Fazem parte da ementa das feiras e festas de rua, mas, findo o verão, as rulotes de farturas e churros parecem eclipsar-se. Pensamos nisto diante do prato com 6 churros que chega à mesa acompanhado por uma chávena de chocolate quente.

Numa esquina do Largo de São Paulo, perto do Cais do Sodré, a espanhola San Ginés quer conquistar os portugueses pela boca com os seus rolinhos fritos em espiral e depois cortados em pedaços. Estaladiços, são salgados ao paladar, seguindo a mesma receita simples de farinha, água e sal que deu fama à chocolatería no Pasadizo de San Ginés, em Madrid, perto das Portas do Sol. O chocolate, uma mistura própria da casa fundada em 1894, também não é doce e pode comer-se à colher (vende-se, igualmente, em pacotes para fazer em casa).

A abertura em Lisboa da San Ginés faz parte de um plano de expansão da marca, hoje com lojas no México, Argentina e EUA. Pedro Trapote, empresário da noite madrilena, adquiriu o negócio há mais de 30 anos e desafiou vários membros da família para assumirem a gestão fora de Espanha. “Uma garantia de qualidade”, aponta Hilario Caballero, 31 anos, sobrinho de Trapote, que há dois anos trocou a cinzenta cidade de Luxemburgo pela luminosa Lisboa. Todos os dias, divide-se entre o Cais do Sodré e o Centro Comercial Vasco da Gama, onde a San Ginés também acaba de abrir uma loja. “Provo sempre os churros, mais do que uma vez ao dia”, afirma.

Na ementa, igual em ambos os espaços, constam ainda farturas. Duas “porras”, como lhes chamam em Espanha, custam €3,40, o mesmo que a dose de 6 churros – com chocolate quente o preço é de €7,90. No capítulo “Especial Portugal”, há churros de nata, recheados com doce de leite ou Nutella (€4,90), mas na San Ginés também se pode encontrar gaspacho, as típicas tapas (tortilha, patatas bravas…) e paellas, entre outras opções salgadas.

Um camião Bedford de 1979, com almofadas para os clientes se sentarem, é um chamariz para a loja do Cais do Sodré, que se estende a um terraço na vizinha Igreja de São Paulo. Decorado em tons de verde, com chapéus e plantas, não se dá logo por ele. Um segredo a descobrir.

San Ginés > Tv. São Paulo, 9, Lisboa > seg-dom 8h30-23h > Centro Comercial Vasco da Gama, Pq. das Nações, Lisboa > seg-dom 8h30-24h

Sobremesa São sobretudo os restaurantes mexicanos que servem churros. Três moradas

Paco Bigotes Remate a refeição com uma dose de 4 churros com doce de leite. Lisboa e São Pedro do Estoril

Las Dos Manos Kiko Martins idealizou uns churros com doce de leite, milho, granizado de lima e tequila. Lisboa

Frida Num dos melhores restaurantes mexicanos do Porto, chegam à mesa com chocolate. Porto

1. Apocalipse nos Trópicos

Depois de Democracia em Queda, o documentário que Petra Costa realizou para a Netflix, expondo o processo de impeachment de Dilma Rousseff, que lhe valeu uma nomeação para os Oscars, a realizadora volta à política brasileira. Apocalipse nos Trópicos, filme de abertura do Porto/Post/Doc, estreado em Veneza, documenta a crescente influência das igrejas evangélicas na política brasileira, tendo como protagonistas Jair Bolsonaro, mas também o atual Presidente, Inácio Lula da Silva. Batalha Centro de Cinema > 22 nov, sex 21h15

2. Salomé Jashi

O cinema georgiano tem vindo a ganhar crescente interesse a nível mundial, prova disso é o trabalho de Salomé Jashi, realizadora que o Porto/Post/Doc celebra nesta edição. Entre curtas e longas-metragens, serão exibidos oito filmes que, de alguma forma, tiram uma radiografia ao país, segundo diferentes prismas. A realizadora acompanha o festival e dará uma masterclass. Filmes > Batalha Centro de Cinema > 24 nov, dom 19h, 25 nov, seg 16h30, 27 nov, qua 22h e 28 nov, qui 21h30 > Masterclass > Auditório Ilídio Pinho – UCP > 27 nov, qua 18h30

3. A Europa não existe, eu estive lá

O Porto/Post/Doc propõe uma reflexão sobre a construção e a desconstrução da Europa, entre a realidade e o mito, com um programa completo, que abrange clássicos do cinema, como A Paixão de Joana D’Arc (1928), de Carl Dreyer, Padre Padrone (1977), dos irmãos Taviani, ou Landscape in the Mist (1988), de Theo Angelopoulos, mas também filmes mais recentes como The Song of Others, de Vadim Jendreyko. Isto além de dois debates integrados no Fórum do Real. Batalha Centro de Cinema e Passos Manuel > 23-29 nov

4. Lee Ranaldo

O músico experimental, conhecido com um dos rostos da lendária banda Sonic Youth, vai marcar presença no festival para apresentar dois documentários em que é protagonista: a longa-metragem Hello Hello Hello: Lee Ranaldo, Electric Trim e a curta Lee Ranaldo and the Dust: Blackt Out, ambas realizadas por Fred Riedel. Uma oportunidade para conhecer melhor esta figura central do rock independente norte-americano. Hello Hello Hello: Lee Ranaldo, Electric Trim + Lee Ranaldo and the Dust: Blackt Out (curta) > Passos Manuel > 28 nov, qui 21h30

5. Stop

Em julho de 2023, o meio cultural português ficou em choque perante o encerramento do Stop, antigo centro comercial da cidade do Porto, que albergava quase 500 artistas, em grande parte músicos. Jorge Quintela filmou o local e a sua atividade, para memória futura, num pequeno e incisivo documentário, Stop. Salas de Ensaio para um Materialismo Histórico, que tem a sua estreia mundial numa sessão especial do festival. Batalha Centro de Cinema > 27 nov, qua 21h

6. Sessões Planetário

O Porto/Post/Doc propõe-nos uma forma alternativa de ver cinema, fora do formato retangular standardizado. Servindo-se das instalações do Planetário da cidade, são propostas três curtas-metragens especialmente idealizadas para aquele espaço, onde habitualmente vemos estrelas e planetas: Dobrando Harmonias, de Ping Sheng Wu; Distopias Locais na Utopia Global, de Sergey Prokofyev; e Fumo e Espelhos, de Carlos Hurtado Múnera. Novas formas de fazer e de ver cinema. Planetário do Porto > 23 nov, sáb 17h30

7. Uma Alegoria Urbana

Alice Rohrwacher, realizadora italiana que o grande público poderá conhecer da série A Amiga Genial, faz uma impressionante curta de ficção, em parecia com o artista francês JR, em que revisita a Alegoria da Caverna de Platão, através de um olhar sobre o espetáculo multidisciplinar Chiroptera, de JR, Damien Jalet e Thomas Bangalter. Uma Alegoria Urbana passa na sessão de encerramento, juntamente com um dos filmes premiados do festival. Batalha Centro de Cinema > 30 nov, sáb 21h15

Porto/Post/Doc > Batalha Centro de Cinema, Passos Manuel e outros locais do Porto > 22-30 nov > €5, €2,50 (estudantes, maiores de 65 anos, desempregados e Cartão Porto) > programação completa aqui

A Oppo acaba de anunciar o lançamento global da linha Find X8. Depois da estreia na China, em outubro, a nova gama de smartphones está a caminho de mais mercados, incluindo na Europa, onde chega exclusivamente o modelo premium Find X8 Pro.

Como destacado por Arne Herkelmann, responsável pela gestão de produto da Oppo na Europa, numa apresentação de antecipação à imprensa, que a Exame Informática acompanhou, este marca o regresso dos modelos Find X ao ‘velho continente’, dois anos após a chegada do Find X5.

Por fora, o Find X8 Pro destaca-se pelo design Cosmos Ring da marca, contando com uma construção que combina vidro e alumínio. Com uma espessura de 8,24 milímetros e um peso de 215 gramas, o novo modelo promete uma experiência de utilização mais confortável. 

O smartphone está equipado com um ecrã Quad-Curved Infinite View de 6,78 polegadas, rodeado por uma moldura de apenas 1,9 milímetros para uma visualização mais imersiva. De acordo com a marca, o ecrã dispõe de uma taxa de atualização de 120 Hz, além de brilho até 1600 nits, que permite manter a legibilidade sob luz solar intensa. Já ao reproduzir conteúdo HDR, o brilho sobe até 4500 nits, com o ecrã a suportar o padrão Ultra HDR. 

