Num cenário sindical onde, por vezes, a luta parece mais uma luta de egos e de favores políticos do que uma busca legítima por direitos e melhorias para os profissionais da PSP, surge a ASPP-PSP (Associação Socioprofissional da Polícia de Segurança Pública) como uma ilha de pragmatismo e clareza no meio da neblina populista que se instala no panorama sindical. Ao contrário de outros que se perdem em promessas vazias e discursos incendiários, a ASPP-PSP construiu, ao longo de sua história, um projeto com princípios sólidos, objetivos claros e uma visão de futuro que visa, acima de tudo, a valorização real dos agentes de segurança pública e da sua profissão.

Em muitos casos, alguns sindicatos policiais têm-se mostrado mais preocupados em angariar votos ou em ganhar notoriedade, do que em realmente garantir melhorias para os profissionais da segurança pública. Não são mais do que “estruturas populistas”, que não hesitam em alimentar a indignação generalizada e fazer promessas vazias, esperando que os seus discursos inflamados ganhem apoio sem que se precise de um plano concreto ou de uma proposta realista.

Mas, o populismo, ao contrário de poder ser uma real solução, continuará drástica e unicamente a ser um eterno problema.

A história da ASPP-PSP é bem diferente. Criada com o objetivo de representar de forma honesta, digna e responsável a classe policial, a ASPP-PSP sempre foi uma voz crítica, mas construtiva, sem se deixar seduzir por demagogias que, à medida que ganham força, distorcem o verdadeiro foco da luta sindical. Enquanto outros se perdem em ataques políticos e promessas de melhoria imediata e “certezas” sem fundamento, a ASPP-PSP tem vindo a mostrar, de forma consistente, que a sua luta se pauta por princípios que vão muito além do populismo barato.

Desde a sua fundação, a ASPP-PSP tem-se mantido firme nos seus valores. Com um compromisso constante com a dignificação da profissão policial, a associação tem procurado melhorar as condições de trabalho, os direitos dos seus associados e, acima de tudo, a imagem da PSP na sociedade. Mas a sua ação sindical não se limita a questões imediatas ou superficiais. A ASPP-PSP tem um projeto estruturado de longo prazo, no qual o desenvolvimento das forças de segurança e a integração de boas práticas na gestão policial são centrais.

Esse compromisso com o futuro implica, por vezes, um olhar mais distante, mais pragmático. Em vez de se perder em promessas de soluções fáceis ou em soluções que soam bem no papel, mas sem viabilidade. A ASPP-PSP aposta numa negociação séria, no diálogo construtivo com os poderes públicos e na implementação gradual das mudanças necessárias. Isto contrasta com a ação de outros que, muitas vezes, preferem a retórica da indignação, a mobilização a curto-prazismo e os apelos à revolução sem a mínima noção das implicações a médio e longo prazo.

Ao contrário de alguns que parecem mais focados em projetar as suas figuras, agendas pessoais e angariar simpatias do que em representar verdadeiramente os interesses da classe policial, a ASPP-PSP nunca perdeu de vista o seu propósito original: lutar pela valorização da profissão policial e pela melhoria das condições de trabalho. A sua postura é uma postura de princípios e valores sólidos, com base numa visão clara do que deve ser a polícia de futuro e do que é necessário para atingir esse objetivo.

É fácil ganhar aplausos com discursos inflamados, mas a verdadeira luta sindical exige visão, capacidade de negociação e, principalmente, compromisso com a classe. E é exatamente isso que a ASPP-PSP tem demonstrado ao longo dos anos. Ao minimizar a sua postura populista e ao focar-se na defesa dos interesses reais dos seus associados, a ASPP-PSP construiu um legado que outros sindicatos, reféns das tendências momentâneas e da agenda política, não têm sido capazes de igualar.

Num cenário sindical onde os discursos vazios e as promessas inalcançáveis se tornam comuns, a ASPP-PSP tem emergido como um exemplo de seriedade e compromisso. Ao rejeitar a tentação fácil dos populismos e focar-se na construção de uma agenda sindical sólida e realista, a associação tem conseguido implementar mudanças tangíveis que de fato beneficiam os seus associados, tais como, o acordo de julho último, que contemplou um incremento de 300 euros indexados no SSRFS, com garantia de processo negocial para revisão das carreiras, entre outros, ou a vitória do pagamento dos suplementos remuneratórios em período de férias, ou mesmo a conquista mais longínqua da folga semanal, entre outros.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Palavras-chave:

O recluso argelino que fugiu algemado da carrinha celular da PSP à porta do Tribunal da Relação de Lisboa tentou cometer suicídio, na viagem de regresso à capital portuguesa, após ter sido apanhado pela GNR no Algarve, menos de 24 horas depois de conseguir escapar.

O episódio aconteceu na madrugada do passado dia 14 de novembro, em plena A2. Abdelkader Eddouh, 36 anos, seguia numa carrinha celular, com mais sete elementos do Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GISP) – grupo de operações especiais dos guardas prisionais –, quando tentou pôr termo à vida por enforcamento, utilizando o seu próprio cinto.

À VISÃO, fonte dos serviços prisionais conta que “os guardas do GISP foram alertados pelo barulho dos pés [do recluso] a bater no chão da carrinha, quando este já estava a sufocar”. A mesma fonte explica que os guardas prisionais “agiram prontamente” para evitar o suicídio, “parando o veículo em plena A2” e “acedendo ao espaço em que se encontrava o recluso” para travar aquela ação. Abdelkader Eddouh terá recebido pronta assistência médica; o transporte para o Estabelecimento Prisional de Monsanto seria depois concluído sem mais incidentes.

O relato dos acontecimentos chegou às chefias do GISP imediatamente. A Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) abriu, entretanto, um inquérito para apurar o que terá falhado nesta operação.

Abdelkaber Eddouh está detido em Monsanto e continua a opor-se à extradição para a Alemanha (FOTO D.R.)

Uma aventura por Lisboa

Abdelkaber Eddouh tinha sido detido na zona de partidas do aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, no dia 10 de novembro, ao abrigo de um mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades alemãs, que o acusam do crime de fogo posto contra o mobiliário de uma esquadra na Alemanha.

O argelino ficou a dormir duas noites no Comando Metropolitano de Lisboa da PSP (COMETLIS), em Lisboa, mas, no dia 12 de novembro, quando se preparava para ser interrogado pela Relação de Lisboa – tribunal competente para o processo judicial de extradição –, conseguiu fugir. Assim que a porta da carrinha celular abriu, o suspeito começou a correr em plena Baixa de Lisboa, conseguindo escapar aos quatro polícias que o acompanhavam (a PSP também abriu inquérito interno ao sucedido). O recluso terá conseguido libertar uma das suas mãos das algemas. Ainda foi avistado a correr no Chiado, mas acabaria por se “evaporar”.

Menos de 24 horas depois, porém, o recluso argelino seria recapturado na localidade de Estômbar, Lagoa, no Algarve. Abdelkaber Eddouh terá sido visto, por uma vizinha, à janela de uma residência da sua namorada de nacionalidade britânica. O alerta foi prontamente dado à GNR de Lagoa, que rapidamente montou uma operação, e procedeu à detenção do homem.

“Na sequência de uma denúncia de avistamento do suspeito por parte de uma cidadã, foram acionados os militares da Guarda para a localidade de Estômbar, onde foi possível avistar um homem na via pública, cujas características coincidiam com as difundidas pela Polícia de Segurança Pública (PSP) aquando da sua fuga”, explicou a GNR, em comunicado.

