As semelhanças entre o Alpine A290 e o recentemente anunciado Renault 5 são evidentes. Nem poderia deixar de ser de outro modo, considerando que o A290 é baseado no R5. Mas as diferenças são mais profundas do que se possa pensar à primeira vista. Não se trata, apenas, de um design mais desportivo associado a uns pneus mais vistosos e a um motor programado para ser um pouco mais reativo. O Alpine A290 tem várias diferenças importantes relativamente ao R5. E todas para melhorar o comportamento dinâmico e potenciar as sensações ao volante. Mas tudo feito de modo a manter o A290 um carro confortável q.b. para uma utilização diária. Pelo menos essa é a promessa da marca francesa. Que é cumprida, como vamos explicar.

Devorador de curvas

Começámos por experimentar o A290 num passeio pela ilha de Maiorca. Um percurso que misturou um pouco de autoestrada com muitas estradas secundárias. Não faltou a passagem por ruas estreitas de povoações antigas, nem estradas sinuosas de montanha. Ambientes onde a agilidade do A290 marca pontos. E, de facto, não podendo ser adjetivado de confortável, o A290 também está longe de ser desconfortável. Não se sente aquela rigidez que torna cada lomba um desafio em outros desportivos. É um carro perfeitamente usável no dia-a-dia. Mas apenas a dois ou num modo 2+2 onde os dois que vão no banco de trás não podem ser crescidos ou, então, têm de aceitar o desconforto de ter os joelhos e os pés ‘esmagados’ contra os bancos da frente. Sobre isto, é necessário levantar o banco do condutor para criar algum espaço para os pés de quem vem atrás.

Mas o melhor é mesmo o comportamento dinâmico. Este carro é mesmo divertido de conduzir. Arriscamo-nos a dizer o mais divertido de conduzir entre os elétricos que já testámos. Não é pela aceleração estonteante, que não tem, mas sim pela forma como é fácil inserir a frente onde e como queremos e sentir uma leve e controlável soltura da traseira.

Ao volante do A290, versão GTS, no circuito em Maiorca

Se sentimos isto nas referidas curvas das montanhas de Maiorca, onde, claro, há que respeitar as regras impostas pelo código da estrada e pelo bom senso, a experiência foi reforçada no circuito local. Demos meia dúzia de voltas, sem limitações, à pista e foi, verdadeiramente, divertido. Travar propositadamente tarde demais, apontar a frente para o interior da curva e sentir o tal deslize da traseira… Na primeira vez que saímos para a pista sentimos falta de motor depois dos escorreganços. Isto porque, afinal, apesar de termos carregado no botão certo, não tínhamos desativado totalmente o apoio da eletrónica. Limitação resolvida na segunda saída para a pista, depois de os técnicos da Alpine nos terem explicado o processo certo: ativar o modo Sport e depois pressionar o botão para desativar o controlo de estabilidade durante alguns segundos. O que tornou a segunda experiência em pista ainda bem mais divertida. Passou a ser possível sentir o motor a responder imediatamente ao acelerador mesmo em situações de desequilíbrio. Mais ‘atravessadelas’. Rapidamente, o ganho de confiança foi tal que quase nos esquecemos que estávamos ao volante de um carro a sério. Parecia, mesmo, um videojogo. Mais velocidade, mais escorreganço, mais sorrisos muito audíveis… E, finalmente, um pião. Fácil de recuperar e sem qualquer perigo, mas uma ‘chamada ao mundo real’. Tudo tem consequências.

O volante, inspirado na F1, tem botões diretos para obter a potência máxima instantaneamente, mudar o modo de condução e comutar entre os modos de regeneração

Jogar para aprender

A sensação de videojogo é reforçada pela app de telemetria integrada no infoentrenimento com sistema operativo Google. O Alpine Telemetrics está dividido em três áreas: dados em tempo real, treino e desafios. Na primeira área temos acesso a muita informação, incluindo acelerações laterais e longitudinais, dados de travagem (ativação do ABS e do controlo de tração), energia regenerada, consumos, pressão dos pneus, tempos por volta e temperaturas do motor, bateria e travões. Em treino são apresentadas dicas para melhorar a condução, incluindo as trajetórias mais adequadas e técnicas de travagem. À medida que progredimos, são apresentados conceitos mais avançados, como técnicas de drifting. Finalmente, em desafios, entramos o condutor é convidado a melhorar a pontuação em diferentes aspetos. Alguns desafios são referentes a estradas fechadas, como aceleração e travagem, enquanto outros foram criados para melhorar a condução a longo prazo, como os desafios relacionados com a eficiência.

Como indicado, o sistema operativo é da Google. O Android Automotive OS, permite a instalação de um grande número de apps, incluído serviços de streaming de música, como o Spotify, ou de comunicações, como o WhatsApp. E, claro, o Google Maps, otimizado para o carro na medida em que apresenta sugestões de localizações de carregamento no planeamento das viagens e também indica uma previsão do nível da bateria no final da viagem.

Autonomia e carregamento

Por tudo o que foi dito, o A290 não é um carro criado para viagens longas. Ainda assim, a bateria de 52 kWh de capacidade será, de acordo com a nossa experiência, capaz de uma autonomia média realista superior a 300 km. Desde que sejamos contidos. Isto porque o consumo medido no circuito permitiria uma autonomia de uns 100. A potência de carregamento máxima é de 100 kW em DC (postos rápidos) e de 11 kW em AC (postos lentos e wallboxes). O A290 suporta V2G e V2L, o que significa que é capaz de fornecer energia elétrica a uma potência até 11 kW para dispositivos externos e para carregadores bidirecionais através da porta de carregamento Type 2. Ou seja, este carro já está preparado para operadores de energia que desenvolvam serviços de carregamento bidirecionais, onde o cliente é compensado por fornecer energia à rede em períodos de pico. No fundo, no que diz respeito à bateria e carregamento, é o A290 é igual ao Renault 5.

Quanto aos motores e equipamento, a Alpine simplificou a gama. Na base há o GT (€38.700), com motor de 180 cavalos. Depois, num segundo nível, quem prefere equipamento pode optar pelo GT Premium (motor de 180 cavalos) e quem valoriza mais a dinâmica pode, pelo mesmo valor (€41.900), optar pelo GT Performance (220 cavalos). Finalmente, a versão GTS (€44.900), a que conduzimos, que junta o motor da Performance com o equipamento do Premium. Durante o lançamento o A290 estará disponível numa série limitada, o Première Édition (€46.200), com interior em couro Nappa, áudio de alta-fidelidade da Devialet (615 watts e nove altifalantes), jantes Snowflake de 19 polegadas e placa numerada.

Veredicto

A experiência de conduzir o A290 em pista deixou-nos com um ‘sorriso de orelha a orelha’. Sabemos bem que não é assim que se conduz no ‘mundo real’, mas a Alpine conseguiu cumprir a promessa de criar desportivo compacto, um verdadeiro hot hatch, que também é um bom citadino para o dia-a-dia – neste aspeto, seria melhor se tivesse mais uns centímetros para os passageiros do banco trás. Mas, voltando ao que mais interessa neste tipo de carro: acelera bem, trava ainda melhor e curva exemplarmente. Um carro cheio de estilo, tanto por fora como por dentro.

Tome Nota
Alpine A290 GTS – Desde €44.900
(gama desde €38.700)
alpinecars.pt

Autonomia Satisfatório
Infoentretenimento Muito bom
Comunicações Bom
Apoio à condução Bom

Características Potência e binário: 160 kW (220 cv) e 300 Nm ○ Acel. 0-100 km/h 6,4 seg. ○ Vel. Máxima 170 km/h ○ Bateria 52 kWh úteis, autonomia 364 (WLTP)  ○ Carregamento AC até 11 kW (V2L e V2G), DC até 100 kW

Desempenho: 4,5
Características: 4
Qualidade/preço: 3,5

Global: 4

Palavras-chave:

A convocatória, cujo apoio ascende a 25,7 milhões de euros, recebeu, nesta sétima edição, 580 propostas de investigação básica, clínica e translacional. Agora, já são conhecidos os 29 projetos de investigação biomédica de excelência e com elevado impacto social contemplados com o apoio da Fundação ”la Caixa”. Este conta também com a contribuição da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que financia com quase 2,5 milhões de euros três dos nove projetos portugueses selecionados nesta edição.

Os projetos decorrerão em centros de investigação, hospitais e universidades de Espanha e Portugal, mas os projetos apresentados em consórcio nesta edição envolvem grupos de investigação de Itália, Alemanha, Países Baixos, Israel, Singapura e Austrália. Todos os projetos terão até três anos para executarem as suas investigações.

Os selecionados

O CaixaResearch para a Investigação em Saúde conta com a participação de peritos internacionais de grande prestígio nas suas áreas de estudo para selecionar os projetos com maior excelência científica e impacto social.

