Hanami é uma palavra japonesa que significa “contemplar as flores” e é emprestada ao filme de Denise Fernandes por uma personagem: um vulcanólogo nipónico que explora os mistérios das areias pretas da ilha do Fogo, Cabo Verde. Denise transporta para o seu filme toda essa contemplação poética – a busca do belo, o desejo de permanecer quando todos os sinais indicam caminhos para partir.

A poesia imagética de Denise está muito distante do estilo de Pedro Costa, em A Casa de Lava, que continua a ser a maior referência visual da ilha no cinema. O lirismo de Hanami tem uma âncora bem presa na realidade, parte de dentro para fora e envolve-se com a essência dos habitantes da ilha. Para isso, foi fundamental o trabalho com atores não profissionais.

À exceção do japonês Yuta Nakano e da francesa Alice da Luz, que incorporam personagens que vêm de fora, todo o elenco foi recrutado na própria ilha, após um longo processo que foi muito além dos métodos tradicionais de casting. Foi assim que se construiu uma identidade local credível e admirável, com destaque para a interpretação forte e contida da estreante Nha Nha Rodrigues.

Denise Fernandes soube tirar partido da beleza peculiar da ilha do Fogo de forma subtil, dando a ideia de que a própria paisagem se funde com os protagonistas, condicionando as suas ações. Em termos fotográficos, é um filme extremamente belo, mas seguindo uma direção distinta da de Pedro Costa – o olhar aqui é sempre mais interior.

Filha da diáspora, Denise Fernandes começou por retratar, em curtas-metragens, a comunidade cabo-verdiana em Portugal, com um olhar social, político e, sobretudo, cinematográfico, ajudando a colmatar uma lacuna de representatividade nas artes em geral. Mas nunca escondeu o desejo de ir ao ponto de partida, para contar o início da “história”: filmar Cabo Verde, os que partem, os que ficam, os que regressam.

Hanami é uma surpreendente primeira obra de uma jovem realizadora que soube definir o seu olhar de forma simultaneamente poética e realista, revelando uma outra perspetiva, tão íntima quanto universal.

Hanami > De Denise Fernandes, com Nha Nha Rodrigues, Alice da Luz, Yuta Nakano, João Galinha Mendes > 96 min

Outra estreia nas salas de cinema

Os Fantasmas

Quando realmente termina uma guerra? O francês Jonathan Millet conta-nos uma história sobre a guerra da Síria, emocionalmente violenta e com contornos de filme de espionagem. No exílio, um grupo informal de sírios procura, secretamente, criminosos de guerra ao serviço de Bashar al-Assad para os entregar à justiça.

Ao contrário dos espiões que habitualmente encontramos nos filmes de Hollywood, estes são agentes informais, não treinados, profundamente envolvidos emocionalmente, e que, durante a sua investigação, enfrentam uma instabilidade psíquica constante, fruto dos traumas da guerra. Assim é Hamid, interpretado por Adam Bessa, que persegue incessantemente o seu carrasco, cuja cara não conhece. Trata-se de um drama psicológico profundamente emotivo, em que os elementos de thriller, embora presentes, são naturalmente secundarizados. Estreado em Cannes, é uma incursão surpreendente de Jonathan Millet, cujo filme anterior havia sido filmado no Peru. De Jonathan Millet, com Adam Bessa, Tawfeek Barhom, Julia Franz Richter, Hala Rajab > 104 min

Em termos de design, as diferenças face à geração anterior são subtis, e sendo estes uns auscultadores topo de gama, seria de esperar uma construção premium — mas os XM6 ficam aquém nesse aspeto. O plástico domina praticamente todos os componentes. Apesar de parecer robusto e durável, não transmite a sensação de luxo associada a um produto deste segmento. Por outro lado, essa escolha contribui para um peso reduzido, o que torna os XM6 leves e confortáveis, mesmo em sessões de utilização prolongada. O design mantém-se praticamente inalterado face à geração anterior, e a Sony poderia ter aproveitado esta atualização para introduzir melhorias.

