É um utilizador do Google Fotos? Gosta das funcionalidades inteligentes deste serviço cloud, nomeadamente a capacidade de organização dos álbuns e identificação automática de faces e outros motivos nas imagens? Ora, este NAS (Network Attached Storage) da Qnap pode funcionar como um género de Google Fotos local, com a grande vantagem de oferecer uma capacidade de armazenamento gigante, acesso rápido através da rede doméstica (ou da empresa) e, claro, não ter custos associados do serviço. Só estas características já serão suficientes para atrair a atenção de muitos utilizadores. Sobretudo fotógrafos, profissionais ou entusiastas, que procurem uma forma rápida, segura e eficiente para armazenarem e categorizarem as suas fotos. Mas este autêntico servidor inteligente para armazenamento tem muito mais para oferecer.
Espaço para crescer
Este é um NAS que tem algumas características de soluções de armazenamento empresariais, com destaque para as seis baías (até seis discos ou SSD), três portas de rede de alto desempenho e suporte para vários modos RAID (para mais segurança e/ou desempenho). Dependendo do modo RAID e do número de discos, é possível garantir a integridade do armazenamento (não perder ficheiros), mesmo com a avaria simultânea de mais do que um disco. O desempenho é elevado, perfeitamente à altura de grupos de trabalho de pequena ou média dimensão. Ora, estes níveis de segurança e de desempenho também apelam a utilizadores privados e famílias que lidam com muitos ficheiros de grande dimensão, sobretudo na área do multimédia.
Há seis baías, o que permite uma capacidade máxima superior a 100 terabytes!
Quanto à instalação, o único momento que poderá levar problemas para utilizadores sem experiência será a instalação dos discos no NAS, já que este aparelho vem sem qualquer armazenamento (sem discos). Mas mesmo esta fase foi facilitada ao máximo: não são precisas ferramentas. Basta remover a tampa magnética que esconde as ‘gavetas’ onde se encaixam os discos. Depois é só alinhar as gavetas e encaixar, ligar o NAS à rede, via cabo fornecido, iniciá-lo e apontar o smartphone para um código QR para seguir os passos da instalação, que é feita via cloud. Claro que, posteriormente, a configuração tanto pode ser muito simples, como extremamente complexa, dependendo do nível do utilizador e do que se pretende. Basta seguir o guia passo a passo para criar volumes partilhados, que tanto podem ser acedidos via rede local, como através da cloud.
Newsletter
A conectividade é rica: portas de rede e alto desempenho, portas USB e até portas HDMI para ligação direta a ecrãs de alta resolução
Uma das características do sistema operativo QTS, que tem evoluído de forma impressionante, é a possibilidade de instalar uma quase infinidade de apps através de uma loja de aplicações, ao estilo do que conhecemos para smartphones. E aqui entra todo um mundo de possibilidades. Desde criação de sites alojados no NAS, soluções de backup e sincronização (incluindo para serviços cloud populares), servidores multimédia (para streaming de conteúdos através da rede), controlo de câmaras de videovigilância, bases de dados…
IA a bordo
Voltando ao início, entre as aplicações mais recentes disponibilizadas estão algumas com algoritmos de IA. É o caso do QuMagie, que tem aquelas funcionalidades ‘à la Google Fotos’. Demonstrou ser muito bom, por exemplo, a identificar pessoas, mesmo quando as fotos foram feitas com vários anos de diferença. Ou a identificar fotos semelhantes. Isto torna fácil encontrar imagens que procuramos para, por exemplo, criar um álbum com melhores fotos de determinada pessoa. O método de pesquisa não é tão fácil quanto o do Google Fotos, mas demonstrou ser muito preciso. Por exemplo, não podemos fazer pesquisas livres tipo “carro azul”, mas é muito fácil pesquisar por fotos de determinados lugares, com certas pessoas ou que podem ser associadas a temas como desporto ou natureza.
A interface do sistema operativo da QNAP é baseada em ícones, com semelhanças com as interfaces que estamos habituados a usar em smartphones
O Qsirch é outra app que recorre à IA, para uma pesquisa mais abrangente. Não só em imagens, mas, também, em outros tipos de ficheiros. Até inclui a capacidade de ler texto em imagens e em ficheiros PDF para facilitar a pesquisa.
Para acelerar todo este processo de pesquisas, identificação e criação de metada (informação sobre o conteúdo dos ficheiros), este NAS inclui uma unidades de processamento neural (NPU) integrada no processador (ARM). Pelas experiências que fizemos, toda a análise é feita praticamente em tempo real, sempre que adicionamos ficheiros ao NAS. Experimentámos, ainda, copiar vários gigabytes de fotos de uma só vez e o processo de análise do QuMagie foi feito em minutos.
A app QuMgie é capaz de identificar faces para facilitar a pesquisa. Depois de associarmos um nome à face, podemos procurar diretamente pelo nome da pessoa
Como estas apps de IA estão disponíveis para outros NAS da QNAP sem NPU, fizemos a experiência de copiar as mesmas fotos para um outro NAS, um TS-453D, que até está equipado com um processador aparentemente mais poderoso, um Celeron quad core. A diferença foi evidente, já que a análise do QuMagie no TS-453D foi feita em algumas horas e não em minutos. E o consumo deste NAS ultrapassou os 40 watts, mais do dobro do consumo medido no QNAP TS-AI642 para fazer a mesma tarefa. Ou seja, o NPU faz, de facto, diferença quando a usar apps com IA.
Veredicto
O TS-AI642 não é um dispositivo barato, e o custo dos discos rígidos necessários para o armazenamento deve ser adicionado ao investimento inicial. No entanto, o baixo consumo de energia e a possibilidade de escolher a capacidade e o tipo de discos permitem adaptar o custo às necessidades de cada utilizador. A longo prazo, pode ser uma opção mais económica do que soluções de armazenamento em nuvem, especialmente para grandes volumes de dados. E, claro, tem a vantagem de permitir um acesso muito mais rápido aos ficheiros.
