Há qualquer coisa na minha maneira de viajar que faz com que seja sempre o único estrangeiro a bordo de autocarros e outros transportes locais. Deve ser isso mesmo, andar de transportes públicos. Mas por que hei de andar de táxi, se os transportes públicos são mais baratos e me dão a oportunidade de conhecer os habitantes locais? Demora mais tempo, é verdade, mas nestas coisas das viagens o modelo japonês de ‘um destino, uma foto e já gozas’ não é para mim.
Quem agradece, são os mosquitos. ‘Olha, olha Saul, sangue fresco. Vais lá tu ou vou lá eu? Vai tu Malaquias, que acabei de jantar num fast-bite americano e estou saciado para os próximos 6 meses’. Espero que Malaquias não derive de malária. Nesse caso, preferia o Saul, que talvez venha de ‘saúde’.
Aqui guia-se com o volante à direita e para lá chegar, o motorista tem que rebolar por cima de algo cuja funcionalidade não percebo, mas que se assemelha a uma estranha mini-cama. Talvez seja isso mesmo.
O meu caderno liberta um suave aroma que combina as fragrâncias do vómito e da celulose. Já vinha assim, não tenho culpa, mas o passageiro ao meu lado olha tantas vezes para mim que talvez seja por isso. ‘Desculpa lá, companheiro, mas vais ter que te aguentar a bronca’, penso para comigo mesmo – expressão redundante, mas não me parece muito preocupante – enquanto o Malaquias volta a atacar a minha canela, desta vez à esquerda, mais montanhosa graças às cacetadas que já levei a jogar à bola.
Se agora ouvisse o João Chaves, não me admirava. O rádio do autocarro passa música calma, em sintonia com a chuva que vai caindo copiosamente lá fora.
Depois de 3 dias a dormir no chão ou, em momentos de grande conforto, em cadeiras e de 17h de voos e escalas, dói-me o pescoço. Lembro-me da canção do Antonio Variações. Em viagem, a minha cabeça tem pouco juízo, é verdade, e o corpo paga e bem mas, tendo em conta que dormi à borla, parece-me um preço justo.