A um bom piloto de Fórmula 1 exige-se tudo: habilidade, talento, perícia, profissionalismo, velocidade, rigor,
obstinação. Desde domingo p assado, também se pede sorte.
De repente, o mundo, interessado ou não no autombilismo, percebeu que não chega ser «mágico», tenaz, corajoso — e mais uma infindável série de adjectivos que se aplicam como uma luva a um grande corredor — , para chegar ao fim de cada prova, de cada volta. E preciso ter sorte para sair vivo de uma máquina que rola a 300 quilómetros à hora numa pista cercada por um muro de cimento ou por uma bancada cheia de gente, quando o objec tivo não é a sobrevivência, nem sequer a resistência, mas a vitória. E a vitória é percorrer vezes sem conta aqueles cinco quilómetros de pista mais depressa do que da vez anterior — e jamais ter o azar de ver a barreira aproximar–se dos olhos. Ayrton Senna, 34 anos completados a 21 de Março, divorciado, sem filhos, passou 10 anos a sonhar — e a conseguir — ser mais rápido. Até ao dia em que foi rápido de mais.
Aliás, domingo passado tudo foi rápido de mais. À 7! volta do Grande Prémio de San Marino, no Circuito de Ímola, já ensombrado ao longo do fim-de-semana por um acidente que fe rira o piloto brasileiro Rubens Barrichello, por outro que matara Roland Ratzenberger e por mais um que removera da pista, no arranque da prova, Pedro Lamy (provoc ando ferimentos em vários espectadores), o FW 16 da equipa Williams Renault, pilotado por Ayrton Senna da Silva, despistou-se na curva Tamburello do Autódromo Enzo e Dino Ferrari, embatendo frontalmente contra um muro de cimento quando rodava a mais de 250 quilómetros à hora.
Quatro horas mais tarde, às 18 e 40, a dra. Maria Teresa Fiandri, do Hospital de Maggiori, Bolonha, anunciava a morte do piloto brasileiro. O coração desistira da batalha — considerada impossível de travar pelos especialistas, que detectaram interrupção da actividade cerebral na sequência dos inúmeros traumatismos no pescoço e na cabeça do piloto (alguns paramédicos que primeiro o assistiram garantem mesmo ter ocorrido um derrame de massa encefálica), e por todos os que distinguiram claramente, através da televisão, a poça de sangue junto do helicópetro que transportou Senna do autódromo ao hospital, a escassos 40 quilómetros. O impacto do choque correspondeu a uma queda de um 30.° andar de um prédio. O corpo estava protegido pela chamada «cápsula de sobrevivência ». A cabeça não.
CABINA DA RTP
Na sua cabina, os comentadores da RTP José Pinto e Adriano Cerqueira ganhavam coragem para dar a notícia. «Estávamos em directo, e se não tivéssemos contado com o apoio de Lisboa tinha sido um fiasco», conta José Pinto, logo prosseguindo: «A pressão era enorme e a informação disponível muito escassa. Tivemos a sensação de que o acidente era grave mas, como ele ainda mexeu a cabeça duas vezes, pensámos que restavam algumas hipóteses. Quando começaram a chegar as notícias sobre a gravidade do acidente
sentimos que estávamos a fazer um frete, não queríamos anunciar a sua morte. E não conseguimos evitar as lágrimas.»
Com os profissionais da RTP estava também o diplomata e ex–presidente do banco brasileiro Bradesco, António Almeida Braga, que acompanhava regularmente Ayrton Senna e era um dos seus melhores amigos e o principal conselheiro. Na sua cabeça bailavam as últimas palavras de Senna, confessando que não tinha a mínima motivação para correr e estava muito apreensivo.
«No fim da prova», conta José Pinto, «o Pedro Lamy veio ter connosco para saber do estado do Senna, e ninguém conseguiu falar. O miúdo reagiu muito mal, não conseguimos entrevistá-lo. O Senna era o ídolo
dele.»
DESCULPAS
No final desse dia triste, inicia–se um longo processo cujo termo, se tiver paralelo com o passado, sucederá
quando mais um piloto morrer num circuito de Fórmula 1.