As almofadas, tanto no aro como nas orelhas, mereciam ser mais volumosas, o que aumentaria o conforto geral. Já o ajuste do tamanho das hastes revela-se pouco fluido, e com os auscultadores na cabeça, torna-se difícil acertar com precisão o encaixe ideal. O estojo de transporte também merece destaque: é compacto e fácil de levar para qualquer local. Ao contrário do modelo anterior, que utilizava um fecho tradicional, esta nova versão aposta numa banda magnética que torna o processo de abertura e fecho mais rápido e prático.

Veja imagens abaixo:

O melhor cancelamento de ruído do mercado

Quando falamos em supressão de ruído, área em que o modelo XM5 já se destacava como o melhor do mercado, estes auscultadores continuam simplesmente imbatíveis. É impressionante o nível de isolamento de ruído (ANC) que conseguem oferecer. Mesmo sem qualquer som a tocar, a redução do ruído ambiente já é notável, graças ao design envolvente e ao excelente encaixe nas orelhas.

Mas é ao colocarmos música, mesmo em volume moderado, que percebemos verdadeiramente o que temos em mãos… ou melhor, nos ouvidos. Em ambientes ruidosos, como junto a estradas com tráfego intenso, em zonas com centenas de pessoas ou em transportes públicos como o metro e o autocarro, estes auscultadores garantem sempre uma experiência imersiva, com o ruído exterior praticamente eliminado. Esse sucesso deve-se, em grande parte, ao novo processador HD QN3, que eleva a tecnologia de ANC a um novo patamar. Estamos, sem dúvida, perante a ‘nata da nata’.

Gravos muito potentes

Se o cancelamento de ruído já nos tinha convencido, que dizer então da qualidade sonora? Simplesmente excelente. Não há qualquer distorção, mesmo com o volume no máximo — a nitidez e clareza mantêm-se intactas. Os graves são profundos e impactantes, capazes de nos fazer perder totalmente a noção do que se passa à nossa volta. Sentimo-nos verdadeiramente envolvidos com cada nota. Já os agudos não ficam atrás: em faixas que exigem mais nessa gama, a definição é notável. Por fim, os médios oferecem uma separação clara entre instrumentos, com uma definição e qualidade que elevam a experiência. Estes auscultadores ‘prendem-nos’, completamente, ao som.

Outro fator de destaque nos XM6 é a qualidade das chamadas, algo que se deve em grande parte aos 12 microfones integrados. Mesmo em ambientes com ruído extremo, conseguimos manter uma conversa em que, do outro lado, nos ouvem com uma nitidez impressionante.

A aplicação Sound Connect também acrescenta valor, permitindo uma personalização ajustada às preferências e ao estilo de utilização de cada utilizador. Podemos, por exemplo, usar o equalizador manual para reforçar os graves ou os agudos, ou optar por perfis de som predefinidos. Ao ativar o Adaptive Sound Control, os auscultadores detetam automaticamente o ruído ambiente e ajustam o nível de cancelamento de forma inteligente.

Além disso, é possível estar ligado a dois dispositivos em simultâneo, algo particularmente útil no dia a dia. Do lado direito dos auscultadores encontramos ainda um sensor tátil que permite pausar ou trocar de música, ajustar o volume e controlar outras funções. Para aumentar o volume, basta deslizar o dedo para cima e manter; para diminuir, o gesto é o mesmo mas em direção descendente.

Autonomia e preço

A Sony promete uma autonomia de cerca de 40 horas sem cancelamento de ruído ativo (ANC) e 30 horas com ANC ligado — valores que conseguimos confirmar na nossa experiência, embora não representem um avanço face à geração anterior. Ainda assim, são números bastante sólidos, que permitem uma utilização intensiva durante vários dias sem preocupações com o carregamento.

A marca afirma também que, com apenas três minutos de carregamento, é possível recuperar até três horas de autonomia. No entanto, na prática, esse valor parece otimista: conseguimos, no máximo, cerca de uma hora de utilização com esse tempo de carregamento. Por fim, o preço é elevado e é natural que nem todos estejam dispostos a investir tanto em auscultadores. No entanto, estes são, na nossa opinião, os melhores auscultadores atualmente disponíveis no mercado e passam a ser a nossa nova referência neste segmento. Para quem aprecia música e exige qualidade, esta é, sem dúvida, a escolha mais acertada.

