de Portugal e, até à data, já contribuiu para 4% de toda a subida global do nível do mar. É conhecido por “glaciar do juízo final”, uma vez que desempenha um papel vital na estabilidade da camada gelada do continente. Forma uma espécie de barreira que detém um grande manto de gelo. Caso derreta completamente, o nível do mar pode subir mais 3 metros, afetando os litorais de todo o mundo.
Através da análise de sedimentos marinhos extraídos do fundo do oceano, os cientistas descobriram que o glaciar começou a derreter provavelmente devido a um El Niño – fenómeno que consiste em alterações significativas na distribuição da temperatura da superfície da água do Pacífico, provocando mudanças meteorológicas. Devido a este fenómeno, a água “quente” infiltrou-se nos pontos fracos do glaciar, piorando o degelo já causado pelo aumento da temperatura.
Julia Wellner, professora de geologia da Universidade de Houston e uma das autoras do estudo, diz que esta descoberta é significativa. O facto de o glaciar estar a derreter por baixo, devido ao aquecimento da água do oceano, corroendo a parte inferior, pode levar a um colapso descontrolado da camada de gelo, elevando os níveis da água do mar em grande escala e de forma (relativamente) rápida.
Segundo estudos anteriores, já aconteceram recuos semelhantes no passado, e a camada de gelo da Antártida demonstrou possuir capacidade de recuperação. Desta vez, as coisas podem ser diferentes. Desde a década de 40 que o glaciar não conseguiu recuperar a sua massa, o que pode refletir o impacto crescente do aquecimento global com origem nas atividades humanas. Os cientistas afirmam que, mesmo que a situação de crise climática não piore ou mesmo que seja revertida, o Thwaites pode continuar a perder gelo durante décadas sem demonstrar quaisquer sinais de regeneração, devido ao ritmo de degelo atingido.
Este estudo traz uma visão alarmante sobre a dificuldade extrema em parar o degelo, pois o aumento da temperatura atual e a que se vaticina pode tornar a sua reversão impossível (mesmo que as emissões de gases com efeito de estufa comecem já a baixar). Os cientistas realçam que este glaciar não é como um cubo de gelo que derrete fora do congelador, mas sim como um castelo de cartas: mantém a sua estabilidade até colapsar repentinamente.