É um processo de culpabilização generalizada — e, por essa via, desculpabilização — que começa nas boxes dos autódromos e passa por todos os intervenientes no circo romano em que o automobilismo se transformou. Salta as fronteiras do interesse desportivo e atinge cada um de nós. É usado e abusado por políticos — uma comissão de deputados italianos sugeriu, logo no domingo, que se acabasse de vez
com a Fórmula 1 —, tal como 15 dias antes fora proveitado quando Paulo Maluf, o prefeito de São Paulo, entregou a Bernie Ecclestone, o presidente da poderosa Associação de Construtores de Automóveis
de Fórmula 1 (FOCA) a chave da cidade onde Ayrton Senna nasceu.
As televisões apressaram-se a fazer o elogio fúnebre, não esquecendo o mau-gosto de usar o nome de Ímola para logo construir jogos de palavras à volta do termo «imolados».Transforma-se a morte de um profissional na arma de que cada um precisa para o seu objectivo. Niki Lauda afirmou: «Este é um desporto extremamente perigoso e devemos perguntar-nos se tudo isto tem sentido. Se me perguntarem agora se vale a pena, a resposta é não. Senna era o melhor piloto que eu conhecia. Sabia tudo.»
LAGRIMAS
Ao mesmo tempo, e de uma forma bem mais sincera, milhões de pessoas em todo o mundo choram a morte de um piloto que admiravam profundamente. O povo brasileiro, cansado de ver cair os homens em quem acreditou sem saber que iriam enganá-lo no minuto seguinte, chora com este exemplo quase único de sucesso, vitória e felicidade — com honestidade. Talvez por isso, o presidente Itamar Fran titude-co chamou–lhe «herói» e, numa sem precedentes, decretou três dias de luto nacional. Os portugueses, que não conseguem melhor do que colocar um piloto mediano no fim da grelha de partida, choram a inexistência de um Senna português dos quatro costados. Os adeptos da Fl, conhecedores das qualidades automobilisticas do malogrado, choram o melhor piloto da actualidade.
E, em São Paulo, a família de Ayrton chora a perda de um ente querido: Neyde Senna da Silva, a mãe, Milton Guirado Theodoro da Silva, o pai (que chegou a ser hospitalizado ao sentir-se mal depois de assistir, pela televisão, ao acidente do filho), Vivianne e Leonardo, os irmãos, Bianca, Paula e Bruno, os sobrinhos. São as lágrimas mais sinceras.
Em Portugal, na Quinta do Lago, no Algarve, uma rapariga de 21 anos, Adriane, a namorada que «segurou» o piloto há um ano e meio e o levou a admitir que, encontrada a mulher perfeita, até podia pensar em filhos e numa família, hesita entre uma viagem inútil até Bolonha e a irreversível verdade que de lá lhe anunciam. Mas a presença junto de Ayrton não adianta. Apesar de, na véspera, ele lhe ter confessado pelo telefone a sua preocupação com as condições de segurança do circuito de Imola, vencera a resistência. Partiu e perdeu.
As lágrimas sinceras de gente como Nuno Cobra e Josef Leberer, seus médicos as pela transformação-sistentes, responsáveis de um físico frágil, como era o de Senna no início das competições, num atleta resistente, misturam-se com os depoimentos apressados dos inimigos (Nelson Piquet, por exemplo, que ainda há um ano declarava à revista Veja que, por Senna, não sairia à rua a festejar, porque ele ganhava corridas por conta dos erros dos adversários, mostrou no domingo a sua mais «pura» consternação perante as câmaras da TV…).
Pergunta-se se a Fórmula 1 deve continuar, reúne-se a Federação Internacional Automóvel (FIA), ontem, quarta-feira, de emergência, para «estudar medidas», e um tribunal italiano manda fechar o autódromo sob o pretexto de ali ter ocorrido «homicídio involuntário». Como se, na véspera, sábado, não tivesse morrido naquela mesma pista outro piloto. E, apesar do cínico sorriso de Michael Schumacher na vitória deste triste Grande Prémio, o piloto alemão tem razão: «O que deveria ter sido feito era parar os treinos após o acidente de Ratzenberger. Não compreendo por que não o fizeram.»
PERIGO
Voltemos ao princípio desta história.
