As publicações mais recentes que Mariana Lancastre tem na sua conta no Instagram cheiram a África por todos os lados. Entre capas de livros, têxteis e cartazes com padrões geométricos e cores vibrantes, mesmo o seu autorretrato, a que chamou “deserto na quarentena”, transborda de calor tropical.
É como se a head of design da VML Branding estivesse outra vez na África do Sul, onde viveu um ano e picos por causa do emprego do marido, conseguindo, no meio do próprio trabalho (à distância e entretanto em pandemia), desmultiplicar-se em projetos mais ligados à arte do que à sua licenciatura em Design de Comunicação.
“África deu-me oportunidade de ter o meu lado brincalhão”, dirá, quando a entrevistarmos, na sede da agência, em Lisboa. A verdade é que a africanidade passou a estar presente em tudo aquilo em que se mete, desde desenhar uns campos de arroz da Comporta por encomenda até aventurar-se no mundo dos têxteis. E as ilustrações que fez para capas de livros da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie serão talvez o melhor exemplo de como aquele continente se entranhou para sempre na vida profissional e pessoal desta fazedora de marcas, deixando-a a acreditar “num futuro de tolerância, inclusão e justiça”.

Fazendo um pouco de scroll no Instagram, chegamos ao logo da Liga das Nações de 2019 e ao troféu com as cores das bandeiras das 55 equipas em competição – ambos criações de Mariana. O que não está escrito nos comentários é que, quando Cristiano Ronaldo, o capitão da seleção portuguesa, foi fotografado a erguer a taça, já ela andava mergulhada no processo criativo para o Euro 2024.
Essa outra marca é tão colorida que só podia ter nascido em Joanesburgo, arriscamos e acertamos. “Não é por acaso que aquelas cores vêm a seguir à experiência africana”, admite. “O Euro ia ser na Alemanha e o problema era a perceção de que os alemães são sisudos, frios e pouco acolhedores”, recorda. “Em cada Euro há relação com a cultura do país, mas dessa vez decidimos pensar uma marca que representasse a Europa toda. Havia a necessidade de mostrar que os alemães têm capacidade de acolhimento e eu vinha de África com ideias novas, de inclusão e de diversidade.”
Ninguém na sua equipa se admirou, por isso, ao ver que na decoração dos vários estádios havia imagens de fãs a representar todas as culturas, tons de pele, tipos de família. Uma diversidade também aplicada aos outros ingredientes da marca: redes sociais, bola de futebol, merchandising, transmissão televisiva.
Unificar os países
“O Euro, mais do que tudo, é uma festa. Sem os fãs não existe, só o futebol em si não seria suficiente para mover tanta gente”, já sabe de cor esta designer de marcas. Afinal, não é nenhuma principiante na grande área – nos últimos anos, criou a identidade visual de alguns dos eventos desportivos mais mediáticos do mundo, liderando projetos e equipas criativas para marcas como a UEFA Euro 2024, UEFA Nations League, UEFA Women’s Nations League e Women’s European Qualifiers.
Na VML Branding, agência do grupo WPP onde trabalha desde 2014, Mariana também esteve no rebranding da Médis e no reposicionamento internacional da Artevasi, da Red Sea Global, da Payapps, do Leroy Merlin e da Galp, entre outras marcas. Mas foram as suas criações para o cliente UEFA que lhe trouxeram mais visibilidade, mesmo sem nunca ter percebido grande coisa de futebol.
“Tinha curiosidade, tenho vindo a aprender e, hoje, percebo muito de marcas de desporto”, conta, “mas, por exemplo, nunca precisei de saber todos os termos técnicos nem senti que era uma questão ser mulher ou não perceber grande coisa de futebol. Temos um diretor criativo que aposta no trabalho de cada um e encoraja todos a atirarem-se para fora de pé”.
Afinal, estamos a falar de marcas europeias, de chegar a muita gente e de todos os países se reverem nelas. “Não se trata apenas de futebol”, lembra. “O futebol parece muito vazio e superficial, e as pessoas pensam que estas marcas só enriquecem mais os ricos, mas eu gosto de pensar que são marcas que tocam em toda a gente e que têm o poder de unificar os países.”
Ainda pela sua conta no Instagram, percebe-se que Mariana Lancastre gosta muito de desenhar, tanto que esteve quase a optar pelas Belas-Artes. Quando teve de escolher um curso, ficou na dúvida sobre se iria dar-se bem em Pintura e os seus pais sugeriram-lhe Design de Comunicação. Foi na mouche, porque acabou por adorar.
“Gosto da ideia de o design ser um serviço. Hoje, quase preciso de um problema para ativar a minha criatividade”, conta. “Quando os clientes vêm ter connosco, normalmente vêm com um problema. É aí que reside a diferença entre um designer e um artista: enquanto o designer está a prestar um serviço, a resolver um problema, o artista é alguém que cria o seu próprio problema.”
No caso do Euro 2024, os alemães debatiam-se com o facto de serem considerados frios, como já se viu, mas há pontos de partida de todos os géneros e a missão de um brand designer é criar uma estratégia ganhadora a longo prazo. “Costumo dizer que crio os alicerces de uma marca para que ela tenha bases para comunicar, e gosto de comparar o que faço com a criação da identidade de uma pessoa – o seu aspeto visual, a maneira de falar, os comportamentos”, explica. “É mesmo como se fosse uma pessoa.”