Através da tecnologia Splash Touch é possível usar o ecrã do Find X8 Pro mesmo com as mãos molhadas, ou se for apanhado desprevenido por chuva. A pensar em quem se preocupa com o conforto ocular, o ecrã usa tecnologia de escurecimento PWM de alta frequência, assim como escurecimento por corrente contínua, contando ainda com a certificação TÜV Rheinland Eye Comfort 4.0.

Câmaras com ‘assinatura’ Hasselblad

O Find X8 Pro está equipado com uma nova configuração de câmaras desenvolvida em parceria com a Hasselblad. Além de uma câmara frontal de 32 MP, o sistema de quatro câmaras de 50 MP destaca-se pela inclusão de dois sensores periscópicos, com capacidade de zoom avançada e um desempenho superior em condições de iluminação reduzida, avança a marca.

Ainda no capítulo da fotografia, o smartphone conta com um modo de retrato da Hasselblad, assim como com um modo Livephoto e com a funcionalidade Fotografia Instantânea, acessível através do Botão Rápido na lateral, que tira partido do motor de imagem HyperTone da Oppo e que capta uma série de fotografias até sete fotogramas por segundo. 

A pensar nos criadores de conteúdo, o smartphone também permite gravar  vídeos Dolby Vision HDR com uma resolução até 4K, a 60fps, a partir de todas as câmaras, incluindo com a câmara frontal.

Mais potência e inteligência

No interior, o Find X8 Pro conta com o mais recente processador da MediaTek, o Dimensity 9400, que, segundo a marca, promete um desempenho 35% mais rápido no que respeita à CPU e 41% mais rápido no que toca à GPU. A Oppo afirma que o chip permite também uma eficiência de 40% da CPU e de 44% da GPU, com as tarefas de IA a utilizarem menos 35% de energia. 

Há ainda espaço para o novo Motor Trinity, um sistema de arrefecimento avançado para uma melhor dissipação de calor e uma bateria de silício-carbono com capacidade de 5910 mAh. O smartphone é compatível com carregamento rápido SUPERVOOC a 80 W e com carregamento sem fios AirVOOC a 50 W. O LinkBoost AI é outra das novidades que chega ao smartphone, concebida para melhorar a conectividade em condições de rede menos ideais.

Com o lançamento do Find X8 Pro, a Oppo anuncia também o sistema operativo ColorOS 15, baseado no Android 15. Com um aspecto renovado e focado numa experiência de utilização fluida, esta versão do sistema operativo contará com seis anos de suporte a atualizações de segurança, avança a marca.

A nova versão do ColorOS conta também com várias funcionalidades ‘alimentadas’ por Inteligência Artificial. Para as edições fotográficas contam-se opções como a AI Eraser, que elimina elementos indesejados, além de três novas ferramentas criativas com IA: melhoria de imagem, refocagem e remoção de reflexos. 

Já na produtividade, a AI Toolbox da Oppo foi atualizada, com ferramentas que usam IA para gerar resumos, transcrever gravações de áudio ou gerar conteúdo escrito. A funcionalidade Circle to Search da Google chega também ao ColorOS 15, sem esquecer o assistente digital Gemini da gigante de Mountain View.

Durante o evento de lançamento global da linha Find X8, que decorreu em Bali, na Indonésia, a Oppo anunciou que o modelo Pro conta com um preço de 19.999.000 IDR (rúpias indonésias), o equivalente a cerca de 1.188 euros, para a versão com uma configuração de RAM/armazenamento interno de 16 GB/512 GB. No entanto, a marca ainda não avançou com mais preços e datas de chegada para outros mercados.

O encerramento da embaixada americana em Kiev, seguido por outros países europeus, incluindo Portugal, não é um bom sinal para a Ucrânia. O senhor Putin conseguiu o que queria: intimidar os aliados. Retirar pessoal, como aconteceu no início da guerra, é compreensível, mas abandonar um pedaço de território nacional é, no mínimo, uma decisão infeliz.

É agora que os ucranianos precisam de ver e confirmar que todos estão com eles e continuam a apoiá-los: os Estados Unidos, a NATO, a União Europeia e cada país aliado. Portugal não deveria ter seguido este gesto de abandono. Aliás, este seria o momento ideal para o nosso primeiro-ministro, Luís Montenegro, ir a Kiev, encontrar-se com Zelensky e reforçar o apoio aos ucranianos. Não é necessário levar nada, apenas força e determinação. É certo que Montenegro irá, um dia, mas este era o momento ideal.

Nos últimos 15 dias, Zelensky apanhou com Trump eleito presidente, viu o chanceler alemão a telefonar ao presidente russo, passou a marca tenebrosa dos mil e um dias de guerra, e levou com a fanfarronice de Putin, que alterou a doutrina sobre o uso e abuso de armas nucleares.

Kiev não pode ser abandonada. Em nenhuma circunstância.

A Assembleia da República vive, por estes dias, o frenesim das votações, ponto por ponto, de medidas inscritas no Orçamento do Estado para 2025. Com mais de duas mil propostas de alteração, já se percebeu que, mais coisa, menos coisa, o documento vai mesmo ser aprovado na votação final global. O que parecia ser um irritante insanável, a redução de um ponto percentual no IRC, foi resolvido. O PS ameaçou bloquear a medida, porque a descida do IRC impediu que fosse feito um acordo entre Governo e socialistas e, portanto, Pedro Nuno Santos estava à vontade. Por outro lado, já que não havia acordo, como o próprio PS reconheceu, então o Governo, se o PS votasse contra, sentia-se desobrigado de manter a marca de 1% e, por iniciativa dos grupos parlamentares do PSD e do CDS, regressaria à medida inicial de um corte de 2%, o que teria aprovação garantida pelo voto favorável do Chega. Esta pequena chantagem, que o PS classificou de “baixa política”, teve o condão, porém, de levar os socialistas a recuar, minimizando, portanto, o que consideravam os danos fiscais da medida. Na verdade, não tendo havido acordo, o Governo podia ter regressado ao seu documento original, prévio aos encontros entre Montenegro e Pedro Nuno. É que as razões invocadas pelo PS para a viabilização do Orçamento (por via da abstenção) foram apenas duas e nenhuma delas se refere ao IRC: primeiro, o País teve eleições há menos de sete meses. Segundo, nada indica que de eleições antecipadas pudesse resultar uma solução de estabilidade para o País. Ora, estas razões mantêm-se, independentemente do que possa ser aprovado ou rejeitado na discussão na especialidade. No limite, o Governo podia ter feito tábua rasa das suas cedências – afinal, não havia nenhum acordo a respeitar. Politicamente, claro, isso teria um preço elevado: o Governo firmou um compromisso e só podia respeitá-lo.

Resta, como “tema emocionante”, a questão do aumento extraordinário e permanente das pensões. Esta opção, que contém laivos de populismo – com a inflação a regressar a números normais nada justifica uma medida que, lá está, se chama “extraordinária”… –, deverá ser proposta pelo PS e apoiada pelo Chega. Segundo o Conselho de Finanças Públicas, a folga orçamental permite acomodar este aumento extraordinário, em 2025 – e, mesmo assim, haverá excedente. Então, porque não fazê-lo? Poderia haver várias razões, entre as quais gastar esse dinheiro em políticas públicas mais necessárias ou… abater a dívida. Os cortes e congelamentos de pensões decididos pelo governo de Passos Coelho foram uma opção do governo português não imposta pela Troika, que apenas exigia o cumprimento de objetivos, sem definir de que forma eles seriam atingidos… Depois disso, porém, os pensionistas foram a faixa populacional mais acarinhada pelos sucessivos governos, os de António Costa e, agora, o de Luís Montenegro. Só nos últimos anos, já houve vários aumentos extraordinários, além do mecanismo legal que cola a atualização das pensões à taxa da inflação, o que não acontece em nenhum setor da Administração Pública. Em 2023, a inflação atingiu 4,5% e as pensões foram aumentadas em 8,4%. Em 2024, a inflação foi de 2,6% e as pensões subiram 6%. Em 2025, a inflação será de 2,3% e as pensões sobem 2,5% ou mais de 3%, com esta proposta do PS, previsivelmente aprovada. Para não falar dos bónus de “one shot” que os dois governos, do PS e da AD, também já deram. Aliás, quando, na Festa do Pontal, Luís Montenegro anunciou esse cheque extraordinário, o PS acusou a AD de eleitoralismo. Esta semana, Pedro Nuno Santos, sem se rir, afirmou que o Governo olha para os pensionistas “como uma clientela eleitoral”, esquecido de que é ele quem propõe este aumento permanente. É que, se em 2025 a folga permite isto e muito mais, como será nos próximos anos? A medida é para sempre. A não ser que apareça, entretanto, e em tempo de vacas magras, um governo impopular que venha a repetir as medidas de Passos Coelho. Ou talvez essa opção nunca mais volte a estar em cima da mesa: o pensionista é um eleitor que se abstém pouco. São muito numerosos e o seu peso eleitoral pode definir quem vai governar. Por isso, um tal aumento de pensões seria uma medida para guardar: ela daria muito jeito em ano eleitoral e Montenegro não queria gastá-la já. Mas Pedro Nuno prefere que o cartuxo seja agora queimado. Clientela eleitoral? Qual quê…