Parece mais ou menos evidente que um veículo, seja em que circunstâncias for, rolar a uma velocidade superior a 250 km/h, ter de curvar e ultrapassar outros veículos, depender de tecnologia permanentemente «em teste», e ser conduzido por se res humanos (cuja principal qualidade é a possibilidade humildemente reconhecida de cometerem erros) — é, no mínimo, uma loucura. Uma loucura controlada, é ce rto, mas risco. em todo de altísimo.
Nos últimos 12 anos, a Fórmula 1 — que foi abalada, em 40 anos de existência, por 27 mortes para um número inferior a meio milhar de corredores envolvidos na modalidade — orgulhava-se de não registar acidentes fatais. Julgava-se mesmo que a morte, neste desporto, pertencia ao passado. Os mais espectaculares e brutais acidentes, cujas imagens passaram repetidamente nas televisões nos últimos dias, não fizeram vítimas.
À medida que os construtores iam torneando limitações de velocidade como a proibição dos motores turbo ou o uso de saias (barras paralelas ao chão que aumentavam a velocidade pela criação de vácuo em relação a pista), iam cri ando sistemas ança cada vez mais perfeitos na de segur «cápsula» onde se instala o piloto. No limite da velocidade de um Fórmula 1, pernas, braços e tronco do piloto estão fumemente presos e, em c aso de choque, a força da vertiginosa desaceleração recai sobre o pescoço e a cabeça. No c aso de Senna, o esmagamento da parte inferior da caixa craniana e as lesões cerebrais profundas daí decorrentes eram de molde a deixar escassas hipóteses de vida após o embate.
Agora, levantam-se os protestos sérios: embora os pneus dos carros sejam mais estreitos há já duas épocas, e embora já tenham decorrido alguns grandes prémios sob as novas regras que acabaram com todos os controlos electrónicos dos bólides (suspensões ac tivas, controlo de tracção antiderrapante, acelerador electrónico controlado), só agora os especia listas reconhecem que essas alterações visam aumentar o espectáculo.
REGULAMENTOS
Na véspera do acidente, Ayrton Senna tinha ido pessoalmente verificar a zona onde ocorrera o acidente do
austríaco Ratzenberger. Era hábito fazê-lo. A atitude valeu-lhe uma admoestação da FIA, que julgou suficiente a análise dos seus técnicos.
O piloto brasileiro tinha todas as razões para estar desconfiado e seguir o conselho de Niki Lauda, que lhe pedira para liderar um movimento de protesto dos pilotos em nome da segurança dos circuitos. Alain Prost foi, pelo seu lado, peremptório: «Não poderemos jamais impedir os acidentes, mas nos últimos anos não se fizeram grandes coisas pela segurança.»
Até ao Grande Prémio de San Marino, as alterações impostas pela FIA nos bólides tinham sido testadas em circuitos considerados lentos. Este foi o primeiro dos rápidos, e pelos vistos fatal. Os especialistas não negam a hipótese de estarmos perante a triste situação de novas leis resultarem em maiores perigos. Aguarda-se a inspecção, em Inglaterra, da caixa negra do Williams Renault. Entretanto, especula-se. Erro do piloto? Todos os analistas rejeitam a hipótese: «Ayrton Senna era um corredor perfeito.»
De resto, os resultados da autópsia, revelados na tarde de terça-feira, são concludentes: o piloto faleceu na sequência do embate. Contrariam mesmo os boletins médicos, afirmando que a morte se deu no momento do choque.
No campo das falhas técnicas, três explicações ganham corpo: ou quebra no elemento aerodinâmico, ou ruptura de um elemento da suspensão traseira ou problemas no ailleron dianteiro.
O fim-de-semana de Imola, qualquer que seja a explicação para o acidente de Senna, começou Mal, continuou mal, esteve sempre mal. Ninguém notou? Ou, utilizando a técnica de Mário Soares nos debates presidenciais do passado: onde estava Ecclestone quando morreu Ratzenberger? E a Associação dos pilotos? E os patrocinadores? E os organizadores da corrida?
O HERÓI
A verdade é que foi a morte de Senna que tomou Imola um circuito « assassino », «fatal» e «perigoso».