Entre as iniciativas selecionadas naquela que é a maior convocatória filantrópica de investigação em biomedicina e saúde em Portugal e Espanha, encontram-se nove projetos de seis centros de investigação portugueses: Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto; Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa (ITQB NOVA); Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular (GIMM); Instituto de Biomedicina (iBiMED) da Universidade de Aveiro; Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Universidade do Minho e Fundação Champalimaud. Esses nove projetos receberão um apoio superior a 7,6 milhões de euros.

Uma diversidade de áreas

A convocatória está especialmente direcionada para desafios de saúde nas seguintes áreas: doenças infecciosas (com sete projetos selecionados, cinco dos quais em Portugal); oncologia (seis projetos selecionados, um deles em Portugal); doenças cardiovasculares e metabólicas (cinco projetos selecionados, um deles em Portugal) e neurociências (cinco projetos selecionados, um deles em Portugal). Além disso, seis outras iniciativas selecionadas (uma das quais em Portugal) desenvolverão tecnologias facilitadoras num destes domínios.

O CaixaResearch de Investigação em Saúde é a maior convocatória filantrópica de investigação em biomedicina e saúde em Portugal e Espanha

Entre as iniciativas distinguidas destacam-se projetos que visam encontrar novas estratégias para combater as bactérias que causam a tuberculose; modular a ação dos linfócitos T e evitar respostas imunitárias hiperativas; compreender melhor o processo de formação de metástases de tumores da mama para as prevenir; desenvolver a deteção precoce de doenças neurodegenerativas; compreender como o parasita que causa a doença do sono consegue invadir os tecidos; ou desenvolver um tratamento para a doença de Machado-Joseph, uma doença neurodegenerativa hereditária rara.

Como novidade da edição de 2025 do concurso, serão incluídas iniciativas centradas em doenças raras pediátricas e em diabetes tipo 1, que terão a oportunidade de receber financiamento específico no âmbito de colaborações com a Fundação Breakthrough T1D e com a Fundação de Investigação Sant Joan de Déu, em Espanha.


CONTEÚDO PATROCINADO POR FUNDAÇÃO “LA CAIXA”

Enquanto cá fora se monta o palco que receberá os espetáculos de Natal, dentro do Le Monumental Palace reina o silêncio, entrecortado apenas pelos risos dos grupos de amigos que bebem um copo, ao final do dia, no bar Américain. Instalado num edifício datado de 1923, o hotel abriu as portas em novembro de 2018, depois de três anos em obras de reabilitação – realizadas pela Mystic Investment, de Mário Ferreira. Adquirido, então, pelo fundo de investimento Grupo Paris Inn, passou a operar sob a marca Maison Albar Hotels (MAH), pertencente aos Leading Hotel of the World.

À nossa espera está o chef Julien Montbabut, um francês radicado em Portugal, atrás do balcão do bar Américaine. Está rodeado de ervas, frutos, flores e especiarias, bem como de garrafões de vidro onde se acomodam vinagres vários que produz para o restaurante. “Trabalhei, em Paris, durante muitos anos com um chef que não gostava de pimenta e não usava na cozinha. Nessa altura, aprendi a temperar vinagres e a usá-lo como substituto em muitos pratos”, confidencia num português seguro.

É de sorriso descontraído no rosto que nos conta, também, como a Covid-19 foi, para si, uma oportunidade para melhorar o trabalho que estava a fazer no Le Monument. “Quando cheguei fazia uma cozinha francesa clássica, porque foi o que sempre fiz e sabia fazer. Mas não estava confortável. Não me estava a fazer muito sentido, até em termos de produtos utilizados, muitos deles vindos de França”, admite. “Mas não sabia fazer melhor, não conhecia os produtores cá, portanto trabalhei, apenas. Quando o hotel fechou, no Grande Confinamento, tive tempo para pensar no projeto e fazer a cozinha do Le Monument evoluir para aquilo que é hoje: uma cozinha mais contemporânea, com influências portuguesas, e onde 90% dos produtos utilizados são nacionais e, muitos deles, locais”.

Dos espargos verdes ao porco bísaro, passando pelo chá, o alho selvagem ou a carne, tudo vem de terras nacionais, garantindo maior sustentabilidade e mais coesão no projeto.

Vinagre Caseiro

É nesse sentido, também, que Julien se dedica ao vinagre, “um produto ótimo que pode ser usado em todos os pratos”, dando um sabor especial e uma acidez muito inesperada em alguns dos casos. E, hoje, o chef está também a partilhar com os jornalistas presentes a receita para fazer alguns dos vinagres que tem a uso no restaurante – daí todo o aparato montado no balcão do bar.

Há vinagre de folha de figueira, de estragão, de funcho, de  framboesa, de mimosas…Há até vinagre já com três anos, que ganhou novos sabores. “Pode fazer-se vinagre de praticamente todas as coisas!”, garante, divertido o chef.

O momento de aprendizagem antecede o jantar, que acontece logo depois no Le Monument. O restaurante conquistou a primeira estrela Michelin em 2022, tendo sido renovada em março deste ano. E se tínhamos dúvidas sobre o conhecimento nacional do chef, começamos a deixá-las cair quando olhamos para o menu: chama-se “passeio” e cada momento tem o nome de uma cidade ou vila portuguesa. Mas primeiro, um couvert “Sentir-se português”, onde é servido pão com flor de sal e azeite Vale de Vasco produzido em exclusivo para o Le Monument.

Seguimos viagem para despertar os sentidos, e comemos gamba rosa, cogumelo e novilho, numa espécie de sumário dos sabores portugueses – sendo a gamba rosa a mais bem conseguida em termos de sabores e frescura. E descemos, então, até Matosinhos, de onde nos chega peixe galo, daikon e vinagre de folha de figueira (lá está!). Um prato simples, que sabe a mar e a frescura. Em Vila do Conde é tempo de sapateira, mostarda savora e yuzo, num prato com bastante complexidade de sabres, frescos e que vão evoluindo na boca, onde as diferentes texturas funcionam muito bem.

Quando o hotel fechou, no Grande Confinamento, tive tempo para pensar no projeto e fazer a cozinha do Le Monument evoluir para aquilo que é hoje: uma cozinha mais contemporânea, com influências portuguesas, e onde 90% dos produtos utilizados são nacionais e, muitos deles, locais

julien montbabut

Continuamos a percorrer o País e paramos em Coimbra, para um bacalhau com tremoço e pil-pil – justo, correto, não particularmente surpreendente – e logo depois provamos um pargo com alho francês e champanhe. Estamos em Peniche, e os sabores da Costa Oeste nacional fazem-se bem presentes no palato. No Vale do Tejo temos pato-real com beterraba (surpreendente!) e depois é tempo de uma infusão de chá verde, maçã e groselha. O momento chama-se Fornelo, em homenagem à Quinta onde o Chá Camélia nasceu em 2011 – hoje, o lugar tem mais de 12 mil pés de Camellia sinensis, em agricultura biológica.

Estômago preparado para as sobremesas, vamos ao momento Da Joana… Podia ser apenas uma expressão portuguesa – que é! – mas é também referência à chef pasteleira Joana Thöny Montbabut. “Decidimos que temos sempre três sobremesas, porque assim as pessoas não precisam de escolher”, brincará Joana no dia seguinte, quando nos explica como chega às suas criações.

Não esteve ao jantar porque o casal de cozinheiros tem dois filhos e, portanto, é preciso dividir tarefas na cozinha e em casa.

“Há sempre uma sobremesa de chocolate porque eu adoro chocolate”, explica divertida. “Depois, há sempre uma com fruta da época e a terceira depende um bocadinho dos produtos que estão mais disponíveis”. Nós tivemos, efetivamente, Chocolate do Brasil, Marmelo, pêra e specullos  e ainda um doce de limão e cardamomo. “Posso ser eu a perguntar aos produtores o que eles têm ou vão ter, ou eles a dizerem-me o que  há disponível. A criação vem depois de ter essa informação”, resume.

Ao contrário dos pratos do chef Julien, Joana não se inspira nos sabores portugueses para as suas sobremesas. “Adoro os doces portugueses, mas gemas e açúcar são um bocadinho pesados para terminar esta refeição”, atira com uma gargalhada. “Estudei em frança, e toda a minha base é de técnicas francesas, que consideo serem as melhores, porque tendo domínio delas é possível fazer milhares de sobremesas com os produtos que surgirem”, defende.

Também por isso deixa o pastel de nata para quando vai tomar  o seu café – “Adoro um café e uma nata! O doce é perfeito: a consistência, o sabor, o tamanho.. – mas no restaurante serve criações que refletem a sua educação francesa.

