“Boa noite a todos. Sou o Lor Neves. Pai, marido, imigrante em Portugal e serralheiro de profissão”. A voz quase não lhe treme. Não vem pedir. Vem à Assembleia Municipal de Loures, com um texto na mão, que lê com dignidade e o arranhar nos ‘r’ característico dos santomenses. Veio de longe e a vida fê-lo desembarcar nas Marinhas do Tejo, em Santa Iria da Azóia, onde uma casa vazia e um terreno baldio se transformaram num pequeno bairro improvisado para 99 pessoas, 21 das quais crianças, a mais nova ainda recém-nascida. Lor diz a quem o ouve que os seus vizinhos estão consigo “neste barco”. E é uma tempestade a que enfrentam desde que, a poucas semanas do Natal, encontraram à porta das barracas um papel que lhes dava 48 horas para retirarem todas as suas coisas para que tudo fosse demolido.

Desde esse dia, há colchões, panelas e sofás debaixo de um viaduto. As máquinas não vieram na data marcada para a demolição. Mas ninguém duvida de que virão quando ninguém estiver a olhar. E é por isso que Lor e as suas vizinhas e vizinhos não se calam nem se escondem. É importante vermos os seus rostos. É importante olharmos de frente para aqueles sobre quem já paira até a ameaça de lhes serem retirados os filhos por não terem uma casa para lhes dar.

“Vim para este país à procura de um futuro melhor para minha família. Sempre soube que este caminho ia ser complicado”, confessa Lor Neves, num discurso feito para reclamar a sua humanidade. Porque ela não lhe é garantida à partida. Negro, pobre, imigrante, tem de repetir que vem por bem, que trabalha, que é humano. E é isso que faz.

“Vimos por bem”, “somos um povo trabalhador, queremos dar melhores condições aos nossos filhos, queremos viver com dignidade, trabalhamos, descontamos”, “somos seres humanos”. “Nós não vivemos nesta situação porque queremos”, “vivemos aonde vivemos porque não temos outra alternativa”, “não vimos outra alternativa se não tentar criar um lar naquelas casas abandonadas”, “queremos colaborar com o processo de arranjar casa para nós, queremos pagar rendas”. Justifica-se.

No vídeo que registou a sua intervenção, Lor Neves fala de pé junto a um microfone e, no canto inferior direito do plano, há um homem que o ouve. É apenas uma cabeça de homem branco, careca, de meia-idade, com excesso de peso. Vai franzindo o sobrolho. Levanta e baixa os olhos. Ouve e interroga-se. Em cada prega do seu rosto são visíveis as perguntas que faz em silêncio àquele negro pobre e imigrante. Não se lhe vê qualquer comoção.

Olhamos para aquele homem e ele é parecido com os que tiveram de construir cidades de chapa de zinco e lama às portas de Paris. Chamavam-lhes Bidonvilles. E lá falava-se Português. Mas não sabemos nada deste homem que ouve, com alguma impaciência indisfarçada, o apelo de Lor Neves. E por isso não temos forma de perceber se algum dia teve também de justificar a sua humanidade perante outros homens.

Exigimos muito aos pobres. É pobre, mas honrado. Pomos ali a adversativa para que fique bem claro que a honra é uma coisa que se constrói a custo, ao contrário da pobreza que vem sem esforço e tantas vezes à nascença.

Os pobres têm de ser trabalhadores, têm de ser esforçados, têm de estar acima de qualquer suspeita. Os requisitos morais para um pobre que reclame um direito ou peça uma ajuda estão muito acima do que qualquer banco pede a um milionário para lhe emprestar uma fortuna ou do que qualquer Estado requer para lhe perdoar milhões em impostos. A moral é obrigatória para os pobres. Para os ricos é opcional.

Não é difícil imaginar que Lor Neves tenha de ouvir muitas vezes um “vai para a tua terra”. O que exige muito mais imaginação é pensar que um dos 50 estrangeiros a quem o Estado português deu em 2023 uma borla fiscal de 262 milhões de euros tenha alguma vez ouvido coisa semelhante. Ao todo, estes imigrantes ricos receberam do Estado benefícios fiscais que nos custaram 1,3 mil milhões de euros no ano passado. Mas isso não causa sobressalto.

