De todos os géneros literários, o diário é certamente o mais difícil de definir, o mais híbrido. E considerá-lo um género literário é já em si assumir que se escreve para ser lido, mesmo no caso de um escritor, como Vergílio Ferreira, que nunca se cansava de dizer que não escrevia para os outros, apenas para si próprio, como necessidade, modo de ser e de estar. Mas é esse diário monumental, que o ocupou de 1969 a 1992, que agora regressa às livrarias portuguesas, numa nova edição da Quetzal.

O primeiro volume, que recolhe os três tomos iniciais, foi lançado no passado mês de abril, na casa do escritor, em Melo (ver caixa nas páginas seguintes), o segundo será lançado no próximo dia 22. Em novembro encerra-se este enorme empreendimento editorial, só possível com o apoio da Câmara Municipal de Gouveia, que na sequência das comemorações do centenário do autor de Aparição, em 2016, continua empenhada na divulgação da obra do escritor mais relevante do seu concelho e aquele que melhor transportou, para os seus livros, aquela região.

“Lutar contra o esquecimento”

Ao seu diário, Vergílio Ferreira chamou Conta-Corrente, expressão do mundo da economia que sublinhava a omnipresença da escrita. Talvez também estivesse na cabeça do escritor a vontade de distanciar estas entradas regulares, logo a partir do título, de uma literatura mais séria – o que, como muitos leitores e críticos apontaram, muitas vezes se concretizou, noutras se contrariou. Apesar de ter iniciado a prática diarista em 1969, o primeiro tomo só viria a ser publicado em 1980. A sua publicação foi um acontecimento editorial; tal como esta reedição, que o faz regressar às livrarias portuguesas depois de muitos anos inacessível, também o é.

Vergílio Ferreira era, à data, um dos autores mais prestigiados do país. Fora um autor de referência durante o Estado Novo, com obras que marcaram o panorama literário português, como Manhã Submersa (1954) e Aparição (1959), mas também pelos ensaios, sempre de pendor existencialista, como Carta ao Futuro ou Interrogação ao Destino, André Malraux. A década de 80 marcou a sua consagração, com sucessivos galardões, incluindo o Prémio Camões, em 1992.

lançamento da reedição de Conta-Corrente, em Melo. Ao lado, o Presidente da República Mário Soares condecora Vergílio Ferreira, em 1989, sob o olhar do primeiro-ministro Cavaco Silva

Além disso, se é certo que havia uma tradição diarística em Portugal, ela nunca fora muito expressiva. Quando Vergílio Ferreira começou a escrever o seu diário, havia o de Miguel Torga, iniciado em 1941 e também com enorme repercussão, fundada na relevância literária do seu autor e sobretudo na diversidade de textos aí recolhida; e o de Ruben A., a partir de 1949. Refira-se, ainda, para acrescentar mais exemplos, o de Sebastião da Gama, publicado postumamente, em 1958, o de Manuel Laranjeira, dado à estampa seis anos antes, e o de José Gomes Ferreira, que na década de 60 já tinha começado a sua aproximação ao diário, que viria a continuar, em sucessivos volumes, anos mais tarde.

Mas para se avaliar o impacto que Conta-Corrente teve, mais importante do que a genealogia em que Vergílio Ferreira se inseriu, é preciso atender à natureza do próprio diário, numa abordagem que fez escola, nomeadamente nos Cadernos de Lanzarote que José Saramago iniciou em 1994. Estas são páginas íntimas e de autointerpretação, para recorrer a uma expressão de Fernando Pessoa, mas também dos dias comuns, do quotidiano do escritor, das suas alegrias, sempre breves, e das suas irritações, nunca omitidas. É também o retrato de uma época em constante mudança, com os últimos anos da ditadura do Estado Novo, a efervescência da Revolução de 1974 e a democratização do país. Nesse sentido, é um documento único, uma cartografia de modas, tendências, novidades, recorrências e acontecimentos interpretados por um autor já formado, com sólidas bases na filosofia e no pensamento, e que usa a escrita para se compreender e compreender o outro, para se interrogar e para interpelar o mundo. “Este é o diário mais importante da literatura portuguesa”, defende Francisco José Viegas, escritor e editor da Quetzal, leitor obsessivo de Vergílio Ferreira, sobre quem escreveu por diversas vezes, incluindo nas páginas da VISÃO. “Voltar a publicá-lo é lutar contra o esquecimento, esse exército terrível e invisível.”

Desabalada e de torneira aberta

Vergílio Ferreira acabava de fazer 53 anos. Influenciado pelos autores que lera e admirara, vivia, nessa idade, o tempo da confissão, da coragem com que concretizava apelos antigos; ou, pelo menos, o tempo de deixar de se render ao pudor. E sabia as implicações e o significado de um diário de um escritor já muito lido, sobretudo quando escrito com ideia de vir um dia a publicá-lo. “Admiro os que o conseguiram, desde a juventude. Um romance é um biombo: a gente despe-se por detrás. Isto não. Mesmo que não falemos de nós (é-me difícil falar de mim). Aliás, como os outros, desconheço-me”, confessa logo na primeira entrada, a 1 de fevereiro de 1969, ele que celebrara o seu aniversário a 28 de janeiro. “Serei agora capaz? Tento. Seguro-me ao argumento de que me dá prazer ler os registos dos outros. Leem-se sempre com curiosidade. Um motivo para insistir – satisfazer a curiosidade dos outros. Mas terei eu ‘outros’?”

Melo, Gouveia Na Casa Vergílio Ferreira – Para Sempre vários artistas recriam obras do escritor. É o caso de Ana Biscaia, na instalação Escrever

O antecedente mais direto de Conta-Corrente na obra de Vergílio Ferreira, segundo Fernanda Irene Fonseca, professor Catedrática aposentada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que tem dedicado vários estudos ao escritor, é Invocação do Meu Corpo. Este “ensaio poético-filosófico” foi publicado em 1969 e abriu a porta para a “escrita do eu” e, não menos importante, um registo alternativo ao romance. O próprio Vergílio Ferreira viria a reconhecer e até a detalhar, com humor, a especificidade de Invocação do Meu Corpo e de Conta-Corrente. Ao contrário da ficção e da narrativa longa esta era uma escrita mais rápida, embora não menos refletida, com outro tom e toada, num encontro entre racionalidade e emoção. É, nas palavras do escritor, uma escrita “excessiva”, “desabalada”, “de torneira aberta”. Uma escrita, ao fim e ao cabo, heterodoxa, como o seu autor.

“O escritor noturno levou a sua febre de escrever, a sua euforia/agonia da escrita para o dia, para o diário”, sublinha Fernanda Irene Fonseca, no ensaio Vergílio Ferreira: A Celebração da Palavra. “Em Conta-Corrente vai expandir-se esse ‘modo pessoal e vivido’ de atravessar as grandes questões do seu tempo. Mas não só: de atravessar também as pequenas questões do seu quotidiano, os pormenores fortuitos em que é possível surpreender uma instantânea revelação.”

“Conta-Corrente”

Até ao fim do ano, estará nas livrarias a totalidade dos diários de Vergílio Ferreira, editados em três volumes. Este primeiro (Quetzal, 1 168 págs., €27,70), já lançado, engloba textos escritos entre 1969 e 1981

Uma outra escrita que não poucas vezes saturou o escritor, da mesma forma que o seduziu. Depois de cinco tomos, publicados entre 1980 e 1987, Vergílio Ferreira anunciava o fim de Conta-Corrente, publicando, pouco depois, o ensaio Pensar. Mas seria pausa de pouca dura, pois em 1993/94 lançou uma nova série do diário, com mais quatro tomos. Em excesso ou em contenção, Vergílio Ferreira ambicionava sempre o mesmo, como confessava no próprio diário: “Que bom poder escrever e ser feliz na escrita.”

Contra a morte

Para os leitores que atacam os livros com um lápis bem afiado, Conta-Corrente é uma obra tentadora. Além do domínio do aforismo, a escrita de Vergílio Ferreira é reflexiva e preenchida, como pedia Camões, com o saber de experiência feito. Experiência essa que também vinha da própria leitura e da escrita, do conhecimento e das potencialidades que o texto encerra. “Toda a obra de arte é um combate contra o tempo, contra a morte, a decadência de nós, a estupidez e a opacidade do mundo”, afirma em Conta-Corrente, como que reforçando o sentido e o significado do seu gesto literário e artístico. “A realidade imediata é pesada como a estupidez. E como ela é tirânica. Se a arte fosse um ‘refúgio’, a vida seria bem ligeira. Mas para chegar até à arte há que ultrapassar várias camadas sobrepostas de matéria grossa e espessa.”

Conta-Corrente dá-nos um extraordinário retrato do escritor – “A literatura é a minha razão de ser. Tudo o mais me ésecundário” – e revela-nos as suas opiniões fortes sobre a vida, o País, a literatura e os seus autores. Algumas passagens conseguiram pôr Vergílio Ferreira de mal com todos, incluindo no espectro político. Mas disso o escritor nunca se queixou. São vários os exemplos que podem ser citados, algum certeiros, outros cómicos (“Há três grupos de escritores: o dos bons ou muito bons, o dos razoáveis e o dos maus. Alguns não fazem parte de nenhum destes grupos.”), muitos bem atuais. E é essa a força de uma escrita que, de tão corrente, se fez contínua, abarcando a vida toda.

Escrever com Vergílio

Um programa de residências literárias convida escritores e outros artistas a inspirarem-se na mesma paisagem que moldou a obra do autor de Manhã Submersa

Um criador a inspirar outros criadores. Foi com esta filosofia que a Casa Vergílio Ferreira – Para Sempre, na aldeia de Melo, em Gouveia, lançou um programa de residências literárias, com curadoria de Adélia Carvalho e de Valter Hugo Mãe. Os candidatos podem escolher a duração da residência (até um mês) e beneficiar das condições únicas da casa: no sótão têm à sua disposição dois quartos e um escritório, assim como uma cozinha e uma casa de banho. Pela janela, a presença da montanha, a mesma que tanta influência teve na personalidade e na obra de Vergílio Ferreira. “A Casa abre-se para todos os lados, entra por ela à vontade todo do ar quente da tarde, os rumores longínquos da terra”, escreveu em Para Sempre, levando para a ficção a realidade concreta que tão bem conhecia. Passeando por estas divisões, os escritores aqui instalados talvez venham a sentir as mesmas sensações do protagonista desse romance de 1983: “Sozinho na velha casa, é um casarão, estou aqui. Há um grande silêncio comprimido sobre o mundo, atento escuto uma voz que não vem (…). O Silêncio em toda a casa. O silêncio dentro de mim.”

Silêncio semelhante terá sentido Rafael Gallo, escritor brasileiro, vencedor do Prémio José Saramago 2022, que aí terminou a sua residência no final do mês de abril, ainda a tempo de passar em Melo o longo apagão do passado dia 28. Tirando esse dia, aproveitou o vagar do tempo para pensar e adiantar o seu novo romance e para conhecer um autor que, inexplicavelmente, garante, é pouco divulgado no Brasil. Talvez agora se torne o seu embaixador do outro lado do Atlântico.

Como os anteriores escritores que passaram por esta residência (Gonçalo M. Tavares, Isabel Rio Novo ou Francisco Mota Saraiva) e a que a ocupará em julho (Cláudia Lucas Chéu), Rafael Gallo deixou livros seus na biblioteca da casa e escreverá um texto que será disponibilizado no festival literário de Gouveia Em Nome da Terra, que terá a sua 4.ª edição em outubro. E cumprindo o desejo dos promotores da residência, deixou uma frase no candeeiro que ilumina a grande mesa do escritório, num incentivo pessoal à criação. Eis a sua: “Escrever pelos mesmos motivos que um cão ladra.”

