Visão
Quando se ouve o carrinho das bebidas a deslizar pelo corredor do avião, já sabemos a pergunta que lá vem: “Chá, café, água?”, pergunta um dos tripulantes. Nessa ocasião, quantos de nós já não pensámos que, na verdade, o que nos apetecia mesmo era vinho, cerveja ou um fresco mojito, um moscow mule, uma caipirinha, uma margarita… enfim, desejos.
Um voo de muitas horas pode ser uma tormenta para os passageiros com dificuldade em adormecer no lugar apertado, com a cabeça pendurada, e descansar enquanto sobrevoa a Terra. Mas, consumir bebidas alcoólicas durante o voo tem mais inconvenientes do que vantagens para a saúde.
No início de junho foi publicado um pequeno estudo que aborda a existência de alguns riscos associados ao consumo de álcool em aviões, especialmente em voos mais longos, quando a intenção é dormir. A altitude é o fator que determina as desvantagens.
À medida que um avião sobe, o nível de oxigénio desce, tanto no interior da cabina como no sangue. O consumo de álcool pode aumentar a frequência cardíaca, mas reduz ainda mais os níveis de oxigénio no sangue durante o sono.
O novo estudo foi o primeiro a analisar os efeitos combinados da altitude e do álcool, segundo Eva-Maria Elmenhorst, investigadora do Instituto de Medicina Aeroespacial de Colónia, na Alemanha, que o liderou.
A experiência contou com 48 adultos saudáveis, com idades entre os 18 e os 40 anos. Metade terminou o estudo num laboratório do sono com pressão atmosférica normal, os restantes dormiram em beliches numa câmara de altitude com pressão atmosférica semelhante à de um avião a voar.
As 48 pessoas dormiram da meia-noite às quatro da manhã durante duas noites: uma em que estavam sóbrias e outra depois de terem bebido o equivalente a duas latas de cerveja (5% de teor alcoólico) ou dois copos de vinho (175 ml, 12% de teor alcoólico). A dormir, todos estava a apetrechados com dispositivos para medir os níveis de oxigénio no sangue, frequência cardíaca e as fases do sono.
Quem dormiu com a pressão atmosférica normal registou um nível médio de oxigénio no sangue de 96% na noite em que estavam sóbrios e 95% na noite em que beberam. Mas para os que dormiram na câmara de altitude, os níveis de oxigénio eram de 88% quando estavam sóbrios e de 85% depois de beber – os níveis normais de oxigénio no sangue são normalmente superiores a 95% em pessoas saudáveis, note-se.
Quanto à frequência cardíaca, a média durante o sono com pressão atmosférica normal aumentou de 64 batimentos por minuto quando sóbrio para 77 depois de beber; e em câmara de altitude, de 73 batimentos por minuto quando sóbrio para 88 depois de beber.
Quando os níveis de oxigénio no sangue descem e a frequência cardíaca aumenta e existe uma sobrecarga do sistema cardiovascular, levando o coração a trabalhar mais para compensar a diminuição do oxigénio.
Para quem é saudável esse tipo de tensão cardíaca pode provocar algum cansaço. Mas para quem tem problemas cardíacos ou respiratórios, como insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crónica ou apneia do sono, poderá ficar com tonturas e sem fôlego. Significa que quanto mais beber, maior a probabilidade de poder passar por uma emergência médica durante o voo.
Uma vez que o consumo de álcool também desidrata o organismo, pode aumentar ligeiramente o risco de desenvolver coágulos sanguíneos nas pernas ou nos pulmões.
Por o álcool ser um sedativo, quanto mais perto da hora de ir dormir for consumido, mais depressa provocará sonolência. No estudo, em média, aqueles que dormiram na câmara de altitude demoravam 19 minutos para adormecer sóbrios e 12,5 minutos depois de beber.
Mas à medida que o corpo decompõe o álcool, a qualidade do sono piora e a pessoa acorda mais amiúde e no dia seguinte irá sentir-se mais cansado. Os participantes que dormiram na câmara de altitude passaram menos tempo em sono profundo e REM do que aqueles que dormiram com pressão atmosférica normal. O álcool comprometeu ainda mais o sono: acordaram com mais frequência e, em comparação com 22 minutos de sono REM quando sóbrios, registaram 14,5 minutos depois de beber.
Da próxima vez que andar de avião, em vez de pedir latas de cerveja ou meias garrafas de vinho, quando o comandante desligar as luzes, coloque uma máscara a tapar os olhos, use tampões nos ouvidos ou ouça música calma, ruído branco ou um podcast nos auriculares, sem qualquer tipo de pressão para se obrigar a dormir. O dia seguinte será melhor do que estar de ressaca.
Apesar do espírito olímpico, do ideal de paz e de união entre os povos, os tempos estão demasiados extremados e não aconselham, por isso, entusiasmos nacionalistas. Nesse sentido, concedo de bom grado que o título que escolhi para esta crónica – Vive la France! – padeça de um certo grau de imprudência (ainda por cima enfatizado com um ponto de exclamação, que deve ser usado com parcimónia, de acordo com os cânones da melhor escrita jornalística). Ainda assim, arrisco usá-lo, na esperança de que, no decorrer destas linhas, me consiga fazer entender (também conto com a boa vontade dos leitores, a quem, desde já, agradeço).
O exagero do título resulta apenas do entusiasmo que senti ao ver a abertura dos Jogos Olímpicos. Desde logo, pela ousadia com que, pela primeira vez na história das Olimpíadas, a organização levou a cerimónia para fora de um estádio: como sempre, atletas e artistas brilharam, mas desta vez quem mais brilhou foi o Louvre, a Torre Eiffel, o Grand Palais, a Notre-Dame, a Concórdia, a Pont des Arts, a Pont Neuf… Ao ser deslocado para as margens do Sena e para as ruas de Paris, o habitual espetáculo de luzes e de som transformou-se também na celebração de uma cidade – e, por sinal, uma das mais bonitas do mundo.
Humphrey Bogart em Casablanca, dito e redito, vezes sem conta: “Teremos sempre Paris” – que é, de facto, como escreve o Rui Tavares Guedes, na reportagem que publicamos nesta edição da VISÃO, uma festa. Em matéria de festa, por falar nisso, não tenho os norte-americanos em fraca conta, mas acho que, no mínimo, desde a semana passada, o comité olímpico dos EUA ficou a pensar como, daqui a quatro anos, poderá superar 2024 e voltar a maravilhar as audiências globais: Los Angeles não tem, claro, a beleza e o charme de Paris (nem a História, nem os monumentos, nem o Sena…), mas tem, pelo menos, uma bonita baía oceânica. Yes, you can!