Golpe de vista

Montenegro dá cinco cêntimos ao arrumador

Na Cimeira do G20, onde esteve, como observador, Luís Montenegro anunciou, com pompa e circunstância, a contribuição portuguesa para a Aliança Contra a Fome e a Pobreza: 300 mil dólares (284 mil euros)! Não haverá falta de populistas a dizer que o dinheiro dos contribuintes devia ser aplicado a combater a pobreza dos portugueses, mas, perante esta “fortuna”, só podemos concluir que Montenegro chegou ao G20, estacionou o carro e deu… cinco cêntimos ao arrumador.

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A entrada na idade adulta é aquela fase em que tudo parece possível e o futuro é risonho. O sorriso aberto e a leveza na voz de Carolyne Veloso, uma jovem adulta brasileira residente em Benfica, Lisboa, não levantam qualquer suspeita sobre o fardo que carrega. Em circunstâncias normais, a consultora estaria no local de trabalho, mas a baixa já dura há dois anos.

Tinha 28 anos, naquele abril em que todos se fecharam em casa por causa de um misterioso vírus, quando um nódulo na mama direita a levou ao IPO de Lisboa. Quatro anos antes, iniciara uma vigilância apertada, após um teste genético positivo. Ainda estava a fazer o luto da mãe, a quem o cancro ceifou a vida, em 2018, quando recebeu a notícia: cancro da mama triplo negativo, associado à mutação do gene BRCA1. “Desta vez, era eu; só queria ficar bem e nunca tive medo.” Deram-lhe logo a opção de fazer criopreservação de óvulos antes do tratamento, pelo risco de não poder engravidar depois.

Foto: Luís Barra

Só queria ficar bem e nunca tive medo”

Carolyne Veloso, 32 anos, a ser seguida há quatro no IPO de Lisboa, tinha 28 quando lhe foi detetado um cancro da mama triplo-negativo, ligado à mutação do gene BRCA1. Fez preservação da fertilidade, mastectomia total e reconstrução mamária. Ainda a tratar as metástases, mantém a normalidade possível

Carolyne continuou a fazer o mestrado online, mantendo a normalidade possível durante os tratamentos de quimioterapia, em plena pandemia. “Não me fez confusão ficar careca nem tive efeitos secundários; apenas muito sono e inchaço provocado pelos anti-inflamatórios.” Seguiu-se a mastectomia total e a reconstrução mamária, a fisioterapia e a quimioterapia oral. Um ano depois, regressou ao trabalho, no final de 2022 deparou-se com nova adversidade: a ressonância feita no privado para apurar a causa das dores intensas nas costas e no pescoço revelaram metástases na coluna e no pulmão. Já no IPO, submeteu-se a novos exames e a sessões de tratamentos.

Em janeiro, as células tumorais ficaram inativas, mas a quimioterapia, a cada três semanas, continua a fazer parte das suas rotinas, a par das caminhadas no jardim ao pé de casa e da natação. Pelo meio, gosta de partilhar na página do Instagram Oncologia Cor de Rosa as descobertas que vai fazendo. Grata pelo apoio que tem recebido, dos profissionais de saúde e da família, remata com uma naturalidade desconcertante: “Prefiro não pensar em prazos, vou vivendo, com a minha fé.”

Não há provas sólidas quanto às causas do aparecimento de neoplasias em pessoas muito novas

José Mendes de Almeida, Cirurgião geral no Hospital CUF Descobertas

Carolyne, hoje com 32 anos, faz parte de um grupo populacional crescente conhecido, a nível mundial, pela sigla AYA, adolescentes e jovens adultos com cancro. Na sociedade ocidental, o da mama é o mais frequente nas mulheres e a segunda principal causa de morte pela doença nos Estados Unidos da América. O tema ganhou visibilidade através de figuras mediáticas como Angelina Jolie, que fez uma mastectomia radical preventiva aos 37 anos, dado o risco aumentado por mutação genética, e Kate Middleton, 42 anos, quando anunciou publicamente que estava em tratamento. Agora, são as evidências científicas a confirmar o aumento da incidência nas faixas etárias abaixo dos 50 anos (idade média dos primeiros rastreios, até há pouco tempo) em todas as fases da doença. Como se explica a origem desta onda de casos?

Fatores ambientais?

As evidências científicas não deixam margem para dúvidas. Um estudo divulgado na revista científica The Lancet Public Health, e liderado pela Sociedade Norte-Americana do Cancro e da Universidade de Calgary, no Canadá, apurou que cancros habitualmente diagnosticados em faixas etárias mais avançadas (colorretal, mama, linfomas, entre outros) estavam a aumentar nas faixas etárias entre os 28 e os 59 anos. Uma má notícia para a geração X (nascidos entre 1965 e 1980) e os Millennials (entre 1981 e 1996), que parecem mais expostos a agentes cancerígenos e outros fatores de risco do que antes.

Olhando para o relatório da American Cancer Society, entre 2012 e 2021, o cancro da mama aumentou 1% ao ano e, na segunda década de vida, 2,2 por cento. Idêntica conclusão consta no artigo publicado na revista JAMA Network, em janeiro, com dados epidemiológicos das últimas duas décadas. Entre 1990 e 2019, segundo o jornal científico Cell Reports Medicine, entre os 15 e os 49 anos, a incidência global de doença oncológica aumentou quase 80% e, de acordo com a revista Nature, em mais de uma dezena de tumores, prevendo-se que, entre 2019 e 2030, o cancro precoce venha a aumentar 30 por cento.

“Mudei a perspetiva perante a vida”

Sem antecedentes familiares e com uma vida regrada, Tiago Monteiro foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin aos 27 anos. Hoje, com 30, suspeita que os fatores ambientais podem ter que ver com a doença. Após o tratamento, que não funcionou à primeira, mudou de funções e faz voluntariado

Embora não sejam conhecidas, ainda, as causas que motivam este aumento, as evidências científicas permitem afirmar que 5% a 10% dos casos terá origem na predisposição genética: na ausência de proteínas que reparam o ADN, a acumulação de mutações ocorre de forma mais rápida e a doença pode manifestar-se mais cedo.

Por outro lado, nas últimas décadas surgiram inúmeros estudos a estabelecer uma relação entre a incidência de cancro e estilos de vida (qualidade da dieta, obesidade, sedentarismo, por exemplo), a par dos fatores ambientais (exposição a microplásticos, químicos que imitam as hormonas em produtos de higiene e embalagens alimentares, etc.). Curiosamente, o fator acaso também entra para a lista dos suspeitos, como sugerem alguns cientistas (ver caixa Maldita Incerteza). Dito isto, decifrar as origens do flagelo – e lidar com ele de forma mais inteligente e atempada – afigura-se uma missão quase impossível, mas é nesse ponto que estamos. Como sair desta encruzilhada?

Há um projeto sobre o direito ao esquecimento (prazo legal de dez anos, desde o fim do protocolo terapêutico para efeitos de crédito à habitação), mas continua a faltar o decreto-lei

Margarida Moura, Jurista da DECO

“O fenómeno foi descurado durante muitos anos mas, por acompanharmos sobreviventes de cancros pediátricos e, além disso, seguirmos jovens adultos em risco de cancro na Clínica de Risco Familiar, conhecemos as necessidades especiais do grupo etário entre os 18 e os 39 anos”, assinala Fátima Vaz, diretora do Serviço de Oncologia do IPO de Lisboa. “É importante elaborar planos de vigilância e de gestão de risco individualizados”, acrescenta. Esta linha de intervenção tem fundamento, até porque, “nas mulheres mais novas, o cancro tende a ser mais agressivo e atrasos de meses num tratamento podem fazer a diferença entre a remissão ou o agravamento”.