O que nos incomoda são os pobres. Incomodam-nos os que nos constroem as casas e depois as limpam, os que nos servem nos restaurantes e nos trazem comida a casa, os que nos apanham a fruta e nos fazem a vindima, os que nos tratam das crianças e nos cuidam dos mais velhos, os que nos transportam e os que com os descontos do seu trabalho nos pagam as pensões.

E é por isso que Lor Neves, serralheiro de profissão, que trabalha e paga impostos, está à beira de ficar sem o teto precário que construiu com as suas mãos, mesmo nas vésperas de Natal, perante uma indiferença quase generalizada. Ele e mais 98, dos quais 21 são crianças, que se arriscam a ser separadas de pais cujo crime é serem pobres.

Há quem exija que ao lado de cada árvore pagã e iluminada se exiba um presépio, esquecendo-se de que esse abrigo precário acolhia um pai carpinteiro e pobre, obrigado a fugir da sua terra para proteger a família. Como acolheriam eles hoje esses três?

Ainda se lembra do Razr V3? Lançado em 2004, o icónico telemóvel da Motorola conquistou os corações de muitos com o seu design estiloso. 20 anos depois, muita coisa mudou. Os telemóveis ganharam mais inteligência (além de novos formatos) e o mercado adaptou-se às novas tendências. Mas a nostalgia move montanhas. Em 2020, a Motorola, que entretanto passou a fazer parte da Lenovo, decidiu lançar-se no mercado dos smartphones dobráveis, sendo, aliás, uma das primeiras grandes marcas a fazê-lo, com uma reinvenção do Razr V3 para os tempos modernos.  

Desde então, a linha tem evoluído, com a mais recente geração a chegar este ano aos mercados, incluindo a Portugal, marcando o regresso da Motorola ao nosso país. Mas nem só de topos de gama vive a estratégia da marca. Modelos mais acessíveis também fazem parte dos planos. Num mercado tão competitivo como o dos smartphones, será que a nova oferta tem o que é preciso para reconquistar as atenções dos consumidores portugueses?  

Motorola razr 50 Ultra: Espírito millennial  

O Motorola razr 50 Ultra é versão mais ‘apetrechada’ da nova linha de dobráveis da marca. O modelo, com formato em ‘concha’, aposta num estilo jovem e colorido, com pequenos pormenores que contribuem para um aspecto mais premium. Aqui incluem-se, por exemplo, a estrutura em alumínio e a capa traseira em cabedal vegan e com um acabamento suave ao toque.

Motorola Razr 50 Ultra

Com um peso abaixo de 200 gramas, este é um smartphone leve e confortável de utilizar, tanto em modo aberto como fechado, embora sintamos que a construção poderia ser um pouco mais sólida. Apesar disso, detalhes como a certificação IPX8, que traz maior resistência à água, e a dobradiça melhorada marcam pontos pela positiva. 

Ao abrirmos o smartphone encontramos um ecrã AMOLED dobrável, com resolução elevada, taxa de atualização até 165 Hz e brilho máximo de 3000 nits. O vinco ainda é perceptível, sendo particularmente visível sob determinados ângulos e quando o ecrã está desligado, além de o conseguirmos sentir quando deslizamos com o dedo na zona da dobra. No entanto, o seu impacto durante a utilização e visualização de conteúdo acaba por ser menor do que esperávamos.

Ao ecrã interior dobrável junta-se um display exterior versátil, que permite interagir rapidamente com várias aplicações, se bem que nem todas consigam tirar total partido do espaço disponível. Com o sistema Flex View, a maior flexibilidade possibilita não só vários modos de utilização, mas também alguns ‘truques’ úteis no que respeita à fotografia. Pode, por exemplo, pousar o smartphone e aproveitar o display exterior como ecrã de pré-visualização para selfies captadas com as câmaras traseiras. Além disso, ao colocar o smartphone num ângulo de 90 graus, pode usá-lo para gravar vídeos como uma camcorder. 