Para quem assistiu à distância à cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, foi um espetáculo admirável. A partir de certa altura, até a chuva, que como se sabe caiu intensamente, se tornou irrelevante. Quais ponchos de plástico (arranjados à pressa, para proteger comitivas e convidados) qual quê! Ele foi bailarinos, ele foi drag queens, ele foi Lady Gaga, ele foi Céline Dion, ele foi Aya Nakamura. DJ, jovens criadores da moda, mas também as grandes casas, de Dior a Louis Vuitton (a propósito, o grupo de Bernard Arnault investiu mais de €150 milhões nesta iniciativa olímpica). Os Miseráveis, de Victor Hugo, cancã, a ópera Carmen, de Bizet, mil e uma referências, umas mais eruditas, outras mais populares, numa explosão absolutamente contagiante.
Foi à grande e à francesa, já muitos o sublinharam, recorrendo à imagem usada para descrever o fausto dos generais de Junot, durante as invasões. Ou, então, como titulou o jornal Libération no dia seguinte, que recordou os ataques das linhas de comboio dessa mesma manhã: “Dia de stress, cerimónia de strass”. Mesmo que a chuva tenha complicado a transmissão televisiva, nada parou, como se não existissem entraves nem obstáculos à criação e à vontade. “Mais do que prometia a força humana”, o espetáculo prosseguiu, apesar da intempérie, em apoteose, num hino de imaginação e de energia.
Perdoem-me a nota pessoal: Paris 2024 ficará na minha memória de adulto como, na minha infância, ficou a lágrima do urso Misha, nas bancadas dos Jogos Olímpicos de Moscovo de 1980 (outro mundo e, literalmente, outro século, antes da queda do Muro e da Perestroika). Na semana passada, durante quatro horas, o que vi acontecer nas margens do Sena foi o melhor do ideal francês. Numa altura em que uma boa parte das nações se fecha sobre si próprias, em que as pessoas se recusam a dialogar umas com as outras e veem os outros (e, nomeadamente, os que são diferentes) como uma ameaça iminente, a cerimónia de abertura de Paris 2024 recordou-nos o espírito das Luzes: o progresso, a civilização e o futuro correspondem a uma atitude de abertura ao mundo. Daí o meu entusiasmo, porventura excessivo, admito: Vive la France!
Propositadamente, deixo a polémica sobre a Última Ceia para o final. No dia seguinte à inauguração, em comunicado à Imprensa, a Conferência Episcopal Francesa saudou a “beleza” e a “alegria”, mas criticou aquilo que apelidou de “cenas de escárnio e de zombaria do Cristianismo”. Entretanto, o diretor artístico da cerimónia já veio esclarecer que se tratou de uma referência a Dionísio, deus do vinho. Mesmo que fosse uma referência à Última Ceia, não se entende a crítica à suposta injúria. Ainda há pouco mais de um mês, num encontro com humoristas de todo o mundo, o Papa Francisco dizia que era possível rir de Deus e defendia: “O riso do humorismo nunca é ‘contra’ alguém, mas é sempre inclusivo, proativo, desperta abertura, simpatia e empatia.”
Breviário
É a comunicação, estúpido
Para quem gosta de política, nos EUA, as últimas semanas do Partido Democrata têm sido um maná. Impressionante ver como o partido se concentrou em pressionar Joe Biden e, após a desistência do Presidente norte-americano, se reuniu imediatamente em torno de Kamala Harris. Dirão que foi o toque a rebate e, sobretudo, a necessidade de garantir os lugares no Senado e no Congresso. Tudo seguiu o ritmo de uma narrativa poderosa, que – quer no caso da saída de cena Biden quer no caso da entrada em cena de Harris – teve o seu clímax na reação do casal Obama. Não é a política nem a economia, estúpido, é a comunicação!
OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ Estamos a viver a era dos extremos?
Já cheguei a uma idade em que não parece mal dizer que “eu sou do tempo em que”. Portanto, aqui vai disto: eu sou do tempo em que encontrar um estrangeiro em Lisboa ou no Porto, cidades onde na minha vida passei mais tempo, era raro ̶ nem turistas nem residentes. As férias algarvias eram a altura do ano em que se via gente de outras nacionalidades, em que se ouvia falar outras línguas e em que se observavam hábitos diferentes, mas, apesar disso, nas cidades e nas praias onde passei tantos verões, os estrangeiros eram uma pequena minoria.Não sendo eu rapaz novo, a estimada leitora ou leitor dirá que isso foi há muito tempo. A memória também não é o meu forte, mas, há meia dúzia de anos, eu ia da Estrela ao Chiado e cruzava-me com um par de estrangeiros ou saía da Estação de São Bento e ia até ao Palácio da Bolsa pela Rua das Flores, e não eram propriamente turistas as pessoas que eu via. Agora é difícil fazer estes trajetos e ouvir sequer um bom-dia em português. Também é atual, e não doutra geração, que gente, com outros costumes e origens, nos transporte, nos sirva em restaurantes e em lojas, nos faça as casas, cuide de nós ou execute qualquer outra tarefa fundamental para a nossa vida coletiva. São pessoas que trabalham e vivem ao nosso lado, que rezam a outros deuses, que têm nomes estranhos e hábitos exóticos, que falam outras línguas, arranham o português ou falam naquele modo doce e arrastado com que os nossos irmãos brasileiros embelezaram a nossa áspera língua.
Tenho mais memórias deste género. Visitar, no meio de milhares de turistas como eu, cidades como Barcelona, Veneza ou Florença e sentir que os locais me olhavam de lado e não me faziam sentir bem-vindo – aliás, preparo-me para uma dose semelhante daqui a uns dias. Também me recordo demasiado bem dos meus compatriotas emigrantes a falar baixinho, para que não se percebesse que não eram franceses, suíços ou alemães. A propósito, um português que não tem empatia com os imigrantes é alguém que não sabe o que é Portugal e que cospe na nossa História. Para que o nosso país funcione, crie riqueza e se torne um local onde as pessoas vivam melhor, não podemos prescindir de imigrantes e de turistas. Falando especificamente dos imigrantes, a saúde da nossa Segurança Social depende deles, e a nossa demografia e muitas outras coisas também.Vou assistindo às preocupações sobre o crescimento do turismo. Claro que o impacto sobre os preços da habitação, sobretudo nos centros das nossas principais cidades, o aumento do custo de vida ou a pressão sobre alguns serviços públicos não são fenómenos de desprezar, mas ainda estão por inventar vantagens sem contrapartidas negativas. O facto é que o turismo é uma fonte de receitas importantíssima, que mudou a face das nossas cidades para muitíssimo melhor e que, mais do que tudo, trouxe enormes melhorias ao bem-estar das nossas populações. O emprego criado, os melhores salários, a superior receita fiscal deixam os problemas, que inevitavelmente se criam, a milhas dos benefícios.