E, admite, sente a falta do pão francês e da diversidade de legumes que, considera, ainda é muito diferente da que se encontra no país onde estudou – Joana é de origem catalã e suíça, o que explica também o pouco sotaque e a facilidade com a língua portuguesa.

A conversa com a chef pasteleira é tida à mesa do pequeno-almoço, no mezanino do hotel, que recebe também ao domingo um brunch para toda a família – enquanto os adultos têm uma seleção de pratos quentes e frios, de bebidas e de opções de buffet, os mais pequenos têm uma sala de cinema com sala de pipocas para aproveitar o tempo.

Depois de uma viagem gastronómica e de um pequeno-almoço reforçado, é a luz do Porto que nos chama para um passeio ao final da manhã. Afinal, não é todos os dias que a invicta no recebe com um sol radioso e temperaturas de outono, a condizer com os produtos da estação que tivemos oportunidade de provar.

Natal e Ano Novo em destaque

No Le Momument, o Natal e o Ano Novo são celebrados com o glamour e a circunstância que as festividades pedem. Este ano, as ofertas espeicias das festas incluem um brunch, um jantar de degustação (com possibilidade de pairing de vinhos) no dia 24 e ainda um jantar na noite de dia 31 de dezembro, tal como um brunch de ano novo.

Com uma garrafeira com largas centenas de referências, cerca de 15% das opções são internacionais – mas as referências nacionais são uma boa surpresa. Pequenos produtores, regiões menos exploradas e muita diversidade, fazem da experiência gastronómica uma viagem que vai para além das regiões nacionais.

1.  Durante o PREC, nas manifestações contra o rumo esquerdista ou autoritário que uma parte dos militares do MFA pretenderia prosseguir, um dos slogans era “Vasco só há um, o Lourenço e mais nenhum” – assim se exprimindo a oposição à chamada linha de Vasco Gonçalves. Retomo-o, parafraseando-o, para sublinhar que 25, como número símbolo do derrube da ditadura e da conquista da liberdade, “só há um”. Como mês e ano em que o povo português tomou em mãos o seu destino são apenas ‒ Abril e 1974.

Claro que isto vem a propósito de, nos 50 anos do 25 de Abril, desde sempre celebrado no Parlamento, pela primeira vez se ter celebrado, no mesmo Parlamento e com uma cerimónia idêntica, os 49 anos do 25 de novembro!… O que não faz nenhum sentido e politicamente só é explicável (embora admita que alguns dos que o aprovaram não o hajam compreendido) visando desvalorizar, diminuir, relativizar, o 25A. Dando palco, ou mesmo principal protagonismo, como previsível, ao Chega, para mais um comício com a defesa, explícita, implícita ou disfarçada, de valores e princípios absolutamente contrários ao 25 de Abril. E, por isso, também ao 25 de novembro.

Porque 25n é uma data meramente tributária ou acessória do 25 de Abril: só foi (muito) importante por permitir manter e desenvolver, sem ameaças ou desvios de extrema-esquerda ou direita, o caminho e os objetivos da libertadora revolução do 25A. Nesta ótica, e só nela, sendo natural, positivo, assinalá-la ‒ mas de outro modo, não o de agora. Como foi feito só serviu para o que acima referi, e, de facto, como se temia, para reabrir querelas e feridas já esquecidas ou saradas. 

2.  Por isso bem se compreende que a Associação que representa os que fizeram o 25 de Abril, e foram também os “vencedores” do 25n – a começar pelo seu presidente, exatamente o Vasco Lourenço, figura decisiva em todos estes acontecimentos ‒, não se tivesse feito representar naquela cerimónia. E se Ramalho Eanes esteve, compreensivelmente, presente, foi como antigo Presidente da República.

Presidente na sequência e também como consequência de ter sido o chefe operacional do 25 de novembro. Já então houve quem, por isso, o quisesse alcandorar a “chefe”, pelo menos musculado… E quando das eleições presidenciais de 1976, a cuja comissão política pertenci, não faltou quem pretendesse que se apresentasse como o “candidato do 25 de novembro”. Eanes nunca o quis ou aceitou: foi o “candidato do 25 de Abril” (restaurado a 25n).

Aliás, entre as muitas críticas extremamente injustas, até mentirosas, que ao longo do tempo vários políticos, incluindo de primeiro plano, fizeram a Eanes, foi a de ter um plano pessoal para conquistar o poder, exercendo-o de forma menos democrática, ou pelo menos musculada. Alguns próximos até o desejariam e a isso o impeliriam: Eanes sempre o recusou in limine, frontalmente. Agora, que está quase a completar 90 anos (também a 25… de janeiro próximo), impõe-se sublinhá-lo.

3. Voltando ao 25n. Vivi intensamente esse período, como jornalista e cidadão. Olho para a coleção de O Jornal – jornal de jornalistas, fruto e de certa forma “corporização” na imprensa do espírito do 25 de Abril –, e leio em manchetes (que foram famosas) de edições anteriores ao 25n: “Até quando a ‘política da chaimite’?”; “Golpe de esquerda, de direita ou de misericórdia?”; “Vocês sabem mesmo o que é a guerra civil?”.

Estas manchetes dão ideia da situação que se vivia, para mais sendo O Jornal independente, de esquerda democrática, pluralista, tido por próximo dos “Nove”, cujo documento foi por nós publicado. E na edição de 14/20 de novembro eu escrevia, a abrir p. 2, um texto significativamente intitulado “(Re)unir o MFA – Salvar a Revolução”. Enquanto, na de 21/27, a manchete era: “Em exclusivo para O Jornal – Vasco Lourenço e Otelo dizem o que pensam um do outro.”

A substituição de Otelo por Vasco à frente da Região Militar de Lisboa fora muito contestada, até um dos motivos alegados para o desencadeamento do 25n. Consegui essa excelente “caixa” ‒ que tem uma história, com outras histórias pelo meio, que já aqui não cabem. Talvez a elas volte.

Mário Soares, o que faria?

A posição do PS quanto às comemorações do 25 de novembro foi alvo de várias críticas que creio injustificadas. Expressa talvez de forma nem sempre muito clara, é certo, mas a posição correta. Enquanto me parece lamentável a do PSD, viabilizando o que ocorreu nos termos em que ocorreu.

Muitos dos que criticaram o PS, que liderado por Mário Soares foi entre os partidos e na sociedade civil a força mais decisiva para a vitória democrática do 25n, fizeram-no afirmando que aquela posição era quase uma “traição” ao então líder socialista.

Pois penso exatamente o contrário. Conhecendo bem, naturalmente, o seu percurso político, e o que pensava e fez nos últimos anos de vida, a minha convicção é de que a sua atitude seria a mesma da Associação 25 de Abril.

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O julgamento dos crimes de Mazan, uma localidade de seis mil habitantes, na periferia de Carpentras, no Sul de França, começou no princípio de setembro. De então para cá, o caso Gisèle Pelicot ‒ a mulher de 71 anos drogada e violada durante uma década pelo marido, Dominique, que recrutava, num site de sexo entretanto encerrado, outros homens para a violarem também ‒ foi-se tornando cada vez mais mediático. Felizmente, eu diria, apesar de se tratar de uma tenebrosa descida aos infernos, um triste exemplo do ponto onde pode chegar a miséria humana.

A força do testemunho da mulher francesa foi de tal ordem que, embora tenha dispensado protagonismos, Gisèle Pelicot acabou por se transformar numa heroína, involuntária, mas uma heroína. E, para uma boa parte das organizações e dos ativistas ligados à violência sexual, até um ícone feminista (não exagero, a expressão já é usada frequentemente, sobretudo pela imprensa francesa). Gisèle respondeu a quem, homem ou mulher, lhe chamou corajosa: “Não é bravura, é a vontade e a determinação em mudar a sociedade.” Na primeira vez que escrevi sobre o assunto, eu própria disse que ela deveria ser eleita a mulher do ano ‒ não sei se o vai ser, mas continuo a achar que deveria, se é que essa tradição de fazer balanços, uma lenta ponderação do tempo que passou, ainda faz algum sentido, no meio de tanto ruído e aceleração…

Esta semana, o Ministério Público francês pediu 20 anos para o ex-marido de Gisèle Pelicot, o que não constituiu propriamente uma surpresa, incluindo para a advogada de Dominique, que já aguardava a pena mais longa possível. Perante os factos, a defesa pouco mais terá a fazer do que procurar atenuantes na idade do réu (72). A sentença foi marcada para dia 20 de dezembro. O julgamento também está a ter consequências políticas: o primeiro-ministro, Michel Barnier, já disse que haverá um antes e um depois. Anunciou que, até ao final de 2025, serão simplificados os procedimentos para apresentar queixa de violência doméstica nos hospitais franceses.