O razr 50 Ultra está equipado com duas câmaras traseiras, incluindo um sensor principal de 50 MP e uma teleobjetiva de 50 MP, e com uma câmara frontal de 32 MP. Apesar do desempenho competente em boas condições de iluminação, não estamos perante uma experiência fotográfica de topo. Além de algumas dificuldades em cenários de baixa luminosidade, assim como em níveis de zoom mais elevados,  o processamento é, por vezes, demasiado ‘carregado’, o que resulta em imagens com tons pouco naturais.

Veja as fotos que captámos com o razr 50 Ultra

‘Saltando’ para o interior do smartphone, o processador Snapdragon 8s Gen 3 assegura um desempenho rápido e eficaz nas tarefas do quotidiano, incluindo em modo multitarefa, e as suas capacidades vão agradar aos gamers menos exigentes. O chip está também preparado para ‘alimentar’ as funcionalidades de IA do smartphone, incluindo as opções inteligentes da Google (como o Circle to Search, funcionalidades de edição nas fotos e o assistente Gemini) e as do sistema moto AI.

moto AI: Como funciona o sistema de IA da Motorola?

Concebido para ajudar os utilizadores a realizar uma variedade de tarefas, mas sendo também capaz de antecipar necessidades, o sistema moto AI inclui com ferramentas de criação inteligente, como o Magic Canvas ou o Style Sync, que tiram partido da tecnologia de IA generativa.

Há também espaço para funcionalidades como Catch me Up (ou Ver as novidades, em português), feita para ajudar os utilizadores a recuperar informação ‘perdida’ quando estavam longe do smartphone; Remember This (ou Memorizar isto), para guardar rapidamente notas de texto, capturas de ecrã ou fotografias; Pay Attention (ou Prestar Atenção), que transcreve e resume gravações de áudio. 

As funcionalidades do moto AI já podem ser testadas em smartphones compatíveis, incluindo nos dobráveis razr 50, através do programa beta aberto da Motorola.

A bateria do razr 50 Ultra, com uma capacidade de 4000 mAh, conseguiu ultrapassar a marca das 13 horas nos nossos testes de benchmark. Na altura de dar mais energia ao smartphone, o carregador incluído na caixa agiliza o processo, mas se prefere uma opção sem fios, pode aproveitar o suporte a carregamento wireless a 15 W.

Tome Nota
Motorola razr 50 Ultra – €1199,01
lenovo.com/pt

Benchmarks Antutu 1075846; CPU 301776; GPU 284916; Memória 271097; UX 218057 • 3D Mark Wild Life Extreme 3034 (18,17 fps); Solar Bay 5160 • Geekbench CPU 1862 (single-core) / 4418 (multi-core) / 9070 (GPU) • PCMark Work 3.0 16191 • Autonomia 13h36 m

Construção Muito Bom
Ecrã Muito Bom
Câmaras Bom
Autonomia Bom

Características Ecrã interno AMOLED dobrável de 6,9” (2640×1080; 165 Hz; 22:9; 3000 nits); ecrã externo AMOLED flexível de 4″ (1272×1080; 165 Hz; 2400 nits) • Processador Snapdragon 8s Gen 3; GPU Adreno 3360 • RAM: 12 GB; Armaz. interno: 512 GB • Câmaras traseiras: 50 MP (principal); 50 MP (teleobjetiva); Câmaras frontais: 32 MP + 8 MP • Bateria: 4000 mAh • Bluetooth 5.4; Wi-Fi 7; USB-C 2.0 • Android 14 • IPX8 • 73,99 x 88,09 x 15,32 mm (dobrado) / 73,99 x 171,42 x 7,09 (aberto) • 189 g  

Desempenho: 4,5
Características: 4
Qualidade/preço: 3

Global: 3,8

moto G85: ‘Primo’ económico

Se o Razr 50 Ultra vai apelar a quem se quer aventurar pelo mundo dos dobráveis e tem um orçamento para tal, o moto G85 é um modelo feito para quem procura um smartphone convencional com especificações mais modestas e um preço mais amigável para a carteira.  

A marca aposta num design com linhas simples e a versão que experimentámos (na cor Urban Grey) conta com uma aparência particularmente sóbria. Ao contrário das outras versões (nas cores Cobalt Blue e Olive Green) que têm um painel traseiro em cabedal vegan, este modelo dispõe de um painel com textura frosted, que consegue camuflar as marcas de dedos. A construção em plástico contribui para um peso mais reduzido e, apesar de ser um modelo fino, não há uma sensação oca no painel traseiro.  

