Distinções nunca são demais para um destino turístico. Elas representam, como sabemos nos dias de hoje, fortes motivos para a escolha de um fim de semana romântico, uns dias de praia ou uma pequena pausa citadina. Sempre atentos, e na tentativa de encaixar lucro e atenção, não faltam por aí destinos e regiões emolduradas em títulos superlativos e experiências de interesse duvidoso. Outros, porém, sentados em factos reais e sólidos, salvaguardam o bom nome através de uma promoção modesta mas segura, certos que o crescimento e, sobretudo o regresso dos viajantes o que mais importa afinal, resultará pelo que viveram e não pelo que sonharam viver. Pensamos nisso, porque nos parece uma forma precisa de introduzir a pequena cidade de Lubeck e a boa experiência que foi, e certamente será também para o leitor, como destino turístico. Uma viagem que nos aconteceu às escuras, sem expectativas de realce, um salto entre outros destinos germânicos, esses bem mais conhecidos para o sul europeu.
É certo que o fator surpresa alavancou este prazer inesperado, mas a verdade é que, dias volvidos e com a distância certa para avaliar, é inapagável esta impressão de Lubeck como um desses segredos turísticos, tão discretos que importa perguntar, por onde tem andado que pouco ou nada temos ouvido falar dela em Portugal? Bonita, encantadora e romântica, incontornável no mapa turístico do norte de Alemanha e do Mar Báltico. Na verdade, Lubeck está como sempre esteve desde o longínquo século XIII, data em redor da qual foi edificada a esmagadora maioria das construções do seu centro histórico, ainda hoje a principal imagem de marca. Uma época fundamental que, como a Unesco tão bem refere, “exemplifica o poder e o papel histórico de Lubeck na importante Liga Hanseática”, a aliança económica que um conjunto de cidades estabeleceu entre si para dominar todo o comércio do Mar do Norte e que vigorou, grosso modo, até ao século XVII. Embora os dez quilómetros de distancia do Báltico ainda estejam lá, a verdade é que a influência, mas sobretudo a prosperidade desta relação esfumou-se no tempo. Não o suficiente, no entanto, para arredar Lubeck como o porto alemão mais importante do Báltico, ensombrado pelo gigante de Hamburgo claro está, a cerca de uma hora de distância. Em ambos os casos, infelizmente, nenhuma destas relações porto-mar-cidade faz parte da equação turística, dado que as duas estruturas portuárias se encontram fora da cidade e longe dos olhares e do alcance dos viajantes. O mesmo já não se pode dizer do rio Trave, o canal dessa comunicação. A ele Lubeck deve-lhe o estatuto de “cidade-ilha”, fenómeno natural que lhe permite encontrar-se totalmente rodeada de água. A singularidade da situação foi aproveitada com mestria, com a construção e manutenção de zonas verdes nas margens, esplanadas e um longíssimo corredor de passeios utilizado por famílias mas também por corredores de fim de semana. Para além da benesse estética os postais estão lá para o confirmar, é um fator amplamente aproveitado pelas gentes locais, sobretudo em dias de sol e bom tempo, que acorrem às suas margens para ali montarem acampamento, com os seus piqueniques volantes, um copo de vinho ou apenas para um encontro entre amigos. Isto de ser uma pequena ilha trouxe óbvias vantagens a Lubeck e todos os que a visitam. Em primeiro lugar, a cidade funciona como um pequeno bairro, onde tudo parece estar à mão. A bicicleta, por exemplo, é o meio de locomoção predileto entre os locais, e as muitas zonas exclusivamente pedestres tornam uma pequena caminhada num belíssimo passeio de domingo. A orientação, por sua vez, torna-se igualmente mais simples, sobretudo após referenciar as torres das igrejas, altas, imponentes, com os mais de 100m de altura. E não podemos deixar de pensar, finalmente, na vantagem que esta delimitação física ofereceu na preservação do seu património, impossibilitando o contágio dos inevitáveis subúrbios escuros e repetitivos que acontecem para lá do casco histórico. Por tudo isto, não é difícil perceber que Lubeck se trata de um daqueles clássicos exemplos de destino, e cidade já agora, cuja melhor forma de descobrir será mesmo através de longas caminhadas, sem rota definida ou hora marcada, seguindo apenas o instinto e o seu próprio ritmo. Se possível, sem mapa na algibeira, ainda que convenha manter uns quantos locais de passagem obrigatórios. As principais chamadas de atenção para os tais locais imperdíveis passam, obviamente, pelo riquíssimo património arquitetónico que a cidade oferece. Foi aliás, qualidade fundamental para os membros da Unesco a colocarem, em 1987, na lista de Património da Humanidade, e note-se que se tratou da primeira cidade em toda a Alemanha a receber o galardão. Se já o era, Lubeck passou definitivamente a ser visitada pelo turismo da arquitetura gótica, um statement que a fez angariar muito turismo cultural, com as habituais excursões domingueiras e magotes de gente idosa, um problema contornável se optar por viajar durante a semana. À cabeça de todos os ais e uis de espanto e maravilha encontra-se a Igreja de Sta. Maria, bem no centro. É a terceira maior igreja alemã, e obviamente em Lubeck não há quem lhe chegue aos calcanhares, nem mesmo a catedral, muito bonita por sinal, reconstruída após a 2.