Desde o começo que os advogados de Gisèle Pelicot apelaram à serenidade. Foi por insistência da vítima que o julgamento não decorreu à porta fechada. “Ficar de portas fechadas também significa pedir à minha cliente que seja trancada num lugar com aqueles que a atacaram”, justificaram então os causídicos. Gisèle foi dizendo que, apesar da fachada de ferro, por dentro se sentia “um campo de ruínas”. Numa das vezes em que foi ouvida, também explicou querer acabar com a vergonha associada às vítimas de violação. Com uma calma impressionante, disse: “Desejo que as mulheres digam: a senhora Pelicot fez isso, nós também conseguimos fazê-lo. Quando uma mulher é violada, há vergonha, mas não nos cabe a nós sentir essa vergonha, cabe-lhes a eles.”  

Ao longo dos últimos três meses, realizaram-se várias manifestações de apoio e operações de crowdfunding para ajudar a recolher verbas. À porta do tribunal de Avignon, Gisèle Pelicot foi aplaudida, levaram-lhe ramos de flores. Chegou a usar um lenço que lhe foi enviado da Austrália por uma organização ligada à violência sexual, especificamente, sobre mulheres mais velhas. O ex-marido, toda a vida considerado um pai e um avô extremoso, confessou os crimes: “Sou um violador.” A maioria dos outros 50 homens, que também se sentam no banco dos réus, alegou que Dominique havia consentido tudo. Veem-no como fiel proprietário do corpo da mulher que, durante dez anos, tornou inerte com ansiolíticos e comprimidos para dormir.

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Palavras-chave:

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal/DCIAP é um órgão de coordenação e de direção da investigação e de prevenção da criminalidade violenta, económico-financeira altamente organizada ou de especial complexidade.”

Transcrevo o artigo 57 número 1 do Estatuto do Ministério Público para lembrar o fundamental papel deste departamento na prevenção e no combate a crimes com capacidade de causar sérios danos à comunidade.

Não será preciso discorrer sobre as qualidades necessárias a quem tem de liderar esta organização. Tão grande poder acarreta uma enorme responsabilidade. Impõe transparência e clareza de objetivos.

No entanto, no seu discurso de tomada de posse, o novo diretor do DCIAP, procurador-adjunto Rui Cardoso, teceu considerações estranhas e em demasiados casos pouco consentâneas com as qualidades que o cargo exige. A coisa foi quase tão estranha como o silêncio dos mais altos responsáveis políticos e da comunidade em geral.

A um homem da Justiça exige-se sempre clareza e frontalidade, mas isso é particularmente importante quando se tem o poder quase ilimitado de que Rui Cardoso agora dispõe. Ora o referido discurso foi um rol de ameaças e insinuações pontuadas por vários comentários sobre uns “que querem controlar a Justiça para continuar acima dela”.

Quem serão esses que querem controlar a Justiça? Aliás, aqueles que já a controlam, pois Rui Cardoso afirma que “esses” querem “continuar” acima dela.

Estamos, segundo o nosso diretor, perante um autêntico golpe de Estado. Há gente que, presumo, não sendo da Justiça está acima da dita. Passadas já semanas sobre este discurso, ainda ninguém se lembrou de perguntar ao senhor procurador-adjunto quem são esses usurpadores.

Mas vamos imaginar que Rui Cardoso se enganou. Acontece. Talvez só quisesse dizer que há gente que quer controlar a Justiça. Exige-se então saber quem é que está a atentar contra a democracia e o Estado de direito. Não é coisa pouca nem possível de tratar com leveza. Um homem com esta responsabilidade anuncia um crime ou uma hipótese de crime desta gravidade e nada se passa?

Terão sido esses tais a derrubar um governo interferindo na vontade popular e subvertendo a separação de poderes sem que passado um ano haja um único indício relevante? Serão esses que destruíram a reputação de Miguel Macedo e prenderam o diretor do SEF sem qualquer razão?

Rui Cardoso também advertiu para os que “julgam que o voto popular tudo legitima e tudo amnistia”. Continua a ser estranho que alguém que sabe os problemas que o Ministério Público tem apresentado esteja tão obcecado com os eleitos, mas algo de muito importante deve ser ou não o dizia.

Julgo que aqueles que são escolhidos pelo povo para o representar sabem que o voto popular não legitima tudo. Penso, contudo, que tanto eles como eu e outros acreditamos na democracia e no Estado de direito. Sabemos mais. Sabemos que tanto os poderes eleitos como os não eleitos, mas que decorrem da Constituição, estão obrigados a cumpri-la. Estão vinculados a respeitar direitos fundamentais, como o direito à privacidade, ao bom nome, à presunção de inocência e todos os que lá vêm expressos.

Rui Cardoso diz, que a “legitimidade (do Ministério Público) vem, robusta, da Constituição e da lei. E é porque não depende do voto, de ter de agradar a maiorias impotentes ou minorias poderosas, que devem sempre respeitar a Constituição e a lei.”

Sem dúvida. Imagine-se o que seria se alguém que estivesse sujeito a eleições escutasse um cidadão durante 4 anos apenas porque sim ou investigasse um grupo de políticos há 8 anos sem uma acusação? O que seria se sistematicamente fosse violado o segredo de Justiça para criar a perceção de que alguém é culpado de um crime qualquer ou se se mantivesse uma pessoa como suspeita de um crime durante anos inventando o instituto de suspeito? Também diria que os eleitores eram capazes de não gostar. E se se inventasse uma coisa chamada megaprocessos que serve para fazer prescrever crimes, mas que deixam sempre as pessoas envolvidas com o ferrete de criminoso? Lá está, quem o faz era capaz de ter problemas se alguém tivesse o dever de avaliar os responsáveis por isto. O facto é que ninguém avalia.

É exatamente quando a legitimidade não vem do voto que maior deve ser o respeito pelos direitos que a Constituição e a lei preveem. É quando não se está sujeito ao mais importante juiz numa democracia, o povo, que mais escrutinado se deve ser; é que dos políticos que não cumprem bem as suas tarefas podemo-nos livrar, dos magistrados incompetentes e relapsos não. Estes não estão sujeitos às maiorias que Rui Cardoso apelida de impotentes.

Já se percebeu: no Ministério Público e no DCIAP vai haver uma evolução na continuidade. E isso são péssimas notícias para quem quer uma melhor Justiça. 

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Palavras-chave:

No outono de 2018, por aí, um amigo estrangeiro, residente numa das zonas mais ricas de uma das principais economias europeias, caminhava, maravilhado, por uma Lisboa vibrante, com muitos turistas e pouco lixo (ou, como se diz agora, com “a perceção” de pouco lixo), ao mesmo tempo que elogiava a preservação das colinas, o pitoresco dos bairros típicos ou a modernidade dos serviços. “Adorava cá viver”, repetia constantemente.

O estrangeiro lamentava-se muito do seu país-natal, que, dizia, vivia em tensões sociais, promovidas pela polarização político-partidária, promovida por movimentos populistas (de esquerda e de direita), entregue a discursos impossíveis de serem levados a sério, feitos por políticos pouco confiáveis, visivelmente incompetentes para resolver os problemas reais do dia-a-dia. “Parece um circo”, suspirava. “É uma tragédia”, resumia.

“Ah, Portugal é imune a isso… Aqui, isso não pega”, dizia-lhe eu, num orgulho patriótico mal disfarçado, querendo mostrar-lhe como não havia par para a maturidade democrática demonstrada pelo povo português, que, naquela altura, parecia abraçar, sem rodeios nem pudor, a teoria da liberdade e da justiça social. 

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O dia 6 de dezembro é a data escolhida para um jantar solidário cujas receitas revertem a favor da comunidade de Valência.

Foi há um mês, a 29 de outubro, que a tempestade DANA deixou devastada a região espanhola. Nessa altura, o chefe de cozinha Vasco Coelho Santos (Euskalduna Studio, Porto) apressou-se a telefonar a vários amigos e colegas de profissão na comunidade valenciana. 

“Liguei ao Carito Lourenço [chefe do restaurante Fierro, em Valência], com quem tinha cozinhado em fevereiro de 2020 antes da pandemia, e a Begoña Rodrigo [La Salita, também em Valência], para saber como estavam as coisas e como poderíamos ajudar. Disseram-me que a recuperação da tempestade iria ser mais difícil do que o pós-Covid. Isso assustou-me e, desde aí, fui acompanhando a situação”, conta-nos.

O chefe Vasco Coelho Santos organiza o primeiro jantar solidário em Portugal a favor de Valência. Foto: DR

Dias depois, Vasco Coelho Santos acabaria por saber que Begoña Rodrigo e os chefes de cozinha valencianos Ricard Camarena (restaurante homónimo, duas Estrelas Michelin) e Quique Dacosta (três Estrelas Michelin) estavam a organizar a iniciativa “Desde Valência para Valência”, na qual desafiavam cozinheiros de todo o mundo na angariação de fundos para a ajudar na recuperação da comunidade valenciana.  