Voltar sempre

Ao contrário de muitas casas de escritores, a de Vergílio Ferreira não está cheia de objetos e curiosidades pessoais. É antes uma celebração da obra do autor, com recriações artísticas dos seus principais romances e temas, com destaque para a presença da montanha e a ideia de regresso

É logo na praça que se anuncia ao visitante e futuro leitor que se está perante uma obra maior, composta por várias etapas de um mesmo fluxo literário e de pensamento. Em frente à Casa Vergílio Ferreira – Para Sempre, em Melo, no concelho de Gouveia, abre-se um enorme largo. E a delimitar o seu contorno, pequenas lajes definem a cronologia dos livros do escritor, desde a sua estreia, em 1943, com O Caminho Fica Longe, até Cartas a Sandra, publicado em 1996, no ano da sua morte, primeira de várias edições póstumas. A enumeração, apenas o título e a data, é o primeiro convite a mergulhar num universo literário singular, que não poucas vezes se inspirou neste lugar, nesta paisagem, em vivências e memórias de infância ali passadas e reacendidas a cada regresso nas férias de verão.

Vergílio Ferreira não nasceu nesta moradia amarela, nem aqui viveu muitos anos. Em 1916, os pais moravam noutra casa (só habitariam esta muito mais tarde), a algumas ruas de distância do centro de Melo. E como três anos depois emigraram para os EUA, o futuro escritor cresceu, até ingressar aos 12 anos no seminário no Fundão, com a avó e as tias maternas. Ainda assim, esta casa, de dois pisos, imponente e de um traço elegante, tem uma simbologia especial, pois ressurge muitas vezes quer em romances do escritor, quer no seu diário, agora reeditado. Por isso, em 2016, ao encerrar as comemorações do centenário de nascimento de Vergílio Ferreira, a Câmara Municipal de Gouveia anunciou a compra da casa de família, na altura propriedade de uma sobrinha do escritor, projetando uma intervenção museológica e a abertura ao público, que se concretizou em 2024.

Feito o convite na praça principal, passa-se o portão, empurra-se a porta de entrada e descobre-se a força de uma obra que desafia novos leitores. Ao contrário de muitas casas de escritores, um conceito criado no século XVIII para celebrar grandes nomes da literatura mundial, a Casa Vergílio Ferreira – Para Sempre é tudo menos convencional. Não segue o modelo habitual que procura, com maior ou menor fidelidade, reproduzir o quotidiano do escritor, às vezes com os objetos originais. Aqui não há máquinas de escrever prontas a serem usadas, nem tinteiros cheios ao lado de uma folha de papel em branco, nem uma vasta recolha de manuscritos. É, antes, uma recriação do universo do autor de Aparição, que destaca as suas obras mais emblemáticas e alguns dos conceitos-chave que percorrem romances, ensaios e outros escritos.

Essa recriação é sobretudo visual, com vários artistas a ocuparem cada uma das divisões do primeiro andar, já que no piso térreo o escritor é apresentado numa breve cronologia que esclarece as datas e os locais da sua formação, os seminários que frequentou (também o da Guarda), a sua formação na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em Filologia Clássica, e os liceus em que foi professor, primeiro em Faro, mais tarde em Bragança, Évora e Lisboa. Na primeira divisão, António Ramalho, bisneto da ceramista Rosa Ramalho e continuador da sua arte, apresenta, em pequenas esculturas, a “Família Literária” do escritor. “Quem me ensinou a escrever foi Eça de Queirós e quem me ensinou a refletir foi André Malraux”, costumava dizer Vergílio Ferreira. E ali estão eles, em cerâmica, ao lado de mais quatro autores (escolhidos entre muitos outros) que marcaram a sua formação: Raul Brandão, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Albert Camus.

Segue-se a sala dedicada à obra Escrever, publicada só em 2001, a partir dos manuscritos encontrados no espólio, que mostra como a escrita era um modo de ser, mas também de estar – na vida, na existência e no pensamento. É uma vida feita de papel e de palavras que a designer gráfica e ilustradora Ana Biscaia interpreta, evocando uma mão que remexe a terra, como quem lança a semente para depois colher. Numa outra sala recorda-se a relação do Vergílio Ferreira com o cinema, em particular a adaptação que Lauro António fez de Manhã Submersa. O filho do realizador, Frederico Corado, assina a curta-metragem que aí se projeta, feita a partir de fotografias tiradas durante a rodagem daquele filme e de outro material inédito. Ao lado, Paulo Neves evoca, numa escultura em madeira, a presença da montanha na obra vergiliana, montanha essa que é tanto um lugar natural, quanto metafísico. Duas outras obras são interpretadas em salas próprias: Para Sempre (o romance em que esta casa é mais evocada), por Evelina Oliveira, e Cartas ao Futuro, por Luís Silveirinha.

A Casa Vergílio Ferreira – Para Sempre encerra o Roteiro Literário Vergiliano que também foi lançado nas comemorações do centenário do seu nascimento. Na aldeia de Melo, passa por 19 pontos, desde a casa onde o escritor efetivamente nasceu até esta casa amarela, passando por capelas, lojas, tabernas e várias ruas. Com a ajuda do guia “Melo e a aldeia eterna de Vergílio Ferreira” é possível ler passagens em que estes edifícios e lugares foram transportados para a ficção, em descrições muitas vezes fieis e precisas. Noutro percurso integrado no Roteiro Literário Vergiliano propõe-se uma volta maior, de nove quilómetros, pela envolvente da aldeia, onde a Natureza mais se impõe. A mesma que moldou a obra de um escritor que dizia escrever “para tornar visível o mistério das coisas”.

Paixões e irritações

Nos diários Conta-Corrente, Vergílio Ferreira revela-se sem filtros

“O português é extremamente ridículo no seu receio de ser ridículo”

“Temos 800 anos, mas somos ainda infantis. Ou somos  tão coriáceos, que nada nos penetrou”

“Não te diminuas diante dos outros. Aqueles que te admiram podem sentir-se vexados”

“O ensaísta português é um sabichão. Ou um homem aterrorizado, que se esconde atrás de uma barricada de nomes e de números”

“Uma boa frase é como uma boa anedota: dá brilho a quem a inventa e sobra ainda para quem a repete”

“O presente é dos fortes, o passado é dos fracos e o futuroé dos imaginativos ou ambiciosos”

“Porque é que queres ser feliz, se não queres ser medíocre?Tens de escolher”

Palavras-chave:

Um azul-esverdeado mais saturado do que qualquer cor que se possa ter visto no mundo real. “Ficámos de queixo caído.” Eis a simples descrição dos investigadores que realizaram um estudo, em que o uso de feixes de laser apontados para a pupila de um olho lhes permitiu superar os limites naturais da visão. Três dos cinco participantes eram coautores do estudo e a estes juntaram-se mais dois colegas da Universidade de Washington, que desconheciam o propósito da pesquisa.

Mas, atenção, os humanos não irão começar a percecionar novas matizes. Não vem aí um novo mundo de cores. “Este não é propriamente um aparelho destinado ao consumidor. Trata-se de ciência visual básica e um projeto de neurociência”, alerta Ren Ng, professor de Engenharia Elétrica e Ciência Informática da Universidade da Califórnia, Berkeley. E acrescenta: “Previmos desde o início que se pareceria com um sinal de cor sem precedentes, mas não sabíamos o que o cérebro faria com ele.”

As únicas cinco pessoas no mundo que conseguiram ver a nova cor entraram num laboratório escuro e permaneceram sentadas. Havia lasers, espelhos, espelhos deformadores, moduladores e detetores de luz. Cada participante teve de trincar uma barra para garantir que a cabeça e os olhos estavam imóveis enquanto o laser era disparado para a retina e viam um pequeno quadrado de luz, do tamanho de uma unha do polegar localizado a um braço de distância.

Nesse quadrado da cor azul-esverdeada (a Cidade das Esmeraldas de O Feiticeiro de Oz, de L. Frank Baum, onde tudo parece o verde mais deslumbrante que já se viu), que foi batizada de Olo, o mais próximo que existe e que se consegue ver é o verde-azulado, representado pelo código hexadecimal #00ffcc.

Esta investigação, publicada em abril na Science Advances, revelou-se útil para lidar com questões científicas básicas sobre como o cérebro cria perceções visuais do mundo. No entanto, poderá também a vir a ter outras aplicações. Através da estimulação personalizada de células na retina, os especialistas podem aprender mais sobre daltonismo (incapacidade ou dificuldade em distinguir as diferenças de cor) ou sobre doenças que afetam a visão, como a retinite pigmentosa, patologia degenerativa da retina que causa perda de visão progressiva, podendo conduzir à cegueira.

O poder dos verdes

“Não há forma de transmitir essa cor num artigo ou num monitor. Essa não é a cor que vemos, simplesmente não é. A cor que vemos é uma versão dela, mas que empalidece completamente em comparação com a experiência do Olo”, descreve Austin Roorda, professor e investigador de Ciências Visuais da equipa.

Os cinco de Berkeley conseguiram superar uma limitação, usando lasers para aplicar com precisão pequenas doses de luz para selecionar células cone no olho humano. Existem três tipos de cones que são sensíveis a comprimentos de onda de luz longos (L), médios (M) e curtos (S), para os tons vermelhos, verdes e azuis, respetivamente.

Estima-se que o olho humano consiga ver dez milhões de variações de cores, mas há todo um mundo de tonalidades que não vemos?

Assim, começaram por mapear uma pequena parte da retina de uma pessoa para identificar as posições das células cone M, sensíveis a diferentes comprimentos de onda verdes. Após o ajuste para o movimento do olho, o laser dispara um pequeno feixe de luz para estimular a célula, antes de passar para o próximo cone. Surge uma mancha de cor no campo de visão com cerca de duas vezes o tamanho de uma lua cheia. Uma cor que está para lá da faixa natural a olho nu porque os cones M são estimulados quase exclusivamente. O nome Olo vem do binário 010, indicando que, dos cones L, M e S, apenas os cones M são ativados.

Os três tipos de cone lidam com faixas de luz sobrepostas: a luz que ativa os cones M também ativará os cones S ou L. “Não há luz no mundo que possa ativar somente as células do cone M porque, se estão a ser ativadas, com certeza um ou ambos os outros tipos também são ativados”, explica Ren Ng.

Para John Barbur, professor de Ótica e Ciências Visuais e diretor da City St. George’s, Universidade de Londres, este estudo tem um “valor limitado”, pois “não é uma cor nova”. “É um verde mais saturado que só pode ser produzido numa pessoa com mecanismo cromático vermelho-verde normal quando a única informação vem dos cones M.”

Em contraponto, para Manuel Spitschan, que estuda os efeitos da luz no comportamento humano no Instituto Max Planck de Cibernética Biológica da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, e não fez parte da nova investigação-experiência, “é um estudo fascinante, um avanço verdadeiramente inovador na capacidade de compreender os mecanismos fotorrecetores subjacentes à visão de cores. As pesquisas técnicas necessárias para alcançar isso são enormes. Uma questão em aberto é como esse avanço pode ser usado.”

Comoo cérebro interpreta a luz

A visão consegue confundir a informação que recebe

O olho humano comum, de acordo com as estimativas científicas, é capaz de percecionar um número um pouco abaixo de dez milhões de variações de cores. É quando a luz incide sobre as células sensíveis à cor na retina, os três cones sensíveis a comprimentos de onda de luz longos (L), médios (M) e curtos (S), vermelhos, verdes e azuis, respetivamente, que se abre uma infinita paleta de cores. A retina (camada de tecido sensível à luz localizada na parte posterior do olho) recebe e processa as informações visuais, convertendo a luz em sinais elétricos, transmitidos ao cérebro pelo nervo ótico, permitindo-nos ver.

