Iniciámos esta viagem com vontade de realizar alguns trabalhos de voluntariado. O primeiro foi desenvolvido durante o mês de Dezembro.
Trabalhámos com uma associação designada Red de los Humedales de Oaxaca, num projecto que visa proteger as tartarugas marinhas que desovam neste estado.
Depois de uma introdução de cerca de uma semana, em Puerto Escondido, inteirando-nos sobre o tipo de trabalho que teríamos que desempenhar, partimos finalmente para a remota comunidade – La Tuza, na costa de Oaxaca – onde iríamos pôr em prática os conhecimentos adquiridos.
Depois de uma hora de viagem em estrada alcatroada, entrámos por caminhos de terra batida e o percurso continuou por mais duas horas incluindo uma radical travessia de carro de um rio com muita corrente. Começámos a ter percepção do quanto estaria isolado o lugar onde iríamos permanecer por um mês.
Por fim chegámos e deparámo-nos com um cenário que superou as nossas expectativas: uma aldeia pequena (cerca de 150 habitantes) de casas muito simples, de madeira, com telhados cobertos de folhas de palmeira. Ao longe, uma igreja minimal, enquadrada numa paisagem paradisíaca, atrás uma lagoa onde já se avistavam inúmeras aves marinhas e por fim a praia onde iríamos trabalhar com as tartarugas.
Saímos do carro com as mochilas às costas, ainda sem perceber onde iríamos ficar hospedados. A Francesca, a bióloga com quem estabelecemos todos os contactos, levou-nos a casa do coordenador do projecto naquela comunidade. Ele não estava. Conhecemos a sua esposa, Maria, e as duas filhas, Flor (com 5 anos) e Sandra (com 9). Simpática e amistosa, a Maria sentou-nos à mesa da sua cozinha, construída com madeira do mangal, sobre chão de terra batida. Serviu-nos uma enchilada e uma água de maracujá. Imediatamente chamou-nos à atenção o seu fogão, a lenha, construído em terra, e levantado por estacas periclitantes, ao lado o já quase esquecido metate, onde diariamente ela produzia as tortillas para a sua família e para vender à comunidade. Ao lado da cozinha, a casa, de uma única divisão; não teria mais que dez metros quadrados e contava apenas com uma cama.
De início, a ideia da Francesca seria que ficássemos hospedados naquela habitação, já demasiado pequena para a família. De modo que ficámos expectantes, sem saber onde iríamos pernoitar por um mês.
Finalmente chegou o chefe da família, Roman, e, felizmente, ofereceu-nos a casa do seu irmão que não se encontrava na comunidade. Era uma casa também de uma única divisão, de construção tão ou mais simples que aquela que descrevemos anteriormente.
Os pilares principais eram também habitação de várias espécies de vespas, os vários buracos que existiam no chão eram tocas de tarântulas e o telhado de folhas de palmeira abrigava osgas e outras tantas espécies de animais. Como era uma casinha sem portas ou janelas, podiam entrar galinhas que nos ofereceram os seus ovos durante um mês (faziam a sua postura na única mesa que tínhamos e na nossa cama), iguanas, papa-formigas, escorpiões, também eles apreciadores da nossa “cama”(uma esteira no chão coberta por um mosquiteiro muito rasgado) e ratos (para roubar a pouca comida que tínhamos).
Ficámos contentes porque, pelo menos, teríamos privacidade (afinal um mês não é uma semana) e ainda mais por saber que nessa primeira noite, em La Tuza, iríamos fazer a nossa primeira saída de campo.
Pouco informados e acreditando que na praia não haveria mosquitos, fomos com pouca roupa porque o calor que se fazia sentir era absolutamente insuportável. Saímos por volta das seis da tarde.
De lancha atravessámos a lagoa, que se interpõe entre a comunidade e a praia. O espectáculo a que assistimos foi deslumbrante: o sol tingia o céu e a água de laranja. À medida que nos deslocávamos, centenas de aves marinhas de diversas espécies e peixes voadores apresentavam-se à nossa frente fundindo os seus voos. Esta lagoa tão biodiversa conta ainda com a presença de crocodilos (infelizmente não avistámos nenhum) e serve de refúgio a tantas outras espécies: lontras, mapaches, iguanas, lagartos, boas…
Saímos da lancha e chegámos ao nosso local de trabalho, a praia. De extensão infinita, mar batido, era de facto uma praia selvagem. Mais tarde viemos a perceber que nem pelos habitantes de La Tuza era visitada. Montámos a nossa tenda dentro do “campamento tortuguero” e esperámos pela saída das tartarugas. Neste intervalo de espera (2h) percebemos que tínhamos cometido um grave e doloroso erro: começamos a sentir os mosquitos que iam aparecendo com a chegada da gorda lua cheia. Como se não bastassem, descobrimos ainda uma outra espécie de insecto que emerge da areia à noite e que também são apreciadores de sangue humano.
Saímos então perto das nove da noite para fazer o primeiro trajecto em busca das tão esperadas tartarugas. De lanterna em punho, caminhámos pelo areal em busca de rastos de tartaruga. Por sorte, na primeira saída, encontrámos dois exemplares ainda in situ a depositar os ovos. Recolhemo-los, de forma a protegê-los de predadores e de apanhadores furtivos, medimo-los, contámo-los e enterrámo-los no interior do acampamento, registando (de acordo com a espécie) a possível data de eclosão.
Este procedimento foi levado a cabo duas vezes por noite (às 21h e perto das 2h) e repetiu-se durante toda a temporada de voluntariado.
Voltámos para casa já com o sol a nascer, tomámos um banho improvisado (já que não existia casa de banho) utilizando alguns litros de água numa tina e molhando-nos com um outro recipiente mais pequeno. Já com o sol alto, fomos dormir.
(Continuamos a experiência, La Tuza, na próxima crónica).