Chega-se a Goloritze (pronunciado Goloritzé) por um trilho acidentado. É preciso caminhar uma boa hora por um caminho abrupto, pedregoso e com pouca sombra. Um pequeno sacrifício que será largamente recompensado pela pureza do mar e a beleza do cenário.
Escoltados por inebriantes eflúvios de mirta e esteva, chega-se finalmente a uma escadaria, no flanco da falésia, sobranceira a uma enseada espectacular. A nossos pés, impressionantes rochas brancas descem até uma pequena praia imaculada lambida por água turquesa. Este caos de rochas planas, polidas pela erosão, é também prolongado, por um lado, por um majestoso arco mineral que mergulha nas ondas. Situada perto de Baunei, a sul de Cala Gonone, Goloritze é uma praia mítica. Uma maravilha natural considerada uma das jóias da Sardenha.
Isolada de tudo, assume ares de fim do mundo, onde se pode contemplar, durante horas, o movimento infinito do mar.
Entramos na água, é fresca. A onda anil envolve-nos para nos friccionar nas pequenas vagas de espuma branca. E abandona-nos sobre a areia cintilante para nos embriagar com as sonoridades da ressaca. Todos os dias, esta paisagem excepcional atrai dezenas de turistas, vindos a pé ou a bordo de ágeis e ligeiros barcos insufláveis. E para se aproveitar Goloritze convenientemente e com toda a intimidade, o melhor mesmo é chegar lá bem cedo, de manhã.
Mas para aqueles que temem a marcha, a Sardenha apresenta um litoral muito variado, arcado por enseadas isoladas, dunas de areia dourada, falésias recortadas e praias selvagens e intactas. Com declives íngremes que se precipitam no vazio, oferecendo novas paisagens à vista de cada vez, a estrada conduz-nos a praias sumptuosas, a maioria das quais se prestam ao banho. Entre elas, a de Is Arutas é certamente a mais “tropical”, com águas esmeralda e a sua areia muito branca, composta por minúsculos grãos de quartzo.
A de Berchida (Capo Comino) é a mais distante, pois só é acessível por uma longa pista de areia (que pode ser percorrida de carroça) ondulando por um pinhal. Enquanto que Piscinas é uma das mais espectaculares. Um asfalto esburacado e íngreme a atravessar uma zona mineira em pousio.
Ao longo dos zimbreiros e tamargueiros, desembocamos num estacionamento.
Depois enveredamos a pé por um caminho arenoso, entre grandes dunas de 50 metros de altura esculpidas pelo vento. Ao fundo, o monte Arcuentu vela sobre esta imensa praia deserta que desposa as curvas generosas da ansa.
No centro da ilha, espera-nos um espectáculo muito diferente. Na estrada de Nuoro, os maciços montanhosos do Gennargentu e do Supramonte estão envoltos por um manto vegetal formado por mato, carvalhos e pastagens.
Empoleirada no alto, Orgosolo é uma das aldeias mais emblemáticas da Sardenha, com as suas fachadas de casas ilustres. Desde os anos 60 que os pintores dão livre curso à sua imaginação, através dos murais ou paredes pintadas, inspirados pela actualidade. A bandeira sarda com quatro cabeças mouriscas aparece de maneira recorrente. E temas tão variados como o G8, o governo italiano ou a disparidade homem-mulher são objecto de violentos ataques humorísticos. Parece que Orgosolo foi sempre rebelde ao poder.
Esta aldeia é, de resto, conhecida de toda a Itália pelos seus bandidos.
É aqui que há muito se pratica a lucrativa actividade do rapto. Uma face da história que os sardos gostariam de fazer esquecer a favor de um passado mais glorioso. Um passado de que se orgulham e que redescobrem: a civilização nurágica, a primeira da Sardenha (de 1800 a 500 antes de Cristo), que é também uma das mais antigas da Europa. A Sardenha conta com 7 mil nuragues, construções cilíndricas que fazem parte integrante da paisagem local e deram o seu nome a este período. Construídas a partir de enormes blocos de pedra reunidos sem argamassa, têm por vezes 20 metros de altura.
Losa é um dos sítios nurágicos mais bem conservados, juntamente com Barumini e San Antine. Mas as sepulturas monumentais ou tombe dei Giganti (tomba-gigantes), constituídas por estelas dispostas em semicírculo, também valem o passeio. Li Lolghi (perto de Arzachena) e Sa Ena’e Thomes (perto de Galtelli) são os mais conhecidos e os mais espantosos com blocos de granito que oscilam entre 3 e 5 metros. Mais a sul, San Sperate, onde vive o artista Pinuccio Sciola, conta uma história.
Com a ajuda de Angelo Pilloni, seu primo, Sciola transformou a aldeia em galeria a céu aberto, com pinturas murais que representam cenas da vida quotidiana de uma Sardenha ancestral. “O muralismo trata da identidade e das raízes culturais sardas”, refere ele. “É igualmente um pretexto para criar encontros e intercâmbios, pois também acolhemos obras artísticas de todo o mundo.” Desde então, estudantes, artistas e turistas de todas as nacionalidades acotovelam-se para admirar o património artístico de San Sperate: estes rostos, estas silhuetas e estes olhares penetrantes, bem como realizações mais contemporâneas. O atelier de Pinuccio, igualmente a céu aberto, está cheio. Num campo, estão as suas últimas criações: “as pedras sonoras”, blocos de basalto esculpidos, que emitem sons quando os tocamos, foram expostas nos quatro cantos do planeta. Seduzidos pela beleza estranha destes monólitos, os compradores são uma legião.
O célebre arquitecto Renzo Piano instalou um no coração do parque da música de Roma, enquanto que Luciano Benetton adquiriu outro para o Benetton Parc, de Trévise. Mas para o artista, estas pedras nascidas dos movimentos telúricos da terra e moldados pelas suas mãos “continuam a ser simples pedras sardas que falam de uma ilha imemorial”. E que permanece, apesar de tudo, selvagem. Pronta a ser descoberta e explorada.