Lembra-se do desafio que se tornou viral nas redes sociais, em 2015, a tentativa de descobrir se um vestido era dourado e branco ou azul e preto? Na altura, a marca garantiu que era azul e preto. O que confundia os internautas era a luz que surgia na imagem, levando os cérebros a ler a parte azul como branca e a preta como dourada.

É a quantidade de luz que atinge a nossa retina que leva o cérebro a percecionar de determinada forma a matiz. Quem via o vestido azul e preto tem os cones da retina a funcionar melhor; ver o branco e o dourado é sinónimo de não reagir bem à luz fraca.

Se fosse na ilha Pingelap, no Pacífico, seria a preto-e-branco ou em tons de cinzento, devido à acromatopsia, doença genética que afeta um em cada 12 habitantes daquele território.

1947 – Quem fica com a Caxemira?
Após a independência, o destino da Caxemira ficou incerto, embora tanto a Índia como o Paquistão reivindicassem o território. O marajá local ainda tentou obter a independência, mas acabou por aceitar que a região integrasse a Índia, em troca de ajuda militar para evitar a continuada invasão de milícias muçulmanas. Resultado: a Guerra Indo-Paquistanesa de 1947-48, que terminou com o Acordo de Karachi de 1949, que estabeleceu uma linha provisória de cessar-fogo, supervisionada pela ONU. Nos termos desse acordo, a Índia passava a ocupar dois terços daquele território, com o outro terço a pertencer ao Paquistão.

1965 – Guerra curta mas sangrenta
Após o Paquistão conduzir uma ofensiva secreta na linha de cessar-fogo, os combates entre as forças fronteiriças depressa descambaram numa guerra total – que durou três semanas, mas provocou milhares de baixas em ambos os lados, além das maiores batalhas de veículos blindados desde a II Guerra Mundial. Em janeiro de 1966, os dois países assinaram um novo acordo, para resolver futuras disputas por meios pacíficos.

1972 – Divisão oficial
Após uma breve guerra entre os dois, por causa do Paquistão Oriental, que resultou no atual Bangladesh, a Índia e o Paquistão inauguraram uma nova era de relações bilaterais com o Acordo de Simla, em 1972, que dividiu a Caxemira em duas regiões administrativas. A linha de cessar-fogo temporária de 1949 tornou-se, assim, uma “linha de controlo” oficial.

1974 – Nova era nuclear
A Índia realiza o seu primeiro ensaio de uma arma nuclear, desencadeando uma corrida armamentista no Paquistão – que atingiu o mesmo marco duas décadas depois.

1987 – Início da insurgência
Aproveitando um período de turbulência política, vários grupos de insurgentes, apoiados pelo Paquistão, iniciam diversos ataques, com bombas, tiroteios e sequestros, contra a administração indiana, que minam e agravam as relações entre os dois países.

1999  – Combates na montanha
Guerra de Kargil, numa zona de alta montanha, com centenas de vítimas dos dois lados. Inicia-se depois um novo período de cessar-fogo que é muitas vezes interrompido por trocas de tiros por militares dos dois países. Desde então, a Caxemira tornou-se uma das zonas mais militarizadas do mundo.

2008 – Atentado em Mumbai
O risco de novo confronto aumenta na sequência do ataque terrorista em Mumbai, em que morreram mais de 160 reféns, incluindo alguns estrangeiros. Tanto a Índia como os EUA culparam um grupo sediado no Paquistão, afirmando que era apoiado pelos serviços secretos do país.

2016 – Ataques constantes
Após um breve período de relações cordiais entre os dois países, iniciado com o convite do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, ao seu homólogo paquistanês, Nawaz Sharif, para a sua tomada de posse, a situação agravou-se, em 2014, quando um alto funcionário do Paquistão se reuniu com líderes separatistas da Caxemira. Depois, em 2016, uma base indiana foi atacada por milícias separatistas, com Nova Deli a ripostar com ataques a “acampamentos terroristas” dentro da Caxemira administrada pelo Paquistão. Nos anos seguintes, ocorreram milhares de confrontos.

2019 – Ocupação indiana
Após um bombardeamento ter provocado a morte de quatro dezenas de soldados indianos, o governo de Narendra Modi decidiu enviar dezenas de milhares de militares para o território e retirar à região o estatuto privilegiado de autonomia de que gozava desde a independência. Para abafar quaisquer protestos, foi instituído o estado de sítio, as conexões de internet foram cortadas durante mais de um ano e a Caxemira passou a ser administrada diretamente desde Nova Deli, registando-se a prisão de milhares de opositores.

2025 – À beira da guerra
A 22 de abril de 2025, as tensões aumentaram após um ataque terrorista contra turistas indianos na Caxemira – o pior, em território indiano, desde os ataques de Mumbai em 2008. Após o ataque, medidas de retaliação da Índia e do Paquistão levaram as relações bilaterais ao seu ponto mais baixo dos últimos anos.

A Caxemira, apesar de ser o principal foco de conflito entre a Índia e o Paquistão desde a sua independência do império britânico, transformou-se, nos últimos anos, numa das maiores provas de afirmação do governo nacionalista que está há 12 anos no poder em Nova Deli. Essa mudança iniciou-se em agosto de 2019, quando, em resposta a mais um ataque das forças separatistas, alegadamente ao serviço dos paquistaneses, o primeiro-ministro Narendra Modi optou por uma manifestação de força: enviou dezenas de milhares de soldados para a região, revogou a sua autonomia especial, decretou o estado de sítio e, durante cerca de um ano, cortou todas as comunicações com o exterior, reprimiu os órgãos de informação locais independentes e enviou para a prisão milhares de opositores. O mundo olhou estupefacto para essa ação de Modi, mas depressa esqueceu as atrocidades e os atropelos aos direitos humanos, quando mergulhou, poucos meses depois, na pandemia e na rotina dos confinamentos.

Do ponto de vista do governo indiano, os fins justificaram todos os meios. De tal modo que, após essa ação musculada, a Caxemira começou a mudar a sua imagem e a ser exibida até como um cartaz turístico apetecível para milhões de indianos, em busca de uma região repleta de montanhas e vales deslumbrantes, conhecida também pela sua produção têxtil e agrícola. Segundo uma publicação da organização Council on Foreign Relations (CFR), nesses anos, o governo de Modi aproveitou ainda para integrar a Caxemira na sua doutrina de “nacionalismo hindu” e redesenhou o mapa eleitoral para privilegiar as áreas de maioria hindu. Noutra prova de força, Modi realizou, em 2023, quando ocupava a presidência do G20, uma reunião do grupo de trabalho sobre turismo daquela organização em Srinagar, a capital de verão do território administrado pelo governo de Nova Deli – a que, significativamente, a China optou por não comparecer, alegando a sua firme oposição “à realização de qualquer tipo de reunião do G20 num território disputado”.

Essa ilusão de uma Caxemira pacificada e com potencial turístico foi destruída, subitamente, a 22 de abril. De forma trágica: com um dos ataques terroristas mais mortais da História recente da Índia, quando um grupo de homens armados atacou multidões de turistas. E tudo indica que foi uma ação planeada e executada com frieza: primeiro atiraram indiscriminadamente e, em seguida, segundo diversos relatos, terão executado os homens que não sabiam recitar determinadas passagens do Corão. Pelo menos, 26 pessoas foram mortas.

De imediato, Nova Deli acusou o Paquistão de ter patrocinado o massacre. Islamabad negou qualquer envolvimento. E a tensão começou a escalar na região de maioria muçulmana, dividida entre a Índia e o Paquistão, mas que ambos reivindicam integralmente.

Em nome da vingança

Na Índia foram muitos a clamar vingança. E rapidamente, após uma reunião com os altos comandos militares, foi divulgada uma declaração atribuída a Narendra Modi em que este afirmava que as Forças Armadas têm “total liberdade operacional para decidir sobre o modo, os alvos e o momento da resposta”. Deixando um aviso claro: “É nossa determinação nacional dar um golpe esmagador no terrorismo.”

Modi enviou ainda uma mensagem dura ao Paquistão, afirmando que “a Índia irá identificar, rastrear e punir todos os terroristas e os seus apoiantes”, prometendo até “persegui-los até aos confins da Terra”.

Esta retórica de guerra e as promessas de retaliação constituem a maior preocupação em relação ao evoluir da situação. Depois de tudo o que foi dito, o governo nacionalista de Modi não pode arriscar perder a face e optar por não fazer nada. Mas se a Índia for a primeira a disparar, é certo que o Paquistão irá retaliar, também por pressão popular, já que milhões de paquistaneses estão furiosos por a Índia estar a responsabilizá-los por um atentado horrível no qual recusam qualquer responsabilidade.

Vingança Manifestantes indianos clamam retaliação contra o Paquistão, após o ataque terrorista contra turistas na Caxemira Foto: Harish Thyagi/LUSA

Desde há alguns dias, os dois países vizinhos estão completamente desligados um do outro. De uma assentada, o governo de Nova Deli impôs a proibição total das importações do Paquistão e suspendeu todos os serviços postais transfronteiriços. Modi ordenou ainda que nenhum navio paquistanês possa entrar nos portos indianos e impediu, igualmente, que qualquer navio indiano entre em portos paquistaneses. Todas estas medidas foram anunciadas em nome da “segurança nacional”.

Em resposta, o Paquistão decidiu fechar o seu espaço aéreo para voos indianos, expulsou uns quantos diplomatas e lançou um aviso sonoro de que qualquer interferência nos fluxos de água que correm entre os dois países seria vista como um ato de guerra. E o primeiro-ministro paquistanês, Shehbaz Sharif, prometeu uma “resposta contundente a qualquer aventura indiana”.

Depois das ameaças e da retórica belicista, os dois governos vão subindo patamares de tensão, de forma a procurar dar resposta aos clamores populares que, alimentados por décadas de conflito, exigem vingança e respostas firmes.

Mostrar a força

Como nenhum dos dois lados pode passar imagem de fraqueza, tanto Nova Deli como Islamabad optaram, nos últimos dias, por elevar a retórica de guerra para o nível de “demonstração de força”. Assim, navios de guerra indianos realizaram exercícios de fogo real, enquanto a Força Aérea deslocou esquadrões de caça para bases no Punjab e no Rajastão, após o anúncio de compra de 26 novos caças Rafale a França, no valor de 7,4 mil milhões de dólares. O governo indiano também deu ordem, no início desta semana, para que os estados mais próximos da fronteira começassem a testar os seus mecanismos de proteção civil, como forma de se prepararem para um ataque. Segundo revela o jornal Indian Express, foi transmitido às autoridades locais que operacionalizassem as sirenes de alerta de ataque aéreo, revissem os planos de segurança e iniciassem o treino de civis, particularmente nas escolas, sobre os protocolos de fuga e proteção, em caso de perigo.

Islamabad respondeu com o lançamento, amplamente divulgado, de um novo míssil balístico terra-terra do sistema de armas Abdali, com um alcance de 450 quilómetros. Ou seja: capaz de atingir bases avançadas indianas, embora suficientemente pequeno para ser considerado um recurso tático em vez de estratégico. Todas estas movimentações têm um objetivo claro: demonstrar que os dois lados estão prontos para a guerra.

Escalada nuclear?

O massacre em Pahalgam reabriu a ferida antiga que, há décadas, opõe os dois países, sempre envoltos em episódios de guerra e muitas escaramuças. A situação é particularmente perigosa agora porque tanto a Índia como o Paquistão possuem armas nucleares – embora, na atual escalada, nenhum dos responsáveis políticos dos dois lados as tenham usado como ameaça. Até porque não precisam: ambos sabem o grau de destruição que podem causar e as consequências que isso poderia ter para as gerações futuras.

