Deles se diz que nasceram com a vida facilitada. Ou que são a geração mais bem preparada de sempre. Que privilegiam o uso à posse, onde se inclui a habitação (arrendam em vez de comprar). Que são cidadãos do mundo, desprendidos e apolíticos. Só que não.
Vendo bem, muita estrada já foi feita por quem cresceu a ouvir falar do fim da História e leva na bagagem marcas distintivas de uma geração: a mudança para o euro, o 11 de setembro, a crise do subprime, uma pandemia e, ainda, uma guerra na Europa, a par da crise climática que serão eles a ter de gerir.
Num painel moderado pelo jornalista Nuno Miguel Ropio e com Marcelo Rebelo de Sousa a assistir na plateia, a advogada Leonor Caldeira, o escritor Afonso Reis Cabral e o humorista Pedro Teixeira da Mota trocaram pontos de vista partilhados pela sua geração e reformularam boa parte do que costumamos ouvir acerca deles. Aqui ficam alguns excertos da conversa.
“A geração mais qualificada de sempre”
É um mito, pois não o sentem na prática, ou na pele. “Investimos na nossa formação para ter a qualidade de vida correspondente, mas as expetativas incutidas pelos nossos pais não se verificaram”, afirma Leonor Caldeira.
Aos 28 anos, a advogada que venceu o Prémio Nelson Mandela pela defesa dos direitos humanos e justiça climática, emigrou por duas vezes e saiu de um escritório de advogados para uma Organização Não Governamental – “recebia praticamente o mesmo por metade do tempo, mas tinha mais tempo livre, que é outra forma de remuneração” -, acha “absurdo considerar que uma pessoa com 35 anos é jovem, o que só acontece por sermos uma minoria”.
“A política é serviço ao outro e isso é lindo: mas a minha geração cresceu a olhar para um ecrã com o pior político que é José Sócrates”
Afonso Reis Cabral
E, de facto, são, tendo em conta o envelhecimento demográfico. Afinal, as gerações mais velhas, do pós-revolução, tiveram líderes com menos de 25 anos. O escritor Afonso Reis Cabral, 32 anos, fala em mudança de paradigma e lembra-se de como foi lidar com o misto de fascínio e desconfiança que sentiu quando ganhou o Prémio Leya, aos 24 anos, pelo seu romance O meu irmão.
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“Cidadãos do mundo, desapegados dos bens materiais”
“Quem sai do país fá-lo por necessidade, mais do que por desapego pelo País, mas na minha profissão isso é quase impensável”, faz saber Pedro Teixeira da Mota, que aos 28 anos é um dos nomes de ouro da comédia em Portugal.
Emigrar pode ser enriquecedor e compensar financeiramente mas, acrescenta Leonor Caldeira, “nunca conheci um português da minha geração emigrado que não tivesse vontade de um dia voltar”. É dela a citação que faz o título deste artigo: “Esta geração que emigra quer muito voltar e só não volta porque não tem acesso à habitação e os salários são miseráveis”.
Como os seus antecessores, a esmagadora maioria quer constituir família e não aprecia propriamente viver em comunidade ou num espaço partilhado. Se o faz, é por ser “impossível o acesso à habitação”.
Afonso Reis Cabral fala de “uma geração de curto e médio prazo, cujas expetativas são permanentemente frustradas, que acaba por ir investindo em si lá fora, mas sem que essa seja uma solução para a vida a longo prazo”. Daí que, avança Pedro Teixeira da Mota, se vá adiando esse anseio: “Tem-se a licenciatura, o mestrado, depois vai-se para fora e chega-se aos 38 a dizer que são os novos 22!”
“Uma geração apolítica ou sem causas”
Também aqui, há algumas imprecisões que merecem esclarecimento. Movidos por causas ambientais e sociais, quase metade dos jovens não se interessam pela política organizada: cresceram com maus exemplos de democracia e desenvolveram uma descrença nos partidos, que são vistos, de uma forma geral, como “pouco sexy” ou “não cool”.
“O militantismo do Instagram é muito mais ativo do que estar numa juventude partidária”
Leonor Caldeira
Leonor Caldeira lamenta que o ensino público não explique como o sistema funciona – quais são os órgãos de soberania, como se faz uma lei, o que é a política autárquica ou um contrato de trabalho – às gerações que antecedem a deles. É expectável, por isso, que “as pessoas se abstenham e não votem, por não compreenderem o sistema”. Sentem-se uma minoria ignorada e “têm muito poucas pessoas a representar os seus interesses e causas” ou, sublinha Teixeira da Mota, “a maior parte das medidas discutidas pouco nos tocam”.
Atentos, com capacidade crítica e com causas
É desta forma que os palestrantes milenares se vêem ao espelho: entre o rescaldo de uma pandemia e crises várias, eles representam a geração que mais sofreu com a clausura, que os privou da liberdade quando mais precisavam dela.
Isso mesmo acaba de ser confirmado pela decisão do Tribunal Constitucional que, mais uma vez, frisa que os direitos e garantias dos cidadãos não foram respeitados durante a pandemia, além de, remata a advogada, “a gestão da pandemia ter sido um desastre para as jovens mulheres que foram mães e ficaram em teletrabalho”.
Justiça lhes seja feita, aos millennials, que marcaram pontos ao desfazer ideias feitas sobre si mesmos.
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