Desconhece-se como é que Abdelkaber Eddouh conseguiu chegar ao Algarve, sem documentos nem dinheiro. O recluso argelino já se tinha libertado totalmente das algemas, mas continuava na posse destas. Após ter sido detido, foi levado para o posto territorial de Lagoa da GNR – onde foi formalmente identificado, com apoio da PSP – e, depois, para o Estabelecimento Prisional de Silves. Por questões de segurança, foi decidido transportar este homem para a cadeia de alta segurança de Monsanto logo na madrugada seguinte.

Erro alemão dificultou procura

Abdelkaber Eddouh era procurado pelas autoridades alemãs desde o ano passado, mas um erro no preenchimento do mandado de captura internacional pela Alemanha (com data de 23 de novembro de 2023) dificultou a localização do homem.

Segundo informação divulgada pelo Sistema de Segurança Interna (SSI) o mandado de detenção foi erradamente inserido pela Alemanha no sistema de troca de informações policiais, pois era dirigido a um cidadão marroquino, e não a um argelino.

A troca de nacionalidades permitiu a Abdelkader Eddouh continuar a residir com a namorada no Alvor, Portimão, no Algarve, tendo chegado a conseguir renovar a residência em Portugal no dia 31 de maio deste ano – a primeira autorização de residência que recebeu foi emitida em 2022, pelo ex-Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

De acordo com informações do SSI, o mandado em nome de Abdelkaber Eddouh foi alterado pelas autoridades alemã, no passado dia 18 de junho, permitindo corrigir a informação sobre a nacionalidade (argelina) de Abdelkaber Eddou.

Com esta informação atualizada, as autoridades portuguesas puderam identificar e deter o homem quando este se preparava para sair do País, via aeroporto de Lisboa. A partir de Monsanto, Abdelkaber Eddou continua a opor-se à extradição para a Alemanha.

Al Pacino descobriu que existia um mundo inteiro para lá das ruas buliçosas do South Bronx nova-iorquino quando Anton Tchekhov veio à cidade. É ele quem o escreve na autobiografia agora lançada, Sonny Boy – Memórias. Antes disso, o miúdo andava pelo bairro, com o seu bando de amigos, Cliffy, Bruce, Petey, fazendo gazeta, experimentando drogas e disparates. “Tínhamo-nos uns aos outros; estávamos no topo do mundo, como disse James Cagney, em Fúria Sanguinária”, recorda o ator. Como numa película cinematográfica, também eles se encostavam às esquinas a cantar em coro, a cochichar sobre raparigas ou a escutar sobre as escapadelas sexuais dos rapazes mais velhos, a vibrar com a vitória dos Yankees, cujo Yankee Stadium ficava logo ali no seu Bronx. Ou a tentar convencer o polícia de giro a arranjar-lhes Sneaky Pete, uma bebida que lhes desfazia o estômago como se ingerissem cola de contacto. “A vida era nossa! Vamos fazer qualquer coisa! Vamos a um lado qualquer!”, eram os hinos destes adolescentes desfavorecidos, longe das luzes mais brilhantes da cidade. Era uma vez na América, em plena década de 1940, ainda a lidar com as mágoas da grande guerra. Algumas vezes, quando Al se preparava para seguir os melhores amigos até ao fim da rua, até ao fim da noite, ouvia a voz da mãe Rose, vigilante e a desviá-lo de um destino certo de pequeno delinquente, a chamá-lo do telhado do prédio modesto onde viviam (a casa dos avós maternos, onde ninguém tinha um quarto só para si e havia uma “cacofonia de idiomas”): “Ei, Sonnyyyy, vem para casa, ainda não comeste, sobe, vem jantar!”

Sonny Boy. Era a alcunha pela qual a mãe o chamava, um batismo decidido ainda ele não tinha nascido; em 1940 já ela se apaixonara pela música com o mesmo nome, de Al Jolson. “There’s no way of showing / What you mean to me, Sonny Boy…” O pai tinha 18 anos, a mãe um pouco mais, quando Alfredo Pacino nasceu, herdeiro do nome do avô. Os progenitores separaram-se quando ele tinha perto de dois anos, e as andanças por quartos mobilados com tristeza e móveis baratos, ou o acolhimento nas casas dos avós paternos onde a mãe o teve de deixar durante nove meses, haveriam de deixar um buraco negro a exigir-lhe décadas de terapia para tapar. O pai Pacino, um veterano de guerra, pouca presença teve na sua vida – mas inaugurou um restaurante na soalheira Califórnia a contabilizar gorjetas à custa da fama do filho ator. A mãe fazia biscates, trabalhava como operária fabril durante o dia, resfolegava de esforço, debatia-se com problemas de saúde mental, que a conduziriam a uma tentativa de suicídio quando Al tinha apenas seis anos. Mais tarde, foram-lhe prescritos eletrochoques – e o filho teve de desistir da New York’s High School of Performing Arts, onde se inscrevera apenas um ano antes, porque precisava de trabalhar para pagar os tratamentos da mãe. Rose morreria de overdose quando Pacino tinha 22 anos. Mas antes destes créditos finais rolarem, quando ele tinha três ou quatro anos – o ponto de partida desta biografia –, a mãe refugiava-se, à noite, no cinema com o seu Sonny Boy. “Ela não sabia que estava a oferecer-me um futuro. Senti uma imediata ligação com os atores que representavam no grande ecrã”, lê-se logo nas primeiras linhas de Sonny Boy – Memórias. “Terei sido o único menino de cinco anos a quem levaram a ver Farrapo Humano [drama de Billy Wilder sobre um alcoólico]”, atira ainda.

Bússolas doidas

E Tchekhov? Reaparece no capítulo intitulado Uma Mudança, que é para a ninguém escapar à epifania de Pacino. No velho Elsmere Theatre, no Bronx, instalou-se uma trupe “como se chegada de um século remoto” com a peça A Gaivota. Entre os 15 ou 20 espetadores sentados numa plateia com dois mil lugares, está um Al Pacino de 15 anos a absorver tudo o que se passava no palco: “Abalou-me como um relâmpago surgido do nada num céu azul.” O adolescente Al revela-se um jogador exímio nessa arte, sobretudo nas peças de teatro escolares. Aquela vibração que enche ecrãs, os trejeitos bigger than life, a intensidade, a bravata e a pose das ruas de Nova York, o grão de loucura a espreitar por baixo da dicção e da voz arranhada, o Al Pacino extraordinário que “faz acontecer” à frente das câmaras, o artista nomeado 19 vezes nos Globos de Ouro e nove vezes nos Oscars por filmes que são a história e a mitologia do cinema made in USA – como a saga O Padrinho, Serpico, Um Dia de Cão, Scarface, O Irlandês… –, tudo isso estava a burilar nas profundezas, e essas performances teatrais juvenis fizeram alguém atirar-lhe com uma profecia: “Miúdo, vais ser o próximo Marlon Brando.” Al Pacino não sabia quem este era…

Os holofotes que procurava eram outros. O Pacino de 20 anos, frequentador do círculo boémio e do circuito muito distante da cintilante Broadway, queria ser ator de teatro. Regresse-se a Tchekhov: Sonny Boy passa, então, o tempo livre nas bibliotecas públicas a ler o autor russo. “Tchekhov passou a ser um amigo”, diz. É colega de Martin Sheen – que Al achava que seria “o próximo James Dean.” E discípulo do ator Charlie Laughton, influência determinante. No palco, o jovem Pacino recebe elogios, mas também polegares para baixo e narizes torcidos. O underdog do South Bronx está habituado a que as coisas não sejam fáceis.