O impacto de um diagnóstico no início da vida adulta tem tudo para ser devastador, na medida em que “implica lidar com problemas metabólicos, de fertilidade e outros, como o risco de aparecerem segundos e terceiros cancros”. Os efeitos também se sentem na esfera profissional, financeira, social e íntima: “Se os relacionamentos são fortes e substanciais, o casal reorganiza-se, caso contrário vão à vida, o que tende a penalizar mais as mulheres.”

Mais vale antecipar 

Em março, a publicação científica JCO Global Oncology divulgou os resultados da análise de diagnósticos relativos a 18 tipos de cancro num hospital universitário de Málaga, em Espanha, entre 1998 e 2021. Os 24 596 registos foram divididos em dois grupos etários, acima e abaixo dos 50 anos. Verificou-se que a incidência disparou entre os 20 e os 45 anos, sobretudo nos cancros da mama, testículo e linfoma não Hodgkin. Esta evidência levou os investigadores a considerar que estamos diante de um problema de saúde pública.

Em Portugal, faltam dados atualizados – os mais recentes, do Registo Oncológico Nacional, reportam-se a 2020 –, mas alinham-se com os do estudo espanhol. Dos novos casos anuais de cancro da mama, quase dois mil foram diagnosticados em idades inferiores aos 50; colocando a fasquia nos 40, foram 1 079 (do total de 7 504 registados nesse ano). A medida anunciada pelo Governo, de baixar a idade do rastreio para os 45 anos, seguindo as recomendações da União Europeia, divulgadas há dois anos, é um passo importante, mas haverá uma fatia expressiva de casos que talvez fiquem de fora. 

Foto: Marcos Borga

“Agora tenho um plano alimentar ajustado aos tratamentos oncológicos”

Rodolfo Rato, 44 anos, tem um cancro do reto. No início, desvalorizou os sintomas, mas, depois dos exames e do início do tratamento, deixou de fumar e de beber álcool e procurou ajuda na área da nutrição. O plano alimentar, ajustado aos tratamentos oncológicos, fá-lo sentir-se melhor e preparado para a cirurgia, em janeiro

“Precisamos de novas formas de vigilância, que permitam realizar rastreios personalizados em idades mais jovens e colmatar a deficiente deteção dos chamados cancros de intervalo, que surgem entre exames de imagem de vigilância.” A afirmação é de Luís Costa, diretor do Departamento de Oncologia do Hospital Santa Maria. O especialista exemplifica: um tumor do tipo hormonodependente, de crescimento mais lento – e para o qual podem bastar exames anuais –, é diferente de um cancro da mama triplo-negativo, que cresce depressa e pode surgir entre rastreios.

O estudo internacional BRIGHT, levado a cabo no Hospital de Santa Maria, com 800 mulheres sem historial oncológico e submetidas a exames, permitiu identificar o risco resultante de vários genes para o cancro da mama, tornando possível saber, por exemplo, se uma mulher deve fazer rastreio aos 39 anos como se tivesse 50. O diagnóstico mais precoce é crucial para quem tem risco aumentado (com antecedentes familiares ou portadoras de mutações). Disso mesmo se falou na primeira conferência internacional da Breast Cancer in Young Women Foundation (BCYW) realizada no Hospital CUF Tejo em outubro.

Luís Costa, que integra a direção da fundação, composta por especialistas, organizações não governamentais e sobreviventes de 24 países, acredita que “no futuro, os modelos de Inteligência Artificial vão ajudar-nos a prever quem terá, ou não, maior risco de doença oncológica.” Na prática, algoritmos com milhares de dados poderão “combinar variáveis e avaliar que tipo de exames a fazer e com que regularidade, para este e outros tipos de cancro, como o colorretal, da próstata ou do pâncreas”. O médico e investigador remata: “Não havendo forma de evitar esta avalancha de casos, a aposta é diagnosticar muito cedo, com meios científicos mais eficazes de individualizar o rastreio.”

“Porquê eu?”

Para quem recebe uma má notícia cedo demais, e sem uma explicação plausível, pode ser um osso duro de roer. Que o diga Tiago Monteiro, 30 anos, residente em Pinhel, no distrito da Guarda. Tinha 27 quando lhe diagnosticaram um linfoma de Hodgkin. “Os gânglios aumentados no pescoço levaram-me a crer que era o efeito da primeira toma da vacina da Covid; ao ver os resultados dos exames, fiquei em choque e pensei: porquê eu?”

Sem antecedentes familiares, não fumador, fisicamente ativo e a trabalhar na empresa de família, no ramo da construção civil, Tiago deu por si a burilar hipóteses: “Talvez possa ter sido por estar exposto ao sol, à chuva, a químicos, tintas e solventes ou, até, ao stresse, pois trabalhava muitas horas e a responsabilidade era grande.”

Foto: José Carlos Carvalho

“Antes, não tinha estômago para a vida, e agora, sem o órgão, tenho”

Sofia Silva sobreviveu a um cancro gástrico. Aos 33 anos, o estômago foi removido, o esófago ligado ao intestino e tem de comer a cada duas horas. Deixou o trabalho bem pago, mas stressante, constituiu família e, na psicoterapia, aprendeu a lidar com as emoções. Aos 49 anos, dedica-se ao teatro e à prática da meditação

Determinado a enfrentar o problema, o jovem adulto adotou uma atitude estoica e submeteu-se aos tratamentos, mas estes não funcionaram à primeira. “Precisei de quimioterapia de alta dose e de um autotransplante celular”, conta. O segundo protocolo impedia-o de estar em contacto com o frio (superfícies, alimentos) e acabou por ser mais complicado: “Tive náuseas, cansaço, perdi 14 quilos e tinha de usar sempre máscara.” Valeu-lhe o apoio dos familiares, da namorada e dos profissionais de excelência que o acompanharam.

A tão ansiada transição para a vida normal não correu como Tiago estava à espera: “Só conseguia fazer 10% do que fazia antes e fui-me abaixo; a psicoterapia está a ajudar-me muito e mudei a perspetiva perante a vida.” Entre o Hospital Universitário de Coimbra e o IPO de Lisboa, o sobrevivente Tiago continua a progredir: voltou a fazer desporto, passou a exercer funções comerciais na empresa e dedica-se ao voluntariado na Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC): “É uma forma de inspirar outros e retribuir tudo aquilo que recebi.” 

No futuro, os modelos de Inteligência Artificial vão ajudar-nos a prever quem terá, ou não, maior risco de doença oncológica

LuÍs Costa, Diretor do Departamento de Oncologia do Hospital Santa Maria

A maioria dos pedidos que chegam à Unidade de Psico-Oncologia da LPCC vem através dos IPO e hospitais do Serviço Nacional de Saúde. O serviço é mais procurado por mulheres, “pela elevada prevalência de cancro da mama e a maior propensão para pedirem ajuda na área da saúde mental”, avança a psicóloga Sónia Silva. As solicitações no masculino surgem na sequência de tumores do testículo, leucemias, linfomas e cancros do pulmão. “As pessoas mais jovens acedem a muitas fontes de informação, que nem sempre é sinónimo de literacia”, adianta. Além disso, é comum “virem com ansiedade e dúvidas” mas, “à medida que ganham confiança, aderem ao que a equipa sugere nas sessões presenciais ou virtuais”.

O projeto OACCUs – Outdoor Against Cancer Connect US, financiado pela Comissão Europeia e iniciado há dois anos, é uma mais-valia para os sobreviventes de cancro precoce, que “não encontram na vizinhança ou na turma com quem falar sobre as limitações físicas como a alopecia, a amputação, o stresse e a fadiga”. Apesar das perguntas sem resposta – o “porque sou diferente dos outros?” e afins –, a partilha de experiências ajuda-os a focarem-se no tratamento e a lidar com receios de ficar para trás nos estudos ou de perder oportunidades profissionais. 

