Saímos de Agadir com um certo sentimento de frustração no ar. Tinham sido 24 horas esgotantes, preenchidas de peripécias até ao último instante, com avanços e recuos de oficina em oficina, para resolver um problema que acabou por nos obrigar a mudar a rota inicialmente desenhada, rumo ao sul de Marrocos.
O espírito de aventura, necessário do princípio ao fim destas jornadas, perdeu terreno para a prudência e sensatez. Decidimos não arriscar mais, porque afinal “a sorte é escapar”.
Depois de voltas e voltas às rotundas de acesso a Agadir e com o problema do pneu aparentemente solucionado, partimos para norte em direção à vila balnear de Taghazout.
A localidade banhada pelo Atlântico é muito procurada por surfistas de toda a parte, pelas excelentes condições que oferece para a prática da modalidade desportiva. O edificado desenvolve-se em torno da única via principal que rasga a povoação de norte a sul. Os hotéis e restaurantes sucedem-se de porta em porta e junto à estrada há muitos vendedores ambulantes e carros estacionados de forma desorganizada. Nas varandas amontoam-se toalhas de praia que secam da água e do sal acumulados na praia, mesmo ali à frente.
Fomos abordados por agentes locais, empregados de hostels e miúdos de ninguém mas acabámos por passar a noite numa simples e inesperada casa de família. O grupo de jovens com quem fechámos negócio tinha aproveitado a ausência dos pais para pôr a habitação a render e nós aproveitámos a oferta. Precisávamos de recarregar baterias e esquecer os problemas que nos tinham tirado o sossego nas horas anteriores.
No dia seguinte voltámos a carregar o carro e partimos, não sem antes termos tomado um excelente pequeno-almoço com chá de menta e farturas, fritas na hora e no local. Por ali ficámos uns minutos, sentados na maior esplanada do sítio, fazendo um grande esforço para re-erguer o ânimo e a vontade de ir.
Retomamos caminho sobre a estrada que segue junto à costa, sempre com um olho na via e outro no retrovisor, para vigiar o comportamento do pneu malfadado. Do trajeto rumo a Essaouira, pouco haverá de relevante para recordar. Um dos momentos que mais nos marcou e que ficará com certeza para a posteridade foi quando vimos várias cabras empoleiradas em azinheiras, a comer a escassa folhagem que delas ainda restava. O instante foi repentino e curto demais para que tivéssemos tempo de o fotografar condignamente.
Chegámos a Essaouira com vontade de vingar a distância da praia e o calor insuportável que tivemos de tolerar longe da costa. A cidade fortificada foi por isso, a merecida recompensa do litoral.
A cerca amuralhada que abraça a cidade a toda a volta, impõe a divisão entre as praias do norte e do sul e limita as entradas e saídas da movimentada Medina. A praia do sul é extensa e ventosa, a areia, leve e fina, levanta voo à mais pequena brisa e vários camelos percorrem o local, entretendo turistas e rendendo negócio aos proprietários.
O centro nevrálgico de Essaouira é dentro de portas.
A Medina classificada como Património Mundial da UNESCO desde 2001, desenvolve-se numa malha urbana muito densa, caiada de branco, onde abundam restaurantes, esplanadas, lojas de tapetes e artigos de pele. As ruas perpendiculares aos eixos principais são menos movimentadas e têm um cheiro muito característico, o mesmo que podemos sentir quando entramos numa qualquer loja de tapetes.
Os artigos têxteis cobrem as paredes dos edifícios de um lado ao outro das vielas e absorvem todos os ecos e ruídos de quem passa. Não há barulho, nem chinfrim que prevaleçam, apenas alguns gatos refastelados à sombra e um silêncio acolhedor que surte tranquilidade nos transeuntes que por lá andam.
Ficámos alojados num dos muitos ryads de Essaouira, edifícios onde o pátio interior domina o espaço e à volta do qual se dispõem os quartos das unidades hoteleiras.
Perdemo-nos nos mercados e nas bancas, onde comprámos e comemos vezes sem conta pão recheado com carne temperada com cominhos. A fruta e a hortelã perfumam os mercados a céu aberto, onde produtores, turistas e retalhistas fazem negócio. O espaço amplo, ladeado de arcadas, é ponto obrigatório de visita para qualquer pessoa que venha de fora e não só.
Os terraços dos prédios de Essaouira também merecem ser descobertos, pois muitas vezes escondem esplanadas e recantos inesperados, muitos deles com boas vistas sobre o centro da cidade.
Ao anoitecer optámos por ir jantar ao um dos micro restaurantes situados junto ao porto da localidade. Os espaços muito exíguos apenas têm capacidade para meia dúzia de mesas, bancos corridos e os empregados negoceiam os preços das refeições ao lado de uma vistosa montra de marisco e peixe prontos a confecionar. Jantámos à luz de velas e tirámos a barriga de misérias.
No dia seguinte aproveitamos para ir à menos turística praia do norte de Essaouira. Os acessos ao local são difíceis de descobrir e as bermas da estrada guardam lixo e areia da praia, trazida pelo vento. Enquanto desfrutávamos daquela pausa junto ao mar, observámos inúmeras famílias reunidas no areal. As mulheres não são dispensadas de usar o véu, mesmo enquanto tomam banho no mar e algumas delas caminham de cara completamente tapada em direção à água, deixando apenas os olhos à mostra.
Depois de uma tarde ao sol, partimos para Marraquexe com o cheiro a mar e o sabor a sal entranhados na pele. Metemo-nos no carro e fizemo-nos à estrada, marcados por Essaouira, a nossa mais do que merecida recompensa do litoral.