Tome Nota
Sony WH-1000XM6 – €470
Site: sony.pt

Cancel. de ruído Excelente
Autonomia Muito Bom
Construção Bom
Som Excelente

Características Dynamic Titanium Driver 30 mm ○ 12 microfones ○ Frequências: 4 Hz – 40,000 Hz ○ Earsense, Áudio Espacial ○ Autonomia: até 40 horas (30h c/ ANC) ○ USB-C, Bluetooh 5.3 ○ Codecs: AAC, SBC, LDAC, LC3 ○ Alcance: aprox. 10m ○ Peso: 254 g

Desempenho: 5
Características: 5
Qualidade/preço: 3,5

Global: 4,5

A divisão entre esquerda e direita remonta aos tempos da Revolução Francesa. Quando Luís XVI abriu os Estados Gerais, em maio de 1789, ouviu as três classes sociais com representação política: o clero, a nobreza e o povo, então chamado de Terceiro Estado. Até então, as reuniões do Terceiro Estado aconteciam em salas distintas das outras e dispunham menos direitos de voto, mas desta vez, os representantes do povo que se juntavam na Assembleia dos Comuns, exigiram não ser ouvidos à parte. Pediram a criação de uma Assembleia Nacional e uma nova Constituição para a França, começaram a reunir-se na sala mais nobre e a recolher dissidentes do clero e depois da nobreza que se juntaram a eles.

Depois da tomada da Bastilha, em julho, a exigência de “um homem, um voto” passa a ser uma das pedras de toque dos revolucionários. Como explica Rui Tavares no livro “Esquerda e Direita, Guia Histórico para o Século XXI”, quando começam as reuniões da Assembleia Constituinte,  um dos temas fulcrais foi o direito de veto do rei – defendido pela nobreza e recusado pelo povo. A 28 de Agosto de 1789, dá-se a divisão de águas que perduraria até aos dias de hoje.  “Nesse dia, os deputados que eram contra o direito de veto do rei entraram na sala e juntaram-se naturalmente à esquerda do presidente da sessão; os deputados que eram a favor foram para o lado direito. Essa divisão foi notada nos próprios debates, e a 11 de setembro de 1789, quando a Assembleia voltou a reunir-se para discutir o mesmo tema, a divisão permanecia: os opositores do rei dirigiam-se para a direita da sala (mas ficavam à esquerda do presidente e eram, portanto, ‘a esquerda’) e os defensores do rei ia para o lado esquerdo (mas como ficavam à direita do presidente passaram a ser, desde então, ‘a direita’)”, diz o historiador.

Se tudo começou com uma posição na sala e as cadeiras onde se sentavam, rapidamente se percebeu que mais coisas os separavam além do direito de veto do rei: era toda uma visão do mundo e dos direitos do homem que era distinta, era “uma visão múltipla das coisas: do próprio poder ao sentido da História, daquilo que constitui uma nação àquilo que constitui uma noção de direitos”.

Sessão de abertura dos Estados Gerais, em 5 de maio de 1789. Foram dissolvidos pela Revolução Francesa

Enquanto uns queriam um novo tempo da história da Humanidade (a esquerda), os outros queriam manter, na sua essência, uma continuação do Antigo regime (a direita). “Até a palavra revolução estava em revolução e tinha duplo sentido. Para o primeiro grupo, ela começava a ganhar o sentido que hoje lhe da damos, de um corte definitivo com o passado, o segundo mantinha a sua aceção pré-moderna na qual uma ‘revolução’ era (como nos planetas) o movimento de dar uma reviravolta ara voltar ao normal. Se estes faziam a revolução para voltar à ordem 8e ficaram conhecidos como reacionários), aqueles faziam-na para não voltarem atrás (e ficariam com o monopólio do termo revolucionários)”, lê-se no livro. Outra distinção essencial era a forma como se olhava a desigualdade: enquanto a esquerda defendia a redistribuição, a direita apelava ao direito de propriedade.

Durante o século XIX, em França, esta divisão entre esquerda e direita distinguiu os partidários da República e os defensores da Monarquia, e inspirou uma separação que foi copiada por Assembleias de todo o mundo.