O estilo de vida

Apesar dos avanços científicos e médicos, o cancro precoce permanece um enigma, a começar pelo facto de ser mais evidente nos países ricos, como os do hemisfério norte. José Carlos Machado, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e investigador no i3S, avança uma hipótese: “Pode ter que ver com os estilos de vida – processos inflamatórios ligados à obesidade, entre outros – e a fatores ambientais.” E exemplifica: “Quem nasceu nas décadas de 70 ou 80 foi exposto a antibióticos e pode ter um microbioma diferente.” Pode ter que ver, também, com o ambiente hormonal: “Ser mãe mais tarde traduz-se em incidência aumentada de alguns cancros abaixo dos 50 anos.”

O biólogo, que estuda os processos da doença no Instituto de Investigação e Inovação da Universidade do Porto (i3S) reconhece que “há subtipos de cancro com caráter mais agressivo que aparecem com maior frequência em idades precoces, mas não se sabe a causa e, do ponto de vista epidemiológico, é um desafio monumental”.

Foto: Lucília Monteiro

“Mudar começa por ouvir os sinais do corpo”

A médica e investigadora Diana Ferreira sobreviveu a um linfoma diagnosticado aos 35 anos. Enquanto paciente, sentiu falta de um acompanhamento centrado na pessoa e não apenas na doença. Certificou-se em medicina de estilo de vida e hoje, com 39 anos, aplica o que aprendeu na sua prática clínica com doentes oncológicos

A origem permanece um mistério, mas os mecanismos não: “As células cancerígenas dividem-se, mas morrem menos; acumulam-se mais do que devem, alteram o seu comportamento e, crescendo fora do sítio, isso leva às metástases, que podem ser fatais.”

Acresce a isto a aleatoriedade do processo, que é preciso levar em conta quando se fala de comportamentos preventivos: “Estima-se que, na melhor das hipóteses, se consiga prevenir cerca de 40% dos cancros; os restantes, tanto quanto se sabe, são puro azar, é uma lotaria.”

O grande fator de risco é o consumo de tabaco, a que se somam o consumo de álcool, infeções virais (como o HPV) e processos inflamatórios crónicos.

Na mesma linha, José Mendes de Almeida, cirurgião geral no Hospital CUF Descobertas, faz saber que “não há provas sólidas quanto às causas do aparecimento de neoplasias em pessoas muito novas”. Excluindo os casos de doenças genéticas e hereditárias, é possível que haja uma conjugação de alterações genéticas e outras que venham a aumentar a propensão para ter cancro, mais cedo ou com mais facilidade.

Nas mulheres mais novas, o cancro tende a ser mais agressivo e atrasos de meses num tratamento podem fazer a diferença entre a remissão ou o agravamento

Fátima Vaz , Diretora do Serviço de Oncologia do IPO de Lisboa e Coordenadora da Clínica de Risco Familiar de Mama, Ovário e Próstata

O problema é que esses mecanismos estão por identificar e são muito difíceis de estudar: “Quando se passa do ambiente controlado do laboratório para grandes grupos populacionais, a variabilidade é tanta que resulta em estudos com limitações e contradições nos resultados.”

As dificuldades estendem-se ao contexto clínico. Tomando por referência os cancros do intestino e do reto, os mais frequentes em Portugal e no mundo ocidental, o ex-diretor de cirurgia do IPO explica ainda por que motivo a antecipação da idade dos rastreios não resolve tudo: “As colonoscopias são eficazes mas caras e, face à escassez de meios para facultá-las a todos, faz-se pesquisa de sangue oculto nas fezes, que tem uma capacidade limitada e cujo resultado pode ser extremamente enganador.”

Mudanças viscerais

Em Portugal, tradicionalmente associado à dieta mediterrânica, os cancros digestivos são dos que mais matam (ver infografia). Suspeita-se de que, na sua origem, esteja o consumo de enchidos – o adenocarcinoma gástrico é mais prevalente na Região Norte – mas também outros hábitos alimentares, o consumo de álcool e tabaco e, até, o stresse crónico.

Sofia Silva é sobrevivente de cancro no estômago, diagnosticado aos 33 anos. Residente na Aroeira, no concelho de Almada, cresceu numa família nortenha – o avô materno morreu com esta doença – e sempre fora saudável. A ex-consultora fiscal tinha finalizado um namoro, mudado de casa e ingressado, há poucos meses, numa multinacional, onde gostava de estar e era bem remunerada.

FOTO: DR

“Tive muita sorte, mas, obviamente, tenho medo que surja uma recidiva”

O ator Rui Santos, 46 anos, faz desporto e não consome álcool, mas fumava desde os 15, entre cinco e dez cigarros por noite, fazendo-o, também, em fases de maior stresse laboral. Só no ano passado, quando teve carcinoma na língua em estado inicial, é que largou o hábito e partilhou a sua história num podcast

“Comecei a sentir um cansaço extremo, azia e enfartamento, achei que seria uma úlcera, devido ao trabalho, que era muito exigente”, recorda. Os exames mostraram um tumor maligno e teria duas semanas para remover o estômago. “Entreguei chaves e códigos de acesso aos meus pais e tive a impressão de estar a despedir-me da vida”, recorda hoje, com 49 anos. A cirurgia, na CUF Descobertas, correu muito bem e sentiu-se apoiada em todas as frentes. A recuperação – o esófago foi ligado ao intestino – foi mais desafiadora: esteve seis meses deitada, perdeu muito peso, teve crises de choro. A vigilância médica, as injeções a cada dois meses e a ingestão de alimentos com intervalos de duas horas passaram a fazer parte da sua rotina.

Desde então, nada voltou a ser como antes. Sofia retomou o trabalho, sem o ritmo de outrora, e engravidou. Há cinco anos, tomou a decisão de parar de trabalhar e foi mãe pela segunda vez. Além disso, dedica-se ao teatro e não abdica da meditação, chegando a praticá-la com os filhos: “Eu vivia de forma robótica e era muito racional, tive de reconstruir-me a todos os níveis e aprender (na psicoterapia) a lidar com as emoções.” A brincar, sintetiza assim o seu percurso de descoberta: “Antes, não tinha estômago para a vida, e agora, sem o órgão, tenho.”

A história de Rodolfo Rato, 44 anos e a viver no concelho de Sintra, tem contornos semelhantes, pois também ele sabe como podem ser intensas estas transformações: de baixa desde junho, o técnico de análises começou a ter alterações intestinais, acompanhadas de sangramento, que o levaram a pedir ajuda médica. “No início, desvalorizei os sintomas, podiam ser hemorroidas, mas não, era um adenocarcinoma do reto, estádio três, não metastizado”, faz saber. A mãe tinha tido cancro da mama, o pai morrera há sete anos com cancro do pulmão e Rodolfo viu-se, de um dia para o outro, num filme que não tinha previsto. Agora, prestes a concluir os ciclos de quimioterapia endovenosa e de radioterapia, deverá ser operado em janeiro.

Mesmo nos casos em que há carga genética significativa, e dentro de certos limites, podemos modificar o nosso destino

Paulo Fidalgo, Diretor da Consulta Avaliação de Onco-risco Centro Clínico Champalimaud

A mulher e a filha adolescente são o seu porto de abrigo e deram-lhe força para fazer o que tinha de ser feito: “Deixei de fumar e de beber álcool e procurei ajuda na área da nutrição; agora tenho um plano alimentar ajustado aos tratamentos oncológicos.”

As carnes vermelhas, as massas e as batatas fritas deram lugar às sopas, vegetais, frutas e alguns suplementos e está a conseguir regular o peso, e ainda faz uns quilómetros a pé:  “Sinto-me mais saudável, com menos stresse e preparado para enfrentar este processo, está a ser muito difícil.” Ver-se a usar um estoma (saco) após remover o tumor, também. “Não sei se vai ser por alguns meses ou para o resto da vida, mas é um grande fantasma na minha cabeça, como o medo da morte”, confessa, com a voz embargada. “Mas quero crer que vou recuperar.”

Maléficos invisíveis  

Em setembro, um artigo divulgado na Frontiers in Toxicology, com a chancela da fundação Food Packaging Forum, agitou a comunidade científica: as embalagens de plástico, papel e cartão que estão em contacto com alimentos e produtos de higiene pessoal continham, no seu fabrico, cerca de 200 químicos ligados ao cancro da mama e algumas dezenas de agentes cancerígenos corriam o risco de passar para o corpo humano. Os aditivos, emulsionantes, colas, tintas e ftalatos, PFAS e afins, contidos nos invólucros que manuseamos diariamente, têm um papel no cancro precoce, da mama e, também, do cólon?