Deixa-me particularmente chocado a conversa de que o turismo apenas cria empregos de salários baixos ou de que o seu crescimento atrofia o desenvolvimento de outras atividades. Como qualquer área económica, o turismo gera salários altos e baixos, segundo a procura e a oferta, mas o argumento torna-se incompreensível num país como o nosso, em que os salários são baixos em todas as áreas. Depois, convém notar que o crescimento do turismo foi acompanhado por um crescimento económico similar noutras áreas. As nossas exportações cresceram muito também na indústria e, mais do que isso, o desenvolvimento de setores de alto valor acrescentado foi notável (metalomecânica e produtos químicos, por exemplo). Não tendo havido e nem sendo provável que haja desvio de recursos para outras áreas que precisem de investimento, o turismo está também a permitir acumular capital de que tanto precisamos, há gerações e gerações, e de que dependem as outras atividades económicas.
O turismo e a imigração mudaram o País. Os últimos 50 anos foram um período de profundas mudanças a todos os níveis. Porém, estes dois fenómenos trazem desafios especiais: alteram o nosso dia a dia, confrontam-nos com realidades e modos de vida muito diferentes (há uma certa semelhança com a vinda dos portugueses das ex-colónias), mudam as nossas cidades, vão miscigenar-nos ainda mais, são agentes transformadores de toda a comunidade.Claro que são necessárias políticas públicas que permitam integrar melhor os imigrantes e suavizar os efeitos negativos do turismo, mas isso poderia ser dito relativamente a quase tudo. A questão essencial é que o País se alterou, e nós não. O género humano é assim mesmo: o mundo muda mais depressa do que nós. É bom que nos adaptemos, o nosso futuro coletivo depende largamente disso.
OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ A CPI das gémeas e os Açores
+ A perversidade do ranking das escolas
+ Entrevista, qual entrevista?
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
Palavras-chave:
As duas aplicações de localização e mobilidade da Google vão receber novas funcionalidades a curto prazo. No caso do Google Maps, a aplicação vai passar a contar com o mesmo sistema de identificação de incidentes que já existe no Waze. Ou seja, o Google Maps vai passar a ter uma opção que permite partilhar com outros utilizadores a indicação de estradas que estão fechadas, estradas com obras, radares de velocidade, carros encostados na berma ou operações policiais.
Outra funcionalidade já conhecida do Waze e que vai chegar ao Google Maps é o destaque de parques de estacionamento. A aplicação vai passar a mostrar parques próximos do destino final do utilizador, para facilitar no momento final da viagem.
Apesar de o Google Maps integrar, cada vez mais, funcionalidades que são referência do Waze, Can Comertoglu, da Google, confirmou à publicação The Verge que o objetivo é manter as duas aplicações em funcionamento, até porque o Waze tem uma comunidade de utilizadores muito dedicada, segundo o porta-voz da empresa. “Eles preferem algumas coisas que o Waze tem e o Google Maps não, e sabemos que o contrário também é verdade”.
Já do lado do Waze, a principal novidade é a possibilidade de os utilizadores poderem receber informação sobre eventos que condicionam a mobilidade junto da casa do utilizador, do local de trabalho ou de um local no qual esteve recentemente. Eventos que podem ser obras planeadas, competições desportivas ou um grande evento musical. Quando a Waze recebe esta informação, envia uma notificação aos utilizadores sobre as condicionantes de trânsito que vão existir e quais as vias afetadas.
No Waze será agora também possível reportar outras câmaras de tráfego automóvel, além das que estão diretamente relacionadas com os radares de velocidade.
As novidades do Google Maps e do Waze vão ser disponibilizadas para os utilizadores Android e iOS ao longo das próximas semanas.
Palavras-chave:
Filipe Paixão, 38 anos, não hesita quando afirma que, se o seu diagnóstico de cancro do pulmão tivesse chegado há dez anos – e não há dois – muito provavelmente não estaria a partilhar connosco a sua história. Refere-se especialmente ao facto de ter vindo a beneficiar de terapêuticas inovadoras recentes, que lhe têm prolongado a vida, permitindo-lhe ter a doença controlada.
Felizmente, o caso de Filipe Paixão não é único, pois há cada vez mais possibilidades de tratamento dirigido e eficaz para este tipo de cancro, o qual, segundo os dados mais recentes do Observatório Global do Cancro (Globocan 2022) da Organização Mundial da Saúde, é não só o cancro mais frequente no mundo, como também aquele que mais vidas tira. Em Portugal, e de acordo com a mesma fonte, o cenário é igualmente preocupante, com este tipo de cancro a aparecer como o que mais mortalidade causa – é responsável pela morte de mais de cinco mil pessoas por ano – sendo o terceiro mais frequente, só ultrapassado pelos cancros colorretal e da mama, em primeiro e segundo lugares, respetivamente.
Com as estatísticas a darem conta da enorme dimensão do problema, é necessário continuar a sensibilizar para os fatores de risco desta doença, bem como para os seus sinais e sintomas. É que, quanto mais cedo for diagnosticado, tanto maior é a probabilidade de sobrevivência. Hoje, dia 1 de agosto, assinala-se o Dia Mundial do Cancro do Pulmão.
Tabaco – inimigo, sim, mas não o único
Entre os principais fatores de risco para o desenvolvimento de cancro do pulmão, a pneumologista Ana Figueiredo, presidente do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão (GECP), destaca o tabaco, lembrando que “entre 85 a 90 % dos novos casos são detetados em fumadores”. Como tal, sublinha que “somente com a eliminação de todos os tipos de tabagismo na população é que os casos de cancro do pulmão podem ser reduzidos”.