ª Guerra Mundial. As portas da cidade, o edifício da câmara e os paços do concelho representam outros ex-líbris da cidade, assim como a Igreja de Sto. Jacob, especialmente dedicada aos marinheiros, e o vizinho Holy Ghost Hospital, um monumento medieval que é, também, uma das mais antigas instituições de solidariedade social europeia. Seria redutor, no entanto, considerar Lubeck somente pelo abundância de histórias que rodeiam todo este amontoado de tijolo. Há outros pequenos prazeres a ter em conta, como as pequenas lojas situadas a sudeste da cidade. Trata-se de uma zona tradicionalmente habitada por pequenos comerciantes e artesãos, como comprovam as vielas Harten e Dankwartsgrube, por exemplo, onde se encontram uns quantos joalheiros com ateliers próprios. Na Kleine Petersgrube, duas paralelas abaixo, acontece um pouco do mesmo. Ai é absolutamente imperdível passar pelo Doring Schokoladen, o café mais pequeno do mundo que é também o mais simpático e que se limita à pequena sala de jantar de Karin Doring, a proprietária. Faz paredes meias com a Sommer, uma misto de livraria e loja de antiguidades onde predominam os elementos marítimos. Toda esta zona respira arte e cultura. Uma esquina acima encontra-se o lindíssimo edifício do Teatro das Marionetes, com uma das mais respeitadas coleções em toda a Alemanha após Munique e Dresden. Ali mesmo ao lado, o MUK, a sala de concertos mais importante da cidade, especializou-se em musica erudita. É ainda uma das zonas mais bonitas (e fotogénicas), com múltiplas esplanadas para apreciar o rio e o movimento dos transeuntes, especialmente mais frequentado quando a noite cai. Estivemos para escrever que era aqui que residia o pequeno epicentro cultural da cidade. Mas não seria verdade. No outro lado da cidade, tendo a pedonal Konigstrasse como eixo orientador, encontram–se pelos menos quatro casas (e nomes) incontornáveis na vida da cidade, constituindo, no seu todo, um puzzle fundamental para quer procura compreender a sua historia. O Museu Behnhaus, por exemplo, inserido num elegante palácio do séc. XVIII, oferece a coleção de pintura antiga de dois antigos mercadores locais. Vimos por lá uma mão cheia de Friedrich e Munch, artista que aliás aqui viveu. A reconversão do convento de St. Annen, por sua vez, ofereceu à cidade uma casa de arte contemporânea, a Kunsthalle, e a melhor coleção de arte eclesiástica do país no St. Annen Museum. A Gunter Grass Haus e a BuddenBrooks constituíram-se como forma de homenagear, e bem, dois monstros da literatura mundial, Gunter Grass e Thomas Mann, o filho mais importante que Lubeck já viu nascer. À sua maneira, também toda a Huxstrasse é uma belíssima forma de nos envolvermos com a cidade, sobretudo aos sábados, quando as lojas da rua se enfeitam. Por ali “habitam” restaurantes, padarias, coffee shops e pequenas lojas das mais variadíssimas origens, sempre de tons modernos e ar cool. É o pequeno mundo do ver e ser visto de Lubeck, com famílias inteiras em celebração, grupos de jovens raparigas à procura do último grito da moda, encontros de amigos ou simples casais que ocupam os sábados de romance e paixão.
O reboliço é, ainda assim, despretensioso o suficiente para não importunar o viajante mais descontraído, aliás, a importância desta visita decorre não apenas pelo que referimos mas estarmos na presença de um belo exemplo do típico bairro de gente abastada do antigamente, com o seu casario entrecortado por passagens estreitas denominadas Gange, que desembocam em lindíssimos pátios interiores (Hofe). Outrora minúsculos locais de comércio, são hoje palco de brincadeiras de crianças… Depois de um fim de semana com tempo de verão e de tantas experiências na bagagem, é irresistível não pensar no pormenor toponímico que envolve esta cidade. Lubeck deriva de Liubice que, por sua vez, significa adorável em língua portuguesa, a denominação então escolhida por Carlos Magno e os residentes eslavos por volta do séc. IX. Pretensiosismo? Uma capacidade sobrenatural para adivinhar o futuro? Sorte ou coincidência? Sem conseguirmos responder a esta questão, fica no entanto uma certeza: adorável nasceu esta cidade e, por obra de todos aqueles que assim a mantiveram, adorável assim será.