É verdade que este aparelho acaba por ser sobredimensionado para a esmagadora maioria dos utilizadores, que ficarão bem servidos com outros NAS, com menos baías. Mas também é verdade que o preço pedido (válido na loja online da QNAP) é até inferior ao preço pedido por outros NAS com menos baías e menos tecnologia.
Em suma, este NAS é, sem dúvida, poderoso e versátil, ideal para fotógrafos que procuram uma solução eficiente e inteligente para gerir as suas bibliotecas de imagens. A combinação de armazenamento seguro, funcionalidades avançadas de IA e facilidade de utilização fazem dele uma proposta atraente, mas esteja preparado para investir tempo e dinheiro.
Tome nota
QNAP TS-AI642 – €772,31 (em eustore.qnap.com) qnap.com/pt-pt
Conectividade Excelente Ruído Satisfatório Aplicações Muito bom Instalação Muito bom
Características Processador ARM Cortex A76/A55 com oito núcleos (2,2 GHz/1,8 GHz), NPU de 6 TOPS ○ 8 GB de RAM ○ 6 baías para HDD/SSD SATA 6 Gbps (hot-swappable) de 2,5/3,5 polegadas, até 110 TB ○ 1x LAN 2.5 GbE, 2x LAN 1 Gbps ○ 1x PCIe Gen 3 x2 ○ 2x HDMI 1.4b, 2x USB 3.2 Gen 1 (5Gbps), 2x USB 2.0 ○ Consumo típico: 15 watts
Que esta legislatura ia ser desafiante, já todos sabíamos. A maioria relativa garantida por Luís Montenegro, nas eleições de março, fez antecipar vários cataclismos. Até agora, com mais ou menos dificuldades, o Executivo foi-se aguentando. Mas falta, claro, a prova de fogo: a aprovação do Orçamento do Estado para 2025, o documento que marcou todos os discursos da rentrée política, e que fez soar os alarmes em Belém. Marcelo Rebelo de Sousa falou pouco, e o tom foi mais de aviso do que de otimismo convicto: “Eu não acredito que haja quem quer que seja que se furte ao diálogo para chegar a um Orçamento do Estado viável, no momento em que os números em relação à Economia portuguesa levam as agências financeiras a darem notas positivas”, referiu o Presidente da República este fim-de-semana. “Se perguntar aos portugueses, se houvesse um voto sobre isso, a esmagadora maioria ia dizer que não quer uma crise política”, avisa Marcelo. “Não estou em crer que, no momento decisivo, não pese o bom senso”, concluiu.
As declarações foram feitas no mesmo fim-de-semana em que Mariana Mortágua rejeitou um “Orçamento da Direita”, durante o Fórum Socialismo, em Braga. “Quem viabiliza o orçamento de Direita, suporta o governo de Direita. Quem suporta o governo de Direita, não faz oposição à Direita. Quem não faz oposição à Direita não representa uma alternativa a esse governo”. O aviso pareceu diretamente dirigido a Pedro Nuno Santos, líder do Partido Socialista, que Mortágua acusa de mudar de ideias quanto à decisão de poder viabilizar o OE para 2025.
Uma mistura de ambição e negação, por parte do comandante Edward Smith e do primeiro-oficial, William Murdoch, fizeram o Titanic avançar a todo o vapor para um dos maiores desastres marítimos da História. “Sentirmo-nos competentes é uma necessidade básica”, nota o psicólogo Artur Delgado. Nunca saberemos se os responsáveis pelo Titanic se sentiram supercompetentes. O que sabemos é que a sua incompetência para analisar uma situação que lhes foi reportada levou à morte de 1 500 pessoas.
“A incompetência ocupacional está por toda a parte. Já a detetou? É provável que todos nós já o tenhamos feito.” Esta é uma das frases que se leem na segunda página do livro que, em 1969, abalou ligeiramente a sociedade. Laurence Peter e Raymond Hull apresentavam o Princípio de Peter ou o Princípio da Incompetência de Peter, onde, de uma forma divertida – mas profundamente assertiva – escreviam sobre as conclusões tiradas graças a anos de observação de empresas e instituições públicas. Em linhas muito gerais, o Princípio de Peter diz que numa hierarquia, todos os funcionários vão progredir até ao seu Patamar de Incompetência. Uma vez lá chegados, ou permanecem nessa posição para sempre ou poderão ser afastados para outras funções em que, possivelmente, continuarão a ser incompetentes.
Newsletter
Para os autores, as organizações que conseguirem ter sucesso vão alcançá-lo “apesar das suas chefias” e não devido a estas, uma vez que o Princípio de Peter também considera que grande parte dos líderes é incompetente nos seus cargos. E a reflexão pode ser apresentada em jeito de paródia, mas certo é que continua a estar na agenda: se assim não fosse, a obra não teria chegado novamente às livrarias, esta segunda-feira, numa reedição feita pela Gradiva. “A abordagem satírica dos autores permitiu-lhes exagerar e distorcer estereótipos, além de inventar jargão aparentemente científico para retratar inúmeros aspetos absurdos do funcionamento organizacional”, começa por dizer à VISÃO António Caetano, professor catedrático do ISPA. “O resultado hilariante desperta, num primeiro momento, a sensação de confirmação de vivências por parte do leitor, mas deixa espaço para, num segundo momento, emergir uma reflexão crítica sobre os efeitos das práticas de gestão na dinâmica organizacional, um dos principais objetivos do professor Peter.”