Mas a verdade é que há casos como os de Filipe Paixão, a quem foi diagnosticado um cancro do pulmão aos 36 anos, sem nunca ter sido fumador, e ter vivido sempre fora de cidades e em ambientes limpos e sem presença de tabaco ou equivalente. Como tal – e este é um dado muito relevante, e para o qual importa chamar a atenção – existem outros fatores de risco além do tabaco, já que “contaminação ambiental, fatores genéticos ou alterações moleculares, também podem ser fatores de risco para cancro do pulmão, embora numa percentagem muito pequena”, salienta Ana Figueiredo.

Quanto aos sintomas que alertam para este carcinoma, a médica explica que são vários e “muitos são comuns a doenças benignas, como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica [DPOC], o que dificulta o seu diagnóstico”, razão por que todos os sinais devem ser valorizados.
Atenção aos sintomas!
Entre os principais sintomas de cancro do pulmão, a pneumologista Ana Figueiredo destaca os seguintes, aconselhando que, na sua presença, se procure um médico com rapidez.
- Tosse do fumador que se torna irritativa e persistente
- Hemorragia pela boca de sangue vivo ou expetoração escura
- Dor no tórax, ombro e braço
- Dificuldade respiratória
- Pieira ou chiadeira no peito
- Rouquidão e alteração da voz
- Dificuldade em engolir
- Inchaço da face e pescoço
- Fadiga
- Perda de apetite e emagrecimento
- Dor óssea
Tratamentos que salvam vidas
Quando o tumor é detetado precocemente, as possibilidades de tratamento são mais vastas, podendo este ser feito, “na maioria das situações, com cirurgia ou radioterapia, nalguns casos em associação com outros tipos de tratamento”.
A escolha {do tratamento] baseia-se no perfil molecular do tumor, e também no estado geral do doente e na presença, ou não, de outras doenças que possam impedir o uso de alguns medicamentos”
Ana Figueiredo, presidente do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão
Já no caso dos tumores que são detetados em estadios mais avançados e com metastização, ou seja, quando já estão a propagar-se para outros tecidos e órgãos, os médicos dispõem “não só da quimioterapia, mas também da imunoterapia e das terapêuticas-alvo, podendo estas ser utilizadas isoladas ou em associação”, refere a especialista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Nestas situações, “a escolha baseia-se no perfil molecular do tumor, e também no estado geral do doente e na presença, ou não, de outras doenças que possam impedir o uso de alguns medicamentos”, esclarece.
É precisamente na caracterização do tumor que reside parte importante do avanço científico registado nos últimos anos. Mais concretamente, verifica-se o recurso a biomarcadores que, ao permitirem caracterizar de forma cada vez mais perfeita o tumor, tornam possível um tratamento personalizado.
Felizmente, a progressão da doença coincidiu com o aparecimento de um novo medicamento, com a qual iniciei tratamento de imediato e tive uma excelente resposta.
Filipe paixão
Graças a esta possibilidade, logo que os especialistas tiveram acesso ao resultado molecular da biópsia pulmonar de Filipe Paixão, este pôde começar a beneficiar de uma terapêutica especificamente dirigida para o seu tipo de tumor (cancro do pulmão com deleção do exão 19 no gene EGFR, um dos tipos mais comuns de cancro do pulmão de não pequenas células), e que ajudou a controlar a doença durante nove meses. Nessa altura, começou a piorar, mas uma boa notícia estava à sua espera: “Felizmente, a progressão da doença coincidiu com o aparecimento de um novo medicamento, com a qual iniciei tratamento de imediato e tive uma excelente resposta.”

Até à data, Filipe Paixão mantém a doença controlada com esta nova terapêutica, tendo sido o “primeiro europeu com a deleção no exão 19 do gene EGFR a fazê-la fora de ensaio clínico”. Nas suas palavras, “o acesso a tratamentos inovadores, principalmente no cancro do pulmão é muito importante”, pois “pode aumentar a longevidade do doente, quem sabe durante muitos anos ou eventualmente entrar em remissão”.
A importância do rastreio
Uma das razões que explica a elevada mortalidade do cancro do pulmão reside no facto de “a maioria dos diagnósticos ocorrer numa fase avançada da doença, em que as taxas de sobrevivência são modestas”, justifica Isabel Magalhães, Presidente da Pulmonale – Associação Portuguesa de Luta Contra o Cancro do Pulmão, frisando que “existem taxas de sobrevivência em estadios iniciais da doença que podem ser até oito vezes superiores às de estadio avançado”. Como tal, defende que “importa promover o diagnóstico precoce, o que é dificultado pela baixa literacia em saúde da população em geral e pelo facto de os sintomas iniciais serem transversais a outras patologias ou, nalguns casos, leves ou inexistentes”.
A implementação do rastreio populacional em Portugal é da maior relevância e urgência, permitindo salvar vidas, aumentar a qualidade de vida dos doentes e reduzir os elevados custos de tratamento numa fase avançada onde os resultados são ainda modestos
Isabel Magalhães, Presidente da Pulmonale
Uma das formas de conseguir diagnósticos atempados passa pela realização de um rastreio, o qual, se for efetuado através de TAC de baixa dose, “permite reduzir a mortalidade em, pelo menos, 20%”, afirma a responsável, servindo-se dos dados dos principais estudos realizados sobre o tema. Nesse sentido, defende que “a implementação do rastreio populacional em Portugal é da maior relevância e urgência, permitindo salvar vidas, aumentar a qualidade de vida dos doentes e reduzir os elevados custos de tratamento numa fase avançada onde os resultados são ainda modestos”.

Idêntica posição é partilhada por Filipe Paixão, segundo o qual, “não havendo uma cura ou um medicamento que controle a doença de forma eficaz a longo prazo, a prevenção é a nossa melhor arma”.
Mais literacia e equidade em saúde
Quanto às principais necessidades sentidas pelos doentes com cancro do pulmão, Isabel Magalhães aponta, além do rastreio, a importância de haver “uma maior literacia em saúde, promovendo a prevenção da doença e dotando os cidadãos de um maior conhecimento sobre todos os fatores de risco e de sintomas da doença”.
É crucial haver um acesso atempado e com equidade ao tratamento para todos os doentes
ISABEL MAGALHÃES, PRESIDENTE DA PULMONALE
Por outro lado, a presidente da Pulmonale salienta que “é crucial haver um acesso atempado e com equidade ao tratamento para todos os doentes”, sendo que, estando em causa uma patologia complexa, “os doentes deveriam ser tratados em centros de referência, seguindo guidelines atualizadas e com tempos máximos de resposta para cada etapa do percurso do tratamento”. Da mesma forma, o “acesso à inovação em tempo útil” é apontado como uma das necessidades dos doentes, assim como um dos desafios que estes enfrentam atualmente.