Nas últimas décadas, desde que o Paquistão atingiu o estatuto de potência nuclear em 1998, os dois países sempre conseguiram manter as situações de conflito dentro de limites que ambos consideravam aceitáveis. Em 2016, uma força de comandos indiana entrou no território da Caxemira controlado pelo Paquistão para realizar uma série de “ataques cirúrgicos” contra bases terroristas, mas Islamabad não retaliou. Em 2019, após outros atentados, a tensão voltou a aumentar, mas o máximo a que se chegou foi a uma batalha aérea, em que o Paquistão conseguiu abater um Mig indiano e capturar o piloto – que seria entregue a Nova Deli poucos dias depois.

Agora, apesar da retórica de guerra, ainda nenhum dos países avançou com a mobilização de reservistas nem se observam grandes movimentações de carros blindados nas zonas de fronteira.

Modi enviou uma mensagem dura ao Paquistão, afirmando que “a Índia irá identificar, rastrear e punir todos os terroristas e os seus apoiantes”, prometendo “persegui-los até aos confins da Terra”

No entanto, como refere Sajjad Ahamed na revista The Diplomata, especialista nas questões da Ásia-Pacífico, a “pressão interna” popular pode impulsionar a escalada. “Com as eleições regionais a aproximarem-se, o Partido Bharatiya Janata da Índia pode sentir-se compelido a realizar uma ação de represália limitada – ataques de forças especiais ou um ataque aéreo ao estilo de Balakot, em 2019 – com o objetivo de apaziguar a revolta dos eleitores, mantendo-se abaixo do limiar nuclear do Paquistão”, escreve. Só que, no contexto atual, um golpe mesmo que “cirúrgico” fará elevar o nível de tensão para um patamar superior ao que se viveu nos últimos anos. E precipitar uma retaliação por parte do Paquistão.

Na sua análise, Sajjad Ahamed recorda também que o mundo vive hoje tempos diferentes. “A histeria nas redes sociais, as imagens de escaramuças feitas por drones e os debates televisivos empolgados comprimem os tempos de decisão”, sublinha. “Imagine-se o que acontecerá se, por exemplo, uma bala de artilharia perdida mata civis ou um ataque de drone é erroneamente identificado como o de uma incursão tripulada”, questiona. “Um líder em pânico pode subir degraus depressa demais. E o mesmo feed de rede social que amplifica mensagens dissuasivas também pode amplificar rumores, transformando um tiroteio local numa prova de traição nacional”, responde.

Antes de nova escala, uma certeza existe: o sonho de uma Caxemira turística, idealizada por Modi, está outra vez mais longe. Segundo a Reuters, os alojamentos turísticos na região estão todos agora a preço de saldo, com descontos superiores a 70%. E, naturalmente, vazios.

A coligação da ILDA

As sondagens mais recentes, mostram que este é um cenário muito provável. Não sendo a “maioria maior” com que sonha Luís Montenegro, que, até agora, ainda não falou em voz alta em “maioria absoluta”, é pelo menos uma hipótese com possibilidades reais de dar estabilidade ao País.

“O foco é ter mais um voto do que o PS.” É assim que um dos principais dirigentes da AD reage à VISÃO sobre a possibilidade de acordos pós-eleitorais. Há duas coisas que a cúpula da AD tem como certas: uma é que Luís Montenegro só governará se a AD for a força política mais votada e a outra é que “nada está decidido”. Na caravana “laranja” ninguém quer dar demasiada importância às sondagens, mesmo que elas mostrem que Montenegro ganha cada vez mais terreno, porque há o risco de o excesso de confiança contribuir para a abstenção ou para deixar escapar o voto útil. É dentro dessa lógica que na AD se evita ao máximo especular sobre possíveis negociações futuras com a IL.

Na IL, para já, também não há nenhuma vontade de tornar público um caderno de encargos para um entendimento. “Este momento de campanha é um momento para apresentar propostas. Nós não estamos aqui a decidir coligações, estamos a decidir a representação dos partidos na Assembleia da República e, portanto, cada coisa tem o seu tempo. Estaria a fazer um mau serviço ao País se estivesse neste momento a falar só de cenários”, dizia Rui Rocha à agência Lusa, pouco depois de ter saído do debate nas rádios, no qual voltou a admitir que teria de haver “uma conversa” sobre a Spinumviva antes de qualquer acordo com Luís Montenegro, mas sem dar pormenores sobre o que seria essa “conversa” e que exigências poderiam ser feitas sobre esse tema.

Apostado em fazer passar a agenda liberal, Rui Rocha tem posto grande ênfase na necessidade de cortar no Estado – até admite criar um departamento com essa função – e em fazer voltar a regra (do tempo de Passos Coelho e da Troika) que só deixa a Administração Pública contratar um funcionário por cada dois que saem. Não é difícil imaginar que essa seja uma das reivindicações a levar para cima da mesa de um acordo. No podcast do Expresso, Comissão Política, Rocha deixou isso implícito ao falar nas pastas que poderiam ser mais cobiçadas pelos liberais numa coligação. “A Modernização Administrativa parece-me uma pasta fundamental, onde teria grande vantagem para o País; a Economia é uma pasta também interessante e alinhada com o perfil da IL, mas não vou fazer uma candidatura”, afirmou.

A descida do IRS e do IRC – duas grandes promessas da AD – e a ideia de alívio no IVA da construção ou o controlo da imigração são pontos em que Montenegro não vai tão longe como Rocha gostaria, mas há aproximações. A AD também ainda não chega tão longe como a IL gostaria na ideia de abrir o SNS aos privados (os liberais querem revolucionar o sistema, com uma espécie de seguro de saúde público obrigatório), mas também nessa área pode haver aproximações. A AD também tem recusado qualquer privatização da Segurança Social na próxima legislatura, mas a IL irá carregar nas vantagens do plafonamento. Uma ideia que o estudo encomendado pelo Governo de Montenegro a um grupo liderado pelo economista Jorge Bravo (forte defensor dessa medida) pode vir a dar gás.

O irritante numa possível coligação entre a AD e a IL poderia ser o CDS. É que os liberais não podem aceitar ter menos pastas ou pastas menos relevantes do que o partido de Nuno Melo, quando a sua expressão eleitoral é já muito superior. “Essa discussão tem de refletir o peso eleitoral do partido, isso parece-me óbvio. É uma questão de bom senso para esta eleição e para qualquer outra”, avisou Rui Rocha ao Expresso, frase que pode ser lida como uma alusão às listas para a Câmara Municipal de Lisboa, nas quais liberais e centristas também terão de negociar lugares com o PSD numa possível coligação de apoio a Carlos Moedas. Essa pode ser uma negociação difícil, mas o peso crescente da IL terá de ser levado em conta pelo PSD, podendo deixar descontente o CDS.

Caso a coligação descole, as nuvens negras podem estar no cenário macroeconómico. No último trimestre, a economia contraiu 0,5% (em Espanha cresceu 0,6%) e vários analistas acreditam que o fulgor dos últimos meses pode ter sido arrastado pelas benesses dadas pelo Governo (entre elas, a descida da retenção na fonte de IRS e o aumento extraordinário aos pensionistas) que animaram o consumo interno. Se em agosto o cenário não melhorar, o País poderá entrar em recessão técnica, algo que tornaria muito difícil cumprir as baixas de impostos anunciadas, numa altura em que aumenta a pressão europeia para subir os gastos com a Defesa. Seria difícil para os liberais um recuo na ideia do alívio fiscal.

Apesar de não querer entrar em cenários, Rui Rocha já deixou claro que só poderá fazer parte de uma solução de governo com a AD. Apoiar governos que tenham o PS ou o Chega, assegura o líder liberal, está fora de questão.

Coligação “Não é Não”

Luís Montenegro demorou muito tempo a dizer “não é não” ao Chega, mas desde que o fez garante que não vai ceder um milímetro. É isso que reafirma à VISÃO um dos elementos mais próximos do líder do PSD. “Não faremos em nenhum cenário uma coligação com o Chega.” Mesmo que os votos do partido de André Ventura (que continua a dar sinais de que não sofreu nada com os sucessivos escândalos dos últimos meses) pudessem, na verdade, dar a mais sólida maioria parlamentar de todos os cenários possíveis tendo em conta as sondagens.

Luís Montenegro explicou a decisão no frente a frente com Ventura, alegando que o Chega “não tem fiabilidade de pensamento, comporta-se politicamente como um cata-vento e isso não é adequado a funções governativas”, “não tem maturidade nem decência” e “está apenas virado para destruir”. Montenegro tem-se aproximado do discurso do partido de extrema-direita, fazendo anúncios sobre notificações de imigrantes deportados, publicitando operações policiais ou usando os dias da Mulher e do Trabalhador para falar da importância da “família” ou da “cultura portuguesa”. Mas esse é um piscar de olho ao eleitorado de André Ventura e não ao líder do Chega.

A estratégia da AD é precisamente a de fazer algumas concessões às ideias do Chega, deixando-o fora das soluções governativas para tentar demonstrar que esse é um voto inútil e, assim, ir ganhar aqueles que nas últimas legislativas puseram a cruz no partido de Ventura.

Há um ano, Ventura fez tudo para entrar no Governo. E quis deixar claro que só não estava a dar uma maioria de apoio estável à AD por culpa de Luís Montenegro. Falou mesmo em “humilhação” para descrever a forma como os seus apelos a uma negociação no momento de formar governo caíram em saco roto. Durante o último ano, houve conversas (confirmadas por Hugo Soares) sobre a eleição do presidente da Assembleia da República e sobre a descida de IRS nas quais o Chega roeu a corda ao PSD, dando o dito por não dito. Mais tarde, Ventura disse ter tido reuniões com Montenegro sobre o Orçamento do Estado, mas o PSD desmentiu sempre a existência de qualquer negociação com o Chega.

Durante esta campanha, Ventura tem estado a hostilizar abertamente Luís Montenegro, comparando-o com José Sócrates à boleia dos casos da Spinumviva e de Espinho, e sendo particularmente duro nas críticas à gestão política do apagão ou ao caos que se vive na Saúde. “Montenegro quer muletas no Parlamento e quero dizer cara a cara: não contará connosco”, atirou-lhe durante o debate em que estiveram ambos frente a frente.

“Eu preciso de todos, porque nós estamos a um passo histórico de conseguir vencer”, repetia Ventura esta semana nas ruas de Santarém, durante uma arruada. No Chega, acredita-se que o partido pode mesmo passar o marco histórico dos 20%. E quem anda nas caravanas dos outros partidos admite que essa não é uma possibilidade assim tão remota, à medida que, passando por feiras e festas populares, são cada vez mais aqueles que mostram simpatia pelo Chega e cansaço em relação a PSD e PS.

A ideia de que o Chega não conta para nada pode ser um argumento importante para agregar os votos em torno da AD, mas tem sido usada também pelo Chega como uma forma de se pôr à margem do sistema e de se apresentar como a única alternativa a sociais-democratas e socialistas. Mesmo que muitos dos que estão agora nas fileiras do Chega venham precisamente do PSD (como André Ventura) ou do CDS (e nalguns casos até do BE), a ideia que o partido quer dar é a de que será uma grande novidade e fará o que nunca foi feito. É por isso que um dos cartazes do Chega tem André Ventura a pedir diretamente “uma oportunidade”. No que depender de Luís Montenegro, parece que a “oportunidade” não chegará já.

Coligação “Para a Constituição”

O Chega pode representar um milhão de eleitores à direita, mas é o partido com que o resto da direita não quer entender-se. Com os votos de André Ventura, uma geringonça de direita seria o suficiente para deixar a esquerda sem qualquer hipótese sequer de gerar turbulência política. Pelo menos em termos aritméticos, a estabilidade governativa estaria garantida. Mas nem Luís Montenegro nem Rui Rocha querem fazer essa conta de somar. André Ventura é considerado demasiado imprevisível e pouco confiável por ambos.