Desafiada a comentar este Princípio, a HR director Western & South Europe da Astrazeneca, Renata Morgado Eckman, diz, divertida, que tende “normalmente para o otimismo, portanto” não acredita “que estamos todos fadados a ser incompetentes.” (Risos.) “Por dois motivos: não vejo a incompetência como um estado final, já que todos temos o poder de continuar a aprender e a expandir a forma como chegamos a determinada função, ou a mudar de função; e as carreiras tendem cada vez mais a ser em ‘Z’. Já vemos bons exemplos em que o benefício percebido pelo colaborador passa por fazer movimentos laterais, continuar a aprender, ter experiências interessantes com pessoas inspiradoras – e bastante menos uma sangria desatada até ao topo que pode deixar alguém deslocado.”
Adolf Hitler
O trágico
Orador convincente, agregador de multidões graças ao discurso simples – e simplista –, garantiu a vitória do Partido Nazi em julho de 1932. A partir de 1933, todos sabemos como a História foi escrita: Adolf Hitler representa o epíteto da incompetência de um líder político democrático – aqueles que defendem o povo e a comunidade e que não se servem do poder em proveito próprio. Uma figura que convém recordar de tempos a tempos, para que evitemos a repetição de uma tragédia que ainda não aconteceu há 100 anos.
O psicólogo Artur Delgado salienta, por seu lado, que “cada vez mais queremos uma coisa carregada de propósito e sentido. Há trabalhos em que isto pode ser mais difícil, mas há pessoas que podem ser felizes nessas funções [que tendemos a chamar de menos desafiantes] e pode fazer sentido para a vida delas. Isto é possível”, salienta. Por isso, defende, generalizar conceitos como incompetência ou sucesso é algo que tem de ser feito com cautela, porque cada indivíduo tem uma história e um percurso singulares. No entanto, nota, “há um caminho em que este livro nos ajuda a pensar e a manter este tema presente”.
“A questão da competência é uma questão essencial”, continua. “Nós, seres humanos, temos uma necessidade básica de nos sentirmos competentes naquilo que fazemos. Atendo, em clínica, pessoas que estão muito perdidas. E uma das razões para isso é o facto de não se sentirem competentes em coisa alguma. Claro que esta é sempre uma avaliação subjetiva. A pessoa tem de sentir que é boa numa dada coisa. Se a avaliação subjetiva resultar de uma série de feedbacks, e da própria avaliação, e não for positiva, é muito debilitante”, nota. “O que significa competência? Há pessoas que procuram ajuda quando se sentem incompetentes e há pessoas que não, obviamente. Mas vejo muita gente que claramente reconhece a sua dificuldade”, refere o psicólogo. Para Artur, o importante é perceber que esta obra é feita de generalidades e conceitos tratados com muita simplicidade, embora reconheça a sua importância enquanto lembrete dos problemas que ainda hoje assolam as organizações.
Tempo e lugar próprios
Como é o caso das lideranças tóxicas, de que tanto se tem falado. Renata nota que, atualmente, há mais ferramentas para evitar que estas cheguem a lugares onde podem pôr em causa a atividade das organizações, como o facto de “os diretores de Recursos Humanos terem assento na equipa de gestão, e coragem e espaço para terem conversas difíceis e proporem e implementarem mudanças transformadoras”. Também haver “práticas e processos bem definidos que permitam identificar e retificar cedo situações inaceitáveis e reconhecer mérito e competência e, talvez o mais transformador, fomentar culturas organizacionais com segurança psicológica em que é seguro dar feedback e onde esta prática é vista como uma oportunidade de melhoria. Dependendo de onde está a organização, pode ser uma transformação longa e dolorosa, mas a alternativa não é viável e, sobretudo, é inaceitável, moralmente e para o negócio”.
Martina Navratilova
O mito
Continua a ser uma das jogadoras mais importantes da história do ténis – não só mas também porque aos 46 anos ainda arrecadava títulos! –, mas como treinadora terá atingido o seu “patamar de incompetência”. Entre 2014 e 2015, treinou a polaca Agnieszka Radwanska, período durante o qual o desempenho da tenista caiu a pique, o que fez Navratilova dedicar-se apenas às causas que sempre defendeu e ao comentário desportivo – onde é muito competente.
A imagem do líder tóxico e incompetente era “mais verdade na altura em que o livro foi escrito”, salienta Artur Delgado, porque à época “a idade era o fator essencial de promoção. Era possível que alguém, por via da idade, pudesse pôr em causa o desempenho de uma organização e ninguém podia colocá-lo fora. Era difícil as pessoas serem afastadas. Hoje já não acontece muito em organizações dinâmicas e viradas para o mercado”, afirma, recordando também que o facto de as hierarquias hoje serem mais achatadas promove a tal evolução em Z de que falava Renata Eckman.
Por seu lado, António Caetano nota que “atualmente, a promoção à incompetência não é exclusiva das lideranças seniores, mas está bem distribuída também entre os jovens profissionais, incluindo os enxames de team leaders que proliferam nas organizações modernas, como resultado das práticas de gestão atualmente implementadas”. Que é como quem diz: é preciso continuar atento. Até porque, recorda o mesmo especialista, “o segundo autor do livro declarava que ‘a incompetência não conhece barreiras de tempo ou de lugar’. Uma questão que se coloca é a de saber até que ponto a ‘pseudocientificidade’ do livro ainda é relevante nos tempos atuais”, insta o professor do ISCTE.
Maurizio Gucci
“Demasiados cozinheiros…”
Depois de ter herdado uma participação maioritária da Gucci, empresa fundada pelo seu avô, Maurizio não descansou até afastar os restantes elementos da família, comprando as suas ações. Entre 1989 e 1993, o executivo assumiu a presidência do grupo e ditou o seu fim enquanto império familiar – as finanças da Gucci foram brutalmente delapidadas pelos extravagantes gastos pessoais do seu presidente. Antes de liderar o grupo, Maurizio garantia que o problema era haver “demasiados cozinheiros na mesma cozinha”. A sua incompetência ficou clara em quatro anos.