Os jantares solidários vão decorrer um pouco por todo o mundo no próximo dia 13 de dezembro, com chefes como Joan Roca e Eneko Atxa (Espanha), Alain Ducasse (França), René Redzepi e Rasmus Munk (Dinamarca), Massimo Bottura (Itália), Gastón Acurio (Peru), Alex Atala (Brasil), ou Leonor Espinosa (Colômbia). Vasco Coelho Santos antecipou o jantar no Porto para o dia 6, uma sexta-feira, no restaurante Composto do Hotel Hilton Porto Gaia, assinalando ao mesmo tempo o oitavo aniversário do seu Euskalduna Studio (uma Estrela Michelin).

Paella e ollo na ementa

Para este jantar solidário (€95), cujas receitas revertem totalmente a favor de Valência, Vasco Coelho Santos desafiou mais nove colegas de profissão do Porto e não só: Marco Gomes (Oficina, Porto), Renata Coelho (Adega São Nicolau, Porto), Rafaela Louzada (Rafa Louzada, Time Out Market Porto), Lídia Brás (Stramuntana, Vila Nova de Gaia), Aurora Goy (Apego, Porto), João Pupo Lameiras (RO, Porto), António Queiroz Pinto (Taberna Lura, Baião), e os anfitriões do hotel, Ilídio Barbosa (chefe de cozinha) e Bruno Rocha (responsável pela cozinha do grupo Highgate Portugal).  

O jantar volante, limitado a 120/130 pessoas, terá um prato confecionado por cada chefe, alguns inspirados na cozinha de Valência, como a paella (por Rafaela Louzada) ou a olla valenciana (cozido) que António Queiroz Pinto vai preparar com enchidos da região do Tâmega, Douro e Trás-os-Montes. Vasco Coelho Santos irá servir um prato vegetariano de brócolos que tem na carta do Euskalduna, e a Adega de São Nicolau levará o seu conhecido quindim para sobremesa. 

“A ideia é que seja um evento informal, de pé, volante. Cada chefe vai doar o seu prato, o Hilton empresta o espaço e a logística de serviço, os produtores oferecem o vinho… Com o esforço de todos vamos conseguir doar quase dez mil euros a Valência”, estima Vasco Coelho Santos.  

Quem não puder ir ao jantar, saiba que a iniciativa Desde Valência para Valência continua aberta a donativos para ajudar as populações devastadas pela tempestade Dana.

Desde Valência para Valência > Composto, Hotel Hilton Porto Gaia, R. Serpa Pinto, 124, Vila Nova de Gaia > 6 dez, sex 19h30 > €95 > reservas e donativos em desdevalenciaparavalencia.com/producto/porto 

No dia 10 de novembro de 1989, uma sexta-feira, saí de minha casa, no número 104 da Schönhauser Allee, em Berlin-Prenzlauer Berg, cerca das 06h30, como fazia aliás todos os dias, e apanhei o metro de superfície na Schönhauser Allee para ir trabalhar em Berlin-Adlershof.As carruagens do metro estavam bastante cheias, lá fora ainda fazia escuro. Como sempre àquela hora. Na verdade, porém, nada era como de costume. Na tarde do dia anterior, Günter Schabowski, secretário para a Informação e Comunicação Social do Sozialistische Einheitspartei Deutschlands (SED) [Partido Socialista Unificado da Alemanha], tinha declarado na televisão da República Democrática Alemã (RDA): “As viagens particulares para o estrangeiro passam a poder ser solicitadas sem condições prévias (motivo da viagem e relações familiares).” E, quando questionado, confirmou que tal medida se aplicava “imediatamente, sem demora”. Na prática, naquela quinta-feira, 9 de novembro de 1989, ele anunciava a queda do Muro de Berlim.Pouco depois, o processo tornou-se imparável. Ao longo dessa tarde, também eu me juntei à multidão que rumava à fronteira da Bornholmer Strasse e que, em seguida, se encaminhou para Berlim Ocidental. Lá de cima, dos apartamentos, vindas de todo o lado, ouviam-se as vozes dos residentes de Berlim Ocidental dizendo-nos que podíamos ir ter com eles e beber uma cerveja, brindar àquele acontecimento inconcebível. Outros, tal era a felicidade, desciam mesmo à rua. Perfeitos desconhecidos abraçavam-se, e eu fiz parte de tudo aquilo. Seguindo atrás de um pequeno grupo de pessoas que não conhecia, virei na primeira rua à esquerda a seguir à ponte.Um berlinense ocidental convidou-nos a ir a sua casa e assim fizemos. Ofereceu-nos uma cerveja e deixou-nos usar o telefone. Contudo, a tentativa de contactar a minha tia em Hamburgo não foi bem-sucedida. Passada cerca de meia hora, despedimo-nos. A maioria seguiu caminho até à Kurfürstendamm, a grande avenida de Berlim Ocidental. Já eu, dei meia-volta e regressei a casa, por volta das 23h00, pensando que, no dia seguinte, teria de me levantar muito cedo para rumar a Adlershof.Queria trabalhar numa apresentação que ia fazer daí a alguns dias, em Torún, na Polónia, e que estava ainda longe de terminada. Praticamente, não preguei olho nessa noite, de tão empolgada com tudo o que havia vivido poucas horas antes.Na manhã seguinte, na carruagem de metro para Adlershof também seguia um pequeno grupo de homens fardados, soldados fronteiriços do regimento da guarda Feliks Dzierżyński. Findo o turno da noite na fronteira regressavam às casernas, que ficavam perto do meu instituto. Os soldados conversavam muito alto, pelo que era inevitável ouvir o que diziam.– Caramba, mas que noite – ironizou um deles. – Que consequências é que isto vai ter para os nossos oficiais?– Esses estavam todos virados do avesso e ainda os espera uma surpresa desagradável – disse outro.– Perderam a razão de ser. As vidas deles, as carreiras, tudo para o lixo! – exclamou um terceiro soldado.Saímos em Adlershof. Cada um seguiu o seu caminho, os soldados rumaram à caserna, e eu, à minha secretária no Zentralinstitut für Physikalische Chemie (ZIPC) [Instituto Central de Química-Física] da Academia das Ciências da RDA. Mas estava fora de questão conseguir trabalhar. Tudo tinha parado e, como é evidente, também a apresentação que me levou a regressar cedo do Ocidente na noite anterior.

Não era a única a sentir-me assim, éramos todos. Falávamos e falávamos sem parar. A meio da manhã, a minha irmã telefonou-me para o instituto. Na altura, ela trabalhava na Policlínica dos Trabalhadores da Construção Civil como ergoterapeuta. Combinámos ir, nesse fim de tarde, visitar um seu amigo de longa data, que conheceu alguns anos antes através de amigos comuns, a Berlim Ocidental. Era difícil acreditar que, de repente, podíamos simplesmente ir até lá visitá-lo.Passei o dia todo sem conseguir tirar da cabeça o que os soldados de fronteira tinham dito nessa manhã no metro. Pensava: finalmente! Finalmente, estes soldados e os seus oficiais deixaram de ter poder sobre mim. Já não têm poder sobre a minha família. Durante 28 anos, o Muro de Berlim havia separado não apenas a minha família, causando tanta dor aos meus pais, mas também a família do meu marido, Joachim Sauer. A nossa situação era idêntica à de um sem-fim de pessoas no Leste e no Ocidente. Por fim, aqueles soldados já não nos podiam impedir de nos movimentarmos livremente. Ao mesmo tempo, contudo, apercebi-me de que ficou a ressoar dentro de mim uma expressão do soldado no metro: razão de ser. Como seria, depois desta noite, a minha vida, a da minha família, a dos meus amigos, a dos meus colegas? Que valor se daria, no futuro, às nossas experiências, qualificações, competências, desempenhos, decisões pessoais? Eu tinha 35 anos. Apenas 35 anos? Ou já 35 anos? O que permaneceria? O que mudaria?