Centrando as nossas atenções no ecrã, o moto G85 está equipado com um painel Endless Edge pOLED de 6,67 polegadas. As laterais curvas do ecrã ajudam a dar um toque mais imersivo à experiência de visualização e até há uma funcionalidade de iluminação das margens que tira partido desta característica, alertando o utilizador para notificações, chamadas ou alarmes. No entanto, também são mais propícias a toques acidentais, por exemplo, quando o utilizamos com apenas uma mão. Apesar disso, o ecrã oferece imagens nítidas e com tons vibrantes, com a taxa de atualização de 120Hz a trazer mais fluidez à navegação.  

Na traseira do smartphone há espaço para uma configuração de câmaras liderada por um sensor de 50 MP, acompanhado por uma ultra-grande angular de 8 MP. Para as selfies, pode contar com uma câmara frontal de 32 MP. No entanto, os resultados obtidos com as câmaras são apenas satisfatórios e existem limitações que tornam o smartphone menos apetecível para quem valoriza as capacidades fotográficas. Por exemplo, o processamento das imagens volta a ser um aspeto a melhorar. Além disso, há uma falta de consistência entre as tonalidades captadas pela câmara principal e ultra-grande angular e o zoom deixa a desejar, com perda de definição das imagens em valores mais elevados.  

Veja as imagens que captámos com o moto G85

O moto G85 conta com um processador Snapdragon 6s Gen 3, um chip que permite ter um nível de desempenho competente para as tarefas do dia a dia, desde que não abuse do número de aplicações abertas em simultâneo. Durante os nossos testes verificámos que as aplicações abrem sem atrasos e não registámos ‘soluços’ durante a utilização. Por outro lado, em tarefas exigentes, como jogos ‘pesados’, as limitações tornam-se mais evidentes.  

Com uma bateria de 5000 mAh, este modelo promete autonomia para mais de um dia e meio, um valor que é possível alcançar com uma utilização modesta. O smartphone é compatível com carregamento rápido a 30 W, no entanto, precisa de um carregador compatível – algo que não está incluído na caixa. 

Tome Nota
Motorola moto G85 – €249
lenovo.com/pt

Benchmarks Antutu 394561; CPU 155625; Memória 110429; UX 128507 • 3D Mark Wild Life 1558; Wild Life Extreme 412 (2,47 fps) • Geekbench 924 (single-core) / 2090 (multi-core) / 1600 (GPU) • PCMark Work 3.0 13051 • Autonomia 14h52 

Construção Bom
Ecrã Bom
Câmaras Satisfatório
Autonomia Bom

Características Ecrã pOLED de 6,67″ (2400×1080; 120 Hz; 1600 nits) • Processador Snapdragon 6s Gen 3; GPU Adreno 619 • RAM: 12 GB; Armaz. interno: 256 GB • Câmaras traseiras: 50 MP (principal); 8 MP (ultra-grande angular); Câmara frontal: 32 MP • Bateria: 5000 mAh • Bluetooth 5.1 • Android 14 • 161,91 x 73,06 x 7,59 mm • 171 g  

Desempenho: 4
Características: 3,5
Qualidade/preço: 3,5

Global: 3,7

Até há poucos dias, lá fora, o restaurante ainda se fazia anunciar como um bistrot (assim mesmo, com tê). E até a primeira página da ementa não se esqueceu de que essa era a sua definição quando o Cícero abriu portas em 2022.

Há pouco mais de um ano, quando cá estivemos a jantar, podemos atestar que era de facto o melhor embrulho para aquilo que aqui se servia, um híbrido de comida brasileira com toques franceses, em ambiente descontraído de galeria.

Mas não era só isso que queria Paulo Macedo, um dos proprietários, e por essa altura já ele teria ido jantar ao Nosso, em Paris, só com a ideia de trazer Alessandra Montagne – a primeira mulher brasileira a abrir um restaurante em nome próprio, na capital francesa – para o seu projeto em Campo de Ourique.

