Hanami é uma palavra japonesa que significa “contemplar as flores” e é emprestada ao filme de Denise Fernandes por uma personagem: um vulcanólogo nipónico que explora os mistérios das areias pretas da ilha do Fogo, Cabo Verde. Denise transporta para o seu filme toda essa contemplação poética – a busca do belo, o desejo de permanecer quando todos os sinais indicam caminhos para partir.
A poesia imagética de Denise está muito distante do estilo de Pedro Costa, em A Casa de Lava, que continua a ser a maior referência visual da ilha no cinema. O lirismo de Hanami tem uma âncora bem presa na realidade, parte de dentro para fora e envolve-se com a essência dos habitantes da ilha. Para isso, foi fundamental o trabalho com atores não profissionais.
À exceção do japonês Yuta Nakano e da francesa Alice da Luz, que incorporam personagens que vêm de fora, todo o elenco foi recrutado na própria ilha, após um longo processo que foi muito além dos métodos tradicionais de casting. Foi assim que se construiu uma identidade local credível e admirável, com destaque para a interpretação forte e contida da estreante Nha Nha Rodrigues.
Denise Fernandes soube tirar partido da beleza peculiar da ilha do Fogo de forma subtil, dando a ideia de que a própria paisagem se funde com os protagonistas, condicionando as suas ações. Em termos fotográficos, é um filme extremamente belo, mas seguindo uma direção distinta da de Pedro Costa – o olhar aqui é sempre mais interior.
Filha da diáspora, Denise Fernandes começou por retratar, em curtas-metragens, a comunidade cabo-verdiana em Portugal, com um olhar social, político e, sobretudo, cinematográfico, ajudando a colmatar uma lacuna de representatividade nas artes em geral. Mas nunca escondeu o desejo de ir ao ponto de partida, para contar o início da “história”: filmar Cabo Verde, os que partem, os que ficam, os que regressam.
Hanami é uma surpreendente primeira obra de uma jovem realizadora que soube definir o seu olhar de forma simultaneamente poética e realista, revelando uma outra perspetiva, tão íntima quanto universal.
Hanami > De Denise Fernandes, com Nha Nha Rodrigues, Alice da Luz, Yuta Nakano, João Galinha Mendes > 96 min
Outra estreia nas salas de cinema
Os Fantasmas
Quando realmente termina uma guerra? O francês Jonathan Millet conta-nos uma história sobre a guerra da Síria, emocionalmente violenta e com contornos de filme de espionagem. No exílio, um grupo informal de sírios procura, secretamente, criminosos de guerra ao serviço de Bashar al-Assad para os entregar à justiça.
Ao contrário dos espiões que habitualmente encontramos nos filmes de Hollywood, estes são agentes informais, não treinados, profundamente envolvidos emocionalmente, e que, durante a sua investigação, enfrentam uma instabilidade psíquica constante, fruto dos traumas da guerra. Assim é Hamid, interpretado por Adam Bessa, que persegue incessantemente o seu carrasco, cuja cara não conhece. Trata-se de um drama psicológico profundamente emotivo, em que os elementos de thriller, embora presentes, são naturalmente secundarizados. Estreado em Cannes, é uma incursão surpreendente de Jonathan Millet, cujo filme anterior havia sido filmado no Peru. De Jonathan Millet, com Adam Bessa, Tawfeek Barhom, Julia Franz Richter, Hala Rajab > 104 min