Mas, em 1972, dá-se o caso de Jack Nicholson, já uma estrela, recusar um papel. E o realizador Francis Ford Coppola entra em contacto com um jovem ator de vanguarda, já distinguido com os prémios Tony e Obbie, que ele vira num palco discreto, para o convencer a desempenhar o papel do mafioso relutante Michael Corleone num filme chamado O Padrinho. Os Estúdios Paramount não aprovaram a escolha: queriam Nicholson, ou Robert Redford, ou Warren Beatty, ou até Ryan O’Neill. Os rumores cresciam no plateau, e, durante as filmagens assombradas pela nuvem do desânimo, Pacino acreditou sempre que ia ser despedido. Seria num almoço com Marlon Brando, improvisado num quarto de hospital onde filmavam – e em que Al ficou siderado ao ver a estrela Brando libertar-se da gordura da comida nas mãos limpando-as às cobertas como se nada fosse – que ouviu esta profecia do ator veterano: “Sim, miúdo, vai correr tudo bem contigo.”

O alinhamento das estrelas também parecia ter sido invocado num telefonema com a avó que lhe contara que o nome do protagonista, Corleone, era o mesmo da povoação siciliana onde nascera o avô materno que, chegado aos EUA em busca do sonho americano, adotara o sonante nome de James Gerard. Um homem que o neto descreve, nestas memórias, como a sua “primeira figura paterna”. Aquele a quem, certo dia, Sonny, regressado da escola, conta que fez queixa à professora de um outro menino que fizera uma coisa má. Sem interromper o escanhoar da barba, o avô disse-lhe simplesmente: “Então, és um queixinhas, hein?” “Fiquei de rastos”, recorda agora Al Pacino. “Não conseguia respirar. O meu avô nada mais disse. E nunca mais voltei a fazer queixa de ninguém na minha vida. Embora, neste instante, ao escrever, esteja a denunciar-me”, lê-se. Também sem falsas modéstias ou orgulhos postiços, o ator conta que quando terminou O Padrinho estava falido. A fama, todavia, acertou-lhe em cheio com capas de jornais, entrevistas, telefonemas, holofotes – e acabaria por ensombrar até os papéis clássicos ou as suas experiências enquanto realizador com material inspirado, por exemplo, em Shakespeare.

Eu, Pacino

Alfredo Pacino tornou-se, depois desse batismo cinematográfico, na moeda mágica de Hollywood para papéis de mafioso implacável ou de polícia atormentado – e o seu agente gabava-se que, nesses anos, para uma película ter sucesso bastava colocar Pacino com uma arma no poster. Sidney Lumet, Scorsese, Brian de Palma, Michael Mann, exploraram a aura de duro, os tiques virtuosos, a voz retumbante, e acrescentaram-lhe parceiros-espelho como Robert de Niro em Heat – Cidade sob Pressão. Mas ainda hoje, quando fala com alunos de representação e estes perguntam invariavelmente o que fez para ficar famoso, Pacino responde: “Participei em O Padrinho, pá.” Numa carreira tão longa, e numa biografia de 300 páginas que revela uma honestidade desarmante – um certo tom de “it’s just like that” – há soundbytes fáceis. O facto de Al Pacino ter recusado o papel de um certo Han Solo na saga Star Wars – sem arrependimentos. A ironia de ter recebido o Oscar de melhor ator pelo papel de um militar intratável, sensível e cego num filme pouco violento como Perfume de Mulher. O alcoolismo para lidar com a perda da mãe que, afiança, lhe salvou a vida – “There’s no way of showing / What you mean to me, Sonny Boy…”. Ou ainda a fábula hollywoodesca do ator roubado pelo gestor desonesto – “Tinha cinquenta milhões de dólares e, depois, nada.” Ou o querer interpretar Napoleão. Ou ter-se tornado pai aos 83 anos. E dizer, apesar de ter sido companheiro de muitas atrizes com quem contracenou (Jill Clayburgh, Tuesday Weld, Diane Keaton…), ter tido cedo este entendimento: “Trabalho é trabalho, o romance e a vida vinham em segundo lugar.” O espanto é outro: como é que chegou até aqui?

Pacino recorda que, quando tinha 13 anos, ao passar pela montra de uma sapataria, o amigo Cliffy deu um pontapé na montra e desatou a fugir com um par de sapatilhas na mão no meio do pandemónio, até que foram apanhados pela polícia. Conta: “Nessa altura, pensei: Já chega disto – é vandalismo e é um crime. Era outro nível. Estava chocado e acho que havia qualquer coisa nisso que fazia sentir-me desconfortável.” Os amigos foram-se antes dos 30 anos, por causa de drogas: Bruce foi encontrado no chão de um quarto de motel à saída de uma autoestrada, “o corpo caído ao lado de um saco de lona”. Petey morreu com uma agulha no braço aos 19 anos, e Pacino soube disso por um “punk de cara suja do seu grupo de drogados” que lhe disse: “Ele era ávido, pá. As pessoas ávidas morrem.” E Cliffy, o amigo “violentamente atraído pelas montras”, que matara um esquilo à pedrada sem querer e chorara de arrependimento no chão pedindo perdão a Deus, também foi vítima de uma agulha assassina. Nas páginas finais de Sonny Boy – Memórias, Al Pacino questiona-se: “Por vezes, penso: Porque é que não acabei assim? Porque é que ainda estou aqui? Terá sido apenas sorte? Foi Tchekhov? Foi Shakespeare? Foi o meu primeiro encontro com o Charlie? Ou foi o meu avô ou a minha mãe naquele telhado, a chamar-me, ‘Sonny Boy, não comeste nada, o jantar está na mesa’? O que nos faz continuar? De onde vem a sobrevivência?”.

O narrador vem à boca do palco fazer agradecimentos. Al Pacino volta a ser Sonny Boy:  “Esta vida é um sonho, como diz Shakespeare. Acho que a parte mais triste de morrer é perdermos as memórias. As memórias são como asas: fazem-nos voar, como um pássaro ao vento. Se tiver sorte, se for para o Céu, talvez me reencontre com a minha mãe. Tudo o que quero é ir ter com ela, olhá-la nos olhos e, simplesmente, dizer-lhe: ‘Olá, mãe, viste o que me aconteceu?’”. E se Rose estiver na primeira fila do anfiteatro celestial, deve concordar com o último parágrafo escolhido pelo filho, em que este confessa o que Charlie Laughton, então com 84 anos e paraplégico, lhe disse: “És um milagre, Al. És um milagre.” Remata Pacino: “Quem tem alguém que lhe diga isto? É claro que não acreditei. Mas percebi o que ele estava a dizer. Toda a minha vida foi uma coisa improvável.” Palmas, créditos finais, luz na sala, that’s all folks.

Autobiografia

Sonny Boy – Memórias (Editorial Presença, 320 págs., €21,90) percorre a vida e a carreira longas de Al Pacino, 84 anos cumpridos a 25 de abril, narrando a sua infância e a sua juventude no bairro nova-iorquino de South Bronx, os traumas familiares, a vida de aspirante a ator, a fama pós-O Padrinho, a relação com os camaradas de profissão, a admiração por Shakespeare, os pensamentos sobre o mistério da representação e, ainda, a vida no presente, sempre assombrada por uma certa inquietação e marcada pelo amor aos filhos. Tudo isto numa prosa direta e sincera, que brilha sobretudo na descrição dos anos formativos e nas histórias familiares.