“A Ciência estabeleceu uma relação entre certos aditivos alimentares e alguns tipos de tumores, mas não se pode diabolizar nem santificar o que ingerimos, pois não temos dados suficientes para isso.” A observação é do médico oncologista Nuno Gil, que faz saber ainda que os estudos não representam uma verdade absoluta.

Das embalagens para os ingredientes, o cenário não é animador. “A qualidade nutricional dos alimentos é inferior à de há 50 anos, a comida processada simplifica a vida, mas os compostos químicos (aromatizantes, edulcorantes, conservantes) não”, nota a nutricionista Magda Roma. E exemplifica: “Os produtos de charcutaria (fiambre, chouriço, salsichas) são cancerígenos de grau 1, categoria em que se inclui o tabaco e o amianto.”

Na Clínica RIO, em Lisboa, ou noutras zonas do País, a autora de vários livros sobre alimentação e cancro ajuda quem a procura a desenvolver consciência alimentar. Sabendo que “comer é, muitas vezes, um ato de preenchimento”, faz listas de alimentos, ensina a interpretar rótulos, explica o que são gorduras saturadas, açúcares modificados e afins e propõe alterações à medida. Quem adere sente as diferenças: “A nutrição de suporte reduz efeitos secundários dos tratamentos oncológicos e ajuda a regular parâmetros das análises.”

O passo seguinte é manter comportamentos saudáveis e acalmar tentações: “As células oncológicas não têm morte programada e dependem do açúcar; retirá-lo da dieta leva-as a enviar sinais ao corpo; então, quem está a pedir o doce extra?” E assim se mudam estes e outros hábitos. Lembrando que, segundo a World Cancer Research Fund International, 30% dos fatores de risco para cancro se devem ao consumo de tabaco, e outros 30% à gestão de peso, “havendo mais tecido adiposo, produzem-se mais hormonas inflamatórias, tal como sucede com o stresse”.

Um estudo recente da Medicare, em parceria com a Marktest, apurou que cerca de 60% dos jovens entre os 18 e 34 anos reportaram níveis elevados de stresse nos últimos seis meses. Junte-se a exposição contínua aos raios ultravioleta e à poluição e fica-se com uma ideia das ameaças, invisíveis mas reais, a que estamos sujeitos.

Aliados inovadores

Entretanto, a comunidade científica continua a investir esforços na compreensão dos mecanismos envolvidos nas “avarias” celulares, tendo em mente a criação de protocolos de vigilância e de terapias, para prevenir e atuar mais cedo e à medida de cada caso. 

No Laboratório de Oncobiologia Translacional do GIMM – Gulbenkian Institute for Molecular Medicine, a investigadora Sandra Casimiro estuda a resposta e a resistência aos tratamentos oncológicos. O foco do seu trabalho é a via de sinalização da proteína RANK, associada ao aparecimento da carcinogénese mamária, inclusivamente em idades precoces ou em virtude de mutações nas proteínas BRCA: “A ideia é criar um novo inibidor desta proteína e catalisar a resposta às terapias já utilizadas, mas também noutros tipos de cancro.”

Outra linha de investigação promissora no campo da resistência à imunoterapia é a das bactérias intestinais, como atesta um estudo israelita que usou transplantes fecais com sucesso em pessoas que sofriam de melanoma.

Maldita incerteza

Uns têm, outros não. Será uma questão de sorte? Há cientistas a admitir essa hipótese

Quando o matemático Cristian Tomasetti e o geneticista Bert Vogelstein, da Universidade norte-americana Johns Hopkins, publicaram um artigo na Science, há quase uma década, defendendo que o aparecimento de cancros era fruto da divisão imperfeita das células estaminais (mutações R) e que só um terço dos casos se explicavam por predisposição genética ou fatores ambientais, instalou-se a controvérsia na comunidade científica: se o acaso dita as regras, como se previne algo cuja causa se desconhece?

“Sabemos que 75 casos em cada cem surgem em fumadores ativos ou ex-fumadores e que existe uma associação entre consumo de tabaco e o cancro no pulmão”, afirma o oncologista Nuno Gil, especialista no tratamento da doença. Contudo, “por melhor que seja o estilo de vida, não garante que não se venha a ter um tumor”. E adianta: “Em cem pessoas que fumam ao longo da vida, quantos terão esse tipo de cancro? Em Portugal, estima-se que sejam 15 em cada cem.” É, então, uma questão de sorte (ou de azar)?

Citando um estudo que envolveu 69 países, 423 registos oncológicos e 10 tipos de cancro, mostrando que o cancro atinge pessoas mais jovens, Nuno Gil avança uma resposta: “A hereditariedade e os fatores ambientais parecem pesar menos do que a probabilidade da má sorte na divisão celular”, que resulta em vários tipos de tumores.

A tecnologia de vetores, inspirada no funcionamento dos vírus, tem-se revelado uma ferramenta essencial para administrar fármacos ou detetar e matar células tumorais (ver caixa Mais Perto da Cura). E os ensaios clínicos que envolvem terapias desenhadas à medida, com edição genética e recurso à engenharia computacional, estão na ordem do dia. No campo da vigilância, destacam-se iniciativas como o Programa de Avaliação de Risco e Diagnóstico Precoce do Centro Clínico Champalimaud, que existe há seis anos.

“Cerca de 40% dos que vêm à consulta de avaliação de onco-risco têm menos de 50 anos, e cujos familiares tiveram um diagnóstico”, refere o diretor do programa, Paulo Fidalgo.

Além de se avaliarem cinco parâmetros constitucionais (peso corporal, tabagismo, consumo de álcool, prática de exercício físico e o grau de adesão à dieta mediterrânica), estratifica-se o risco para os seis principais tipos de tumores na Europa.

O gastrenterologista identifica uma tendência: “Encontramos um risco substancial em 5% dos casos, outros 5% têm uma pontuação excelente e uma grande parte situa-se no plano intermédio.” Não é preciso muito, basta ser fumador. “Se a carga tabágica acumulada ao longo da vida ultrapassar as 15 unidades maço/ano, já é um risco elevado e há indicação para rastreio pulmonar.” Havendo mutações genéticas de alto risco, pode sugerir-se a intervenção cirúrgica, mas, se o aconselhamento incidir nas mudanças do estilo de vida, difíceis de fazer, o especialista insiste: “Mesmo nos casos em que há carga genética significativa, e dentro de certos limites, podemos modificar o nosso destino.”

Estima-se que, na melhor das hipóteses, se consiga prevenir cerca de 40% dos cancros; os restantes, tanto quanto se sabe, são puro azar, é uma lotaria

José Carlos Machado, Docente da Faculdade de Medicina daUniversidade do Porto e investigador no i3S e no IPATIMUP

Com frequência, é preciso um “susto” para dar o primeiro passo. O ator Rui Santos, que ficou conhecido por ser protagonista da série Inspetor Max, fumava desde os 15 anos e só aos 45, quando teve cancro na língua, é que largou o cigarro de imediato. “Sempre fui saudável, não bebo álcool, faço desporto, mas fumava cinco a dez cigarros, à noite, por vezes mais, em trabalho, por causa do stresse”, recorda.

Consciente de que, “mesmo parando durante dois ou três anos, a carga tabágica demora anos a desaparecer do organismo e pode causar vários danos”, Rui decidiu partilhar a sua história, um ano depois, no podcast Tenho Cancro. E depois?, ao lado do cirurgião que o operou no IPO de Lisboa. O nódulo, detetado na fase inicial e localizado, dispensou tratamentos. “Tive muita sorte, mas, obviamente, tenho medo que surja uma recidiva, mas descansa-me saber que estou a ser acompanhado.”

Uma vida diferente

Nos serviços de saúde públicos, procura-se dar resposta às dificuldades sentidas, também, pelos mais jovens. Fátima Vaz elenca algumas: custear fármacos e transporte para os tratamentos, dar informações sobre direitos no trabalho, acompanhamento em várias especialidades e oferecer soluções como a da preservação da fertilidade. “A meta é dar-lhes ferramentas para que não fiquem sozinhos, mantenham a autonomia e consigam reorganizar os seus projetos de vida.”