Divulgar informação atualizada e credível junto da população em geral sobre cancro do pulmão é um dos principais objetivos da Pulmonale, assim como aconselhar doentes e cuidadores, cooperar com profissionais de saúde e outros parceiros em prol dos doentes com cancro do pulmão, colocar esta patologia na agenda dos decisores, e ainda integrar organismos nacionais e internacionais em defesa dos direitos dos doentes com cancro do pulmão.
Saiba mais sobre esta e outras doenças em Janssen Comigo.
Palavras-chave:
Parece que foi há pouco tempo que ficámos todos impressionados com o lançamento dos primeiros smartphones dobráveis. E, na verdade, ainda se contam pelos dedos de uma mão as marcas que disponibilizam esta tecnologia. Mas a Samsung já vai na sexta geração. E, a cada geração, a marca sul-coreana aproxima-se mais do nosso sonho: ter um dispositivo suficientemente compacto e leve para transportar no bolso, mas que, simultaneamente, disponibilize um ecrã tipo tablet. O Z Fold 6 cumpre, em boa parte, este objetivo.

A dobradiça foi melhorada e, quando fechado, o Galaxy Z Fold 6 mantém os dois ecrãs encostados, sem o espaço apresentado na versão anterior, que acumulava detritos.
Fino e leve… para um Fold
O que considera um peso e uma dimensão aceitáveis para transportar e usar? Se é daqueles que acha que smartphones como o iPhone 15 Pro ou Samsung Galaxy S24 Ultra são demasiados grandes e pesados, certamente vai achar o mesmo do novo dobrável da Samsung. Por outro lado, se está à vontade com smartphones grandes, então vai ficar muito agradado com o Z Fold 6. Isto porque consideramos que é no design e construção que estão as melhorias mais evidentes relativamente à geração anterior. Com apenas 239 gramas, pesa aproximadamente o mesmo que o Galaxy 24 Ultra. Ainda relativamente ao Galaxy 24 Ultra, os cerca de 4 mm a mais na espessura, quando dobrado, passam despercebidos. Desdobrado, a espessura não chega aos 6 mm, o que permite um agarrar confortável.
A utilização de materiais premium como Gorilla Glass Victus 2 e Armor Aluminum confere-lhe uma sensação de durabilidade e sofisticação. A dobradiça, um elemento crucial em qualquer smartphone dobrável, foi reforçada e tem melhor isolamento, resultando numa classificação IPX8 de resistência à água, uma mais-valia para quem procura um dispositivo resistente e versátil.
Abrir só mesmo quando é preciso
O Z Fold 6 oferece duas experiências visuais distintas, cada uma adaptada a diferentes necessidades. O ecrã exterior de 6,3 polegadas, maior do que em modelos anteriores, proporciona uma experiência de utilização mais confortável para tarefas do dia-a-dia, como verificar notificações, responder a mensagens ou navegar nas redes sociais. No entanto, o formato alongado, com um rácio de aspeto de 23,1:9, pode tornar a digitação um pouco mais desafiante, especialmente para quem tem mãos maiores ou está habituado a teclados mais largos.
O ecrã principal de 7,6 polegadas é a verdadeira estrela dos Fold. Com uma resolução de 2160×1856 píxeis, taxa de atualização adaptável de 1 a 120 Hz e um brilho máximo de 2600 nits, este ecrã AMOLED dinâmico oferece uma qualidade de imagem excecional e uma experiência de utilização fluida, ideal para ver vídeos, jogar, trabalhar ou navegar na web. As cores são vibrantes, o contraste é excelente e a luminosidade é suficiente para uma visualização confortável em exteriores. Só não gostámos dos reflexos, tão típicos dos ecrãs dobráveis. O formato quase quadrado do ecrã anterior adapta-se bem a tarefas de produtividade, mas mal ao vídeo. Na verdade, um smartphone como o Galaxy S24 Plus acaba por ter um pouco mais área útil para apresentar vídeos em 16:9 ou mais alongados.
O vinco no ecrã interno, embora menos percetível do que em gerações anteriores, ainda é visível, especialmente quando não olhamos diretamente de frente para o ecrã e quando usamos fundos mais claros. O que pode distrair alguns utilizadores.
Câmaras: boas, mas…
O conjunto de câmaras do Z Fold 6 é competente, mas não impressiona. A câmara principal de 50 MP, a ultrawide de 12MP e a teleobjetiva de 10MP com zoom óptico de 3x oferecem versatilidade para diferentes situações de fotografia, mas não se destacam em relação à concorrência. Em comparação com o Galaxy S24 Ultra, o Z Fold 6 fica aquém em termos de zoom e resolução, o que pode ser dececionante para quem procura o melhor em fotografia num smartphone topo de gama. Ou seja, apesar de a evolução ter sido evidente, a escolha de um Fold ainda obriga a concessões neste campo.
A câmara sob o ecrã, com 4MP, é discreta e útil para videochamadas. Como tem píxeis ativos, passa mais despercebida do que o habitual em câmaras de furo. O que resulta bem quando estamos, por exemplo, a ver vídeos. A qualidade das fotos fica bem abaixo do conseguido pelas outras câmaras, especialmente em condições de pouca luz. Mas isto não importa muito porque, sendo um dobrável, podemos usar as câmaras traseiras para as selfies, recorrendo ao ecrã externo para fazer o enquadramento.
Performance
O Galaxy Z Fold 6 é um verdadeiro campeão em termos de desempenho. Equipado com uma versão personalizada do chip Qualcomm Snapdragon 8 Gen 3 para os Galaxy e 12 GB de RAM, o Z Fold 6 lida com qualquer tarefa com facilidade, desde jogos exigentes até multitarefa intensiva. Neste aspeto, escolher o Z Fold 6 em detrimento de outro smartphone topo de gama não obriga a concessões.
No entanto, notámos que o dispositivo aquece bastante após longos períodos de utilização intensiva, especialmente em jogos.
A bateria de 4.400 mAh oferece uma autonomia que varia entre 10 a 12 horas, dependendo do uso, o que é suficiente para um dia inteiro de utilização moderada. No entanto, se utilizar o ecrã principal com frequência e em alta luminosidade, a bateria pode esgotar-se mais rapidamente.