E se o reconhecimento deste facto revela até que ponto pode ir a imprudência dos homens — e dos
negócios e indústrias que os homens criam… —, a verdade é que foi preciso morrer um ídolo para o
mundo parar e pensar.
Ontem, quarta-feira, o Brasil prestou a última homenagem a Ayrton Senna, num gigantesco desfile preparado pelas autoridades de São Paulo. Ao longo da noite de domingo e de toda a segunda-feira, artistas, políticos, desportistas, profissionais do automobilismo, choraram a morte do piloto. O jornalista da TV Globo que deu a notícia ao Brasil não resistiu ao comentário: «Esta é a notícia que nunca quisemos dar.» Porquê? Porque Senna reunia em si a figura do herói bom, honesto, trabalhador. Era jovem, bonito, e o melhor na sua categoria. Vinha de um país onde quase tudo soçobra por falha humana. E ele não falhava.
Natural de São Paulo, estudou numa escola secundária local e chegou a frequentar a universidade, abandonando os estudos quando, em 1984, se estreou na Fórmula 1, em Inglaterra, no circuito de Brands Hatch. Para trás ficava uma carreira consolidada no karting, que lhe dera uma vitória aos 14 anos na prova de Interlagos, o 1.° lugar no Campeonato Pan–americano de 1977 e o 2.° nos Campeonatos Mundiais de 1979 e 1980.
Deixara os karts para entrar na Fórmula Ford 1 600 e, logo a seguir, na categoria 2 000, que em 1982 lhe garante o campeonato britânico e europeu, com 22 vitórias e 22 pole–positions. No final dessa época entra na Fórmula 3 e ganha a primeira corrida em que participa. É imediatamente convidado para a Fórmula 1, mas resiste uma época inteira, aperfeiçoando a condução, aprendendo a dominar a técnica, treinando intensamente.
Quando, há 10 anos, aceita finalmente o cobiçado lugar no topo das categorias do automobilismo, através de um contrato com a Toleman, sabe que não tem carro para vencer, mas a ascensão é implacável: 9.° lugar no Campeonato de 84, 4.° em 1985 e 86 (já na equipa da Lotus). É, aliás, em 1985 que regista a sua primeira vitória: a 21 de Abril, num Lotus–Renault 97T, sobe ao primeiro posto do pódio no Grande Prémio de Portugal, no Estoril. Foi uma corrida memorável, sob intensa chuva, e os títulos dos jornais da época prenunciam o futuro: «Que Senna Incrível»!
Numa entrevista recuperada no domingo pela TV Globo, Senna evidencia o lado perfeccionista que todos lhe reconhecem, contando como se tomou um especialista na condução sob chuva: «Quando estava em casa, caria vez que chovia vinha para a rua, pegava no kart e ia aprender a conduzir na água.» José Pinto, jornalista da RTP, que entrevistou o piloto por diversas vezes, considerava-o «muito introvertido, de uma frieza total, mas de grande impulsividade».
PARABÓLICA SENNA
O Autódromo do Estoril tem, aliás, uma curva conhecida pelo nome de Senna. João Paulo Teotónio Pereira,
administrador da Autodril, espera apenas que passe o primeiro impacto sobre a morte do coredor para formalizar, numa «cerimónia digna», o bap tismo da curva de entrada na recta da meta com o nome de
«Parabólica Senna»: «Longa e difícil, essa curva representa bem o espírito do piloto. Ele fazia-a infernalmente bem.» Neste momento, o circuito português tem a sua bandeira a meia–haste.
No caminho para a liderança, que Portugal seguiu com espanto, Senna sobe ao 3.° lugar do Campeonato em 1987, o último ano em que alinha pela Lotus. O contrato seguinte, com a McLaren, era o segredo do campeão.
Vence oito grandes prémios em 1988 e ganha o título, desce para 2.° lugar no ano seguinte e regressa
ao 1.° em 1990 e 1991. Caem recordes sobre recordes e, nos anos de 1992 e 1993, classificando-se respectivamente em 4.° e 2.° lugar, sabe que o triunfo final já não depende dele, mas do carro. É assim que, a 11 de Outubro de 1993, assina pela Williams–Renault. A sorte não quis que, como disse o programa Fantástico, «o melhor piloto no melhor carro» chegasse a ganhar uma só prova.