Palavras-chave:

Bem-vindo à série do podcast Tech Flow que é inteiramente dedicada à cibersegurança. Ao longo de cinco episódios, exploramos a segurança informática de forma descomplicada – dos conceitos gerais que definem esta área, às novas tecnologias que estão a transformar a forma como utilizadores, empresas e organizações devem abordar a segurança digital. Este é um podcast que tem como objetivo sensibilizar os utilizadores e os decisores – porque no fim de contas, todos usamos tecnologia – para a importância da cibersegurança no dia-a-dia.

Novo episódio na próxima quarta-feira, 27 de novembro, às 15h30,
sobre “A diretiva NIS2 e o que traz de diferente nas regras de cibersegurança

O que são as tecnologias quânticas e por que motivo são importantes para a cibersegurança? Quais as implicações estratégicas destas novas tecnologias para as empresas? Como integrar ferramentas quânticas nos atuais sistemas de defesa e proteção? E como se convence alguém da importância de uma tecnologia que para muitos ainda é desconhecida e está longe de ser amplamente adotada?

As respostas a estas e outras perguntas são dadas por Mário Caldeira, sócio na Deloitte Portugal e vice-presidente do Instituto Português de Quântica (PQI na sigla em inglês), e António Martins, engenheiro de sistemas de cibersegurança na Warpcom. Pode ver o quarto episódio do Tech Flow na versão vídeo no início deste artigo ou ouvir aqui a versão em áudio:

Tech Flow, episódio 4

Veja ou reveja os outros episódios já publicados do podcast Tech Flow:

A nova série do podcast Tech Flow, dedicada à cibersegurança, é feita pela Exame Informática em parceria com a Warpcom. 

Seja de baixa ou alta intensidade, o exercício físico – mesmo que praticado durante curtos períodos de tempo – está cientificamente associado a diversos benefícios para a saúde do corpo e da mente. E há mais uma investigação a garantir que a prática de atividade física também contribuiu para uma maior longevidade. Publicado na última quinta-feira na revista científica British Journal of Sports Medicine, um estudo de uma equipa de cientistas da Universidade de Griffith, na Austrália, concluiu que a prática regular de exercício físico pode resultar no aumento da esperança média de vida que pode ir de 5 a 10 anos. “As nossas descobertas sugerem que [a atividade física] proporciona benefícios para a saúde substancialmente maiores do que se pensava anteriormente”, pode ler-se no estudo.

Para a investigação, a equipa australiana desenvolveu uma “tabela de vida” de forma a calcular o impacto que os diferentes níveis de atividade física – divididos em quatro quartis – tinham nos anos de vida da população norte-americana, com mais de 40 anos. A tabela foi construída com base em dados recolhidos entre 2003 e 2006, pelo National Health and Nutritional Examination Survey, em que foi medida – com recurso a acelerómetros – a atividade física dos participantes. A amostra analisada utilizou os aparelhos durante, pelo menos, dez horas no decorrer de 4 ou mais dias. Para além do tempo de atividade física diário, estes medidores de atividade captaram ainda o nível de atividade diário destas pessoas, sendo contabilizadas atividades quotidianas, como subir escadas ou uma curta caminhada. Estes dados foram depois cruzados com registos médicos populacionais de 2019 e com o número de óbitos registados em 2017 pelo Centro Nacional de Estatísticas da Saúde – que os investigadores assumiram estar relacionados com os níveis de atividade de 2003-2006.

Com base nas informações recolhidas, a “tabela de vida” teve por objetivo fazer uma projeção dos anos de vida seguintes da população analisada – com base nos seus diferentes níveis de exercício físico – e calcular quanto tempo poderiam vir a “ganhar” caso aumentassem a sua prática diária.

De acordo com as conclusões, os primeiros 25% da população – o quartil com maiores níveis de atividade -mostraram praticar cerca de 160 minutos de caminhada (a 4,8 km/hora) diariamente. Já o quartil que demonstrou menor prática física teve uma atividade equivalente a uma caminha de 49 minutos, seguidos do grupo com 78 minutos e do terceiro quartil com 105. Com base nestes dados, as estimativas mostraram que se toda a população norte-americana – com mais de 40 anos – fosse tão ativa como o primeiro quartil, a esperança média de vida poderia aumentar pouco mais de 5 anos, ficando situada nos quase 84 anos (atualmente encontra-se nos 78,6).

Contrariamente, se todos tivessem um desempenho físico igual ao do último quartil, a esperança média de vida nos EUA seria de 73 anos – uma perda de quase 6 anos de vida. “Fiquei surpreendido ao descobrir que a perda de anos de vida nos EUA devido a baixos níveis de atividade física pode rivalizar com as perdas devidas ao tabagismo e à hipertensão arterial”, explicou Lennert Veerman, um dos autores do estudo.

A tabela mostrou ainda que de forma a igualar o grupo mais ativo, o quartil de atividade mais baixo teria de fazer mais 111 minutos de caminhada – a 4,8 km/hora – todos os dias, o que poderia resultar num “ganho” na sua esperança de vida de quase 11 anos.

De camuflado e óculos escuros, António Ramalho Eanes, 40 anos, tenente-coronel de Infantaria, faz, de helicóptero, a curta viagem entre a unidade de Comandos da Amadora e o Palácio de Belém, onde o espera o general – e Presidente da República – Francisco da Costa Gomes. Acompanha-o Alípio Tomé Pinto, outro oficial superior, camarada de armas e amigo pessoal. O País fervilha, nesta manhã cinzenta de 25 de novembro de 1975: nas ruas da Grande Lisboa está em marcha um golpe de Estado.

Pouco antes de o aparelho baixar, Eanes coloca sobre o joelho a arma que lhe é atribuída nas suas funções de oficial, uma pistola Walter de nove milímetros. Com voz dura e autoritária, interpela Tomé Pinto: “Não vens armado?” Perante a negativa, Eanes deixa escapar um palavrão. Ele não confia em brandos costumes e levou meses a preparar-se para este momento. Para ele, o Palácio de Belém pode ser uma ratoeira. Os revoltosos da extrema-esquerda militar que, na madrugada desse dia, desencadearam o golpe, parecem estar em vantagem. E não é seguro que o titubeante e ambíguo Costa Gomes penda para o lado dos moderados. Ele tinha especificamente instruído a sua equipa operacional de que não era para facilitar, instruções que, por exemplo, Jaime Neves, chefe dos Comandos, levará à letra, horas mais tarde, como veremos…

Ponto nevrálgico Rendição da Polícia Militar, na Ajuda, última bolsa de resistência das forças da esquerda radical militar, assediada pelos Comandos de Jaime Neves. Em baixo, o PR, Costa Gomes, que teve papel preponderante a evitar a guerra civil, Melo Antunes, que garantiu a sobrevivência no PCP, no pós-golpe, e Ramalho Eanes, comandante das forças moderadas, que seria, um ano depois, aos 41 anos, o primeiro Presidente da República eleito por sufrágio direto e universal

Sabemos, agora, o que Tomé Pinto adivinhara: não haveria qualquer problema em Belém. Costa Gomes, chamado, pelos detratores, o “Chico Rolha”, pela sua capacidade de “flutuar” sobre os acontecimentos, revelar-se-ia, naquele dia, um dos “adultos na sala” e uma figura decisiva, sendo suficientemente firme para garantir o funcionamento das instituições e suficientemente diplomático para que se evitasse o banho de sangue.