Outro conceito curiosamente apresentado n’O Princípio de Peter é o de sucesso – ou “colocação final”, para os autores. Segundo Peter e Hull, este é um estado que provoca sintomas vários em quem o atinge, como colite espástica, perda de apetite, insónia, fadiga crónica, arritmia, náuseas e vómitos… Exatamente os mesmos que são identificados, atualmente, em pessoas que sofrem de síndrome de burnout (ou de esgotamento profissional).
“O grande ladrão de energia, segundo o que noto na clínica, é o facto de as pessoas não terem uma ideia de contínuo. Se eu estou sempre a viver o trabalho intensamente, se estou sempre ‘no vermelho’, vai haver uma altura em que não vou aguentar mais.” É neste momento que podemos estar perante um esgotamento profissional. Para o psicólogo, é por isso fundamental que as pessoas entendam que podem “rodar o botão para um ponto mais adaptativo e funcional que até permite realizar um melhor trabalho a longo prazo”.
“Não deixo de ser quem sou, não está em causa a minha autoimagem, continuo a ser competente, envolvido, empenhado, mas posso estar num ponto mais adaptativo e funcional”, exemplifica Artur Delgado. “Como é que isso se faz? Aprendendo a ter atividades de lazer com amigos, jogar paddel, ténis, caminhar na praia, ter o meu psicólogo, aprender a relaxar, aprender a estar com a família. Mas o ponto fundamental continua a ser este: rodar o botão” e deixar de acreditar que o sucesso está intimamente ligado ao esgotamento da nossa energia.
Um debate atual
Ao longo das 200 páginas em que Peter e Hull discorrem sobre a Hierarquiologia – uma ciência que foi inventada por eles – e sobre os vários casos que lhes permitiram desenvolver o Princípio de Peter, é possível encontrar várias semelhanças com outros que todos conhecemos. Muitos parágrafos parecem até ser sobre situações que vivenciámos, e grande parte delas vão provocar gargalhadas ou, pelo menos, sorrisos abertos.
E vão convidar à reflexão séria, mesmo que o texto tenha sido escrito meio a brincar. Isto porque os problemas e os desafios das organizações continuam, na sua génese, a ser os mesmos: a boa gestão das pessoas, que permanecem como o ativo mais valioso de qualquer organização. “Relativizando alguns aspetos, o livro pode ser útil para todas as gerações, na medida em que, ao permitir a consciencialização dos absurdos do quotidiano no trabalho, pode despertar a crítica inovadora, incentivar à mudança organizacional e ao desenvolvimento de competências, capacitando os empregados a resolverem, por si próprios, muitos dos problemas que emergem na sua área de atuação”, considera António Caetano.
LER MAIS PARA GERIR MELHOR
Sugestões de leitura sobre recursos humanos, agora sem paródia
Pessoas felizes, empresas produtivas Ricardo Costa tem-se notabilizado na gestão com medidas que aumentam o bem-estar dos trabalhadores. O presidente do Grupo Bernardo da Costa revela como tem exercido esse tipo de liderança, e os resultados que se podem obter quando se dá atenção à felicidade das pessoas que fazem as organizações, e comprova, com base na sua experiência de gestão, a eficácia da fórmula “Pessoas felizes + ambientes saudáveis + liderança humanizada = empresas mais produtivas e lucrativas.”
A Felicidade É Lucrativa Ricardo Costa Contraponto PVP: €17,70
O contributo de ouvir Mark Goulston é psiquiatra, especialista em negociação de reféns e consultor de negócios. Já trabalhou com algumas das maiores empresas norte-americanas – como a Goldman Sachs e a IBM, por exemplo –, ajudando os líderes dessas entidades a perceberem qual a melhor estratégia de comunicação para potenciar equipas e melhorar resultados. A conclusão é que saber ouvir é uma das condições para ser ouvido, seja na liderança, na negociação ou nos processos de vendas. O autor dá exemplos práticos de como o saber ouvir e a empatia podem levar ao sucesso.
Pessoas de Sucesso Sabem Ouvir Mark Goulston Ideias de Ler PVP: €16,65
Afinal, o que é ser um bom líder? Se todo o mundo é composto de mudança, os estilos de liderança também têm de se adaptar aos desafios de uma nova era marcada por alterações significativas na natureza do trabalho. Os autores deste livro consideram que, para se resolver a atual crise de lideranças, será necessário abandonar o dogma do “ordenar & controlar” e passar a ter uma abordagem centrada em “confiar & inspirar”. E demonstram que qualquer um pode ser o tipo de líder que liberta o potencial das pessoas.
Confiar & Inspirar Stephen M. R. Covey e David Kasperson Clube do Autor PVP: €19
A arte da gestão de pessoas Se as pessoas são o mais importante que existe nas organizações, geri-las da forma mais correta e apropriada é algo que dará bons resultados. Neste livro, Francisco Miranda Rodrigues, atual bastonário da Ordem dos Psicólogos, aponta dez fatores na gestão de pessoas, no sentido de melhorar as equipas. O especialista em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações defende que “ter muito jeito para as pessoas” pode não ser suficiente e deixa várias recomendações para ajudar a dominar a difícil arte de gerir pessoas.
Como Gerir Pessoas Francisco Miranda Rodrigues Editorial Presença PVP: €14,90
“Há um trabalho a fazer, porque evidentemente há pessoas que têm, às vezes, desafios muito pesados” que podem potenciar esta sensação de que estão num qualquer patamar de incompetência, assume Artur Delgado. E, por isso, a reedição deste livro pode desempenhar um papel de alerta para o tanto caminho que ainda há a percorrer.