Galaxy IA cada vez mais inteligente
O Galaxy AI, a plataforma de inteligência artificial da Samsung, é um dos pontos fortes do Z Fold 6. Com recursos como o Sketch to Image, transcrição de áudio, tradução em tempo real e muito mais, o Galaxy AI demonstra o potencial da Inteligência Artificial para melhorar a nossa vida quotidiana. No entanto, algumas ferramentas ainda estão em desenvolvimento e precisam de ser aperfeiçoadas para oferecer uma experiência mais completa e intuitiva. Por exemplo, a ferramenta Sketch to Image ainda tem dificuldades em interpretar desenhos mais complexos e a tradução em tempo real, embora útil, nem sempre é precisa. De qualquer modo, é sempre divertido, por exemplo, acrescentar um elemento a uma foto de um amigo.

O Galaxy Z Fold 6 vem com o Android 14 e a interface OneUI da Samsung, que oferece uma experiência de utilização intuitiva e personalizável, com recursos exclusivos para tirar partido do ecrã dobrável. No entanto, a OneUI vem com algumas aplicações pré-instaladas que podem não ser do interesse de todos os utilizadores e que ocupam espaço de armazenamento. O armazenamento interno começa em 256 GB, o que pode ser suficiente para a maioria dos utilizadores, mas parece-nos que, num smartphone deste tipo, a versão com 512 GB é a mais equilibrada (€2189,90)
O preço base acima dos €2000 coloca o Z Fold 6 fora do alcance da grande maioria dos consumidores. Embora a Samsung ofereça promoções e programas de troca, o Z Fold 6 continua a ser um dispositivo de luxo.
Veredicto
O Samsung Galaxy Z Fold 6 é um smartphone dobrável impressionante que oferece um design refinado, desempenho poderoso e recursos inovadores de IA. No entanto, o preço elevado, a câmara aquém das expectativas, o aquecimento em utilização intensiva e a experiência de utilização por vezes comprometida pelo tamanho e peso do dispositivo são pontos a considerar. Se procura um smartphone dobrável topo de gama, um género de computador portátil de bolso, e está disposto a pagar por isso, o Z Fold 6 é uma excelente opção.
Tome Nota
Samsung Galaxy Z Fold 6 (12 GB/ 256 GB) – €2069,91
BENCHMARKS Antutu: 1589629 • CPU 394263 • GPU 585320 • UX 297399• Memória 312647 • 3DMark Wild Life Extreme: 4295 (25,7 fps) • PCMark Work 3.0 18101 • Autonomia 11h22 min • Geekbench Single/Multi 1968/6903 • GPU 13063
Ecrã Excelente
Câmaras Bom
Construção Excelente
Autonomia Bom
Características Ecrã interior AMOLED flexível 7,6”, 2160×1856, 120 Hz • Ecrã exterior AMOLED 6,3”, 2160×1856, 120 Hz • Proc. Snapdragon 8 Gen 3, GPU Adreno 750 • 12 GB RAM, 256 GB armaz. • Câmara 50 MP c/ OIS (f/1.8), 12 MP (ultra grande angular, f/2.2), 10 MP (telefoto, f/2.4, OIS), 4 MP (selfie), 10 MP (ecrã exterior) • Resistência: Vidro Gorilla Victus 2, moldura alumínio, água (IP48) • HDR10+, Dolby Atmos • BT 5.3, Wi-Fi 6, USB C 3.2 • Android 14 • Bateria: 4400 mAh (25 W, 15 w sem fios) • 154x133x6 mm (aberto), 154x68x12 mm (fechado) • 239 gramas
Desempenho: 4,5
Características: 5
Qualidade/preço: 2,5
Global: 4
Comecemos pelo Médio Oriente.
No espaço de poucas horas, Israel decapitou dois grupos terroristas, o Hezbollah e o Hamas.
Ontem, num ataque nos subúrbios de Beirute, a aviação israelita matou Fouad Shukr, também conhecido por Sayyid Muhsan, o líder militar do Hezbollah e conselheiro do líder do grupo libanês, Hasan Nasrallah. Não há muito a lamentar: na tabela de terroristas sanguinários, Shukr estava bem lá no alto. Procurado pelos EUA desde 1983, quando organizou o atentado que matou 241 militares americanos, terá sido o responsável pelo ataque de sábado passado a um campo de futebol israelita que fez 12 vítimas mortais, a maioria crianças – ataque esse que levou agora à retaliação por parte das IDF.
Na madrugada de terça para quarta, foi a vez do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, o responsável máximo pelo massacre do 7 de outubro (que, aliás, festejou efusivamente). Neste caso, o governo de Benjamin Netanyahu não comentou o ataque aéreo, que vitimou Haniyeh na sua casa de Teerão (onde se encontrava para assistir à cerimónia de posse do novo presidente iraniano), mas ninguém tem dúvidas da sua autoria.
A preocupação, agora, é se estas mortes podem fazer escalar o conflito. O Irão já prometeu vingança pela morte do seu aliado no seu próprio território, e poucos acreditam que o Hezbollah fique mudo e quedo. E nesse caso os EUA terão de intervir para proteger o seu aliado israelita, enquanto do outro lado teremos pelo menos a Rússia a apoiar o Irão.
Ou seja, podemos saltar da frigideira para o fogo.
Este artigo é exclusivo para assinantes. Clique aqui para continuar a ler.
A esperança de todos os venezuelanos que desejavam uma mudança de regime no país durou apenas seis horas. A longa espera, após o encerramento das urnas no domingo passado, 28, terminou com o anúncio da reeleição de Nicolás Maduro para um terceiro mandato presidencial (de 2025 a 2031).
Imediatamente, as ruas e praças da Venezuela encheram-se de multidões. Milhares festejaram a vitória, mas muitos mais contestam os resultados. A tensão no país sul-americano corta o ar que se respira. A Venezuela está (novamente) a “ferro e fogo”. Caracas é o epicentro da revolta. Do lado de Petare, a maior favela da América Latina, os sons metálicos dos tachos e das panelas enchem os céus (ato que se tornou revolucionário na Venezuela contemporânea). Os protestos espalharam-se, nas últimas horas, por todo o território. As tropas patrulham, fortemente armadas, as ruas, 24 sobre 24 horas, reprimindo a população com recurso a gás lacrimogéneo e a balas de borracha. A norte-americana CNN revelou que grupos pró-Maduro já dispararam contra manifestantes pacíficos, no centro da capital. Entre a raiva e a desilusão, estátuas do ex-Presidente Hugo Chávez (1954-2013) terão sido derrubadas. Há a confirmação de dezenas de detidos por “ações criminosas e terroristas”, segundo descreve o governo. O espanhol El Mundo noticiou que, pelo menos, sete pessoas já terão sido mortas, desde que a arrechera (zanga) “rebentou”. Para já, ninguém recua.
