O Oeste, terra do Sol Poente, foi sempre visto pelos egípcios antigos como a Terra das Sombras e dos Mortos. Por exemplo, todas as pirâmides e complexos tumulares estão construídos na margem ocidental do Nilo. Este Oeste estende-se por quilómetros sem fim e, já no tempo dos faraós, se sabia que avançar para Oeste era dirigir-se para as areias implacáveis do deserto que, com o seu calor e falta de água, transformavam o Sol, adorado como fonte de vida, num símbolo de morte.
O chamado Deserto Ocidental ocupa grande parte da área do Egito e é uma zona do pais incontornável, para aqueles que o desejam conhecer. Desde os tempos das primeiras dinastias faraónicas, passando pelos exploradores ocidentais do século XIX, as areias eternas sempre exerceram um fascínio enorme sobre aqueles que, em busca de glória ou fortuna, queriam saber mais sobre tudo aquilo que se encontrava além. Na nossa viagem resolvemos fazer o circuito dos oásis, começando pelo de Siwa, o mais ocidental, passando sucessivamente pelos de Baharyia, Farafra, Dakhla e Kharga.
Saindo de Alexandria, e depois de uma viagem de 8 horas de autocarro, durante a noite, chegámos a uma povoação imersa nos primeiros raios de sol, no centro de uma mancha verde que contrasta fortemente com a aridez que a circunda. Siwa, já perto da fronteira com a Líbia, tem mais de 300 nascentes de água doce, irrigando cerca de 300 000 tamareiras e 70 000 oliveiras. O cenário torna-se ainda mais espetacular pois, nos arredores da cidade, encontram-se dois lagos salgados, com margens brancas cobertas de sal contrastando com o amarelo do deserto no horizonte.As ruínas da antiga cidade de Shali erguem-se sobre a atual praça principal da povoação. Esta cidade muralhada protegeu os habitantes dos ataques de tribos provenientes de territórios da atual Líbia Embora as casas tenham sido abandonadas em 1926, após chuvas torrenciais que destruíram grande parte das construções em adobe, a zona pode ser explorada e, do cimo, obtêm-se vistas fabulosas sobre a paisagem circundante.Siwa tem hoje uma sociedade islâmica muito tradicional, em que a esmagadora maioria das mulheres usa véu integral (isto é, não tendo nenhuma parte do corpo exposta) e não pode sair à rua sem estar acompanhada do marido ou de um filho. Impressionou-nos bastante ver, nas ruas de Siwa, uma ou duas mulheres, totalmente cobertas, sem qualquer identidade, perfeitamente passivas, sendo transportadas na parte de trás de uma carroça conduzida por um miúdo com idade à volta dos 4-5 anos. Os visitantes devem vestir-se com discrição. As turistas ocidentais que se expõem mais sujeitam-se não só a permanentes olhares indiscretos, como a assédio mais incomodativo. Pelos vistos, os homens encaram a exibição do corpo como um convite para algo mais! A povoação serviu-nos também de base para o início da exploração da área desértica circundante.No deserto do Sahara distinguem-se duas zonas, uma constituída por dunas e designada Erg, e outra bastante pedregosa designada Hamadas. A área de Siwa corresponde a zona de Erg, tendo o seu expoente máximo no grande Mar de Areia. Esta é uma das maiores (senão mesmo a maior) áreas de dunas do deserto do Sahara, ocupando uma extensão superior a 800km desde a Líbia até ao Egito.Com mais de 72 000 quilómetros quadrados, tem as maiores dunas do mundo. Percorremos o deserto de jipe e, durante mais de 6 horas, não vimos nada nem ninguém Não havia viv’alma por aqui. Nada, além de areia e saliências rochosas. No entanto, a vida já foi aqui abundante. São vários os locais onde pudemos testemunhar a existência de fósseis marinhos, desde algas a bivalves e conchas. A areia, no entanto, domina claramente a paisagem. Mas não e tudo… No interior do deserto surgem depressões onde a água aflora à superfície A maioria das vezes é água salgada mas, em situações mais particulares, também existe agua doce. Aí sim, vemos turistas. Poucos, porque as temperaturas elevadíssimas que se registam não convidam ao turismo nos meses de verão No final do dia, subimos a uma duna e testemunhámos a beleza do sol poente, esperando, tal como os egípcios há 5000 anos, que ele amanhã regresse no leste, tão esplendoroso e generoso como sempre. De Siwa atravessámos o deserto de jipe para Baharyia, outro