Até porque, salienta Renata Eckman, “se recuarmos 50 anos e pensarmos no que era a experiência organizacional de colaboradores e líderes (na altura, chefes e patrões, certo?) em 1974, mesmo retirando peso ao ano em questão e ampliando para fora de Portugal, vemos enormíssimas mudanças. Imagino por isso que em 2074 estaremos a falar de muitas outras dinâmicas – algumas que nem seríamos capazes de antecipar agora”. Mas “continuaremos a ser humanos, a ter egos e a cometer erros? Imagino que sim também!” Pelo que o debate vai continuar a ocupar a agenda, a fornecer material para novos livros – os que lhe sugerimos na página anterior são apenas exemplos do que tem sido escrito nos últimos anos – e certamente a ocupar espaço nas organizações.
E, como resume António Caetano, “a componente satírica e humorística d’O Princípio de Peter, associada à consciencialização das múltiplas ineficiências absurdas, pode ajudar a lidar de forma menos stressante e mais construtiva com algumas das misérias da vida organizacional nos tempos atuais”. Afinal, as reflexões acontecem em contínuo. Tal como a nossa escalada até ao patamar de (in)competência.
A brincar se dizem as verdades
A VISÃO publica alguns excertos do d’O Princípio de Peter, que tanto podem divertir como convidar à reflexão sobre a nossa capacidade de trabalho, a nossa adaptação e a nossa competência. O livro voltou às livrarias esta semana
Recordar-se-á de, no Capítulo 2, eu ter analisado três classes de funcionários: o incompetente, o moderadamente competente e o competente. Na altura, a bem da simplicidade, cortei as duas extremidades da curva de distribuição e omiti duas outras classes de funcionários. Apresento de seguida a curva completa.
Os funcionários incluídos nas duas classes extremas – a supercompetente e a superincompetente – estão sujeitos em igual grau ao despedimento. São, em geral, despedidos pouco depois de terem sido contratados, e pela mesma razão: o facto de tenderem a causar perturbações na hierarquia. Este enquadramento dos extremos é designado por Exfoliação Hierárquica.
INCOMPETÊNCIA COMPULSIVA
Ao analisar estudos aprofundados de alguns casos de competência nos níveis cimeiros de hierarquias, deparei-me com um notável fenómeno psicológico que aqui descreverei.
A Competência no Topo é rara, mas não completamente desconhecida. No Capítulo 1, escrevi: “Havendo tempo suficiente – e assumindo a existência de um número suficiente de níveis na hierarquia – cada funcionário ascende ao seu patamar de incompetência, e aí permanece.”
Marechais de campo vitoriosos, superintendentes escolares bem-sucedidos, presidentes de empresas competentes e similares simplesmente não tiveram tempo de alcançar o seu patamar de incompetência.
Em alternativa, o aparecimento de um líder sindical ou de um presidente de uma universidade competente demonstra apenas que nessa hierarquia em particular não existem níveis suficientes para que atinjam o respectivo patamar.
Essas pessoas exibem o que designo por Competência no Topo.*
As minhas observações levaram-me a concluir que estes competentes de topo se mostram frequentemente insatisfeitos por permanecerem nas suas posições de competência. Não podem ascender a uma posição de incompetência – visto já estarem no topo –, pelo que possuem uma grande tendência para se deslocarem para outra hierarquia – por exemplo, do sector militar para a indústria, da política para a educação, do mundo do espectáculo para a política, e assim sucessivamente – até alcançarem, no novo ambiente, o patamar de incompetência que não puderam encontrar no antigo. Isto é Incompetência Compulsiva.
FICHEIRO DE INCOMPETÊNCIA COMPULSIVA, CASOS SELECCIONADOS
Macbeth, um comandante militar bem-sucedido, transformou-se num rei incompetente.
Adolf Hitler, um político consumado, encontrou o seu patamar de incompetência enquanto generalíssimo. Sócrates foi um mestre incomparável, mas encontrou o seu patamar de incompetência enquanto advogado de defesa.
PORQUE O FAZEM?
“Faltam-me desafios no trabalho.”
Esta, ou alguma sua variante, é a razão habitual apresentada por competentes de topo ao ponderarem a acção que acabará por os conduzir à incompetência compulsiva, que brindou a ciência com a teoria da relatividade. Foi igualmente óbvia a sua elevada competência no campo da moda masculina. O estilo dos seus penteados e o vestuário informal criaram uma tendência seguida pelos jovens até aos nossos dias. Considerando os resultados que obteve no mundo da moda sem despender qualquer esforço, perguntamo-nos quão longe poderia ter ido caso se tivesse de facto esforçado.
PRECISAM DE O FAZER?
Existe, na verdade, um desafio maior e mais fascinante em permanecer abaixo do nosso patamar de incompetência. Analisarei esse ponto num capítulo adiante.
UM ESFORÇO VÃO
Este exemplo, típico de tantos outros, mostra que mesmo uma tentativa sincera de mitigar a incompetência de alto nível pode gerar apenas incompetência múltipla. Em tais circunstâncias, é inevitável a acumulação de pessoal. De cada vez que se percorre a Espiral de Peter, o número de incompetentes aumenta, continuando a não haver melhoria de eficiência.
* Os nossos registos incluem alguns casos verdadeiramente notáveis de Competência Multimodal no Topo – indivíduos que poderiam situar-se no topo de diversas hierarquias em determinado momento. Albert Einstein é um exemplo acabado deste fenómeno. Foi um pensador altamente competente.