Durante 28 anos, o Muro de Berlim havia separado não apenas a minha família, causando tanta dor aos meus pais, mas também a famíliado meu marido, Joachim Sauer. Por fim, aqueles soldados jánão nos podiam impedir denos movimentarmos livremente

Nasci no dia 17 de julho de 1954 em Hamburgo, a primeira filha de Herlind e Horst Kasner. O meu pai nasceu em 1926, em Berlim, filho de Ludwig Kazmierczak (natural de Poznań, tendo-se mudado para Berlim no início da década de 1920) e da sua mulher, Margarete. O pai dele era agente da polícia e a mãe, natural de Berlim, costureira e dona de casa. Em 1930, a família mudou o apelido polaco pelo apelido alemão Kasner, pelo que, daí em diante, o meu pai passou a chamar-se Horst Kasner. O meu avô, Ludwig Kasner, morreu logo em 1959, pelo que não guardo qualquer memória dele.A minha mãe, Herlind, nasceu em 1928 em Danzig-Langfuhr, sendo a mais velha de duas filhas do casal de professores Willi e Gertrud Jentzsch. A mãe dela, natural de Elbing, na Prússia Oriental, abandonou a profissão com o nascimento da primeira filha. O pai, o meu avô Willi, professor na área das Ciências Naturais e diretor de um Realgymnasium [Escola secundária de preparação para os exames finais do secundário, para ingresso na universidade, com especial enfoque nas ciências e línguas modernas] em Danzig [atual Gdansk, na Polónia], proporcionou um certo bem-estar à família. Viviam, como hoje se diz, modestamente. Em 1936, surgiu a oportunidade de a família se mudar de Danzig para Hamburgo, pois haviam proposto ao meu avô que assumisse o cargo de diretor num liceu dessa cidade.Estava tudo pronto, a casa nova arrendada, uma empresa de mudanças contratada. Contudo, o meu avô adoeceu com uma infeção causada por apendicite e colecistite. Morreu, porque na altura ainda não existia a salvadora penicilina.

A minha avó ficou sozinha com as duas filhas. Ainda assim, mudaram-se para Hamburgo, para a espaçosa casa arrendada na Isestrasse. Os problemas financeiros afligiam-nas. Era uma realidade que nunca haviam conhecido. É verdade que a minha avó recebia a pensão de viuvez, mas a vida que levava até então colapsou. Durante muito tempo, a minha avó vestiu-se de luto e estava sempre preocupada com as filhas. Se demorassem um pouco mais do que o habitual a chegar a casa, ficava de imediato em cuidados e punha-se à varanda à espera de que chegassem.

Memória. A infância em zonas rurais foi decisiva para moldar a personalidade de Angela Merkel

No verão de 1943, Hamburgo foi fortemente afetada pelos ataques aéreos britânicos e americanos, o mesmo podendo dizer-se da casa onde a minha família vivia. A minha avó saiu, então, da cidade com as duas filhas. Mudaram-se, primeiro, para a aldeia de Neukirchen, em Altmark, onde uma das irmãs da minha avó vivia com a família. Depois, no outono de 1943, foram para Elbing, a sua cidade natal na Prússia Oriental. Contudo, poucos meses depois, no verão de 1944, regressaram a Neukirchen. Em 1944, a minha mãe foi daí enviada para a Escola de Westend, em Berlim, que na altura tinha sido deslocada para Písek, na atual Chéquia. No final da guerra, com algumas aventuras pelo meio, conseguiu, a custo, regressar a Neukirchen, para junto da mãe e da irmã. Entre o final de março de 1945 e a sua chegada à aldeia, em outubro de 1945, a família não teve sinal de vida da minha mãe. Ela contava amiúde que, na altura com 17 anos, teve muito medo de ser violada pelos soldados soviéticos que ia encontrando pelo caminho.

As experiências da guerra tiveram um efeito ainda mais forte na vida do meu pai. Com o pai, o meu avô Ludwig, era frequente ouvir a rádio BBC às escondidas, debaixo dos cobertores, para acompanhar a evolução dos acontecimentos na frente de batalha.

Já durante a guerra, o meu avô estava convicto de que a Alemanha a perderia – e que, aliás, devia perdê-la. Em maio de 1943, o meu pai foi convocado para servir como ajudante na defesa antiaérea. Quando fez 18 anos, em agosto de 1944, tornou-se soldado e, na primavera de 1945, ficou soterrado debaixo de escombros na sequência de um bombardeamento. No final da guerra, foi por um breve período feito prisioneiro dos ingleses, na Dinamarca. Quando regressou, em agosto de 1945, a Alemanha já tinha sido dividida em zonas de ocupação e repartida pelas potências vencedoras. Ele foi ao encontro de um amigo em Heidelberg e aí recuperou o Abitur [exames do Ensino Secundário] para, como viria depois a contar, marcado pela experiência da guerra, iniciar o curso de Teologia em 1947.Na sua casa paterna, porém, esta decisão não foi evidente. É verdade que o meu avô era batizado pela Igreja Católica e a minha avó pertencia à Igreja Evangélica, mas nem um nem outro eram cristãos praticantes. Já o meu pai ainda chegou a receber o batismo católico, mas, em 1940, fez a confirmação na Igreja Evangélica. No fim da guerra, e depois do terror do nacional-socialismo, estava convicto de que, para um recomeço, era necessária uma ética de paz. E, para ele, esta provinha da fé cristã. Assim, decidiu estudar Teologia naquelas que eram, na altura, as zonas de ocupação ocidentais. Desde o princípio, associou os estudos ao plano de regressar à zona que, entretanto, ficara sob ocupação soviética. Era sua convicção de que aí precisavam de pessoas como ele. Penso que se pode classificar esta atitude como um chamamento.

Em 1949, o meu pai prosseguiu os estudos em Bethel, concluindo-os em 1954 com o vicariato, em Hamburgo. Conheceu a minha mãe em 1950, num evento da comunidade de estudantes evangélicos, onde eram ambos estudantes de referência, ou seja, as pessoas de contacto a quem os outros estudantes podiam recorrer. A minha mãe estudou Inglês e Latim em Hamburgo e queria tornar-se professora num liceu. Por brincadeira, os amigos da associação estudantil chamavam-lhe “Mercedes”, pois – tal como a mãe dela – já na altura sonhava em ter um carro, aliás, o maior e o mais veloz possível.

Os meus pais casaram-se a 6 de agosto de 1952. Com o casamento, tornou-se ponto assente para a minha mãe que acompanharia o marido quando ele concretizasse o plano de regressar à igreja de Berlin-Brandenburg, ou seja, de ir para a RDA, fundada três anos antes. Esta decisão foi tudo menos fácil. Mas tomou-a por amor, com sérias consequências para si própria.

Esse dia chegou em 1954. Este ano ficou, para muitos, embora não para a maioria, associado ao Milagre de Berna, a primeira conquista do título de campeã do mundo de futebol pela seleção nacional da República Federal da Alemanha (RFA). Na minha família, foi, todavia, o ano em que os meus pais se mudaram da RFA para a RDA, de Hamburgo para Quitzow, uma pequena localidade de Prignitz, em Brandeburgo, a cerca de 150 quilómetros a noroeste de Berlim. O meu pai assumiu aí a sua primeira paróquia como pastor. Ele mudou-se primeiro e a minha mãe seguiu-o pouco depois, levando-me com ela numa alcofa, tinha eu seis semanas. Passara precisamente um ano desde que, a 17 de junho de 1953, uma insurreição popular na RDA, com greves e manifestações políticas, havia sido brutalmente reprimida por tanques soviéticos. E escassos anos mais tarde, com a construção do Muro, seguir-se-ia novo golpe que afetaria milhões de alemães, incluindo a nossa família. Entre uma coisa e outra, porém, os meus pais foram-se instalando no seu novo espaço.

Tínhamos uma empregada doméstica. Chamava-se Sr.ª Spiess e tinha ido da Prússia Oriental para Quitzow com o antecessor do meu pai. Quando ele se reformou, ela continuou a trabalhar com os meus pais. Foi ela quem lhes ensinou tudo o que era preciso saber acerca da vida no campo. O meu pai tinha de ordenhar as cabras, a minha mãe aprendeu a cozinhar urtigas e muitas outras coisas que desconhecia por ser uma menina da cidade. Contava-se muitas vezes na nossa família que ela tinha levado uma carpete branca e que, no início, também em Quitzow queria manter o hábito de Hamburgo de não pedir às visitas que descalçassem os sapatos, inclusivamente aos camponeses da aldeia, quando queriam falar com o meu pai. Era frequente eles irem apresentar-lhe as suas apreensões, pois tinha começado o tempo da coletivização obrigatória; por este motivo, mais tarde muitos deles acabaram por se mudar para o Ocidente. Sempre que os camponeses faziam menção de descalçar os sapatos ao entrar em casa, cientes das marcas que deixariam na carpete branca, a minha mãe dizia:– Deixe estar, não é preciso.Por isso, eles pisavam a carpete branca com as solas sujas de terra. A dada altura, a minha mãe renunciou ao seu costume de Hamburgo e passou a pedir às visitas que se descalçassem. Foi nesse momento que realmente se instalou em Quitzow.