Nos primeiros tempos, a direita tendeu a não incentivar a distinção que via como artificial. Foi sobretudo a esquerda progressista, tentando demarcar-se do que via como conservadorismo de uma certa ala da sociedade e dos agentes políticos, que estimulou a dicotomia esquerda-direita, elevando-a a distinção política primordial da modernidade. Ainda hoje, mantém-se na esmagadora maioria dos Parlamentos, espelhando posições políticas antagónicas.  

Nos dias de hoje, há posições que tendem a distinguir a esquerda e a direita. A esquerda assenta na ideia de um Estado com mais presença na sociedade, com maior intervenção de forma a reduzir desigualdades e injustiças sociais, mais regulamentação e impostos, mais liberal nos costumes. Já a Direita acredita que o indivíduo e a iniciativa privada devem ter um papel fundamental na sociedade, defende um Estado mais pequeno, com menor regulamentação e impostos mais baixos, mas também menos serviços públicos e prestações sociais, mais conservadora nos costumes.

Nas últimas décadas, vários movimentos políticos têm vindo a assumir uma narrativa em que tentam colocar-se à margem desta distinção. É o caso de vários partidos e movimentos ambientalistas a alguns liberais, embora uma leitura mais atenta dos seus programas de governo permita, na maioria dos casos, colocá-los mais de um lado ou de outro do espectro político.

(Artigo publicado originalmente em fevereiro de 2022)

Pedro Nuno Santos demitiu-se. Não tinha como continuar a liderar os socialistas depois da hecatombe da noite eleitoral de ontem. Quando faltam apenas apurar os quatro deputados da emigração, PS e Chega têm o mesmo número de eleitos, 58, estando o PS à frente, em número de votos, por menos de 50 mil. Os socialistas perderam 19 deputados num ano, e o Chega ganhou mais 10. Mas o segundo lugar permanece uma incógnita até chegarem os resultados do estrangeiro.

A análise por distritos é medonha para os socialistas. Dos oito em que venceram no ano passado, mantêm apenas um: Évora. Quatro foram para a AD (Castelo Branco, Coimbra, Lisboa e Santarém) e três para o Chega (Beja, Portalegre e Setúbal). Perderam mais de 365 mil votos. 

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Palavras-chave:

Ao longo da longa noite, as conversas em surdina entre os apoiantes da AD passam pela grande dúvida: é desta que temos de dar a mão ao Chega?, perguntavam-se, em pequenos grupos. Como pode Luís Montenegro governar mantendo a palavra dada? Mas como pode governar quebrando a sua principal promessa eleitoral – o “não é não”?

Nuno Melo, o primeiro representante da AD a aparecer em palco, na sede de campanha da AD (ainda os resultados finais estavam muito longe de ser conhecidos), deixou a sua visão. “Hoje é um grande dia, o dia em que se fez justiça à AD, com grande vantagem para Portugal. Foi reforçada a legitimidade deste projeto político que junta o PSD ao CDS. A crise política foi criada pela oposições. E o PS foi por isso fortemente penalizado, sofrendo uma pesada derrota. Os portugueses esperam dos socialistas sentido de responsabilidade. Que façam aquilo que deles se espera.”

Ou seja, para o presidente do CDS, a muleta da AD será o PS, não o Chega.

No final da noite, Luís Montenegro haveria de deixar clara a sua posição: os eleitores esperam que a oposição saiba interpretar a sua vontade. “O povo falou e no recado da sua liberdade aprovou de forma inequívoca um voto de confiança no governo, na AD e no primeiro-ministro. A resposta foi clara”, continuou, antes de passar aos recados. “Todos têm de colocar o interesse nacional acima de qualquer outro interesse. Os portugueses não querem mais eleições antecipadas. Querem uma legislatura de quatro anos. Às oposições caberá cumprir a vontade popular.”

Foto de José Carlos Carvalho

Montenegro disse esperar “sentido de estado, de responsabilidade e respeito pelas pessoas, de salvaguarda do interesse nacional”. “O povo quer este governo e não quer outro, quer este primeiro-ministro e não quer outro. Quer que este governo respeite e dialogue com as oposições, mas também quer que as oposições respeitem e dialoguem com o governo.”