Depois das medalhas de ouro de Miguel Monteiro, no lançamento do peso, e de bronze de Diogo Cancela, na natação, também Cristina Gonçalves conquistou uma medalha – de ouro – para Portugal nos Jogos Paralímpicos de Paris. A paratleta, de 46 anos, sagrou-se campeã no torneio individual de boccia BC2 ao derrotar a sul-coreana Soyeong Jeong, por 4-1, pelos parciais 1-0, 2-0, 1-0 e 0-1.
Esta é a sexta participação de Cristina Gonçalves nos Jogos Paralímpicos e a sua primeira medalha a competir individualmente. Gonçalves conta ainda com três medalhas paraolímpicas, dos torneios da modalidade em equipa, conquistadas nos jogos de 2016 (bronze), 2008 (prata) e 2004 (ouro).
Num dos seus melhores discursos, muito bem escrito e muito bem dito – no bom e eficaz estilo de um pastor evangélico que empolga – Pedro Nuno Santos apresentou as condições para viabilizar o OE para 2025. À primeira vista parecem quatro, mas são apenas duas: o Governo tem de mudar ou negociar as suas propostas para o IRC e para o IRS Jovem. É só disto que se trata, e o líder do PS foi claro, inequívoco e imperativo.
Sendo assim, não parece muito difícil que seja aprovado o primeiro Orçamento de Estado deste Governo. As negociações vão agora ser retomadas, o Executivo apenas tem 5 meses de vida, e nem a AD nem o PS desejarão ficar com o peso negativo de novas eleições, ou ter um Executivo em gestão corrente sem fim à vista.
O Presidente da República acredita num entendimento, por muito barulho mediático que possa existir, e o IRC e o IRS Jovem não representam a questão fulcral para uma derrocada política. A AD, o Governo e o PS não conseguiriam explicar isso aos portugueses. Mal seria que o princípio e o fim do Governo fossem essas mexidas em dois impostos. E já agora conviria ter em conta o que se está a tratar: é apenas de um OE para um ano, e não para os séculos vindouros.
À VISÃO, Inês Lynce fala sobre o problema do acesso das raparigas às áreas STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics) e tenta desconstruir os mitos em torno de alguns assuntos do momento: Inteligência Artificial, algoritmos, chatbots, ChatGPT…
Disse recentemente que as ciências computacionais não mudaram assim muito desde que começou a trabalhar, em 1998, o que, para um leigo, é uma afirmação surpreendente. Porque é que isto acontece? Porque a base do que agora temos já lá estava. Tudo isto também tem muito a ver com a formação que damos aos alunos. O nosso objetivo não é propriamente ensinar o último grito da moda, porque o último grito da moda vai passar de moda, claro. O nosso objetivo é expô-los a uma série de paradigmas diversificados para que eles depois tenham capacidade de se adaptar. Mas o que é que aconteceu em relação à informática e, sobretudo, em relação à Inteligência Artificial?
E sobretudo porque é que a perceção que temos é exatamente a oposta, de que tudo mudou? Faz sentido as pessoas terem essa perceção, tudo encaixa… A verdade é que os fundamentos do que estamos a ver agora se situam em 1956, quando começou a Inteligência Artificial e o machine learning, a aprendizagem automática. Atenção: não estou a dizer que usamos as mesmas coisas que foram desenvolvidas na altura, estou a dizer que a base estava lá.
Newsletter
Então, o que se alterou radicalmente? Mudou o poder computacional, ou seja, o que vem do hardware. Podemos ter o mesmo programa de computador, mas agora o desempenho é, simplesmente, muito superior, porque o hardware é muito mais rápido, e isso é relevante. Outra coisa que mudou foi a quantidade de dados disponíveis, o que está associado a tudo o que é internet, que também apareceu nessa altura, mas não com a projeção que atualmente tem. Há muitos dados a circular, há capacidade para os armazenar e há também capacidade de processar essa informação.
Os chatbots também já existiam? Sim. O Eliza, que foi o primeiro chatbot, fazia um misto de psicologia/psiquiatria. Pegava na resposta que lhe era dada, para continuar a conversa, e por isso dizemos que a semente já lá estava. O que podemos contrapor é que não era o ChatGPT, pois certamente que não era… O ChatGPT foi treinado com dados que não existiam, tem uma capacidade de processamento que também não existia, e isto muda muito. Metaforicamente, podemos afirmar que as peças do puzzle já lá estavam, o que era preciso fazer era encaixá-las.
Em relação à Inteligência Artificial, parece que não há meio-termo: ora se tem uma visão apocalíptica sobre essa realidade ou se tem uma visão deslumbrada acerca de todas as suas potencialidades. Mais uma vez: o filme da Inteligência Artificial é antigo e sempre foi semiapocalíptico, já naquela altura se levantavam questões. Só o nome… Só o nome já levantava questões.
Sobretudo porque pretendia confundir-se com a inteligência humana? O objetivo era mesmo esse. Penso que o nome é cativante, fica na memória. Mas acho que uma parte da visão apocalíptica vem da ignorância. Assim como quem conhece tem mais tendência para o deslumbramento… No outro dia, quando houve o apagão da cloud da Microsoft, provocado por um upgrade, brincámos entre nós como sempre costumamos fazer e perguntámos: “Quem foi o engenheiro?” Ou seja, acredito que aquilo que para quem conhece é uma coisa mínima, que se resolve com facilidade, quase uma linha de código, para uma pessoa que não saiba de programação ou de informática possa ser um bocadinho assustador.
Há aí trabalho a fazer, em termos de comunicação e divulgação? Penso que aí há muito trabalho a fazer. Não só na questão da Inteligência Artificial, mas na cultura científica em geral. É preciso saber transmitir informação às pessoas. Penso que, nas gerações mais novas, esta questão já está a mudar: quando fiz o doutoramento, no princípio da carreira, ninguém queria saber disso e, agora, vejo pessoas de grande craveira científica a ir às escolas, para falar com os miúdos. Temos de nos esforçar, temos de desmistificar. Estou a dizer isto tudo, mas há um setor que é novo: o dos algoritmos inteligentes, que são derivados de machine learning.