“Nunca, jamais, em tempo algum, a IL viabilizará um governo que integre o Chega”, declarou Rui Rocha no debate frente a André Ventura, depois de o líder do Chega lhe pôr esse cenário em cima da mesa. “Há três partidos acima dos 20%. Se a direita tiver uma maioria, e estou a incluir a IL, só não governamos se não quisermos”, tinha dito Ventura, antes de esbarrar com a nega do liberal. “No que diz respeito ao Chega, temos de fazer avaliação do comportamento do Chega nesta legislatura. Há um conjunto de coisas que demonstram que o Chega tem uma visão socialista e isso não melhorou”, defendeu o líder da IL.

Se Luís Montenegro e Rui Rocha fecham a porta a um acordo com o Chega, a verdade é que podem virar o jogo ao contrário e assumir um governo, pondo implicitamente o ónus de fazer cair um executivo de direita nas costas de André Ventura. Essa é uma possibilidade, porém, que Montenegro nunca se mostrou disponível para explorar e nada indica que o fará agora: a estratégia, caso ganhe sem uma maioria sólida, deverá ser a de continuar a pôr pressão sobre o PS para, no essencial, viabilizar a governação.

Isso não significa, porém, que – mesmo sem um acordo – as bancadas mais à direita não possam votar todas em bloco, como, aliás, já aconteceu várias vezes na última legislatura, sobretudo para travar propostas da esquerda. Tendo em conta a vontade de AD, IL e Chega de mudar a Constituição, esta maioria não selada por um acordo poderia ser a chave para o fazer, porque facilmente se chega desse lado do hemiciclo aos dois terços de deputados.

“A direita pode estar a quatro lugares apenas – fazendo a transposição dos resultados para deputados – não de uma maioria de governo, mas de uma maioria constitucional”, alertou o porta-voz do Livre, Rui Tavares, no debate que juntou nas rádios os cabeças de lista dos partidos com assento parlamentar. Tavares recordou que “Luís Montenegro foi líder parlamentar de um governo que estava sequioso por mudar a Constituição” e que “André Ventura tem sempre que possível apresentado propostas de alterar a Constituição, até no que diz respeito a direitos fundamentais”, sendo que “Rui Rocha também gostaria muito de mudar a Constituição”.

“Ou a esquerda tem clareza e mobiliza os votos progressistas e democráticos, ou podemos estar em face de uma situação que é constitucionalmente perigosa para o País, e este alerta tinha de ser lançado”, dramatizou Rui Tavares, chamando a atenção para uma coligação que, não sendo de governo, pode representar uma viragem política constitucional sem precedentes. “Não vale a pena, ninguém tem medo”, comentou Rui Rocha, sobre a possibilidade de agitar “papões” acerca do “perigo constitucional”. Rocha acabaria, porém, por confirmar no dia seguinte que o seu partido pretende uma revisão constitucional para “acabar com o socialismo”, sem dar mais detalhes sobre o que isso significa.

Uma coisa parece ser certa: não será pela mão da IL e do Chega que um governo da AD morrerá à nascença. “O doutor Luís Montenegro terá de levar ao Parlamento esse programa [de governo] e esse programa será viabilizado ou não”, disse André Ventura, no mesmo debate, não excluindo a viabilização, embora a lei não preveja a votação do programa de governo, mas sim a de moções de confiança ou de rejeição. Rui Rocha também tem repetido que a IL “estará sempre à altura das circunstâncias”, garantindo que os liberais serão “absolutamente responsáveis”. 

Bloco Central improvável

A 25 de Abril de 1983, o PS ganhou por pouco, depois de o CDS perder mais de 160 mil votos. A solução foi aquilo que ficou conhecido como “Bloco Central”, uma coligação formada por PS e PSD. Mas o filme não se deve repetir. Na altura, o CDS ficou como a “oposição construtiva”. Hoje, o Chega ajuda a baralhar as contas e é improvável que a AD queira deixar André Ventura e Rui Rocha à solta para fazer oposição à direita, sobretudo havendo uma maioria sociológica nesse lado do campo ideológico.

“Não vejo razão nenhuma para haver um Bloco Central. Coisa diferente é permitir que haja estabilidade”, diz à VISÃO um alto dirigente do PSD. Dito de outra forma, a AD gostaria de repetir o cenário no qual o PS lhe viabilizou um Orçamento do Estado e lhe travou várias moções de censura, mas uma coligação é para esquecer. Em troca de quê poderia o PS continuar a viabilizar a governação de Luís Montenegro? Na AD garante-se que “se há demonstração de capacidade de diálogo e abertura, ela foi feita pelo primeiro-ministro durante esta legislatura”, mas recusa-se entrar em cenários sobre o que poderia ser acordado. De resto, na AD rejeita-se a ideia de que o Partido Socialista tenha sido um fator de estabilidade. “A ideia de que o PS contribuiu para a estabilidade da governação é uma ideia absurda. A governação não tem 11 meses. Se a AD ganhar, dar estabilidade é deixar a AD governar quatro anos.” E caso seja o PS a ganhar? “Nenhum cenário eleitoral mostra que o PS possa ganhar” é a única resposta.

No PS é que nem se quer ouvir falar dessa hipótese de acordo de governação com a AD. “Não me parece que haja qualquer hipótese. Não há ninguém na direção do PS que defenda um Bloco Central”, diz um alto dirigente socialista. “Foi uma solução excecional, com protagonistas excecionais”, comentaram ao jornal Nascer do Sol os filhos dos dois protagonistas do Bloco Central original, Paulo Mota Pinto e João Soares, admitindo que hoje é um cenário improvável. Na altura, os dois partidos chegaram a ponderar uma ida às urnas em conjunto, mas Mário Soares e Mota Pinto optaram por medir forças separadamente. Depois, quem ganhasse assumiria o cargo de primeiro-ministro, enquanto o líder do partido que ficasse em segundo lugar ficaria como vice-primeiro-ministro. Foi um governo em que se verificou uma onda de “secretários de Estado-adjuntos” em todos os ministérios: com um ministro do PS, estaria um secretário de Estado-adjunto do PSD, e vice-versa. Boa parte do PSD nunca digeriu bem esta coligação e Mota Pinto chegou a demitir-se da liderança, abrindo uma crise no governo, mas preparando-se para recuperar o lugar no congresso da Figueira da Foz, marcado para 20 de maio de 1985, que consagraria, afinal, Cavaco Silva. É que, a 7 de maio, o malogrado professor de Coimbra faleceu, repentinamente, aos 48 anos.

Quando há um ano o PS perdeu, Pedro Nuno Santos foi muito claro a afastar a ideia de um Bloco Central. Há muito tempo, aliás, que Pedro Nuno defende que o PS deve evitar confundir-se com o PSD para garantir que há uma alternativa. Mesmo na ala mais à direita do seu partido, figuras como Álvaro Beleza defenderam em 2024 a ideia de pactos de regime, mas não de um acordo de governação entre socialistas e sociais-democratas (só Adalberto Campos Fernandes, que não é militante do PS, embora tenha sido ministro socialista, parecia mais entusiasmado com a ideia). E, no PSD, Miguel Morgado tem explicado que uma aproximação entre o seu partido e o PS poderá, a médio ou longo prazo, escancarar as portas de São Bento ao Chega.

A hipótese de juntar PS e PSD também não entusiasma muitos portugueses. Numa sondagem da Pitagórica para a CNN, esse cenário reuniu a preferência de 17% dos inquiridos. Mas o socialista Eduardo Ferro Rodrigues chegou a avançar essa possibilidade numa entrevista ao Público, embora muito no condicional. “Estas coisas não se constroem do pé para a mão, mas não estranharia que houvesse essa necessidade (…) podemos caminhar para uma situação-limite, porque há todos os ingredientes negativos do ponto de vista internacional”, disse Ferro, que acha que “às vezes, as circunstâncias obrigam os políticos a terem de se vergar a essas circunstâncias para defenderem o interesse nacional e para defenderem o interesse da democracia e do Estado de direito”.

O que poderia acontecer – e que parece estar na cabeça da cúpula da AD – é um Bloco Central de facto, não assumido. Um governo da AD viabilizado pelo PS, mas sem qualquer acordo de governação. Essa tese contraria aquela que tem sido a posição política de Pedro Nuno Santos (embora não tanto a sua prática nestes 11 meses de Governo de Montenegro). Mas, em caso de derrota (dependendo do tamanho da derrota), o mais certo é que se abra uma corrida à sucessão na liderança socialista depois das eleições autárquicas.

A difícil Geringonça 2.0

É o cenário mais improvável de todos, tendo em conta o que vão dizendo as sondagens, que mostram uma esquerda incapaz de somar mais votos do que a direita toda junta. Ainda assim, é um cenário que está na cabeça de alguns, sobretudo dos que, como Rui Tavares, acreditam que se pode tirar o Chega da equação.

A tese do porta-voz do Livre faz-se com recurso à citação de um texto do Expresso, publicado a 20 de março, no qual se explica que Marcelo Rebelo de Sousa recusará qualquer solução governativa que não tenha garantias de ter programa de governo viabilizado no Parlamento. Isso significa que, segundo esse texto, Marcelo não seguirá os passos de Cavaco Silva, dando posse ao líder do partido mais votado, para o deixar cair em seguida e procurar outra solução. Porquê? Porque o Presidente estará já em final de mandato, limitado nos seus poderes (fica sem poder dissolver o Parlamento seis meses antes das eleições de janeiro de 2026) e a situação de indefinição pode arrastar-se até o seu sucessor chegar a Belém, coisa que pode acontecer só lá para março do ano que vem.

É apostando nessa ideia que Rui Tavares apresenta a possibilidade de uma geringonça de esquerda, quando à direita a divisão é grande, mesmo que haja uma maioria aritmética. “Porque esta direita só existe para, enfim, a seguir à primeira oportunidade, entrar em canibalismo profundo, uns partidos com os outros, como, aliás, vimos pela maneira como Chega e AD se comportaram durante esta curtíssima legislatura”, argumenta.

No barómetro ESS (European Social Survey), “que avalia em 31 países, incluindo Portugal, a satisfação dos cidadãos com várias instituições, entre as quais os governos”, os anos de 2016 e 2017 foram aqueles em que os portugueses se mostraram mais satisfeitos com a governação. Ou seja, a Geringonça foi uma solução popular. Mas não é tão fácil de repetir como pode parecer (e não é só por causa das sondagens).

Pedro Nuno Santos, que foi um dos homens mais importantes para garantir que os acordos à esquerda funcionavam, é um adepto desta solução. Rui Tavares, o primeiro a defender um governo das esquerdas, também. O problema estará no PCP – que foi decisivo para a primeira Geringonça, dando a António Costa a garantia de que só não seria governo “se não quisesse” – e no BE, apesar de na altura Catarina Martins ter tomado a iniciativa de publicitar o caderno de encargos para um entendimento, num debate com Costa. É que comunistas e bloquistas ficaram escaldados com esta solução governativa.

Muitas das medidas que se tornaram bastante populares (como as creches e os manuais escolares gratuitos ou a descida dos passes sociais) vieram do PCP, mas os comunistas nunca conseguiram capitalizar esses louros. E no BE ainda não se digeriu bem a ideia de ser colado a políticas mais à direita. “Há uma dissonância entre aquilo que o PS diz que fez e o que fez”, disse a líder bloquista, Mariana Mortágua, numa entrevista ao Público, que lhe valeu uma chuva de críticas nas redes sociais socialistas por ter dito que “os socialistas deram mau nome à esquerda em muitos casos”.