Nas respostas aos jornalistas, Montenegro manteve a linha de argumentação: não quer escolher entre Chega e PS, quer sim uma oposição responsável que respeite o voto dos portugueses. “Portugal é um país com estabilidade económica, financeira e social. Cabe a todos os que receberam também um mandato do povo garantir que tem estabilidade política.” E passou a bola para o outro lado do campo, sublinhando que, “do ponto de vista aritmético”, só uma coligação Chega e PS impediria a AD de governar. “Tenho a certeza absoluta de que vai acabar por imperar o sentido de responsabilidade para o próprio funcionamento da democracia”, para que seja cumprido o programa de governo que foi a votos. “Deixem-nos governar, deixem-nos trabalhar.”

É certo que a oposição não vai dar vida fácil ao governo. Mas a distribuição de deputados no Parlamento, com uma extrema-direita de um lado e toda a esquerda do outro, dá uma vantagem à AD: só uma aliança antinatura entre Chega e PS, com ou sem os pequenos partidos da esquerda, pode travar ou derrubar o governo.

Mas a verdade é que foi isso mesmo que aconteceu e nos levou para estas eleições.

Montanha-russa de emoções

Uma das explosões de risos da noite aconteceu quando Pedro Nuno Santos surgiu na televisão a garantir que não tinha provocado estas eleições.

Seguiu-se um silêncio absoluto quando Pedro Nuno Santos disse que não lhe cabia a ele nem ao PS ser suporte deste governo.

Depois vieram os apupos, quando Pedro Nuno disse que Luís Montenegro não tinha a idoneidade necessária para o cargo de primeiro-ministro.

E regressaram os aplausos, e especialmente efusivos, quando Pedro Nuno anunciou eleições no PS e que não seria candidato à liderança do partido.

Momento mais animado da noite

Quando surgiu nas televisões espalhadas pelo salão do Epic SANA Mariana Mortágua a dizer que tinha sido “uma boa campanha do BE”, os apoiantes da AD romperam a rir, soltando aquelas gargalhadas que vêm mesmo lá de dentro.

Confirma-se: com os resultados dos círculos da emigração ainda por apurar, é muito claro que o Chega passa a ser a segunda força política. Em votos e em deputados. Ou seja, a única forma de Luís Montenegro manter o “não é não” – e André Ventura, que quer ficar em primeiro lugar, para a próxima, nem deve aceitar entrar já no Governo, apesar de ir fazer constar que quer… – e a AD conseguir uma maioria estável, é tentar uma solução “à alemã”, envolvendo a terceira força política, ou seja, o PS. Porque o novo líder da oposição é André Ventura, por muito que Pedro Nuno Santos tenha dito que esse papel “não deve ser deixado ao Chega”: quem decidiu foi o eleitorado, não é Pedro Nuno. Esta hipótese “à alemã” apenas é possível, como também percebeu Pedro Nuno Santos, com outra liderança socialista. Aliás, tudo pode ser resolvido com base num acordo de incidência parlamentar, com o PS a “aprovar de cruz” todos os orçamentos, empurrando as próximas eleições para o mais longe possível, a não ser que queira suicidar-se definitivamente.

O PS tem uma hecatombe eleitoral com uma perda de 337 mil votos, ainda sem contar as perdas da emigração, averbando o 3.º pior resultado de sempre, depois dos 20,77% de Almeida Santos., em 1985, e dos 22,24 de Vítor Constâncio, dois anos depois (agora, teve pouco mais de 23 por cento). O deputado João Torres, na RTP, foi lesto a afastar qualquer cenário de Governo de Bloco Central, mas não descartou entendimentos de outro nível. Já Pedro Nuno Santos diz que o PS não deve ser “suporte do Governo”. No momento em que anunciou a sua demissão, não deixou de condicionar o próximo líder. Não resistiu: ele vai andar por aí. Um próximo líder que herda um partido esfrangalhado e que nem sequer pode assumir-se como líder da oposição…