É preciso explicá-los? Sim, tem de se fazer um esforço para explicar porque é que se chegou àquele resultado. De resto, a Comissão Europeia tem tido esta tónica: como é que se chegou àquelas conclusões?
Porque existe uma certa opacidade? Sim, porque existe uma certa opacidade e porque, basicamente, o que esses algoritmos fazem é irem iterando até se aperfeiçoarem. Há uma área muito engraçada que se chama Aprendizagem de Reforço, que é um pouco como se fosse a experiência de Pavlov de treino de animais, de dar uma recompensa. Por causa da Open AI, costumo mostrar aos meus alunos um vídeo fabuloso que consiste apenas no treino para um jogo de escondidas, Hide and Seek. A única coisa que é preciso fazer é dar a informação da recompensa quando corre bem e, por isso, basta fazer correr o jogo inúmeras vezes de forma a treinar o algoritmo para dizer qual é o comportamento apropriado. Como isto é apenas um jogo, é indiferente, mas se forem aspetos críticos, é preciso fazer um esforço.
Está a falar do ponto de vista ético ou do ponto de vista da legislação? Do ponto de vista da Comissão Europeia, que financia projetos de Inteligência Artificial Explicável. É preciso ter uma explicação para dizer: para fazer determinada cirurgia, as pessoas que têm esta idade ou esta condição têm prioridade sobre aquelas. Isto pode não ser nada simples e aquilo de que precisamos é, justamente, uma explicação tão simples quanto possível, mas que não seja uma explicação baseada nas milhares de interações que o algoritmo já teve. Há trabalho nesse sentido e acho que lá chegaremos. Só que aqui é como se a prática fosse à frente da teoria: existem áreas em que, por exemplo, pode haver um medicamento que funciona muito bem para uma doença, quando foi feito para outra, e agora temos de perceber porque é que funciona. Sobre Inteligência Artificial, dizem-me: é perigosíssimo. É como tudo na vida, se alguém quiser fazer uso da tecnologia para um mau fim, até uma calculadora é perigosíssima, não é?
O que é que, nessa matéria, se pode esperar de legislação europeia? Na Europa, temos uma cultura que, de certa maneira, faz toda a gente querer viver na Europa (e, nesse aspeto, em Portugal, também estamos muito bem). Temos a tendência para pensar que, na Europa, estamos limitados do ponto de vista tecnológico, mas no fundo isso é apenas o outro lado da moeda da qualidade de vida que temos. Lembro-me de, não há muito tempo, numa conferência de Inteligência Artificial sobre aquilo que designamos por visão por computador e reconhecimento fácil, só havia contribuições de chineses. Pudera, na Europa, temos proteção de dados e não andam a usar as nossas caras! Portanto, a Europa tende a ser mais conservadora; os regimes totalitários são menos, já sabemos; e os EUA acabam por balancear entre um lado e o outro, porque lá o capitalismo também tem um peso muito forte…
Então, onde pode a Europa fazer a diferença? É sempre um jogo de equilíbrios e vê-se como, na Europa, estamos a ferro e fogo com as Googles e as Microsoft… Em alguns assuntos, já perdemos a carruagem, e isso já é nítido há vários anos: mais vale incorporar a tecnologia dos outros e partir. Mas, por exemplo, a Europa tem uma História muito rica e podemos fazer uso desses dados históricos. Desde que seja regulamentado, desde que os dados sejam anonimizados, é perfeitamente possível, por hipótese, pensar em termos de saúde, o que noutros locais não se consegue fazer, porque não existem cuidados de saúde com tanta qualidade.
Sobre Inteligência Artificial, dizem-me: é perigosíssimo. É como tudo na vida, se alguém quiser fazer uso da tecnologia para um mau fim, até uma calculadora é perigosíssima, não é?
Em seu entender, o que determina mais o percurso de uma pessoa: o gosto por aquilo que se faz ou a persistência? A persistência, na investigação é preciso muita persistência. Porque acaba por ser um trabalho muito solitário, muito dependente da aceitação dos pares, do processo de publicação científica. Além disso, o ambiente onde se está também é importantíssimo. Desse ponto de vista, nos EUA, é muito diferente, completam-nos e têm umas redes fabulosas. Gostar do que se faz? Diria que sim, que é importante, mas todos temos altos e baixos e há uma altura em que gostamos mais… Há outra coisa que eu também vejo como um privilégio: dar aulas.
Prefere dar aulas a fazer investigação? Fazer investigação é muito duro e, quanto mais formal e mais abstrata for a área onde se trabalha, mais difícil é ver o impacto do que fazemos. Se calhar, no princípio da carreira, não via as coisas assim, mas agora vejo: dar aulas tem uma recompensa imediata, que é estarmos a ensinar as pessoas que temos à nossa frente. Vou envelhecendo e percebendo que dar aulas a pessoas com 18, 20 anos me dá uma certa juventude [Risos]. Tenho muito gosto em acompanhá-los e depois seguir o percurso deles.
E a forma de ensinar também se mantém, como diz acerca das ciências computacionais? Está em curso uma mudança do sistema de ensino. Os alunos, agora, aprendem muito mais sozinhos. O que é que eu acho que nunca se vai perder? Estamos quase a regressar à Antiguidade Clássica: a relação de um para um.