O Presidente aguardava o oficial, para concertarem estratégias. A essa hora da manhã, Costa Gomes já sabia que o seu interlocutor era o comandante operacional das forças moderadas e que, tal como ele, tudo faria para evitar a guerra civil. Unidos nesse ponto, analisaram o plano de operações, elaborado pelo tenente-coronel. Pouco depois, Eanes bate a pala e volta para o seu posto de comando. Está tudo a postos.

O almirante sem medo

“É só fumaça, o povo é sereno!” foi uma das frases mais célebres da fundação da democracia

Pinheiro de Azevedo, um dos mais carismáticos oficiais da Armada, pertencente ao núcleo duro do MFA e alinhado com os oficiais moderados do movimento, foi o primeiro-ministro do VI Governo Provisório (pós–gonçalvista). Numa reunião com os líderes partidários, chegou a dar voz de prisão a Mário Soares, quando este discordou da composição do governo, ameaçando retirar o apoio do PS. Intempestivo, franco, transparente, Azevedo alcançou uma rápida popularidade, fruto da sua coragem para enfrentar os excessos revolucionários e da sua capacidade de comunicar diretamente com o povo. Acusado, por manifestantes esquerdistas, de ser “fascista”, gritou, do alto de um palanque: “Badamerda mais o fascista!” Com São Bento cercado pelos metalúrgicos, dominados por ativistas da extrema–esquerda, decretou, a 20 de novembro de 1975, a suspensão de funções do governo. A “greve do governo” durou até dia 28. Na ocasião, justificou, perante as câmaras da RTP: “Já fui sequestrado duas vezes. Não gosto de ser sequestrado, é uma coisa que me chateia, pá!” O seu momento mais célebre deu-se num comício de apoio ao seu governo, quando a Polícia Militar, comandada pelo major radical Mário Tomé, lançou gás lacrimogéneo, para tentar dispersar a multidão, que enchia o Terreiro do Paço. O almirante gritava: “É só fumaça, o povo é sereno!” E a plateia respondeu: “Ninguém arreda pé!”

Às 15h30, recebe luz verde. A ordem surge num documento escrito pelo Presidente da República e chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA): execute-se o plano. Em cima da mesa estão duas hipóteses: ou a ação obtém êxito, logo às primeiras horas, ou o País pode mergulhar na guerra civil. Eanes juntara-se ao grupo dos “homens sem sono”, como ficaram conhecidos os capitães de Abril, durante o PREC (Processo Revolucionário em Curso). Estivera acordado de 24 para 25 e a vigília há de durar até à manhã de 26. Em termos operacionais, é ele que lidera a equipa que, nas instalações do Estado-Maior, espera, dia 24, pelo final da reunião do Conselho da Revolução (CR), em que é decidida a substituição de Otelo Saraiva de Carvalho, operacional do 25 de Abril e entretanto “radicalizado”. O Grupo dos Nove – já veremos quem são – domina agora o CR, um órgão constituído para garantir a tutela militar sobre a frágil democracia portuguesa e que durará até à revisão constitucional de 1982.

Para o lugar de Otelo, chefe da nevrálgica Região Militar de Lisboa, é nomeado um dos membros mais proeminentes dos Nove (ala moderada), Vasco Lourenço. Eanes chega a sua casa, no Bairro da Madredeus, na zona oriental de Lisboa, já muito tarde. Mal acaba de adormecer, é acordado pela mulher, Manuela Eanes. Ao telefone, informam-no de que, palavras posteriores de Eanes, “o adversário desencadeara uma ação armada que há muito se admitia como provável”. Veste o uniforme e junta duas granadas de mão ofensivas (menos letais do que as defensivas) às mudas de roupa que, há semanas, dentro de uma mochila, aguardavam este momento. Chegou o Dia D. Às primeiras horas, a situação parecia feia. Os paraquedistas, que desde a Base Aérea de Tancos, tinham desencadeado a operação, ocupavam Monsanto e bases importantes. O Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS) tomara posições estratégicas nos acessos norte a Lisboa e junto do aeroporto e controlava o depósito de material de guerra. A Escola Prática de Administração Militar (EPAM) ocuparia, à tarde, a RTP. Vasos de guerra fizeram-se ao largo. É neste quadro que, às primeiras horas da manhã, Eanes vai a Belém. Costa Gomes manda aguardar e faz diligências. Assegura a neutralidade do PCP (aliás, mais ou menos pré-combinada com Melo Antunes, como veremos mais adiante). Depois, seguro da esmagadora superioridade militar de Eanes, que conta com a lealdade das regiões militares norte, centro e sul (ver caixa), além dos Comandos – a única força fiável, que mantém disciplina militar, nestes tempos… –, convence os fuzileiros a não avançar. E exorta os rebeldes a recuar. Outra figura militar conotada com os golpistas, o poderoso comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente) é também neutralizado. Chamado a Belém, Otelo Saraiva de Carvalho fica informalmente detido e mantido incontactável. Costa Gomes, tantas vezes diabolizado pela direita, representa, assim, um papel crucial de moderação, na defesa da legalidade. Está evitada a guerra civil.

O fator Jaime Neves

Ao início da tarde, praticamente, só os “paras” de Tancos e a Polícia Militar, na Ajuda, se mantêm no golpe. Às 15h30, Eanes recebe a tal luz verde para avançar. Sob a sua coordenação, os Comandos, chefiados por Jaime Neves, um a um, reconquistam os objetivos: ao fim da tarde libertam as instalações da Força Aérea, em Monsanto. Às 21h10, já depois de os estúdios do Porto terem cortado a palavra a Duran Clemente (ver caixa), é a vez da RTP. Na manhã de 26, Jaime Neves obtém a rendição da PM, o que custa a morte de dois comandos e de um PM.

Vencidos e vencedores Paraquedistas choram a derrota, depois da assembleia de Tancos em que decidiram sair para a rua. Em baixo à direita, Ramalho Eanes com Vasco Lourenço e Marques Júnior

Diga-se, neste ponto, que a ação de Jaime Neves, frente ao quartel da Ajuda, teve valor mais simbólico do que outra coisa. A PM, última bolsa de resistência, nunca foi uma unidade de combate (mas de policiamento), pelo que a ameaça que representava era, basicamente, nula. E, ainda neste ponto, pode dar-se voz à versão do seu comandante, o major Mário Tomé, que rebate, em parte, a narrativa oficial: “A PM, às 8h10 de 26 de novembro, é atacada pelos comandos de Jaime Neves porque o Comando da PM assobiava para o lado quando, pelo telefone, alguns chefes golpistas [quer ele dizer, os moderados] lhe exigiam para se apresentar em Belém. Porquê? Porque sim! Não vamos, ‘estamos de prevenção rigorosa às ordens do PR e CEMGFA’, como aliás todas as unidades da Região Militar! Entretanto a investigação interessada tem-se esquecido de perguntar qual era a ‘forte guarnição’ empenhada na segurança do Presidente da República com a ‘insurreta’ PM a 100 metros, Calçada da Ajuda acima. Ramalho Eanes responderá decerto que se esqueceu desse pormenor…”

Seja como for, ao “final do dia”, em jeito de epílogo, Eanes resume a operação em termos que definem bem a sua “cabeça militar”: “Cerca das 15h30, Costa Gomes deu luz verde. A ação militar iria desenvolver-se num contexto que sempre desejáramos, de rigorosa legitimidade e respeito pela cadeia de comando [a começar pelas ordens do PR e CEMGFA…].”