Chega, causas e consequências

O crescimento do Chega é uma onda que tem subido de sul para norte, implantando-se no vazio deixado pelo PCP. Ou seja, em regiões onde o eleitorado tem menos reservas em votar em partidos não democráticos. Mas não é só isso: a implantação das comunidades romani (de etnia cigana) é muito mais visível no sul do País e em certas zonas urbanas e suburbanas de maior exclusão social e no Alentejo profundo. A vitória do Chega em Beja tem também a ver com o impacto da imigração não integrada, sentido como uma ameaça por populações já de si frágeis, periféricas e indefesas. Embora haja teses que identificam o voto no Chega com eleitorados menos instruídos, essa ideia não resiste à realidade: se há uma certa franja mais marginalizada que vota em protesto, há um outro eleitorado já consolidado, votante do Chega, que penetra as classes mais esclarecidas, em meios académicos e em setores dinâmicos da juventude. É possível que a bancada do Chega continue a ser uma ridícula coleção de cromos difíceis mas, a prazo, a qualidade – e portanto, o refinamento, para o bem e, teme-se, para o mal… – de futuras bancadas tenderá a aumentar.

É preciso reconhecer, entretanto, que houve outro claro vencedor das eleições (e o Chega continua a ser rejeitado por 77% do eleitorado). Esse vencedor foi Luís Montenegro, sobretudo, depois de tudo o que se passou com a trapalhada da sua empresa, a Spinumviva. Mais: essa bandeira da transparência, tão agitada por Pedro Nuno Santos, deu mais publicidade às causas do Chega. Um eleitor olha para as denúncias feitas pelo PS e vai atrás da alternativa Ventura, nunca da alternativa socialista, que identifica como “igual ao PSD”. A guerra da Spinumviva, apesar dos méritos de Pedro Nuno, no plano dos princípios, terá sido um tiro no pé.

PS: Depois do palco diário e quotidiano, dado, ao longo do últmo ano, pelas televisões, a André Ventura, que, além das prédicas diárias no Parlamento andou em loop de entrevistas em horário nobre, quando e como quis, é inacreditável a forma como ainda se veio queixar da comunicação social e do “poder mediático”. Ao qual, diga-se em abono da verdade, e “olhos nos olhos”, deve tudo o que tem.

Aos poucos, a sala que “nunca esteve tão vazia a esta hora da noite”, na opinião de vários “habitués”, começou a encher e o bruáá a crescer de tom. Já quase não há cadeiras vazias e as mais cobiçadas são as que têm vista para as televisões, de onde não saem os olhos. O tom é de funeral e já se ouve o ruído da cabeça de Pedro Nuno Santos a tombar.

Pelas 22h30 o empate técnico mantém-se e sem isso estar esclarecido sabemos que o líder do PS não sai lá de cima, onde está rodeado de apoiantes mais chegados. Nem ele, nem ninguém, que o palanque aonde se lê “O Futuro é já”, o slogan da sua campanha, continua tristemente vazio. Os telemóveis tornam-se aliados nesta espera, quer seja para intensas trocas de mensagens, quer para acompanhar os resultados a par e passo. A quase certa demissão do líder do partido é a coisa que menos preocupa agora os socialistas, quando o crescimento da extrema-direita se torna tão evidente com o passar dos minutos.

Pouco depois das onze, já se sabia que o PS teria os mesmos 58 deputados do que o Chega, mas Pedro Nuno Santos só haveria de descer, num elegantíssimo fato azul escuro, sem gravata, ao bater da meia-noite. A sala enche-se então de palmas e punhos no ar. Não há nem uma bandeira a oscilar.

Pedro Nuno bebe água, ganhando assim lanço para o emocionado discurso de despedida. As palmas não acabam e dão espaço a assobios. Gritos de “Pedro! Pedro! Pedro!” juntam-se aos punhos esquerdos no ar. Há pessoas na plateia a chorar. Há gente que se abraça, com aquele ar pesaroso que temos quando estamos a dar os pêsames a alguém.

PS não será suporte do governo

“Boa noite, camaradas!” Depois de agradecer cada voto e o carinho e apoio sentido durante a campanha, Pedro Nuno Santos reconhece a derrota, assume responsabilidade e demite-se. Antes, diz que o PS não será suporte deste governo. “Luís Montenegro não tem idoneidade para o cargo e liderou no último ano um governo que falhou.” Mais palmas.

No discurso também houve algum espaço – pouco – para falar do crescimento da extrema-direita, que se tornou “mais violenta e mais agressiva”. E mais mentirosa. Para combater essa realidade, Pedro Nuno pede coragem e firmeza. E não gastou nem mais um minuto a falar do assunto, o elefante na sala desta noite. A não ser quando disse que o PS se devia afirmar como alternativa à AD, não deixando esse papel para o Chega.