A haver qualquer acordo de governação, desta vez a negociação seria muito mais exigente do que foi no passado. Nem PCP nem BE estão disponíveis para ficar conotados com políticas que não rompam com o que tem sido feito pela direita. E isso, a avaliar pelas críticas que Paulo Raimundo e Mariana Mortágua têm feito na campanha às propostas do PS, não parece ser muito fácil. Raimundo não afasta “nenhuma convergência”, mas já disse que o programa do PS “é poucochinho” e que uma solução com os comunistas depende da força do PCP. “Os votos na CDU valem sempre por dois, para enfrentar a direita e a extrema-direita, sem brincadeiras, e servem para forçar as soluções da vida das pessoas. O PS, está mais do que demonstrado, quer com o seu programa, quer com as suas opções, quer com as afirmações que tem feito, a única forma que tem de fazer alguma coisa para responder à vida das pessoas é a CDU ter mais força, mais votos e mais deputados”, disse em entrevista ao Público.

Eduardo Carpinteiro Albino e José Carlos Figueiredo, em Kia EV4, terminaram o primeiro dia do Gaia Eco Rally na liderança. Como tem sido apanágio deste campeonato, a competitividade está em alta. Como ficou demonstrado pelas muitas trocas de posições ao longo do dia, incluindo nos lugares cimeiros. Ao fim das primeiras especiais de classificação, na modalidade de regularidade, os dois primeiros terminaram separados por menos de dois segundos. E o segundo e terceiro, respetivamente a dupla Carlos Silva/Sancho Ramalho (BMW i3), atuais campeões nacionais da modalidade, e Emilien Le Borgne/Alexandre Stricher (Dacia Spring) estão exatamente com a mesma pontuação.

Amanhã a prova volta a arrancar do Cais de Gaia pelas 9h00. O segundo e último dia da prova contará com cinco especiais de classificação e uma Power Stage no recentemente renovado Eurocircuito de Lousada, com início às 12h00.

A Exame Informática segue esta prova por dentro, integrada na equipa PRIO – Exame Informática – PEUGEOT. Esta equipa é constituída por duas duplas: João Paulo Martinho/Nuno Costa em Peugeot e-208, que terminaram o dia na sétima posição, e Sérgio Magno/Ana Joaquim, em Peugeot e-3008, em 11º lugar.

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Dois em um Almoço foi ação de campanha e Marques Mendes aproveitou para fazer a sua. Na corrida a Belém, ainda não tem adversários, mas eles estão a chegar…

Segredinhos O genro que qualquer sogra gostaria de ter!

Velhos tempos Reencontro entre o ex-primeiro-ministro e o seu antigo líder parlamentar. A troika já lá vai! Algum recado para os pensionistas?

Lição Será que Cavaco aconselhou Montenegro a dizer que os outros terão de nascer duas vezes, para serem tão sérios como ele?

Ética
Nunca me engano e raramente acerto

Esta semana, o antigo primeiro-ministro e Presidente da República, Cavaco Silva, veio pôr as mãos no fogo por Luís Montenegro, considerando que nenhum dos seus adversários pode afirmar que tem mais ética do que ele. Não vamos, é claro, comparar estas personagens com o nosso primeiro-ministro, mas o antigo presidente do PSD, aqui fotografado ao lado dos seus ex-colaboradores Dias Loureiro e Oliveira e Costa, talvez não seja a melhor pessoa para avaliar o nível da “taxa de ética” dos políticos do seu partido e, já agora, de nenhuns políticos. E não é preciso “nascer duas vezes” para se constatar que, embora nunca tivesse dúvidas, Cavaco se enganou algumas vezes.

Nheca-nheca
Não chame por mim… telefone-me

No debate das rádios, Paulo Raimundo teve um tête-à-tête bastante animado com André Ventura, com o líder do Chega a queixar-se de que o PCP não tinha votado propostas do seu partido para aumentar salários e o secretário-geral do PCP a dizer que não dava credibilidade a propostas de troca-tintas nem alimentava hipocrisias. Rui Rocha anotou a “surpresa” de Ventura por o PCP não ter votado propostas suas: no fundo, o presidente do Chega é “um socialista”. Já Raimundo, cansado da picardia, rematou, lembrando a expressão usada no frente a frente entre ambos: “Não chame por mim, André Ventura… Não chame por mim… Se não, estamos aqui, estamos no nheca-nheca outra vez.” Após o debate, Raimundo pôs-se no “nheca-nheca”, mas ao telefone. E não, não é a sala de espera do centro de saúde…

Conspiração?
A outra AD

Os eleitores que optam pelo voto antecipado estão de pé atrás com o SMS que recebem com um estranho código: ADEleitoral. Será um recado subliminar para motivar o voto na AD? Mas não: afinal, trata-se da identificação de uma entidade chamada “Administração Eleitoral e é assim que tem sido designada todos os anos – com ou sem AD a concurso. Não há é nenhum “PSEleitoral”…

Pin
Mariana e a melancia

Mariana Mortágua apresentou-se no debate dos líderes, na RTP, com um pin onde se pode ver uma fatia de melancia. A melancia é o símbolo da solidariedade com a Palestina, e o Bloco de Esquerda tem sido dos partidos mais vocais a condenar a agressão israelita sobre a Faixa de Gaza. Além do mais, tem a vantagem de ser verde (portanto, ecológica) por fora e vermelha por dentro. Vamos lá ver é se, depois de sondagens não muito brilhantes, o Bloco não ficará, a 18 de maio, com um grande melão…

Joker
Tony na estrada

Depois de ter dado um concerto nos jardins da Residência Oficial do primeiro-ministro, Tony Carreira fez um vídeo onde aparece, em Portalegre, a apoiar a CERCI local, a convite do ministro Castro Almeida – aliás, cabeça de lista da AD pelo distrito. O cantor está a revelar-se um verdadeiro trunfo de campanha: agora, além de arrasar corações, também provoca taquicardias… à oposição.

Geringonça
À espera, no altar

Os parceiros à esquerda (que, na foto, se encontram à direita de Pedro Nuno Santos…) são três “carochinhas” à espera de casar. Mas o “ratão” socialista, menos sorridente, parece refletir nos prós e nos contras. Um pacto de não agressão (com algumas exceções no caso de Paulo Raimundo, mais para provocar uma reação) perpassou pelos debates nas televisões e nas rádios. Quem vai roubar votos a quem?


Coligação?
O serviço ocasional da IL

Para chegar às instalações na SBE Nova de Carcavelos, onde decorria o debate entre os partidos representados no Parlamento, agora, nas rádios (Antena 1, TSF, Renascença e Observador), os líderes chegaram todos em automóveis normais, de passageiros. Todos? Não: Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, “desembarcou” desta viatura especial, idêntica às que cruzam as cidades, transportando turistas, com a clássica etiqueta de “serviço ocasional”. Nada mais apropriado: o “serviço ocasional” de uma aliança com a AD é o que a IL está preparada para fazer, em nome da governabilidade – assim as duas forças consigam, em conjunto, obter uma maioria absoluta. Até lá, é apanhar a carreira da campanha e percorrer o País em excursão…


Protocolo
Não venham de lá esses ossos
Foi muito notada a forma como Luís Montenegro, ostensivamente, ignorou André Ventura, quando, ao chegar ao local do debate entre os líderes partidários, na RTP, cumprimentou todos, exceto o líder do Chega. Quem não se sente não é filho de boa gente e sabe-se que Montenegro não gostou de se ver retratado, em cartazes do Chega, ao lado de José Sócrates e associado à parangona do outdoor, que fala de “corrupção”. Em contrapartida, depois de contornar Ventura, sem olhar para ele, Montenegro pespegou dois beijinhos na face de Mariana Mortágua. Mas, no dia seguinte, antes do início do debate nas rádios, o primeiro-ministro pensou melhor e lá apertou a mão a André Ventura, desculpando-se do “esquecimento” da véspera. Já o “bacalhau” entre o presidente do Chega e o secretário-geral do PS parece bastante mais próximo, talvez em nome dos velhos tempos da última sessão legislativa em que PS e Chega votaram juntinhos e aprovaram diversas propostas contra a vontade da bancada do Governo, entalando Luís Montenegro. Será que a parceria é para continuar?… Ah, é verdade: no debate das rádios os beijinhos de Montenegro a Mariana tiveram reprise…

De um lado, um novo clube, ali para os lados do Lumiar, com campo próprio, balneários de água quente e bolas a estrear a cada jogo. Do outro, na zona do Restelo, o Sport Lisboa, desesperadamente à procura de um sítio para treinar e jogar, de preferência sem “vestiários” ao relento nem banhos de alguidar com água do poço, ainda que, à primeira vista, não faça tanta diferença assim que a bola seja levada pelos próprios jogadores.

A não ser que, de um dia para o outro, os irmãos Rosa Rodrigues, fundadores do clube e donos da dita cuja, fiquem de castigo e impedidos pelo pai de praticar futebol. No campo das Salésias, casa emprestada do Sport Lisboa, os imprevistos acontecem. Ora o terreno é invadido pela cavalaria ao serviço da monarquia, transformando-o numa espécie de “batatal”, ora a juventude mais irrequieta o atravessa, indiferente às correrias daqueles outros humanos atrás do objeto redondo. E é num desses atrevimentos que um dos irmãos Catatau, como são mais conhecidos, choca com um “intruso” e lhe parte a perna, com a polícia a ser chamada ao local. Consequência: o castigo familiar de uns termina com a interrupção da atividade futebolística no clube.

Gyokeres Desde a época passada, e ao invés de outros tempos, a ameaça sueca veste de verde; ao lado, Travassos e José Águas

É neste impasse que entra em cena o Sporting Clube de Portugal, o tal que se instalara no Lumiar com condições acima da média, pela mão de José Holtreman Roquette, neto do visconde de Alvalade. Corre o ano de 1906, e o assédio aos jogadores do Sport Lisboa, que em breve acrescentaria Benfica ao nome, convence oito a mudarem de ares, incluindo os irmãos Catatau, mas não Cosme Damião. “Os tipos do Sport Lisboa levaram a mal e abre-se a primeira rivalidade entre os dois clubes”, sustenta o jornalista e escritor Afonso de Melo, autor do livro Pior do que Inimigos, Eram Irmãos (ed. Prime Books), um desfiar de histórias sobre os primórdios do derby eterno, com base em jornais e livros da época.

As coisas aquecem logo nos anos seguintes, dentro e fora de campo, mas ao longo da história, perpetuada nas chuteiras dos “Cinco Violinos”, de Eusébio, Simões e companhia “magriça”, de Yazalde, João Pinto e tantos outros, sobejam episódios por contar de uma rivalidade saudável. É o caso da saída apressada do benfiquista Humberto Coelho e do sportinguista João Laranjeira do quartel da tropa, obviamente fardados, transportados no mesmo carro diretamente para o estádio. Ou dos duelos nas máquinas de basquetebol, durante as férias em Vilamoura, entre Carlos Xavier e Rui Costa, adiante relatados na primeira pessoa, nas vésperas de o derby lisboeta voltar a concentrar atenções, em dose dupla, no campeonato e na Taça de Portugal, como não se via há 51 anos, desde 1974.

O chá e as bolas

A bola a cheirar a novo não exibe todo o seu esplendor sem um chá a condizer após o apito final, para servir às senhoras presentes. Depois de um jogo com o Carcavellos, a maior potência de então, à custa dos ingleses com jeito nos pés e a trabalhar por cá nos cabos submarinos, o visconde de Alvalade convida jogadores, dirigentes e imprensa para um banquete na casa dele.

No Restelo, Félix Bermudes e Cosme Damião juntam os cacos para reerguer o Sport Lisboa – é o primeiro, mais tarde presidente do Benfica, atleta olímpico e dramaturgo, quem oferece a nova bola. A 1 de dezembro de 1907, o primeiro derby da História opõe os antigos companheiros de equipa, em lados opostos da barricada. Vence o Sporting, por 2-1, com chuva a potes. Escreve o jornal Os Sports, citado na obra de Afonso de Melo: “O Sport Lisboa esteve bem, mas com muita infelicidade e talvez esta motivada pelo estado de enervação do Sport Lisboa, por se encontrar com um grupo formado por antigos irmãos cuja recordação é um fel.”