Os jovens adultos que sobrevivem à doença, enfrentam, ainda, dificuldades na contratação de seguro de vida ligado ao crédito à habitação. Práticas como o aumento do prémio, a exclusão de garantias e o acesso de informações de saúde pelas instituições de crédito continuam a existir por falta de regulamentação da lei publicada há dois anos. Juntamente com outras associações, a DECO apresentou queixa na Provedoria de Justiça e obteve resposta. “Em outubro, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões colocou em consulta pública um projeto de norma regulamentar sobre o direito ao esquecimento (prazo legal de dez anos, desde o fim do protocolo terapêutico) e à proibição de práticas discriminatórias, mas continua a faltar o decreto-lei”, afirma Margarida Moura, jurista da DECO. Até lá, “as pessoas que a lei pretende proteger não conseguem beneficiar dela na plenitude”.

As vicissitudes associadas a um cancro precoce representam, para muitos sobreviventes, uma mudança de paradigma. No caso de Diana Ferreira, 39 anos, o ponto de viragem deu-se aos 35, após ser diagnosticada com um linfoma raro. Na altura, a investigadora na área de cuidados paliativos tinha deixado o IPO de Lisboa, onde trabalhava como médica interna cerca de 70 horas semanais, para fazer um doutoramento na Austrália, onde ela e o marido se conheceram.

“Fui bem assistida e até me deram a opção de preservar os óvulos, só que a colheita implicava um mês de tratamentos, e não fiz, mas tive a sorte de recuperar a fertilidade.” 

Passada a tormenta dos efeitos secundários da quimioterapia e da radioterapia, incluindo a descaracterização da imagem corporal, entrar na fase de vigilância foi assustador: “Espera-se que voltemos ao normal, quando começamos a processar o que aconteceu e a redescobrir quem somos.”

Após dar-se conta de que “os serviços estavam puramente centrados no tratamento oncológico, deixando de fora outras necessidades, como o bem emocional e íntimo”, Diana decidiu aprofundar estas questões e certificou-se em medicina de estilo de vida, “centrada na totalidade da pessoa e não apenas na doença”.

De regresso a Portugal, tem um estilo de vida mais compatível com os ritmos naturais e aplica o que aprendeu no AIM Cancer Center, em Esposende. Nas suas consultas, com a duração de uma hora, os pacientes sabem que há lugar e tempo para abordar como dormem e se alimentam, além da sua saúde intestinal, a que tóxicos estão expostos e quais os seus níveis de stresse: “Mudar começa por ouvir os sinais do corpo e trabalhar a motivação e as crenças; leva tempo, mas compensa.”

Consciente de que os estudos aleatorizados nem sempre são exequíveis na área dos estilos de vida, a médica defende que “é preciso repensar a Ciência” e, acima de tudo, ter bom senso: “Mesmo sem ter cancro, se não houver tempo para viver e só andarmos sob pressão, a dada altura temos de tomar decisões não baseadas em ensaios clínicos.”

Viver mais anos é uma conquista e, como qualquer conquista, dá trabalho e não é garantida, havendo que contar, mais dia menos dia, com avarias do sistema. Se as surpresas indesejadas surgirem mais cedo na linha do tempo, uma parte do desafio compete à Ciência e aos avanços da medicina, a outra caberá a todos, e a cada um de nós, seja qual for a idade.

Mais perto da cura

Ancoradas nos avanços científicos, as novas armas de combate ao cancro são mais personalizadas, eficazes e com menor toxicidade. Conheça as terapias inovadoras, aprovadas ou em fase experimental, usadas nos protocolos clínicos, nos IPO, nos hospitais universitários e em alguns estabelecimentos de saúde privados do País

1. Imunoterapia com inibidores de checkpoints imunológicos
Fármacos com anticorpos monoclonais (Pembrolizumab, Nivolumab, Ipilimumab) atuam como os anticorpos produzidos no corpo, bloqueando certas proteínas e permitindo às células T atacar as células cancerígenas. Eficazes no tratamento de cancros agressivos e em estado avançado, como melanomas, linfoma de Hodgkin, cancro do pulmão e, ainda, no caso do cancro da mama triplo-negativo (antes da cirurgia).

2. Terapia com células CAR-T (Chimeric Antigen Receptor T-cell)
Terapia personalizada em que as células T do paciente são geneticamente modificadas em laboratório e reintroduzidas no organismo. Eficaz no tratamento de leucemias e linfomas agressivos. Atualmente, este tratamento está a ser estudado em tumores sólidos, como no cancro do pâncreas e os glioblastomas (com origem nas células da glia, desenvolvem-se de forma invasiva na medula espinhal ou no cérebro e atingem o sistema nervoso central).

3. Terapias-alvo
Fármacos personalizados e menos tóxicos atuam diretamente nas mutações ou proteínas responsáveis pelo crescimento do tumor. No caso das mutações, estas moléculas são muito eficazes no combate à leucemia mieloide crónica (Imatinib) e ao cancro do pulmão de células não pequenas (Osimertinib). Na frente das proteínas, estes medicamentos (Trastuzumab) aplicam-se no cancro mamário HER-2 positivo, muito agressivo.

4. Inibidores de PARP (Poli-ADP Ribose Polimerase)
Bloqueiam as enzimas envolvidas na reparação do ADN, que leva à morte das células tumorais, sobretudo nos tumores com mutações BRCA. Estes fármacos (Olaparib, Niraparib) também permitem reduzir significativamente o risco de progressão do cancro do ovário e da mama em pacientes com mutações BRCA. Atualmente, o seu uso está a ser estudado em tumores do pâncreas e da próstata, tendo em vista futuras aplicações.

5. Anticorpos monoclonais conjugados com fármacos (ADC)
Aliados a drogas citotóxicas, funcionam como cavalos de Troia para atacar células tumorais com precisão, preservando os tecidos saudáveis. É o caso do fármaco T-DM1 (Trastuzumab emtansina), dirigido ao cancro da mama avançado HER2-positivo, em que o anticorpo que inibe a proteína associada à proliferação das células malignas transporta a quimioterapia ao destino, prolongando a sobrevida das pessoas com este tipo de doença oncológica.

6. Terapias epigenéticas
Consistem na edição dos mecanismos biológicos que ligam e desligam os genes de células cancerígenas (os fármacos cujos princípios ativos são a Azacitidina e a Decitabina têm esse fim) e permitem aumentar a sobrevida de pacientes com tumores sólidos e do sangue. Estuda-se agora qual a eficácia da sua combinação com imunoterapia. Usadas no tratamento de leucemias agressivas, no Hospital de São João e no IPO do Porto.

7. Terapia fotodinâmica
Tratamento que associa um agente fotossensibilizador (FS) e uma fonte de luz específica, gerando espécies de oxigénio reativas que atuam nos componentes das células tumorais e as matam, com menos efeitos tóxicos. Trata-se de uma ferramenta clínica usada com sucesso em cancros superficiais (da pele e do esófago). No campo da investigação, estuda-se agora o seu uso com imunoterapia em tumores profundos, como do pâncreas.

Alexandra Barros

“Aprendi que se pode ser forte e vulnerável ao mesmo tempo”

A duas semanas de completar 44 primaveras, a notícia caiu-lhe no colo. Anos antes, tinha retirado um tumor benigno na mama direita e, na família, havia elevada incidência de melanoma. O desconforto no nódulo da axila esquerda, vigiado nos exames anuais, levou a ex-fumadora e mãe tardia (aos 40) a fazer um segundo exame, confirmando o pior. Um ano depois, conta o que mudou para a mulher e psicoterapeuta, que fala do tema nas redes sociais

Sendo profissional de ajuda, como lidou com o diagnóstico de doença oncológica?
Foi avassalador. Estava a separar-me, a filha ainda não tinha quatro anos e eu não queria deixar de trabalhar, porque gosto e pela responsabilidade que sentia para com os pacientes. Porém, tinha dúvidas sobre a minha capacidade física e emocional, sobre o impacto da minha doença. Pensando nas consultas e na turbulência no calendário das sessões, abri o jogo com os meus pacientes: teriam de avaliar se conseguiam lidar com as limitações da psicoterapeuta ou preferiam ser referenciados. Todos ficaram, foram resilientes e isso foi bom para mim, na medida em que me fez pôr de lado ideias de omnipotência e admitir que as pessoas que seguia eram capazes de passar sem mim.