oásis a mais de 400km de distância. Deixámos para trás o Grande Mar de Areia e entrámos num tipo de deserto diferente. A zona que envolve os oásis de Baharyia e Farafra corresponde ao deserto pedregoso, sendo que nas imediações de Baharyia é negro e, em Farafra, branco. O Deserto Negro, que rodeia o oásis de Baharyia, é bastante extenso e a sua coloração resulta da existência de basaltos (rocha vulcânica) na área Já nas imediações do oásis de Farafra, a cor negra dá lugar ao branco e o deserto exibe formas fabulosas de erosão eólica talhadas no talco, nomeadamente as formas tipo cogumelo. Embora, aparentemente, a sociedade não seja tão tradicionalista como a de Siwa, foi aqui que encontrámos algumas evidências das tradições islâmicas tribais. Algumas mulheres exibem o rosto desfigurado, possivelmente vítimas dos chamados Crimes de Honra, sancionados pela Lei Islâmica, constituindo exemplos para as outras mulheres. No circuito que estabelecemos para explorar o Deserto Ocidental, os oásis de Dakhla e Kharga eram as nossas últimas paragens, antes de rumarmos com destino ao Nilo. Com populações substancialmente superiores aos oásis de Baharyia, e principalmente de Siwa, estes têm uma malha urbana muito mais dispersa e construções mais heterogéneas Em Dakhla resolvemos ficar um dia, em que aproveitámos para visitar algumas das “atracões” locais. Para além do núcleo antigo da cidade, abandonado e em degradação completa (mas do cimo do qual se tem uma vista privilegiada sobre a cidade), os lugares mais antigos localizam-se em zonas periféricas do oásis Partimos de Mut (capital do oasis de Dakhla) com o objetivo de visitar Al Qasr, uma cidade medieval, agora quase abandonada mas ainda habitada por meia dúzia de pessoas, e o templo Deir al-Hagar, mandado construir pelo imperador romano Nero, no sec. I d.C. A primeira visita revelou-se uma deceção pois a cidade, construída em tijolos de lama, apesar de ter uma estrutura interessante (ruas estreitas e paredes muito altas) e uma mesquita e madrassa, está bastante degradada e fica a anos-luz das cidades muralhadas do deserto que se podem ver, por exemplo, em Marrocos. A segunda atracão revelou-se bem mais interessante. Perdido já no meio das areias do deserto circundante ao oásis (sendo por este motivo protegido por um muro, para minimizar a erosão pelo vento e areia), o templo Deir al-Hagar era dedicado ao culto de Amon e Horus, deuses egípcios Apesar da sua estrutura simples de colunatas e alguns pavilhões sucessivos, destaca-se pelas gravações representando vários deuses egípcios, a maioria das quais em bom estado de conservação, e pela sua localização, longe do bulício da cidade. No dia seguinte partimos, ainda o Sol não tinha nascido, para o oásis de Kharga, com o propósito de visitarmos apenas dois pontos de interesse e, no mesmo dia, fazermos já a viagem de aproximação ao Nilo. Um desses pontos de interesse era o chamado Templo de Híbis, mandado construir pelo imperador persa Dário I, no sec. VI a.C., mas que neste momento está a ser alvo de um projeto de renovação, não sendo possível visitá-lo. Pudemos apenas tirar fotos de longe, mas pareceu-nos de estrutura idêntica ao templo que visitamos em Dakhla sendo, no entanto, bastante maior. Apesar desta desilusão, fomos compensados por uma agradável surpresa: a necrópole de al-Bagawat. Um dos cemitérios cristãos mais antigos e mais bem preservados do Mundo. Centenas de túmulos, construídos em tijolo, que remontam aos séculos IV a VI d.C., iluminaram-se com a luz do Sol matinal para nos receberem. Pudemos admirar a localização do cemitério, numa colina na periferia do oásis, a sua arquitetura e o interior dos túmulos, todos eles vandalizados ao longo dos séculos A esmagadora maioria deles já não tem nada no seu interior digno de ser admirado, mas em alguns ainda restam murais pintados representando cenas da Bíblia ou figuras religiosas. As pinturas mais bem conservadas estão na chamada Capela do Êxodo e representam Moisés encabeçando os Judeus na sua fuga do Egito. Tal como eles, também nós sairemos do Egito tendo como destino final Israel mas, por enquanto, era tempo de partir rumo a Asyut, nas margens do rio Nilo e terminar assim o nossa travessia pelos oásis e desertos do Oeste.