Provocação: não é possível arranjar um chatbot para fazer isso? Até pode ser, sim. Não vejo mal, por exemplo, que se pergunte a um chatbot que perguntas é que se fazem numa entrevista de emprego. Não vejo mal, desde que depois a pessoa tenha sentido crítico e dali possa fazer alguma triagem. No outro dia, uma colega pediu-me os slides que apresento nas aulas para fazer um exame com um chatbot. Olhei para o resultado e concluí que os meus exames são muito melhores [Risos]. Mas não terei problemas nenhuns no dia em que tiver ali um chatbot que dá algumas perguntas capazes e eu depois olhe e diga: “Esta faz sentido, esta não faz sentido, esta como está não gosto, mas vou adaptá-la.” É só uma questão de usar as ferramentas que temos à disposição.
Pode até aliviá-la de tarefas mais monótonas, pesadas e menos interessantes? Sim, claro. Quando se começa a dar aulas, entra-se em pânico com a hipótese de os alunos nos perguntarem qualquer coisa que não sabemos. Depois, aprendemos a lidar com essa situação, o pior que pode acontecer é respondermos: “Olha, não sei, vou ver, tenho de confirmar e digo-te na próxima aula.” Aquela ideia antiga da “matéria dada” tem de desaparecer, os alunos já não têm a mesma paciência. Existe uma bibliografia, dizemos qual é a matéria, podem existir umas aulas, sobretudo motivacionais, para que eles fiquem com vontade de saber. Não estou, obviamente, a falar das crianças mais novas… Mas, a este nível, acho que as aulas servem sobretudo para motivar, os alunos aprendem autonomamente e depois vêm com perguntas, se for o caso. Cada vez mais, eles vão aprender sozinhos e isso não é necessariamente mau, desde que haja um acompanhamento, que sejam guiados e orientados.
É a primeira mulher a dirigir o INESC-ID. Faz sentido continuar a salientar as lideranças femininas? Nesta área, faz todo o sentido, porque se trata de uma área muito complicada. Não tenho, atenção, nada a apontar aos meus colegas. O problema é que as pessoas se habituam, eu própria me habituo, estou muitas vezes em reuniões só com homens e nem reparo. As minhas duas filhas andaram no infantário do Técnico e, um dia, vinha com elas e passámos por um coffee break de uma conferência ou assim. Uma delas perguntou: “Mãe, porque é que aqui são todos homens?”
Para si é, mais ou menos, uma inevitabilidade? É, e aquilo pesou-me. Ela teria aí uns 4, 5 anos e, mais ou menos na mesma altura, também me perguntou se podia ser Presidente da República. Pensei: “Ai, diabo, quer dizer que ela associa aquela função a um homem.”
O que está relacionado com a questão da confiança. Parece-me que noutras áreas, na Gestão, na Medicina ou no Direito, isto não é tanto assim. Mas nas engenharias e na Engenharia Informática, não se vê uma curva claramente ascendente. Não está a piorar, mas também não está a melhorar. O que me faz pensar que é preciso começar a trabalhar muitos anos antes. Daí a importância de comunicar Ciência, vai reverter para o bem de todos. Há trabalho feito, mas julgo que ainda não conseguimos dar a volta. E, depois, também existe a ideia de tornar, como direi, os cursos mais femininos…
O que é que isso quer dizer, ajustar as matérias? Tal e qual, e eu acho que aí quase como fazer um downgrade.
Um estudo recente da professora Anália Torres sobre igualdade de género nas instituições de Ensino Superior revela que Portugal tem até um número elevado de mulheres com graus avançados de formação, mas que essa participação baixa muitíssimo nos lugares de gestão. Sabendo o que sabe, isto surpreende-a? Não, na base da Engenharia Informática, em Portugal, há poucas mulheres. E, depois, ainda existe um peso brutal da maternidade, que as retrai… Por isso, é importante pôr mulheres em lugares de destaque, para desmistificar.
Os tão falados role models? Sim, claro. Normalmente, tenho mais alunas do que alunos, o que inverte logo a situação, que é a de haver uma maioria de alunos do sexo masculino. Elas identificam-se mais e, por isso, vêm ter comigo. Não é que eu seja melhor ou pior, mas é importante elas verem, as pessoas verem fazer coisas como dar esta entrevista ou participar em painéis. Também assim se dá o exemplo.
O que está a dizer é que as próprias mulheres têm de fazer um esforço? Sim, têm de conseguir ter palco para que isso abra caminho para outras, depois, também terem. Não terá de ser sempre assim, apenas até se atingir um equilíbrio razoável. Não julgo que tudo tenha sempre de ser 50/50, haverá sempre profissões em que a prevalência é o masculino ou o feminino. O problema não é esse, o problema é o que continuamos a sentir atualmente: que existem preconceitos e isso é que não devia haver. Ou seja, se uma pessoa gosta daquilo, será aquilo que irá fazer. Ainda não chegámos lá e, por esse motivo, eu digo que estou a trabalhar para a geração das minhas filhas não ter este trabalho…
O nadador português Diogo Cancela conquistou este domingo, dia 1 de setembro, a segunda medalha paralímpica para Portugal nos Jogos de Paris. Cancela, de 22 anos, terminou a prova dos 200 metros estilos SM8 em terceiro lugar, conquistando a medalha de bronze. No pódio ficaram ainda os paratletas chineses Haijiao Xu – medalha de ouro – Guanglong Yang – medalha de prata.
O paratleta português, que é vice-campeão do mundo da disciplina, completou a final da prova em 2:23.64 minutos – um novo recorde nacional.
Esta é a segunda medalha para Portugal nesta edição dos Jogos Paralímpicos depois de Miguel Monteiro ter conquistado a medalha de ouro na modalidade de lançamento do peso F40 esta manhã. Portugal conta ainda com dois diplomas paralímpicos, pelas paratletas Beatriz Monteiro (badminton) e André Ramos (boccia).
Newsletter
Os Jogos Paralímpicos, que decorrem na cidade de Paris, decorrem até ao próximo dia 8 de setembro.