Os antecedentes

Em março de 1975, começou a circular nalgumas unidades no País uma lista de figuras a abater, o que, rapidamente, se tornou um segredo de polichinelo: aparentemente, os setores mais radicais do MFA pretendiam levar a cabo aquela que ficou conhecida por “matança da Páscoa” (e que, na realidade, nunca ocorreu). Mas a lista, que incluía figuras militares e civis de diversos quadrantes ideológicos não alinhados com o PCP ou com a extrema-esquerda, destinar-se-ia a fazer “sair da toca” as forças da reação que, em surdina, reunidas em torno do general Spínola, planeariam um golpe “de direita”. Fosse como fosse, o objetivo foi atingido, numa espécie de intentona – a que alguns chamaram “inventona” – transmitida em direto pela RTP, com o bombardeamento, por forças paraquedistas, do RALIS situado à saída da capital para a Autoestrada do Norte (que, na altura, apenas se estendia até Vila Franca de Xira com portagem, para os ligeiros, de 5$00, ou seja, dois cêntimos e meio). Aos microfones e perante as câmaras do repórter Adelino Gomes, fica imortalizada a forma como os oficiais desavindos parlamentam: de um lado, Diniz de Almeida, o “Fittipaldi das chaimites” (ver caixa) e, do outro, um oficial das forças revoltosas que, no final da conversa, vê os seus homens depor as armas, por “terem sido enganados”. Bem à portuguesa, os soldados acabam nos braços uns dos outros. Mas o que parecia ter sido um tragicómico equívoco – equívoco que custou a morte ao soldado Luís, no RALIS… – revelou ser uma ação cuidadosamente preparada para permitir um salto em frente na revolução, segundo os cânones leninistas cuidadosamente estudados em Lisboa. Ficou célebre a “Assembleia Selvagem do MFA” e o programa intenso e imediato de nacionalizações, alegadamente, para evitar a fuga de capitais. O 11 de março teria também servido para adiar sine die as “eleições burguesas”, para a Assembleia Constituinte, mas não se chegou a tanto, visto que esse era o compromisso mais emblemático do programa do MFA (de que o major Melo Antunes fora o principal redator).

O grande ausente do PREC

Enquanto moderados e revolucionários mediam forças, durante o Verão Quente, Sá Carneiro convalescia numa moradia no Sul de Espanha (e não em Portugal)

Durante todo o Verão Quente de 1975, Francisco de Sá Carneiro, que fora submetido a uma intervenção cirúrgica na capital do Reino Unido, na London Clinic, esteve ausente do País. Seguindo os acontecimentos à distância, sem contacto com a dura realidade do PREC, insurgia-se contra a estratégia do partido – a assinatura do Pacto MFA-Partidos, a secundarização do PPD nas iniciativas, promovidas pelo PS e destinadas a enfrentar a deriva revolucionária, e o apoio do partido ao Documento dos Nove, divulgado a 7 de agosto de 1975, assinado por nove oficiais moderados, de grande relevo, no MFA, contra a deriva totalitária e a defender a construção de um socialismo democrático. Instado, várias vezes, a regressar para convalescer em Portugal e reassumir a liderança do partido, foi recusando, preferindo instalar-se numa vila do Sul de Espanha. A 15 de maio de 1975, ainda de Londres, respondeu a uma carta de Jorge Ferreira da Cunha (citada no livro Mota Pinto, de João Pedro George, edição Contraponto), recusando regressar, por estar “muito apreensivo” com a situação política. Posteriormente, Sá Carneiro criticou o “seguidismo” do partido relativamente ao PS e aos militares moderados. Com efeito, enquanto Mário Soares, por um lado, Freitas do Amaral, por outro, e figuras como Mota Pinto ou Magalhães Mota (do PPD), ainda por outro, arriscavam a pele em Portugal, Sá Carneiro convalescia na localidade de San Pedro de Alcántara, perto de Marbella, numa moradia arranjada pelo amigo José Harry de Almeida Araújo, presidente do Partido Liberal, organização conotada com o antigo regime. Voltou a Portugal já depois de Pinheiro de Azevedo ter substituído Vasco Gonçalves, a 23 de setembro. O afastamento de Vasco Gonçalves terá contribuído para a decisão de voltar à pátria, em vez de, como terá planeado, rumar ao Brasil.

Mesmo tendo o PS, principal partido a opor-se ao avanço comunista, liderado por Mário Soares, ganhado as eleições confortavelmente (37,87%) e o PPD de Sá Carneiro ficado, com surpresa, não só em 2º lugar, mas muito à frente do “favorito” PCP (26,39% contra 12,46%, num País ainda sem sondagens…), as eleições em nada alteraram, antes reforçaram, a determinação de Álvaro Cunhal de levar por diante uma vanguarda revolucionária que implantasse em Portugal a “ditadura do proletariado”. É curioso notar que Cunhal dera instruções, no entanto, para evitar a palavra “ditadura”, que tinha conotações perversas, depois dos 48 anos de autoritarismo dito fascista, em Portugal. Mais, os ministros comunistas dos governos de Vasco Gonçalves (ver caixa) tinham grandes dificuldades em lidar com os grupos de extrema-esquerda. A lei da Unicidade Sindical (concebida para que apenas uma central sindical, a CGTP Intersindical, controlada pelo PCP, pudesse operar) foi pensada mais para travar os movimentos inorgânicos da extrema-esquerda do que para combater o sindicalismo afeto ao PS ou ao PPD. Ora, esta lei foi o início da longa batalha entre o PS e o PCP e entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, o que, a 6 de novembro, desembocaria no célebre debate televisivo entre ambos, na RTP, em que o socialista acusa o adversário de querer impor uma nova ditadura, levando Cunhal a dizer, repetidamente, “olhe que não, olhe que não…”. Por essa altura, já o PS se implantara no terreno dos comunistas, a rua, depois do histórico Comício da Fonte Luminosa, de 19 de junho. Numa conversa com o dirigente centrista, Freitas do Amaral (in O Antigo Regime e a Revolução, Diogo Freitas do Amaral, Bertrand, 1995), Soares disse-lhe: “Eles querem matar-me, mas eu vou resistir.” Álvaro Cunhal, imitando as táticas do partido bolchevique face aos mencheviques, na Rússia de 1917/18, tinha avisado o socialista: “Ou o PS alinha com o PCP no aprofundamento da revolução socialista ou será implacavelmente esmagado.”

Foi neste quadro de crescente confronto que o País entrou, naquele verão, num clima de iminente guerra civil. Reagindo contra o avanço comunista, a extrema-direita organiza uma rede bombista e comete vários homicídios, organizando, também, no Norte e no Centro do País, os assaltos às sedes do PCP e de outros partidos de esquerda. A CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) reúne-se, em Rio Maior, para organizar a reação contra o PCP e, na localidade ribatejana, atravessada, a 70 quilómetros a norte de Lisboa, pela EN1 Lisboa-Porto, aparecem placas onde se lê “Aqui começa Portugal”. E a célebre moca, ainda hoje um artefacto do artesanato local, mas já sem conotações políticas, era brandida pela direita mais caceteira – mas também por eleitores e militantes do PS, indignados com o rumo dos acontecimentos, em Lisboa. De uma certa maneira, este movimento do tipo Maria da Fonte acabou por ser instrumental para as pretensões dos socialistas.