No estrangeiro, a diáspora venezuelana chora o desfecho. “Era a última oportunidade de libertarmos a Venezuela da ditadura”, repete-se a cada declaração popular. A oposição não aceita os resultados. “Houve fraude”, acusa. “As provas são concludentes”, assegura.
De acordo com os números divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Nicolás Maduro ganhou a corrida eleitoral com 51,2% (5,15 milhões de votos), enquanto o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, se ficou pelos 44,2% (4,45 milhões de votos). Os restantes oito candidatos obtiveram um total combinado de 4,6% (463 mil votos). As atas eleitorais – que registam o total de votos e o resultado em cada um dos cerca de 30 mil locais de votação – continuam por divulgar. O cenário dos últimos 25 anos repete-se; as dúvidas sobre o futuro da Venezuela multiplicam-se a cada segundo que passa.

Oposição não aceita resultados. “Fraude”, diz
Os resultados eleitorais foram um autêntico “balde de água fria” para milhões de venezuelanos que aguardavam o anúncio do vencedor com expectativa e esperança. A líder da oposição, María Corina Machado, alega “ter como provar” que “houve fraude” nas eleições de domingo (28 de julho), depois de, supostamente, ter tido acesso a cópias de 73% das atas eleitorais, que dão 6,27 milhões de votos a González Urrutia e apenas 2,75 milhões a Nicolás Maduro.
“O futuro da Venezuela depende agora da resistência da oposição e do jogo de força entre os apoiantes externos do regime e os apoiantes de eleições limpas”, diz, à VISÃO, o politólogo Andrés Malamud
Impedida de concorrer às presidenciais, Corina Machado – uma engenheira industrial e professora de 56 anos, com raízes portuguesas, descrita como “um fenómeno político” na Venezuela – reagiu prontamente aos números oficiais do CNE e promete não desistir. Nas ruas, muitos estão dispostos a acompanhá-la.
“Ganhámos, e todos sabem disso”, afirmou, em conferência de Imprensa. “Queremos dizer a todo o país e ao mundo que a Venezuela tem um novo Presidente eleito, e ele é Edmundo González Urrutia. González Urrutia obteve 70% dos votos, e Nicolás Maduro 30%. Esta é a verdade. Parabéns, Edmundo!”, concluiu Corina Machado.
A suspeitas de fraude eleitoral são muitas. Durante a campanha, as sondagens independentes publicadas anteviam uma vitória da oposição com larga vantagem. Um estudo da Edison Research, para The Wall Street Journal – e que foi proibido de ser publicado na Venezuela –, apontava que González Urrutia, um antigo embaixador venezuelano na Argentina e na Argélia, conseguiria 64% dos votos. Nicolás Maduro não ia além dos 31%. Enquanto decorria a votação, sondagens feitas à boca das urnas seguiam a mesma tendência, indicando uma vantagem tranquila para González Urrutia, com mais 20% a 35% dos votos.
Os dados anunciados pelo CNE foram, no entanto, bem diferentes. À VISÃO, o politólogo Andrés Malamud afirma não ter dúvidas de que houve chapelada. “O regime venezuelano não apenas inabilitou as duas primeiras candidatas da oposição [María Corina Machado e Corina Yoris], e limitou o voto de sete milhões de emigrantes, como também prendeu dirigentes opositores e dificultou o momento do voto, com filas compridas e longas horas de espera. Não sendo suficiente para ganhar, difundiu os resultados da eleição sem mostrar as atas das mesas de voto e sem permitir a verificação independente”, destaca.
Numa primeira resposta às acusações da oposição e aos protestos nas ruas, Nicólas Maduro afirma que está em curso uma tentativa de golpe de Estado “de natureza fascista”. O Presidente da Venezuela garante que este é “o mesmo filme” e “com um argumento semelhante” ao que se viveu em 2019. Uma “espécie de filme Guaidó 2.0”, em referência ao período em que o opositor, Juan Guaidó, se proclamou “Presidente interino” do país, um mandato reconhecido por 50 países, mas o qual nunca foi capaz de exercer, carecendo de instituições e de poder real.
Presidente desde 2013, depois de suceder a Hugo Chávez, Maduro dirigiu-se aos apoiantes, na capital Caracas, prometendo “defender a nossa democracia, a nossa lei e o nosso povo”. “Viva Chávez. Chávez está vivo!”, gritou na ocasião.
Recorde-se que dados de um estudo revelados em março deste ano – a Pesquisa Nacional de Condições de Vida (Encovi), publicada pelo Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB) – dava conta de que 51,9% da população da Venezuela continuava a viver na pobreza em 2023. O número era superior ao do ano anterior. Maduro tem governado em anos marcados pelo colapso económico e financeiro, em que a inflação chegou a atingir os 130 000%. Os números mostram uma moderada recuperação da economia, mas a quantidade de pobres manteve-se. E a inflação, tendo descido, continua firmemente acima dos 50%.
O UCAB divulgou estes dados para tentar colmatar a falta de números oficiais e traçar um real retrato da população venezuelana, que viveu também, durante os mandatos de Maduro, a maior onda de emigração da sua História.
Andrés Malamud considera que “o futuro da Venezuela depende agora da resistência da oposição e do jogo de forças entre os apoiantes externos do regime (sobretudo a China, Rússia e Irão) e os apoiantes de eleições limpas (sobretudo os EUA, Brasil e Colômbia, que precisam de estabilizar a Venezuela para estancar o fluxo de refugiados nas suas fronteiras)”. Para o investigador principal no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, a situação é ainda “imprevisível”.
Comunidade internacional “torce o nariz”
O mundo divide-se nas reações à reeleição de Maduro. A maioria delas é de preocupação, desconfiança e condenação. “Mostrem os votos”, apela-se na América Latina. “Evite-se um banho de sangue”, pede-se um pouco por todo o mundo, da esquerda à direita democrática. Mas Maduro não está sozinho nesta luta pelo poder, embora numa primeira análise possa parecer que sim.