Por ser mulher de um pastor, à minha mãe não lhe era permitido lecionar na escola pública, pois, na RDA, nada do que dissesse respeito à educação podia sofrer qualquer tipo de influência religiosa. A RDA entendia-se como um Estado ateu

Já eu não tenho memórias da localidade, tudo o que sei é apenas pelo que a nossa família ia contando.

Com Templin, o caso muda completamente de figura. Os meus pais mudaram-se para este pequeno município do distrito de Uckermark, em Brandeburgo, cerca de 80 quilómetros a norte de Berlim, em 1957, levando-me e ao meu irmão Marcus, que nasceu nesse ano. O meu pai havia sido chamado pela igreja de Berlin-Brandenburg para assumir a direção do seminário pastoral de Templin, que mais tarde viria a ser o colégio pastoral. Deixava, assim, de ser um clássico pastor de paróquia. Também para a minha mãe, esta mudança trouxe novas possibilidades.

Em 1964, nasceu a minha irmã, Irene. Quando ela tinha cerca de seis anos, começámos a partilhar um lugar preferido, a cobertura de chapa da lucarna do sótão da casa dos nossos pais. Irene, mais hábil do que eu, descobriu que era fácil treparmos para fora da janela e sentarmo-nos comodamente na superfície de chapa. Dali, avistávamos os pinheiros e observávamos as copas a ondular suavemente ao sabor do vento. Por entre as árvores, víamos um caminho que descia ligeiramente até desembocar num prado através do qual corria o canal entre o lago de Templin e o lago de Röddelin. No verão, era ali em cima que engendrávamos os nossos planos. Deveríamos ir até à nascente lá adiante no prado? Pegar nas bicicletas e ir tomar banho ao lago de Röddelin? Apanhar mirtilos nos bosques que rodeavam Templin?

As possibilidades pareciam-nos ilimitadas. Entendíamo-nos lindamente apesar dos dez anos de diferença.

A lucarna ficava no meu quarto. O espaço de residência familiar era, na verdade, no piso abaixo. A nossa casa ficava na propriedade do complexo Waldhof, situado na extremidade do município. A maior parte do espaço era ocupada pelas instalações da Fundação Stephanus para Crianças e Adultos com Deficiência Mental, seguindo, aliás, o mesmo conceito das Fundações Bodelschwingh Bethel. Além dos cuidados e da assistência aos residentes, dava-se valor ao efeito terapêutico de um trabalho ativo e com sentido. A ideia era que, na medida do possível, a instituição garantisse a sua própria subsistência e sustentabilidade financeira, por isso, em Waldhof, além de uma cozinha e de campos agrícolas, havia também um horto, uma lavandaria, uma ferraria, uma marcenaria, uma oficina de sapateiro e um atelier de costura. Deixavam-nos andar por todo o lado e podíamos conversar com os mestres dos diferentes ofícios e com os residentes com deficiência mental.

O colégio pastoral dirigido pelo meu pai integrava, por um lado, um edifício com quartos onde os participantes dos cursos podiam pernoitar, bem como algumas casas, entre as quais a nossa, com um total de sete divisões: cinco ficavam no primeiro andar, e o meu quarto e o escritório do meu pai no sótão. Havia, por outro lado, uma espécie de escola, onde decorriam eventos e cursos organizados pelo meu pai.

Basicamente, para mim a RDA oficial era a encarnação do mau gosto. Só imitações, em vez dos genuínos materiais naturais, nunca cores alegres. Os meus pais esforçavam-se por encontrar nichos onde pudessem escapar a essa falta de gosto

Também para a minha mãe, Waldhof reservava novas funções, nomeadamente na formação dos funcionários administrativos da pastoral, a quem dava aulas de Alemão e Matemática, ou nas aulas de Grego e Latim que ministrava aos futuros estudantes do Seminário de Línguas de Berlim, uma instituição de formação teológica da Igreja Evangélica, preparando-os para os estudos superiores. Contudo, com o passar dos anos, as tarefas do colégio concentraram-se cada vez mais na formação contínua dos pastores, pelo que o âmbito de atuação da minha mãe voltou a ficar mais limitado. Ainda trabalhou algum tempo como secretária do meu pai. Por ser mulher de um pastor, não lhe era permitido lecionar na escola pública, pois, na RDA, nada do que dissesse respeito à educação podia sofrer qualquer tipo de influência religiosa. A RDA entendia-se como um Estado ateu.

No dia a dia da família, a repartição dos papéis entre o meu pai e a minha mãe era bastante clássica, muito embora a minha mãe gostasse de pensar como teria sido se tivesse dado aulas numa escola. Na altura, eu imaginava que isso tinha que ver com a ideia de assumir um duplo encargo, já que teria de lidar com ambas as tarefas, as aulas e a gestão doméstica. Para mim, criança, não lhe vislumbrava qualquer vantagem. Uma vez que, oficialmente, a minha mãe não era uma profissional, como se dizia na altura na RDA, isto é, não exercia uma profissão, eu e os meus irmãos não pudemos frequentar o infantário nem, mais tarde, beneficiar das refeições escolares. Isto, porém, já não me agradava de todo. Mesmo no final da escola, no último ano, ainda me bati pelo direito às refeições. Queria-o, não tanto pela qualidade da comida, mas por me sentir atraída por algo que, durante tanto tempo, me fora negado. Mas a verdade é que a minha mãe passou anos a ter de fazer o almoço para toda a família, a que acresciam, como é evidente, as outras refeições e – convém não esquecer – as compras necessárias para as confecionar.

De Waldhof à cidade, onde se faziam as compras, distam cerca de três quilómetros. Quando ainda éramos demasiado pequenos para ajudar, cabia à minha mãe levar para casa, sozinha e de bicicleta, todos os aprovisionamentos. Era um grande esforço físico para ela.Mais tarde, quando tirou a carta de condução, a mãe dela, a minha avó de Hamburgo, ofereceu-lhe um Trabant. Conseguiu fazê-lo através da GENEX, a Geschenkdienst- und Kleintransporte GmbH, um serviço de transportes através do qual os alemães ocidentais podiam enviar ofertas de grande dimensão aos cidadãos da RDA, mas pago em marcos ocidentais. A possibilidade de conduzir o seu próprio carro, mesmo que bastante mais pequeno do que o modelo que lhe valera a alcunha de “Mercedes” na universidade, foi, para a minha mãe, um ato de libertação. Agora, tinha mobilidade. E aproveitou-a também para dar aulas de Inglês no Seminário de Línguas de Berlim, o que, por sua vez, deu origem a alguns atritos com o meu pai, que não apreciava ter de cozinhar. A minha mãe, porém, fez questão de traçar o seu próprio caminho.

Na RDA, os pastores ganhavam pouco, mas, em contrapartida, como era o nosso caso, pagavam uma renda reduzida pela casa onde viviam. Além disso, recebiam apoio material do Ocidente, a chamada “ajuda fraterna”. Para a nossa família, isso correspondia a cerca de 70 marcos ocidentais por mês. A minha avó de Hamburgo e – após a sua morte em 1978 – a minha tia, irmã da minha mãe, geriam a ajuda fraterna e enviavam-nos regularmente encomendas. Para quem estava em Hamburgo, isso exigia uma organização tremenda, mas, para nós, constituía uma ajuda inestimável.

Estas encomendas tinham um significado especial sob outro ponto de vista, algo que sentíamos de imediato quando as abríamos e dizíamos:

– Cheira a Ocidente.

Referíamo-nos ao aroma requintado de um bom sabonete ou do café aromático. Pelo contrário, o Leste cheirava intensamente a produtos abrasivos, cera de chão e terebintina. Ainda hoje tenho o cheiro entranhado no nariz.

Basicamente, para mim a RDA oficial era a encarnação do mau gosto. Só imitações, em vez dos genuínos materiais naturais, nunca cores alegres. Os meus pais esforçavam-se por encontrar nichos onde pudessem escapar a essa falta de gosto, por exemplo comprando os móveis particularmente elegantes da Werkstätten Hellerau, pelos quais tinham, por vezes, de esperar muito tempo. Talvez o meu apreço atual por casacos coloridos se deva em parte a esta experiência remota de sentir tantas vezes a falta de cores fortes no quotidiano da RDA.

O colégio pastoral do meu pai beneficiava das infraestruturas do complexo Waldhof, da cozinha às oficinas da Fundação Stephanus. Os residentes com deficiência mental também faziam certos trabalhos no colégio. Guardo especial memória de um deles. Foi incansável a ajudar a minha mãe, e tinha uma paciência de Job quando era preciso ir buscar lenha e carvão. Era um trabalho muito duro porque todas as divisões eram aquecidas com salamandras.

Era absolutamente concentrado no seu trabalho. No resto do tempo, falava sem cessar e contava histórias do seu mundo, de um tempo em que dizia ter sido funcionário dos caminhos de ferro. Tornei-me sua amiga.