O projeto da FUR

Com a liderança do PCP, criada a 25 de agosto, a Frente de Unidade Revolucionária (FUR) tinha sido constituída, precisamente, como vanguarda de rua, constituída por operários, soldados e marinheiros (como em Moscovo, em 1917). O PCP deixaria cair o primeiro-ministro Vasco Gonçalves, seu compagnon de route, mas já esgotado por mais de um ano de sucessivos governos provisórios, cada vez menos populares.

Operacional Jaime Neves, (ao centro), conferencia com Morais e Silva, chefe do Estado-Maior da Força Aérea. As suas manobras seriam decisivas

A FUR incluía a LCI (movimento trotskista, onde militava Francisco Louçã, hoje no Bloco de Esquerda), o MDP (partido-satélite do PCP, que representava um papel equivalente ao atual Partido Ecologista os Verdes), a FSP (dissidentes do PS, liderados por Manuel Serra), o PRP-BR (de Isabel do Carmo e Carlos Antunes, mais tarde indiciados e posteriormente absolvidos por atos terroristas), a Organização 1º de Maio e a LUAR (movimento de Palma Inácio, que tinha levado a cabo ações espetaculares contra a ditadura de Salazar e Marcelo Caetano). Os diversos partidos inscreviam-se nas correntes mais díspares – e rivais, no quadro da extrema-esquerda – e faziam a síntese impossível entre leninistas, trotskistas, não alinhados, católicos progressistas e até alguns maoistas. Só a UDP, da linha albanesa de Enver Hoxha, a que depois aderiu o major Mário Tomé (ver caixa), corria em pista própria. A FUR tinha ainda um braço armado clandestino nas Forças Armadas, os SUV (Soldados Unidos Vencerão), encarregado de espalhar propaganda e promover a agitação nos quartéis. Nas conferências de imprensa convocadas pelos SUV, os seus elementos chegavam a apresentar-se encapuzados…

O “Documento dos Nove”

A FUR (rapidamente abandonada pelo PCP, que pressentiu ali um beco sem saída) foi uma tentativa desesperada, decidida a 10 de agosto, durante uma reunião secreta do comité central, em Alhandra, onde Álvaro Cunhal não pôs de lado a tomada do poder por meios não pacíficos. Esta reunião serviu para planear a retoma da iniciativa, depois de, a 7 de agosto, com estrondo, um documento assinado, à cabeça, por nove prestigiados capitães de abril, e conselheiros da revolução – e rapidamente subscrito por muitos outros, incluindo Ramalho Eanes e Salgueiro Maia –, divulgado pelo semanário O Jornal (publicação que daria origem à VISÃO) ter definido uma linha vermelha entre a construção do socialismo pela via revolucionária e a via democrática e pluralista. Embora com uma linguagem claramente à esquerda e comprometida com o ideal socialista não alinhado, típico dos anos 70 – o que motivou uma forte reação contrária de Sá Carneiro, entretanto “refugiado” no conforto da Espanha franquista (ver caixa) –, o Documento dos Nove separava as águas entre os revolucionários e os moderados, que aceitavam eleições livres e a constituição de um parlamento democrático. Mais uma vez, Ernesto Melo Antunes, ideólogo do 25 de Abril, se chegou à frente, para redigir a peça, o que fez com que o texto seja também chamado Documento Melo Antunes.

O papel dos vencedores

Seis nomes incontornáveis para uma história do 25 de Novembro

Ramalho Eanes
Um general político
Por alturas do 25 de Abril, já aderente ao MFA, prestava serviço em Angola. Regressado a Portugal, foi nomeado presidente da RTP, até março de 1975. No verão quente, foi um dos apoiantes do Grupo dos Nove. Liderou as operações militares das forças moderadas, a 25 de novembro. Em 1976, foi o primeiro Presidente da República eleito por sufrágio direto e universal.

Jaime Neves
O operacional
Jaime Neves, notável do MFA, carismático chefe da Unidade de Comandos, cercou a força revoltosa da Polícia Militar, na Ajuda, e pôs termo à última bolsa de resistência. Perdeu dois homens na única escaramuça registada (morreu um soldado da PM). Do ponto de vista militar, a sua ação foi decisiva.

Vasco Lourenço
O avanço do moderado
Substituiu Otelo Saraiva de Carvalho como comandante da Região Militar de Lisboa. A decisão foi tomada no dia 24, véspera dos acontecimentos, contra o parecer de várias unidades alinhadas com os militares da ala esquerda e pode ter precipitado a revolta dos revolucionários.

Melo Antunes
O cérebro dos dois 25
Principal ideólogo do MFA e redator dos dois mais importantes documentos da fundação da democracia, o programa do MFA e o Documento dos Nove (ou Documento Melo Antunes), foi a cabeça do 25 de Abril e do 25 de Novembro e o único oficial com força para garantir a sobrevivência, apesar de tudo, do PCP (ver texto principal).

Pires Veloso
O vice-rei do Norte
O comandante da Região Militar Norte, o brigadeiro Pires Veloso, foi um dos principais travões ao avanço dos revolucionários. Outros comandantes (Região Militar Centro, Franco Charais, Sul, Pezarat Correia, e de Lisboa, Vasco Lourenço) foram também pilares moderados do MFA, neste período.

Mário Soares
O pai da liberdade
Fundador e líder do PS, foi a principal figura civil a opor-se ao PCP e à extrema-esquerda, durante o PREC. Ameaçado de morte, em permanente contacto com os oficiais moderados, mobilizou a sociedade civil contra a nova deriva totalitária e foi o político mais beneficiado pelo 25 de Novembro.

Para a História, os nomes dos outros oito signatários iniciais: Vasco Lourenço, Canto e Castro, Vítor Crespo, Costa Neves, Vítor Alves, Franco Charais, Pezarat Correia e Sousa e Castro. Mas, por detrás do que era visível, as forças moderadas aceleraram, de imediato, o planeamento de um confronto militar entre as duas fações, algo que o grupo de Melo Antunes já considerava inevitável – e tinha em marcha – desde a primavera. E foi aí que entrou Ramalho Eanes, com instruções para ultimar o plano que já vinha a preparar, com a sua equipa, desde maio. Seis meses antes do 25 de Novembro, com voz disfarçada, um sr. Silva já havia ligado para Tomé Pinto, marcando-lhe um encontro discreto, na messe de Santa Clara, onde Pinto estava destacado. O sr. Silva, aliás, Ramalho Eanes, começava a escolher a sua equipa para prevenir o confronto iminente. Tomé Pinto, o companheiro de viagem no helicóptero que já conhecemos…

O encontro secreto Cunhal-Melo Antunes

No dia 25 de novembro, os comunistas receberam instruções da direção do partido para se manterem quietos. Não pelos bonitos olhos da democracia pluralista, mas porque Álvaro Cunhal sabia que, num confronto militar, as forças revolucionárias não teriam hipótese – e os que embarcassem na aventura tinham o caminho político barrado, por muitos anos. Lenine ensinara que, para se dar um salto em frente, por vezes, é necessário um pequeno recuo tático (ver caixa). Na composição parlamentar da Assembleia Constituinte, eleita a 25 de abril desse ano, as forças revolucionárias tinham 36 dos 250 deputados e as forças moderadas 214…

Tudo fora combinado uns dias antes, durante um encontro secreto que Cunhal nunca admitiu mas que outras testemunhas relataram ao biógrafo de Jorge Sampaio, José Pedro Castanheira. Nas vésperas de 25 de novembro, no maior secretismo, elementos do MES, partido de socialistas radicais mas não totalitários, grupo que tinha a simpatia de Melo Antunes, convencem o líder do PCP para um encontro secreto com o chefe dos militares moderados. O encontro dá-se em casa de Nuno Brederode Santos, um dos melhores amigos de Sampaio, cofundador do MES. A reunião, na residência situada na Estrada das Laranjeiras, em Lisboa, foi narrada pelo anfitrião ao jornalista José Pedro Castanheira: “Primeiro, apareceu o Melo Antunes, sozinho. Depois o Cunhal. Após as cortesias normais, retirei-me. No final, fui até à sala e conduzi o Cunhal ao elevador. Melo Antunes ficou mais meia hora comigo. Não revelou nada de concreto, mas disse o suficiente para eu perceber que estava a tirar ilações corretas da conversa.”