Domingo passado, a história do homem perseverante, corajoso e profissional terminava com um balanço notável: 41 vitórias na Fórmula 1, 64 pole–positions, 161 Grandes Prémios. «Tivemos muita sorte estes anos todos, e agora pagámos tudo de uma só vez», disse Giancarlo Minardi, director da equipa Minardi.
OS AMIGOS
«Ayrton Senna era a imagem da paixão pura de todos os pilotos de Fórmula 1. Não estou apenas chocado com as mortes ocorridas em Imola, mas também com os comentários acusatórios muito graves sobre o desporto automóvel, pois isso é uma injúria à memória de Senna», disse Jean-Marie Balestre, ex-presidente da FIA. As suas palavras só podem ser compreendidas por quem conheceu o piloto brasileiro e sabe que, de facto, ele estava consciente dos riscos que corria. E corria-os por gosto.
Nigel Mansell, ex-campeão de Fórmula 1, afirma que, com Senna, partilhou «algumas das corridas mais emocionantes de sempre. Quando um grande piloto e um genuíno campeão morre, fica sempre um enorme vazio». Apesar das divergências, Mansell já anunciou que, em homenagem ao seu colega, não participará na próxima prova da Fórmula Indy (modalidade americana semelhante à Fórmula 1).
Em Portugal, Ayrton Senna é idolatrado por toda a nova geração de pilotos e amantes do automobilismo, com destaque para Pedro Lamy, igualmente vítima de um acidente em Imola, que ficou quase em estado de choque com a morte do piloto que o inspirava. Lamy só foi capaz de dizer que «é uma grande desgraça». Domingos Piedade, um profissional dos bastidores do grande circo, vai mais longe: «O automobilismo mundial nunca voltará a ser o mesmo, e eu perdi um amigo e um conselheiro.»
Na noite de domingo, a SIC transmitiu quatro horas de emissão especial sobre o piloto, entrando em simultâneo com a TV Globo para a emissão do programa Fantástico, quase exclusivamente dedicado ao acidente. No dia seguinte, a morte de Senna foi manchete de todos os jornais, da rádio
e da televisão.
PORTUGAL
Na Quinta do Lago, a empregada brasileira que toma conta da casa de Senna não acreditava na sua morte. Disse à SIC que «esperava que ele aparecesse a qualquer momento». A essa hora, já Adriane, a namorada, viajava para Sintra, onde aguardaria, fechada no seu quarto, o momento de ver António Braga, o último
amigo a falar com o piloto. Depois, seguiriam, ainda na terça-feira, para São Paulo.
A comunidade brasileira em Portugal habituou-se à presença regular, mas muito discreta, do piloto. Domingos Silva, administrador da Planal, empresa imobiliária responsável pela Quinta do Lago, revela que tinha com o piloto um «acordo de cavalheiros, para garantir a discrição que ele tanto prezava. Nunca usávamos o seu nome nas nossas publicações sem prévia autorização — o que até sucedeu em 1992, quando comemorámos 20 anos». No Algarve, o piloto costumava fazer jogging nos terrenos junto à casa, jogava ténis com os vizinhos, descansava. Domingos Silva recorda a sua simpatia: «Era uma honra tê-lo cá, e vou dar o nome dele à à rua onde fica a sua casa.»
Senna dividia a sua vida entre Portugal, Monte Carlo e o Brasil, onde tinha uma Casa em Angra dos Reis (a 200 km do Rio de Janeiro) e uma quinta em Tatui, a 120 km de São Paulo. Foi nessa quinta que construiu o kartódromo onde brincava nos tempos livres — e foi lá, no seu refúgio, que os pais viram o seu filho morrer. Pela televisão, em directo.
Só depois viram a imagem dele, junto do carro, minutos antes da prova, com o olhar mais apreensivo do mundo. Mas um piloto de Fórmula 1 distingue-se do comum dos mortais por essa capacidade de se fazer à pista depois de ver um colega morrer e outro ir parar ao hospital. Senna sabia que a sua vitória passava pela superação desses riscos através de riscos ainda maiores. Provavelmente, não pensava em chegar vivo ao fim de uma prova. Pensava apenas ganhá-la.
- com Filipe Fialho e Vasco Colares Pereira