Mariana revê-se na ideia de que o design é forma/função. Tudo o que escolhe tem uma razão de ser, mas tenta também ser experimental. “Depois de apanhar o problema, dou um salto criativo, porque gosto de puxar pelo cliente, dar um twist que ele não estava à espera e, no final, pô-lo a vibrar com a nossa solução”, admite.

Tudo isto começou a descobrir em Londres, onde fez um mestrado graças a um empurrão do seu pai. Chegou no ano letivo de 2008/2009 e depois teve a sorte de ficar por lá a trabalhar, de início com o apoio do INOV-Art, que era um programa de estágios internacionais para jovens, no domínio cultural e artístico, criado com o objetivo de promover a inserção no mercado de trabalho.
A sua chegada foi avassaladora, recorda, dizendo que o mestrado lhe abriu a cabeça para a diferença. “Tinha (e tenho!) amigos de todas as nações e sentia que estava no centro do mundo, em termos de cultura e de design, até ao ver a publicidade de rua e o packaging nos supermercados.”
Quando olha para trás, Mariana vê-se a entrar em branding sem saber muito bem o que ia fazer e a apaixonar-se rapidamente. “Criar algo com uma razão de ser por detrás tem muito poder”, observa, sendo que foi logo trabalhar numa agência grande, onde fez o rebranding da BBC.
Um dos projetos que mais a marcaram foi precisamente o reposicionamento de todos os canais da BBC. Era intimidante ter no seu computador os quadrados com as três letras da estação televisiva, mas foi esse projeto que lhe deu a elasticidade para perder o medo das marcas globais.
Mariana fala dos tempos de Londres com nostalgia, mas, além de não se ver a viver toda uma vida fora de Portugal, a capital inglesa puxava demasiado pelo seu lado de workaholic. Ao fim de sete anos, as saudades da família e dos amigos ditaram o seu regresso a Lisboa.
Em 2014, entrou na VML Branding, onde dois anos depois faria o pitch para a Liga das Nações que a seleção portuguesa ganhou em 2019, ano em que mergulhou no processo criativo do Euro 2024. Nessa altura, estava em Joanesburgo, para onde tinha ido morar por causa de uma oportunidade de carreira do marido. Dissera “adeus, Portugal, adeus, agência”, porque antes da Covid-19 era difícil pensar em trabalhar à distância, tanto que teve de vir a Lisboa apresentar a sua proposta criativa, com que a agência ganhou o concurso.
Era a segunda vez que emigrava, uma experiência que recomenda, sobretudo quando o destino é um território “altamente desconhecido”, realça. “Há um lado de grande estímulo e, ao mesmo tempo, uma necessidade de fazer raízes. Abre-nos muito a cabeça, torna-nos tolerantes.”
Artista inquieta
A sua passagem pela África do Sul foi uma espécie de ano sabático, com dois bebés pelo meio. Diz que tentou ser artista e gostou da liberdade, embora ela lhe tenha trazido uma certa dose de inquietação “por causa da ambiguidade de ser um projeto aberto”.
Algumas coisas que fez por lá podem ser apreciadas nestas páginas, como a parceria com a marca Romaria Knitwear, da sua amiga Carla Pinto. Por exemplo, o seu cartaz de arrozais da Comporta deu origem a um belo casaco de malha e, de repente, os padrões geométricos naturais de uma região de Portugal ficavam plasmados em têxteis noutro continente.
Olhando para a frente, a brand designer imagina-se a promover a internacionalização de marcas portuguesas. “Existem talentos individuais, como os da Joana Vasconcelos, do Cristiano Ronaldo ou do Vhils, somos conhecidos por indústrias muito conceituadas, mas não temos uma Nike da vida”, nota. Entretanto, pode ser que volte à área da moda e a África, quem sabe?
“Acho sempre que não vamos ganhar”
A VML Branding acabou de saber que o Euro 2028 é “seu”. A marca criada por Mariana Lancastre será apresentada em setembro
Como é que nasceu a sua relação com a UEFA, o cliente que até agora lhe trouxe mais visibilidade?
A UEFA chegou pela mão do meu diretor, o Hélder Pombinho. Foi com o concurso para o Euro 2020, do qual não fiz parte porque só entrei na agência em 2014, que ele conseguiu trazê-la para cá. Note-se que todos os projetos com a UEFA têm sido por concurso internacional e demoram sempre muito tempo. Em 2016, fiz o pitch para a Liga das Nações que a seleção portuguesa ganhou em 2019, e para o Euro 2024 comecei a trabalhar nesse mesmo ano de 2019.
No concurso da Liga das Nações, partiu da ideia das bandeiras. Por que razão voltou a elas no Euro 2024?
Comecei por pensar naquilo que nos faz sentir bem-vindos em algum sítio. Quando é que nos sentimos em casa? E como? Não é quando levamos algo nosso para um lugar? Daí as bandeiras de cada país. Depois, partimos para a ideia de construir a casa do futebol em conjunto. No fundo, o logo do Euro 2024 é um estádio visto de cima, que coincide com o facto de ser o “novo” estádio de Berlim que os alemães queriam inaugurar todo remodelado, e nas suas cores conseguimos ver as bandeiras das 55 nações.
E sabe contra quem concorreram? A quem ganharam?
Não sabemos, nunca nos dizem. Ganhámos agora o Euro 2028, que vai ser no Reino Unido e na Irlanda, e foi uma grande surpresa. Eu acho sempre que não vamos ganhar, e desta vez achava que tínhamos ainda menos hipóteses porque os ingleses são muito conhecidos pelo design e são muito sofisticados. Mas ganhámos e é a nossa marca que vai ser apresentada em setembro deste ano.