Duas decisões em números

Campeonato e Taça vão ficar na capital e tudo se resolve em duas semanas

49 vitórias do Benfica em casa
Em 90 derbies para o campeonato com os encarnados no papel de anfitriões, o triunfo sorriu-lhes em 54% das vezes. Já o Sporting só venceu em 16 ocasiões (18%), alcançando 25 empates (28%), dois resultados que o beneficiariam na partida deste sábado.

61 jogos com golos do Sporting
Os leões marcam na maior parte das visitas ao rival em encontros da liga – foi assim em 61 dos 90 jogos (68%). No entanto, é raro o derby em que não sofrem golos. O Benfica só ficou em branco em nove ocasiões, festejando, pelo menos uma vez, nas restantes 81, o que corresponde a 91% do total.

90 títulos de campeão nacional
O Benfica lidera a lista, com 38 troféus, seguido de FC Porto (30) e Sporting (20), sendo que Belenenses e Boavista também já celebraram, uma vez. No sábado, 17, o mais tardar, saber-se-á onde vai parar o 91º, mas só se águias e leões não levarem a melhor no derby, no caso das águias por dois golos de diferença mínima.

1996 ano do último derby na final da Taça
Duas semanas depois do jogo que pode decidir o campeonato, a 25 de maio é a vez de os rivais lisboetas disputarem, no Estádio Nacional, a final da Taça de Portugal. É apenas a nona decisão entre Benfica e Sporting, em 85 edições da prova, e acontece após um interregno de 29 anos. O emblema da Luz soma 26 conquistas, enquanto o de Alvalade coleciona 17.

A mágoa há de perdurar, mas dá-se a fusão com o Sport Clube de Benfica, em 1908, e os encarnados desatam a ganhar jogos, já nas novas instalações, ao rival verde e branco, que desiste em duas edições consecutivas do Campeonato de Lisboa, com críticas à arbitragem e à organização da prova. No ano seguinte, em abril de 1911, o Benfica-Sporting termina ainda antes do intervalo, por falta de segurança, na sequência de um golo polémico validado aos anfitriões.

“O público envolve-se em zaragatas. Há cenas de pugilato entre espectadores e os combates entornam-se para dentro do campo. Ouvem-se gritos. Vislumbra-se o aço das lâminas das navalhas”, lê-se no livro de Afonso de Melo.

Dois meses passam, e o Sporting recusa voltar a medir forças com o Benfica, que vence sem jogar. Chegam as férias, pazes feitas. Novo confronto em abril de 1912, o benfiquista Artur José Pereira é expulso por reclamar com o árbitro, mas nega-se a sair de campo. Farto, quem desaparece é o homem do apito. É chamado outro, antigo jogador do Sporting, que reverte a ordem de expulsão do seu antecessor, qual VAR em viagem ao passado.

Festa Depois de o Benfica ter erguido, em1961, a sua primeira Taça dos Campeões Europeus, o Sporting celebrou a Taça das Taças, em 1964

Em 1914, ainda sem troféus no Campeonato de Lisboa, o Sporting aproveita uma insubordinação de Artur José Pereira, com direito a suspensão por seis meses, para desafiar um dos craques do rival: 36 escudos por mês e “preferência no uso do banho quente”, benefício que se mantinha na vanguarda dos mais procurados. Com ele seguem mais dois na direção do Lumiar, e o Sporting acaba por fazer, no ano seguinte, sob o leme de Francisco Stromp, a festa do primeiro de 18 títulos em Lisboa.

De tempos a tempos, o caldo entorna-se. Na decisão do Regional de 1919, novos desacatos dentro e fora das quatro linhas. Três jogadores são expulsos, dois por se agredirem mutuamente, e há relatos de revólveres entre os adeptos. Alguns terão chegado a invadir o campo.

Peyroteo e Eusébio

O derby que também é clássico em Portugal segue vivo e de boa saúde para as décadas seguintes, rumo à eternidade. Aproxima-se a hegemonia de Peyroteo, Albano, Jesus Correia, Vasques e Travassos, coroada com sete títulos de campeão nacional em oito temporadas (1946/47 a 1953/54), feito único na história do Sporting, só ao alcance dos “Violinos”. Fernando Peyroteo, com 336 golos em 12 épocas, é o máximo goleador de sempre do campeonato e fica diretamente colado à conquista de 1947/48, a do “pirulito”, quando um só golo dita a diferença para o Benfica.

É por esta altura, em 1952, que um hat-trick de Rogério Pipi leva a Taça de Portugal para os encarnados, num 5-4 cheio de cambalhotas no marcador, mas os verdadeiros tempos gloriosos do clube hão de chegar na década de 1960. Eusébio da Silva Ferreira, desviado do Sporting de Lourenço Marques para a Luz, tem grandes responsabilidades nessa folha de serviço, também assinada à cabeça por José Águas, Coluna, Simões, José Augusto e José Torres. Entre 1960 e 1977, juntando-lhe a geração de Toni, Humberto Coelho, Vítor Batista, Bento e Nené, o Benfica arrecada 14 títulos de campeão contra apenas quatro do rival lisboeta, cavando um fosso a seu favor onde ele não existia.

Lendas Guilherme Espírito Santo, o guarda-redes José Henrique e o capitão Mário Coluna, três nomes históricos do Benfica

São tempos, ainda assim, de forte desportivismo entre adversários, com uma exceção aqui e acolá. “Eu era muito amigo do Damas e muito amigo do Yazalde, tal como ainda hoje sou amigo do Hilário. Claro que dentro de campo havia rivalidade, mas depois era normal os jogadores de Benfica e Sporting almoçarem uns com os outros”, partilha Humberto Coelho, sublinhando que as presenças na seleção ajudavam na aproximação.

Por outro lado, o antigo capitão dos encarnados considera que a exposição mediática de hoje, intensificada pelas redes sociais, “cria um ambiente mais hostil, que antes não existia”, promovendo “estados de espírito, por vezes, completamente exagerados”. Dá um exemplo inverso, de descontração plena. Estava ele de castigo na tropa, por causa do cabelo comprido, em semana de derby, não se recorda bem em que época, certamente anos 1970, e o Benfica conseguiu que o libertassem à última hora. “O Laranjeira, do Sporting, também lá estava no quartel, de castigo, e fomos os dois a conversar o caminho todo, fardados, enquanto nos transportavam de carro para o estádio. Chegámos e já estavam as duas equipas a aquecer, só com dez jogadores, à nossa espera”, rebobina, divertido.

Nesses jogos grandes, acrescenta, era habitual o prémio de vitória aumentar. E Humberto Coelho admite que, por “não haver salários astronómicos como os de agora”, os jogadores sentiam ainda mais a importância de dar o litro, para levarem mais uns cifrões para casa. O incentivo extra, no seu caso, nunca poderia era hipotecar a noção de fair play, bem patente numa mensagem trocada com Manuel Fernandes, antes de um derby na Luz, em 1983, já com o Benfica campeão, e que corre no YouTube. “Não são discursos ensaiados, são palavras que saem no momento, do coração”, garante, sobre a resposta daquele dia ao capitão leonino, outra das amizades que lhe deu o rival lisboeta.

“As melhores iscas do mundo”

Na reta final da carreira de futebolista, Humberto Coelho ainda viu um jovem Carlos Xavier conquistar pelo Sporting o título de campeão em 1981/82, antes da primeira grande travessia do deserto do clube de Alvalade, a fechar o século XX. O médio depois adaptado a lateral direito revela que, nos anos 1980, sobrevivia o espírito de manter amizades com adversários do outro lado da Segunda Circular.

Álvaro, Veloso, Shéu e Chalana eram alguns dos mais próximos, mas é para um encontro fortuito na estrada, com o sueco Mats Magnusson, goleador do Benfica entre 1987 e 1992, que a memória o leva. “Um dia estou no trânsito para o treino em Alvalade e vejo uma pessoa que me parecia aflita, como se estivesse atrapalhada para chegar a algum lado. Reconheço-o, faço sinais de luzes e digo-lhe para seguir atrás de mim. Eu sabia os atalhos todos, meto-me pelos caminhos de Monsanto que ele não conhecia e chegou a horas”, descreve Carlos Xavier. “Ainda hoje somos muito amigos, trocamos mensagens no Facebook e, quando ele cá vem, procura-me sempre.”

Ata António Bente, do Sporting, e Vítor Silva, do Benfica, ao lado da ata da fundação do clube encarnado

O bar de Paulo China, em Vilamoura, era um ponto de encontro bem mais provável para os futebolistas, nos idos anos de 1980 e 1990, em período de férias. O empresário até costumava organizar uma “peladinha” entre todos, em modo descompressão, seguido de momentos de confraternização. De repente, o antigo capitão leonino lembra-se do óbvio, com dois Benfica-Sporting à porta. “Quando começou a haver muita confusão, deixei de fazer férias em Vilamoura, mas apanhei muitas vezes o Rui Águas e o Rui Costa. Havia lá aquelas máquinas de basquetebol e entrava numa competição tremenda com o Rui Costa para ver quem batia o recorde. Em Moçambique, tinha jogado basquetebol quando era miúdo e, então, era sempre a pôr moedas na máquina. Claro que ganhava sempre eu”, ri-se, inspirado pelos dérbis de lançamentos com o atual presidente do Benfica.

Eram “tempos saudáveis” salienta, pelo menos na relação entre jogadores. A esse propósito, mesmo antes de terminar, pede para voltarmos a contactar Humberto Coelho. Explica que gosta muito de culinária e adianta que o benfiquista não perde uma oportunidade de lhe telefonar quando sabe que há iscas na ementa. Ficamos de perguntar ao Beckenbauer português que tal é a iguaria do sportinguista. “São as melhores iscas do mundo”, ouvimos de imediato. “O Carlos Xavier é um dos meus melhores amigos”, remata Humberto.

Enchente O dérbi é jogo de casa cheia e, tal como na velha Luz, não haverá lugares vazios no estádio novo

Amigos, amigos, negócios à parte. Ao cabo de 51 anos, Benfica e Sporting voltam a decidir entre si os dois principais troféus nacionais. É verdade, não acontecia desde 1974, quando Héctor Yazalde carregou os leões às costas até ao título de campeão, anotando um recorde de 46 golos, e Marinho consumou a dobradinha no Jamor, já durante o prolongamento.

Ángel di María e Viktor Gyökeres, dois animais competitivos, habituados a resolver, estão pouco se marimbando para estes detalhes e o mesmo se aplica a todos os que vão pisar o relvado, do Estádio da Luz ou do Estádio Nacional. Como eles, já estiveram em tempos Humberto Coelho e Carlos Xavier, Eusébio e Peyroteo, Cosme Damião e Francisco Stromp. São sempre os próximos capítulos do derby que importam. E ainda mais quando o grande duelo entre os velhos rivais está de volta à ribalta.

O duelo nas academias

Chalana, Rui Costa e Bernardo Silva contra Futre, Figo e Ronaldo. Benfica e Sporting sempre foram viveiros do melhor talento nacional e, nas últimas décadas, tornaram-se fornecedores privilegiados das grandes ligas europeias. Os cofres agradecem

Desde que o futebol europeu, nos anos 1980, começou a abrir portas a mais jogadores estrangeiros e, sobretudo, após a Seleção Nacional de sub-20 se ter sagrado bicampeã do mundo, no arranque da década seguinte, o sucesso dos jovens formados em cada clube passou a ser tópico obrigatório, em matéria de rivalidade entre Benfica e Sporting.

A Fernando Chalana e Paulo Futre, dois pioneiros a desbravar caminhos além-fronteiras, na senda de João Alves e Vítor Damas, seguiram-se os não menos distintos Rui Costa e Luís Figo, líderes de uma geração de ouro que catapultou o futebol português, como um todo, para outras ambições e para outros campeonatos.