“Soares, gay? Isso não cola…”

O rumor que não pegava

O episódio, talvez inédito até hoje, foi-nos relatado por uma testemunha ocular, então oficial miliciano. Numa tempestuosa reunião no quartel-general da 5.ª Divisão, congeminou-se o lançamento de um boato para desacreditar a figura de Mário Soares. A 5.ª Divisão tinha sido constituída, em junho de 1974, por Francisco da Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), que viria a ser o segundo Presidente da República da democracia, depois da renúncia de António de Spínola, no final de setembro desse ano. As funções da 5.ª Divisão, rapidamente dominada por militares afetos ao PCP, eram, sobretudo, de propaganda. Nomeadamente, o organismo era responsável pelas ações de dinamização cultural (chamadas, pelos críticos, de ações de catequização comunista) e pelo boletim do MFA. Naquele dia, logo após o comício da Fonte Luminosa, um coronel da 5.ª divisão, propôs o seguinte: “O Mário Soares é que nos anda a lixar [a palavra foi outra]. Vamos espalhar que o gajo é homossexual [a palavra foi outra].” Nessa altura, o comandante Ramiro Correia, também próximo do PCP, opôs-se, por razões de ordem prática: “Isso não vai colar, pá! Toda a gente sabe que o Soares é um grande mulherengo… [e a palavra foi outra…].”

No dia 26 de novembro, Melo Antunes cumpre o que pode ter sido a sua parte do acordo com o líder comunista e trava as aspirações de uma certa direita revanchista. Ele sabe que é, nesse momento, o homem mais influente do País. Numa longa declaração de cerca de 16 minutos, em direto, e de improviso, à RTP, a partir de Belém, onde aproveita para enaltecer o “alto valor militar” de Jaime Neves e dos seus homens, reflete sobre o que se passou, na véspera, como o rebentamento de “um abcesso”. Depois, em 35 palavras fundadoras, define o que será, doravante, a “construção do socialismo”: “Eu quero dizer, neste momento, e considero isso muito importante, que a participação do Partido Comunista Português na construção do socialismo é indispensável. Não me parece que seja possível, sem o PCP, construir o socialismo.” Esta frase cirúrgica não escapa à crítica de Mário Tomé, cujo comentário também indicia desconfianças sobre um pré-acordo entre Melo Antunes e Cunhal: “Melo Antunes apressou-se a caucionar o papel democrático do PCP, mas esqueceu-se das outras forças de esquerda…”

O que está em causa, em 2023

O 25 de Novembro, feito pelos mesmos capitães de Abril que o País já conhecia – e pelos principais, se excetuarmos Otelo, Vasco Gonçalves e Rosa Coutinho – repôs os ideais de abril, recentrou o cumprimento do programa do MFA e lançou as bases do regime democrático, com a intenção expressa de encontrar uma via para “a construção do socialismo”. Então, porque quer a direita apropriar-se da data? Em primeiro lugar, porque celebra a derrota da extrema-esquerda e do projeto do PCP. Em segundo lugar, por falta de comparência de todos os outros democratas, socialistas incluídos. Segundo fontes do PSD, a intenção de Carlos Moedas, ao anunciar comemorações oficiais, na Câmara Municipal de Lisboa, “é a de integrar as forças democráticas e retirar o protagonismo ao Chega, que se apropriou, ilegitimamente, da bandeira do 25 de Novembro”.

Já António Costa, tinha 14 anos, em 1975, e iniciava-se na atividade política. No dia 25 de novembro desse ano, o arco da governação, composto por PS, PSD e CDS, começava o seu longo ciclo e os comunistas eram banidos do poder. Até que, em 2015, o mesmo António Costa anuncia o “derrube do muro”. O que, segundo fontes do PS, não alinhadas com a atual direção, “pode explicar as reticências do partido em juntar-se às comemorações de uma data na qual foi, politicamente, o principal beneficiado”.

Ou seja, nos próximos tempos, nenhum helicóptero irá aterrar nos jardins do Largo do Rato. 

Ai dos vencidos!

A 25 de novembro, um modelo de sociedade foi derrotado. Alguns sobreviveram ao desastre – outros desapareceram do “radar”

Otelo Saraiva de Carvalho
Confinado em Belém
Carismático comandante operacional do 25 de Abril, liderou o poderoso COPCON (Comando Operacional do Continente), principal força da esquerda militar radical. Acabou por escolher ficar detido no Palácio de Belém, durante a crise, não dando ordem às suas tropas para atacar. Candidato às presidenciais de 1976, sem apoio de nenhum dos grandes partidos, conseguiria o 2.º lugar, com 16,5% dos votos.

Duran Clemente
Olá e adeus, na RTP
Com o seu ar de Che Guevara, este capitão da 5.ª Divisão e, depois, da EPAM, surpreendeu os portugueses, a 25 de novembro, à hora do jantar, na RTP, a partir dos estúdios do Lumiar, como porta-voz dos radicais – mas a palavra foi-lhe cortada pelos estúdios do Porto, que puseram no ar uma comédia de Danny Kaye. E um dos rostos mais simpáticos dos revoltosos acabou por ser, assim, o rosto da derrota.

Diniz de Almeida
Fórmula 1 que gripou
O chamado “Fittipaldi das chaimites”, por se deslocar em Lisboa nestas viaturas militares (Fittipaldi era o conhecido campeão brasileiro de F1), aguardou, na sua unidade, o RALIS, ordens de Otelo e do Copcon para avançar, limitando-se a ocupar posições estratégicas na sua área de ação. Mas a ordem nunca chegou. No 11 de março vencera, agora estava do lado dos vencidos.

Mário Tomé
O último resistente
Já com as unidades revoltosas da esquerda militar dominadas, este major, comandante da Polícia Militar, mantinha a posição (diria, mais tarde, aguardar ordens de Belém – ver texto principal). Os Comandos de Jaime Neves forçaram a rendição. Seria, depois, dirigente e deputado da UDP.

Álvaro Cunhal
O líder pragmático
Não tendo sido um vencedor, a 25 de novembro – o modelo de sociedade que defendia foi definitivamente derrotado, em Portugal –, soube manobrar para garantir a sobrevivência do PCP, recusando alinhar numa aventura esquerdista sem hipóteses de sucesso. Mas ao clássico “pequeno recuo” nunca se sucedeu o grande avanço que terá desejado…

Vasco Gonçalves
O rosto do PREC
Primeiro-ministro do 2.º ao 5.º governo provisório, caiu com estrondo, depois de um célebre comício, em Almada, e quando o PCP, do qual era “companheiro de estrada”, percebeu que a solução se tinha esgotado. Voluntarioso, inteligente, carismático, do seu período ficou cunhada, para a História, a expressão “gonçalvismo”.

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