Enquanto não tínhamos de ir à escola, os dias eram sobretudo passados ao ar livre, interrompidos apenas pelas refeições. Ao meio-dia e às 18h00, um residente da Fundação Stephanus tocava o sino de chão instalado no recinto de Waldhof. Também para nós, os filhos do pastor, isso significava que devíamos voltar para casa, pois o almoço era servido a essa hora. De resto, podíamos andar o dia todo a deambular pelo recinto. Era maravilhoso.

O meu amigo especial era o jardineiro, o Sr. Lachmann. Com ele, aprendi a transplantar plantas e a jardinagem em estufas. Podia perguntar-lhe tudo e também ajudá-lo um pouco nas suas tarefas no jardim. Com efeito, eu era uma criança relativamente rústica. Constava até que, em pequena, em Quitzow, bebia água do bebedouro das galinhas quando tinha sede. E, em Waldhof, não me importava de comer cenouras por lavar arrancadas diretamente da terra.

No outono, o meu sítio preferido era a máquina a vapor das batatas. Era um veículo enorme semelhante a uma camioneta, com uma grande cuba que se enchia com batatas para amolecerem com o vapor quente. Deste modo, pouco após a colheita, podiam ser usadas para alimentar os animais. Durante esta operação, deixavam-me sentar ao lado do condutor. Cheirava maravilhosamente a campos cultivados e à rama das batatas e era, para mim, uma delícia saborear as batatas macias.

Em Waldhof, viviam outras crianças, umas mais velhas, outras mais novas do que eu. Fazíamos muitas coisas juntos: íamos tomar banho ao lago, brincávamos nos montes de palha ou jogávamos ao mata. Encontrávamos sempre alguém com quem brincar. Nunca nos aborrecíamos.

No primeiro domingo do Advento, as crianças de Waldhof entoavam cânticos do Advento para os residentes com deficiência mental. Montávamos as nossas pequenas bancadas bem cedo, pelas 07h00, e era assim que acordávamos as pessoas, que dormiam em grandes camaratas. Eram estas as condições da altura, estava fora de questão organizar quartos individuais ou duplos. Cantávamos Es kommt ein Schiff, geladen, Macht hoch die Tür e muitas outras canções. Os residentes ficavam contentes e nós aplicávamo-nos com muito empenho.Na época natalícia, eu cantava ainda no coro da Igreja de Maria Madalena, em Templin. Para as crianças, o Natal em Waldhof era um dos pontos altos do ano. Contudo, a nossa consoada era substancialmente diferente da de muitas famílias. Na residência paroquial, o profissional e o privado misturavam-se com naturalidade, algo que, no Natal, era particularmente evidente.

Na véspera de Natal, o meu pai tinha de celebrar duas ou três missas nas aldeias em redor de Templin e era frequente chegar a casa já depois das 18h00, gelado até aos ossos porque as igrejas das aldeias eram muito frias

Na véspera de Natal, o meu pai tinha de celebrar duas ou três missas nas aldeias em redor de Templin e era frequente chegar a casa já depois das 18h00, gelado até aos ossos porque as igrejas das aldeias eram muito frias. Quando éramos pequenos, obrigavam-nos a dormir a sesta, pois a noite seria mais longa. Já mais crescida, ia com o meu pai às missas.

É claro que a minha avó de Berlim vinha visitar-nos, mas, naquela noite especial, também devíamos pensar naqueles que estavam sozinhos. Os meus pais transmitiram-nos desde pequenos que a essência do Natal consistia em pensar nas pessoas que não tinham uma vida tão boa como a nossa, que estavam sozinhas e desamparadas. Assim, todos os anos, convidávamos para vir passar a consoada connosco um residente que vivesse sozinho e tivesse poucas oportunidades de conviver com outras pessoas. Ao jantar – que, aos meus olhos de criança, já começava tarde devido às missas do meu pai –, o nosso convidado podia finalmente conversar à vontade, os meus pais até o encorajavam nesse sentido. Passávamos o jantar todo em pulgas, com toda a nossa atenção votada aos mais do que ansiados presentes, mas estava fora de questão dizer alguma coisa sobre o assunto. Era costume já passar das 20h00 quando finalmente podíamos passar à “sala de Natal”.

Os meus pais transmitiram–nos desde pequenos que a essência do Natal consistia em pensar nas pessoas que não tinham uma vida tão boa como a nossa, que estavam sozinhas e desamparadas. Assim, todos os anos, convidávamos para vir passar a consoada connosco um residente que vivesse sozinho

Aí chegados, o ritual era sempre o mesmo. Quando se acendiam as velas, eu e os meus irmãos contávamos a história de Natal, e cada um assumia o seu papel. Entre cada capítulo do Evangelho Segundo São Lucas, tocávamos breves peças na flauta e entoávamos cânticos natalícios. Era uma pequena encenação, como é evidente também pensada para agradar aos nossos convidados, mas sobretudo para nos demonstrar que o mais importante, no Natal, não eram os presentes. Tenho recordações maravilhosas da manhã do Dia de Natal, já com os presentes desembrulhados, todos juntos sentados na sala de estar. Por norma, o meu pai não tinha de celebrar missa nesse dia, pois, na qualidade de diretor do colégio pastoral, só prestava serviço nas paróquias a título auxiliar. Enquanto a minha mãe assava o ganso na cozinha, podíamos falar com o nosso pai sobre os presentes. Ao mesmo tempo, íamos petiscando dos pratos coloridos que a minha mãe tinha preparado sem que nos advertissem que devíamos ser comedidos com as guloseimas. Se, entre os presentes que eram enviados do Ocidente para o meu irmão, viesse um dos seus adorados puzzles da Ravensburger, começávamos a montá-lo juntos.

A nossa casa estava sempre aberta, e não apenas no Natal ou outras datas festivas. Os meus pais recebiam visitas com frequência durante todo o ano. Muitas vezes, recebiam amigos depois do jantar e os adultos bebiam chá ou um copo de vinho. Não era raro as pessoas pedirem conselho ao meu pai sobre como, em determinadas situações da vida, deviam agir perante o Estado, incluindo membros do Partido Socialista Unificado da Alemanha. Aos fins de semana, os pastores também gostavam de se visitar. Eu adorava quando podia ir a outras casas paroquiais vizinhas. Depois do lanche, era frequente mandarem as crianças sair. Quando nos diziam que podíamos ir brincar, na verdade queriam dizer que devíamos ir brincar. Muitas vezes, eu tentava ficar com os adultos e engendrava estratégias para ficar encolhida a um canto ou escondida atrás de um cortinado sem que ninguém me visse.Queria muito ouvir o que se dizia. As conversas eram, na sua maioria, de teor altamente político. Interessavam-me tremendamente – mais do que quando se falava de temas teológicos ou da catequese ou das missas. Por vezes, o assunto eram outros pastores que se viam em situação de conflito com o Estado ou tinham problemas com a Segurança do Estado, mas também se referiam os problemas dos filhos na escola. Sempre ficou claro que nunca se podia falar com terceiros acerca de tais conversas e encontros. Nós, crianças, sabíamos que tínhamos de ficar caladas.

Liberdade

Angela Merkel

Sete décadas de memórias ou, como se escreve logo nas primeiras linhas, um livro que “conta uma história que não voltará a repetir-se”

— editora Objetiva

As fotografias vencedoras na 67.ª edição da World Press Photo estarão expostas, com entrada gratuita, na Alameda do Parque dos Poetas, junto ao Anfiteatro Almeida Garrett, de segunda a domingo, das 10 às 20 horas (de 29 de novembro a 29 de dezembro). Para esta edição, o concurso recebeu os trabalhos de 3 851 fotógrafos de 130 países, que apresentaram 61 062 fotografias e projetos em formato aberto. Um júri independente, formado por 31 membros qualificados e oriundos de todo o mundo, escolheu os vencedores do Concurso Mundial de Fotografia de Imprensa de 2024, incluindo as menções honrosas, que podem ser agora apreciados em Oeiras.

Em paralelo com a exposição, a VISÃO organiza quatro conversas sobre fotografia, nos dias 7 e 15 de dezembro. Na primeira, os repórteres fotográficos José Carlos Carvalho e Clara Azevedo vão apresentar os seus trabalhos e partilhar as suas experiências com a assistência, Na segunda, será a vez de Arlindo Camacho exibir as suas técnicas de retrato e José Sena Goulão mostrar como é o trabalho de um fotojornalista de agência num grande acontecimento desportivo como os Jogos Olímpicos.

Estas sessões são gratuitas, mediante inscrição no respetivo dia, a partir das 14h até às 16h30 no Templo da Poesia. Máximo de 2 senhas por pessoa e válidas até ao início da sessão. Lugares limitados à capacidade da sala.