O secretário de Estado dos Estados Unidos da América, Antony Blinken, começou por afirmar que o governo norte-americano tem “sérias preocupações de que os resultados anunciados não reflitam a vontade ou os votos do povo venezuelano”. “É fundamental que todos os votos sejam contados de forma justa e transparente, que os funcionários eleitorais partilhem imediatamente a informação com a oposição e os observadores independentes e que as autoridades eleitorais publiquem o apuramento detalhado dos votos”, acrescentou, antes de soltar a declaração que soou a ameaça: “A comunidade internacional está a acompanhar de perto esta situação e responderá em conformidade.”
Acho que chegou o momento de a comunidade internacional tomar uma posição e agir”, defende Sofia Alves, venezuelana que vive em Salreu (Estarreja), “a freguesia mais venezuelana de Portugal
Os governos de Argentina, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai assinaram um documento a apelar à realização de uma reunião extraordinária do conselho permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA). O encontro realizou-se na quarta-feira (31 de julho), na sede daquele organismo, em Washington D.C., nos Estados Unidos da América. À hora do fecho desta edição, as conclusões ainda não eram conhecidas.
À mesma hora, Brasil, Colômbia e México – países que, nos últimos anos, têm conhecido o impacto da emigração venezuelana em massa – ainda negociavam a divulgação de uma declaração conjunta sobre o tema.
Em quase toda a Europa, as reações acompanham o eixo democrático. O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, apelou à “total transparência do processo eleitoral” venezuelano. Recorde-se que várias delegações de observadores estrangeiros, que se deslocaram, nas últimas semanas, à Venezuela, para acompanhar as eleições, acabaram impedidas de entrar naquele país, como aconteceu à comitiva do Partido Popular Europeu (PPE), em que seguia o eurodeputado português Sebastião Bugalho.
O Governo português também já reagiu, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, numa mensagem publicada na rede social X (antigo Twitter), em que “saúda a participação popular” no ato eleitoral venezuelano, mas sublinha “ser necessária a verificação imparcial dos resultados”. “Só a transparência garantirá a legitimidade; apelamos à lisura democrática e ao espírito de diálogo”, sublinha o gabinete de Paulo Rangel.

Os fiéis de Nicolás Maduro: de Putin ao PCP
No meio do ruído, Nicolás Maduro parece emergir, sereno, suportado pelo apoio de países governados por governos autoritários, que são, há muito, fiéis aliados do regime venezuelano: China, Irão, Cuba, Nicarágua, Bolívia e Rússia. Vladimir Putin felicitou Maduro pela reeleição, declarando estar pronto para continuar e aprofundar o “trabalho construtivo conjunto” entre os dois países. Num telegrama dirigido ao Presidente venezuelano, Putin lembra a Maduro que “será sempre bem-vindo em solo russo”.
Em Portugal, o Partido Comunista Português (PCP) saúda, em contraciclo, os resultados anunciados pelo CNE. Em comunicado, o PCP repudiou “manobras de ingerência”, que procuram “colocar em causa o processo eleitoral e os seus resultados”, classificando estas eleições como “uma importante jornada democrática, em que participaram milhões de venezuelanos”. O secretário-geral Paulo Raimundo pediu “respeito” pela escolha dos venezuelanos e acusa os críticos de “hipocrisia”.
Órfãos da democracia
Muitos milhões de venezuelanos não puderam votar. No estrangeiro, estima-se que sejam sete milhões. Em Portugal, vivem 44 mil, 30 mil com idade e requisitos para exercer o direito de voto, mas somente 1 600 puderam fazê-lo, nos consulados de Lisboa e Funchal. “As inscrições só abriram durante três dias e era preciso um passaporte venezuelano válido. É um processo difícil, e mais uma forma de o regime impedir a participação eleitoral dos cidadãos”, explica Sofia Alves, venezuelana, filha de pais portugueses, a viver em Portugal desde 2002.
Dirigente da associação Venexos – criada em 2014, com o objetivo de prestar apoio a venezuelanos e luso-venezuelanos a residir em Portugal –, Sofia Alves recorda a “tristeza” que sentiu (e sente) quando os resultados foram anunciados. “Tenho a certeza absoluta de que os resultados não são verdadeiros. A oposição tem provas de que houve fraude, e eu acredito nisso. Não é algo novo”, diz.
Hoje, a “esmagadora maioria” da comunidade venezuelana em Portugal “deseja a queda do regime”, garante Sofia Alves. A mais de sete mil quilómetros de distância, a venezuelana observa com “preocupação” os acontecimentos no país natal, mas continua a sonhar com um novo amanhã. “Espero que isto seja o início do fim” da era Maduro. “Há uma grande mobilização popular, as pessoas foram votar porque queriam mudar o regime, [a fraude eleitoral] foi muito ‘à descarada’… Acho que chegou o momento de a comunidade internacional tomar uma posição e agir.” O futuro, esse, é mais “difícil de prever”. “Levamos 25 anos disto. Houve protestos. Muitas pessoas morreram. Estamos cansados, o futuro é imprevisível”, resume.
A praga latino-americana
Talvez mais nenhum lugar do globo seja tão adverso à democracia como a Améria Latina
As ditaduras do século XXI já não se fazem com tropas na rua. Os novos líderes autoritários da América Latina vestem fato e gravata – embora Maduro prefira o fato de treino estilo-patriótico –, a oposição não deixa de existir, e é “autorizada” a participar em eleições. O candidato do regime “esmaga” nas urnas, naturalmente. O voto popular “legitima” o governo. Os aliados estrangeiros (como a China, a Rússia ou o Irão) são “seguro de vida” junto da comunidade internacional, enquanto aproveitam para “ganhar influência” na região, como alerta o estudo Latin America Needs a Wake-Up Call [A América Latina precisa de despertar, na tradução para português], do think-tank norte-americano The Heritage Foundation, publicado em agosto de 2023
Da lista, constam Miguel Diaz-Canel (Cuba), Daniel Ortega (Nicarágua) e Nicolás Maduro (Venezuela). Ou ainda Nayib Bukele, Presidente de El Salvador, influencer nas redes sociais, auto-intitulado “o ditador mais fixe do mundo”, que apostou na luta contra a criminalidade, e venceu as últimas eleições gerais com quase 85% dos votos, conquistando 54 dos 60 lugares no Congresso salvadorenho (há ainda três deputados de partidos seus aliados). A lista de ditadores nas Américas tem mais candidatos?