Quando começa a discursar em jeito de balanço, na forma como honrou o partido, agradecendo a um e cada um, percebe-se imediatamente o que vem a seguir. “Pedi eleições internas para o próximo sábado e não serei candidato.” Quanto à continuidade do cargo de deputado, ainda está em avaliação.

A plateia lança um grito de espanto, levanta-se, em ovação, gritando pelo partido. Pedro Nuno comove-se e os seus olhos ficam muito brilhantes. O semblante carregado contrasta de forma irónica com a sua própria foto que está nas suas costas e que o mostra bem sorridente. Quando consegue falar, cita Mário Soares: “Só é vencido quem desiste de lutar.” O líder que só durou um ano e cinco meses diz ainda que não quer ser um estorvo para o partido e que tem a convicção de que o PS ganhará a maioria das câmaras do País, nas eleições autárquicas.

“Pedro, amigo, os camaradas estão contigo!”

“Obrigado do coração. Vamos continuar a lutar pelo nosso partido!”

A sala, entretanto, esvaziou-se de pessoas num instantinho e os equipamentos também não tardaram a estar todos arrumados – o perfeito ambiente de fim de festa, que neste caso nem chegou a acontecer.

Descidas de 42 mil votos no Minho, de 10 mil em Trás os Montes, além de outros 15 mil no Alentejo, que se somam aos menos 12 mil em Faro e à evaporação de 14 mil em Santarém e de 15 mil em Coimbra. Ao olharmos para os resultados eleitorais, nem sequer é preciso contar as perdas nos grandes círculos de Lisboa, Porto e Setúbal para se ter uma ideia do tamanho da derrota do Partido Socialista. Em apenas um ano, sob a liderança de Pedro Nuno Santos, o PS perdeu um total de 365 507 votos e de 19 deputados.

E o partido que há apenas dois anos, com António Costa, tinha alcançado a maioria absoluta e “pintado” de rosa quase todo o mapa eleitoral, agora só conseguiu vencer num distrito: Évora.

Eis os números dos votos perdidos pelo PS, distrito a distrito, em relação às eleições de 2024:

Viana do Castelo: -9844 (de 2 para 1 deputado)

Braga: -31 570 (de 6 para 5 deputados)

Vila Real: -6 664 (de 2 para 1 deputado)

Bragança: -3742 (manteve 1 deputado)

Viseu: -12 867 (de 3 para 2 deputados)

Guarda: -5583 (manteve 1 deputado)

Porto: -74 291 (de 13 para 11 deputados)

Aveiro: -27 338 (de 5 para 4 deputados)

Coimbra: -15 738 (de 4 para 3 deputados)

Castelo Branco: -7301 (de 2 para 1 deputado)

Leiria: -11 214 (de 3 para 2 deputados)

Santarém: –14 370 (de 3 para 2 deputados)

Lisboa: -64 346 (de 15 para 12 deputados)

Setúbal: -34 487 (de 7 para 5 deputados)

Portalegre: -4533 (manteve 1 deputado)

Évora: -5693 (manteve 1 deputado)

Beja: -4872 (manteve 1 deputado)

Faro: – 12 830 (de 3 para 2 deputados)

Açores: -7205 (de 2 para 1 deputado)

Madeira: -11019 (de 2 para 1 deputado)

Em todos os distritos, o Chega aumentou a sua votação e a AD só não o conseguiu nos Açores (onde teve menos 5464 votos, embora tenha conseguido eleger mais um deputado do que em 2024).

As contas desta noite fecham assim, no que diz respeito à distribuição dos 230 lugares no Parlamento, sendo que faltam ainda apurar os votos dos 24 consulados, que correspondem a quatro mandatos e que podem, por isso, vir a revelar-se decisivos:

AD: 1.914.913 votos(89 deputados)

PS: 1.394.491 votos (58 deputados)

Chega: 1.345.575 votos (58 deputados)

IL: 330.149 votos (9 deputados)

Livre: 250.651 votos (6 deputados)

CDU: 180.943 votos (3 deputados)

BE: 119.211 votos (1 deputado)

PAN: 80.850 votos (1 deputado)

JPP: 20.126 votos (1 deputado)