De repente, com a entrada em vigor da chamada Lei Bosman, na segunda metade dos anos 1990, a livre circulação de futebolistas nos países da União Europeia alargou o mercado como nunca se vira, com inevitáveis repercussões no campo desportivo, mas também financeiro. Forjar novos talentos tornou-se um modo de vida para clubes fora das ligas mais endinheiradas, e Benfica e Sporting depressa perceberam o que fazer numa era de globalização e concorrência feroz: apostar na formação para reforçar o plantel e o orçamento.

No início do novo século, ainda antes da construção das academias dos grandes rivais lisboetas, em terrenos da margem sul do Tejo, surgiu o fenómeno Cristiano Ronaldo. Chegado a Alvalade com 12 anos, o madeirense viveu debaixo das bancadas do antigo estádio, no chamado lar do jogador, e é o principal responsável pelo facto de, nos últimos 20 anos, o Sporting ser o terceiro maior fornecedor do mundo das cinco ligas mais cotadas (Espanha, Inglaterra, Itália, Alemanha e França).

Segundo um relatório do Observatório do Futebol, divulgado em fevereiro, José Fonte, João Moutinho, Eric Dier e Mário Rui completam o top 5 dos futebolistas formados em Alvalade que acumularam mais tempo de jogo, nos referidos campeonatos, desde a época 2005/06. Rui Patrício, Rafael Leão, Nani, Miguel Veloso, Simão Sabrosa, Luís Boa Morte, William Carvalho ou Adrien Silva são outros nomes mencionados, mas não o de Ricardo Quaresma, um virtuoso da escola leonina que não vingou no Barcelona, no Inter de Milão nem no Chelsea.

Milhões em caixa

Entre os grandes abastecedores externos das melhores ligas, os leões são superados pelo Ajax e pelo River Plate, neste critério do tempo de utilização. Se prevalecer, antes, o total de talentos exportados para esses destinos, ficam apenas atrás dos neerlandeses (73 contra 64). Já o Benfica, 13º e quinto classificado (45) nestes dois rankings que refletem dados acumulados de duas décadas, lidera globalmente nos proveitos obtidos com jogadores formados em casa (mínimo de três anos passados nos escalões jovens, entre os 15 e os 21 anos, indica o citado observatório, sediado na Suíça).

Na mais recente atualização, que engloba o período de dez anos entre o início de 2014 e o final de 2023, a academia do Seixal é apresentada como a mais rentável do mundo, graças a uma faturação de €516 milhões neste período. Além do recordista João Félix (€126 M), Rúben Dias aproximou-se da fasquia dos €70 milhões, enquanto Renato Sanches e Gonçalo Guedes atingiram a casa dos €30 milhões.

Os nomes de Bernardo Silva e João Cancelo, transferidos por €15M antes de se afirmarem na equipa principal, também não podem ser esquecidos quando se fala em talento forjado na Luz, assim como os de Gonçalo Ramos e João Neves, que renderam tanto como Félix, mas, uma vez que as suas transferências só se concretizaram no verão passado, não estão contabilizados no relatório.

O mesmo é válido para Geovany Quenda e Dario Essugo – futuros jogadores do Chelsea, a troco de €73M –, o que não impede o Sporting de ocupar o sétimo lugar na lista de academias que mais faturam no mundo, num total de €306 milhões (2014-2023). Uma autêntica galinha dos ovos de ouro para continuar a alimentar, nos dois lados da Segunda Circular.

Como nasceram e evoluíram as maiores rivalidades

O mau perder e a interferência política, as lutas regionais e de classes, a vizinhança e as posições de princípio, a violência e até o remo estão na base dos grandes despiques do futebol mundial

(VISAO 398 – 26/10/2000)

Barcelona x Real Madrid
Vitórias em jogos oficiais: 103-105 (52 empates)

Primeiro, o Barcelona não gostou que, ao eliminar o adversário nas meias-finais de um torneio organizado pelo Madrid, em 1905, o clube anfitrião tenha improvisado um jogo (não previsto) para a atribuição do terceiro lugar. Depois, em 1908, em visita à Catalunha, foram as queixas do árbitro num jantar conjunto das duas equipas, após nova derrota perante o Barça.

O que começou mal nunca se endireitou. Com a chegada do ditador Franco ao poder, em 1939, a rivalidade desportiva invadiu o campo político. O grande clube da capital simbolizava o desprezo pela região catalã, cuja língua foi proibida. Verdadeira ou não, alimentou-se a ideia de que, por ordem de Franco, os árbitros favoreciam os da capital. Desde então, o Real é conotado com a Espanha centralista e monárquica e o Barcelona com os independentistas da Catalunha e os republicanos. 

Dentro de campo, houve hegemonia de ambos os lados: o Real de Di Stefano e de Hugo Sánchez, o Barça de Cruijff e de Guardiola. E, claro, os inesquecíveis duelos entre Cristiano e Messi para apimentar a história. Pelo meio, Figo trocou de barricada e foi o que se viu. Em títulos de campeão nacional, o Real está na frente, com 36 contra 27, mas em 1990 estava 25-10.

Liverpool x Manchester United
Vitórias em jogos oficiais: 72-83 (61 empates)

Os homens da cidade dos Beatles andaram quase sempre na frente, no que respeita a conquistas do campeonato – no caso inglês, já vem desde o século XIX –, e distanciaram-se do rival nos anos 1970 e 1980, sob o comando de Bob Paisley e de Kenny Dalglish.

Foi então que surgiu um tal de Alex Ferguson que, em duas décadas, recuperou 11 troféus de atraso e posicionou o Manchester United na dianteira, superando, também, o Everton e o Arsenal. Schmeichel, Cantona, Roy Keane, Scholes, Giggs, Rooney e Ronaldo ajudaram à reviravolta.

Nesta temporada, o Liverpool voltou a empatar uma contenda (20-20) que ferveu na década de 1960, entre os pupilos de Bill Shankly e Matt Busby, mas cujas origens ultrapassam o futebol. Separadas por pouco mais de 50 quilómetros, no Noroeste de Inglaterra, pelo menos desde a Revolução Industrial que as duas cidades já competiam economicamente e por tudo e mais alguma coisa, porque, em última análise, joga-se o estatuto de capital do Norte.

AC Milan x Inter de Milão
Vitórias em jogos oficiais: 91-82 (71 empates)

Apesar de ter sido fundado, em 1899, por uma dupla de ingleses, o AC Milan só admitia italianos na equipa. A regra levou à dissidência de um grupo de adeptos, que decidiu criar o Internazionale, por cá conhecido como Inter de Milão. Tal como o nome original indicia, podiam representar o clube jogadores de todas as origens.

A rivalidade acentuou-se, sobretudo, a partir da década de 1950, quando os dois emblemas de Milão já partilhavam o Estádio San Siro e o derby passou a designar-se “della Madonnina”, nome da estátua da Virgem Maria situada no topo da catedral da cidade.

A Juventus predomina nos títulos de campeão (36), enquanto o Inter soma 20 e o Milan 19. É normal jogadores vestirem as cores de ambos, como são disso exemplos Giuseppe Meazza, Roberto Baggio, Ibrahimovic, Seedorf, Pirlo ou Ronaldo, o brasileiro. Paolo Maldini é recordista de presenças no derby, com 56.  

Aerial view of the Estadio do Maracana or Maracana Stadium in Rio de Janeiro, Brazil. Host the FIFA World Cup of 2014

Flamengo x Fluminense
Vitórias em jogos oficiais: 166-142 (147 empates)

O Fla-Flu, ou o clássico das multidões, como lhe chamou o jornalista brasileiro Mário Filho, é muito mais do que um derby do Rio de Janeiro – onde, em 2012, ano do centenário, ganhou estatuto de património imaterial. Em dezembro de 1963, no Estádio Maracanã, compareceram 194 603 espectadores, um recorde mundial até hoje, num duelo a contar para o campeonato estadual.

Foi nesta competição, durante muitos anos a prova-rainha nos vários estados e ainda hoje muito popular, que cresceu o antagonismo entre Flamengo e Fluminense, mas ele existe desde sempre. Isto porque o Flamengo era um clube dedicado ao remo, até criar o departamento de futebol em 1911. Os responsáveis? Nove jogadores do Fluminense, sendo o principal instigador da cisão Alberto Borgerth, que era, ao mesmo tempo, remador no Fla e futebolista no Flu.

Assim nascia aquele que é hoje um dos clubes de futebol mais populares do mundo, ainda atrás do rival no que toca a campeonatos estaduais conquistados – mas com um avanço considerável nos nacionais (16-5). Zico, com 19 golos, ídolo do Flamengo, é o rei dos goleadores.

Boca Juniors x River Plate
Vitórias em jogos oficiais: 92-88 (84 empates)

O superclássico de Buenos Aires, impregnado de sangue latino, é uma loucura social. Nascidos no mesmo bairro da capital argentina, o operário La Boca, cedo os dois clubes tiveram de separar-se para evitar confrontos entre adeptos. Corria 1920 quando o River se mudou para Belgrano, no lado norte da cidade, mais aburguesado, abandonando o Sul.

Pior a emenda do que o soneto: a rivalidade assumiu contornos de “povo contra a elite”, numa mistura explosiva que já provocou algumas tragédias, ainda que, com o tempo, o contraste entre apoiantes se tenha diluído. Basta dizer que são os dois emblemas do país com mais adeptos – estima-se que aglutinem mais de 70% do total.

O La Bombonera, do Boca, e o Monumental, do River, são dois estádios que proporcionam ambientes escaldantes. Em junho de 1968, o segundo foi palco do dia mais mortífero do futebol argentino, quando 71 pessoas morreram esmagadas ao tentarem abandonar o recinto após um superclássico sem golos. No plano desportivo, o River leva vantagem nos títulos de campeão nacional: 38-35.

Palavras-chave:

A adesão à assinatura gratuita da VISÃO, para os jovens entre os 15 e os 18 anos, é feita através do Portal Gov.pt, mediante autenticação com Cartão de Cidadão ou Chave Móvel Digital, que pode ser ativada na app gov.pt ou num Espaço Cidadão. Após o pedido feito, o jovem receberá um email com as instruções para ativar a sua conta e, a partir daí, poder aceder, imediatamente, aos artigos exclusivos para assinantes e à edição digital da VISÃO.

O Programa de Oferta de Assinaturas Digitais para jovens entre 15 e 18 anos, inserido no Plano de Ação para a Comunicação Social (PACS), com um investimento previsto de 5,9 milhões de euros, foi desenvolvido pelo Ministério dos Assuntos Parlamentares e pelo Ministério da Juventude e Modernização, em articulação com o Ministério da Educação, Ciência e Inovação e encontra-se em vigor até 31 de dezembro deste ano.

Esta medida insere-se no âmbito do PACS, apresentado pelo Governo em outubro do ano passado e, segundo o executivo, “tem como objetivo fomentar a literacia mediática e digital, combater a desinformação e promover o espírito crítico nos jovens”.

Para além da VISÃO, as publicações disponíveis para este programa são o Correio da Manhã, Diário de Notícias, Eco, Expresso, Jornal de Notícias, Jornal Económico, Observador, Público, Sábado e Vida Económica.

Estes órgãos de comunicação social submeteram candidatura e foram validados pela #PortugalMediaLab, tendo a sua elegibilidade sido determinada com base em critérios como periodicidade regular, registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), classificação e disponibilização de edição digital própria.

O Governo adiantou ainda que, para garantir a segurança e proteção dos dados pessoais dos beneficiários, foi também celebrado um Protocolo para Acesso à Plataforma dos Serviços Públicos Digitais – Gov.pt entre todos os meios que aderiram ao programa, a #PortugalMediaLab e a Agência para a Modernização Administrativa (AMA).