Como foi lidar com o tratamento?
Fiz cirurgia e quimioterapia. Preparei os pacientes para o meu aspeto físico: usaria cabelo curto e, depois, lenços. Foi, talvez, uma das coisas mais violentas, pela forma como cai, de repente. Nesse dia, tive o primeiro confronto com a incapacidade de controlar o processo. Intensifiquei a minha própria psicoterapia e pedi ajuda farmacológica na Psiquiatria. Só no mês em que fiz radioterapia é que parei mesmo de trabalhar, porque se começa a levar com a cacetada dos efeitos secundários da quimioterapia: parecia que tinha sido atropelada por um camião. E, a seguir, a indução da menopausa.

O que muda, quando se passa a ser sobrevivente de cancro?
É aceitar o desconhecido: as sequelas dos tratamentos, as dores que não sabemos quando passam, a fadiga que se cola ao corpo, a névoa mental que limita a capacidade de pensar e de articular as palavras, estar a falar e ter uma branca, foi muito assustador.

A partilha do processo nas redes sociais também teve que ver com isso?
Sim. Entendi que devia dar voz ao tema da menopausa química. A menarca é uma celebração porque já se é mulher, mas a menopausa é ainda um motivo de vergonha, passa-se a ser uma carcaça velha e evita-se falar sobre o assunto. Depois, é preciso desmistificar a ideia de que o psicoterapeuta é um robô e não sofre, ou sofre melhor do que os outros, como se fosse uma exigência. No início, várias pessoas disseram-me: “És psicóloga, tens as melhores ferramentas para lidar com isto.” Sou uma pessoa como as outras, com dores e sofrimentos-fantasma. Falar disto foi uma terapia coadjuvante e uma forma de praticar o que defendo: vamos falar de emoções e dos nossos medos. Em família, houve alturas em que cada um chorava para seu lado, por achar que tinha de ser forte. A certa altura, disse: vamos chorar juntos para lidar melhor com isto.

O que muda na esfera íntima?
Eu tive a sorte de ter um cancro precoce e uma cirurgia conservadora, sem grande deformação, mas não deixa de ser uma mutilação que impacta psicologicamente o feminino, a que se soma o bombardeamento da menopausa química, que vai além do fim do período menstrual: é a perda do desejo e da sensibilidade, são as oscilações do humor, as dores articulares, mais intensas, pela queda súbita de estrogénios, e a impossibilidade de recorrer à terapia hormonal.

Em que medida se transformam as ligações próximas? Aguentam o embate?
À partida, se uma relação acaba durante o processo, é porque já não estava bem antes. Quem passa por isto fica com uma ideia mais clara do que lhe interessa e pode perceber que precisa de mais, ou melhor.

Quais as reações de seguidores e pacientes ao que publica nas redes?
Quem chega por essa via, até antes de eu ter a doença, vem por sentir o lado humano, por estar ali alguém que tem alguma proximidade, diz piadas e também se chateia, mostrando que igualmente tem um lado vulnerável. Às pessoas que me procuraram por terem um diagnóstico e quererem ser seguidas por mim expliquei, na altura, que não tinha distanciamento emocional para as acompanhar.

Como gere os dois registos, nas redes sociais e na psicoterapia?
Tenho de ter em conta o impacto que as minhas publicações podem ter em algum paciente e estabeleço regras desde o início: não interajo com pacientes no Instagram, para não haver mistura de contextos. Podem seguir-me, trazer questões para a sessão e comentá-las em sessão, mas não trocamos mensagens sobre uma publicação.

O que aprendeu com todo este processo? 
A vida tem-me mostrado que tudo pode mudar de um dia para o outro, que há coisas sobre as quais não temos controlo e com as quais temos de lidar com mais flexibilidade. Há dias em que estamos nas lonas e outros em que temos força para levar o mundo às costas. Uma das partes mais duras do meu processo foi perceber onde me perdi e onde estou agora, depois de tirar a capa da supermulher. E aprendi que se pode ser forte e vulnerável ao mesmo tempo.

O que estará a contribuir para o aumento do cancro em idades mais jovens?
O estilo de vida, onde cabem a alimentação, o exercício físico e a saúde mental e relacional. E, ainda, o impacto do stresse e da repressão emocional no desenvolvimento da doença precoce. O positivismo tóxico de estar sempre a agir, em piloto automático, sem exteriorizar emoções ou sem aceder a elas, parece ser um fator de risco para esta lotaria.

Palavras-chave:

A Saúde e a Educação são duas das pastas mais tóxicas para qualquer membro de um governo. De forma direta ou indireta, as duas áreas afetam, transversalmente, a vida de todos os cidadãos. E são também aquelas em que, pelas suas características, qualquer fagulha pode atear um incêndio de grandes proporções, contaminando até o ambiente de todo o executivo. São ainda áreas em que se fundem, como em poucas, corporações poderosas, muitos interesses instalados e uma tradição sindical de contestação sempre ativa. Como pilares do Estado social, são igualmente dois territórios que rapidamente se transformam em campo de batalha privilegiado para combates ideológicos sobre modelos de sociedade, financiamento do Estado e prioridades de desenvolvimento económico e social. A Saúde e Educação, como temos visto ao longo de décadas, são máquinas trituradoras de ministros, capazes de, em poucas semanas, destruir reputações que demoraram décadas a ser construídas.

Quando o atual Governo tomou posse, eram naturais as expectativas criadas em relação a estes dois ministérios, após tempos conturbados na anterior legislatura. E se havia algum ceticismo em relação à forma como Fernando Alexandre ia conseguir dar conta do recado num superministério que engloba todos os níveis de ensino, já em relação à Saúde a fasquia foi colocada num nível mais elevado, como que a vincar uma mudança substancial em relação aos anos de António Costa. Isso foi feito logo por Luís Montenegro que, ainda na campanha eleitoral, prometeu apresentar um plano de emergência nos primeiros 60 dias de governo, e que depois fez questão de frisar, no discurso de tomada de posse, que iria depressa “implementar uma reforma estrutural que fortaleça e preserve o SNS como a base do sistema, mas que aproveite a capacidade instalada nos setores social e privado, sem complexos ideológicos inúteis”. E, como sublinhou, tendo o cidadão como “única preocupação”. Com uma promessa solene: “Não vamos governar para a propaganda, vamos governar para os resultados.”

Até ao momento, o resultado é bem diferente dessa promessa. Enquanto o ministro da Educação tem apresentado resultados, nomeadamente a forma rápida como foi resolvida a interminável contestação acerca da recuperação do tempo de serviço dos professores, já a ministra da Saúde tem sido obrigada a recorrer a todos os níveis de propaganda, para tentar apagar o caos em que o setor caiu. Mas não só: se Fernando Alexandre tem sabido resguardar-se das polémicas, com intervenções ponderadas e sensatas, já Ana Paula Martins parece estar sempre pronta a despejar mais pólvora em cada fogueira que lhe apareça pela frente.

Essa diferença de postura e de escolha das palavras nas intervenções públicas tem sido manifesta, tanto nos momentos mais graves como nos secundários. Apesar dos problemas evidentes na colocação de professores, na abertura do ano letivo, Fernando Alexandre soube manter uma postura conciliatória e de diálogo, preocupado em não permitir que a tensão subisse. Pelo contrário, desde a forma como promoveu a demissão de Fernando Araújo da direção executiva do SNS, Ana Paula Martins parece apenas preocupada em mostrar-se uma “mulher de armas”, incapaz de estabelecer pontes ou canais de diálogo com os vários interlocutores do setor. E, assim, vai acumulando polémicas, umas atrás das outras, sem que consiga resolver os problemas que tinha prometido solucionar em pouco tempo. Tudo a que temos assistido nos últimos tempos no INEM, que já conheceu três presidentes desde que Ana Paula Martins tomou posse, é bem revelador da inoperância de uma ministra que prometia ser uma “dama de ferro”, mas que se revela cada vez mais perdida perante a opinião pública e um ativo tóxico para a credibilidade do Governo.

Ana Paula Martins entrou no Ministério da Saúde pronta a impor a sua lei. Mas, até ao momento, a sua ação assemelha-se mais à de um elefante numa loja de porcelana. Com a agravante de, na Saúde, os danos não serem metafóricos, mas terem, antes, o potencial de se tornarem trágicos. Com a sua postura combativa e de cortar a direito, a ministra queria ser, porventura, uma estrela do Governo. Até agora, só conseguiu ser uma estrela frequente do Isto é Gozar com Quem Trabalha, de Ricardo Araújo Pereira. Ao contrário do que acontece com o seu colega da Educação, que raramente é visto no programa onde se mede aquele que já pode ser considerado o Índice RAP da Asneira.

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