O “negócio” demorou quase um ano a efetivar e só agora a ementa com a assinatura da conceituada chefe está disponível para ser apreciada por quem gosta de criar memórias inesquecíveis à mesa.

A abrir, dadinhos e tapioca e pão de queijo com caviar. Foto: Fábio Pelinson

Para se ficar com uma fotografia bem nítida do trabalho criativo de Alessandra, feito com base em produtos portugueses testados pelo Projeto Matéria, de João Rodrigues, mas com mão brasileira e técnica francesa, nada melhor do que nos atirarmos ao menu degustação (€95), que começa com um amuse-bouche bem carioca – dadinhos de tapioca, com maionese trufada e cogumelos Paris.

Desta miscelânea de influências resultam pratos difíceis de catalogar, pela sua originalidade. Se por um lado, temos duas pré-entradas que evidenciam ao que vem esta chefe – coxinha (era isso que começou por vender, no início da sua carreira), pão de queijo (com caviar) – a terceira, que chega à mesa num delicado pratinho de cerâmica, rasga com a evidência.

Delicadeza: a cenoura em todo o seu esplendor, a brilhar nesta entrada. Foto: Fábio Pelinson

O patel de nata parece ser apenas uma gralha, pois a sua aparência é em tudo igual ao doce típico nacional, e até lhe põem um pozinho castanho por cima, como se fosse canela. Na realidade, trata-se de um recheio de couve-flor, com pó de couve-flor desidratada. “Amo este legume”, há de confessar Alessandra Montagne. E nós assinamos por baixo, a ponto de exclamarmos que, em nossa opinião, esta versão salgada supera a que é uma das mais fortes imagens de marca portuguesa. A chefe também contará que acordou um dia a pensar nesta receita e que se apressou a ligar a Ana Carolina – a chefe executiva, que está todos os dias na cozinha – que lhe deu imediato aval.

Passemos então para as entradas, que são arriscadas, por se centrarem, cada uma delas, em um só produto. A primeira trata-se de um mix de texturas de cenoura com lascas de bottarga, uma especialidade italiana feita com ovas de vários peixes secos. A segunda eleva os cogumelos a outra dimensão, servindo uma espécie de uma sopa com trigo sarraceno. Este prato, guloso, faz-se acompanhar por um brioche sem manteiga confecionado na casa, que se deixa comer com muita prontidão. Antes, viera um pão de fermentação lenta para banhar em excelente azeite do Douro.

A diversidade de hidratos continua pelos pratos principais adentro. O carabineiro, por exemplo, traz consigo um cremoso risotto de cevada com abóbora e à barriga de porco, cozinhada durante 17 horas para ficar na textura certa e obter crocância, junta-se um puré de aipo fumado e pedacinhos de beterraba. “Este foi o primeiro prato que criei para o meu Tempero [o outro restaurante parisiense]”, conta-nos Alessandra, meia nostálgica.

Beleza: Carabineiro e sua bisque com risotto de cevada e abóbora. Foto: Fábio Pelinson

Pelo meio, a própria chefe sai de trás do balcão da cozinha que dá para sala em que estamos, de tabuleiro em riste onde estão uma série de shots de caldinho de feijão, um tira-gosto que nos faz viajar de um tirinho para o Brasil. A seguir, ainda provamos um bacalhau, pois está claro, com couve e arroz negro.

A equipa está de olhos postos na sala, para avaliar as nossas expressões de contentamento, que não há outras que possam surgir à medida que vamos avançando pelo menu. E quando espreitamos para dentro da cozinha, até custa a crer que deste micro espaço saiam criações tão bem empratadas e com uma delicadeza só permitida aos melhores.

Não será por acaso que Alessandra foi levada pelo decano Alain Ducasse para ser uma das chefes a abrir um restaurante no Museu do Louvre durante o próximo ano. Quem poderia imaginar que a brasileira que foi criada pela avó numa roça numa pequena aldeia de Minas Gerais, e que nunca sonhou em ser cozinheira, pudesse chegar, aos 47 anos, a um patamar tão elevado? O sorriso contagiante da brasileira revela como está realizada. “É um sacerdócio. Hoje, vivo, penso e faço cozinha.”

Arte: nesta sobremesa, a inspiração são as formas geométricas usadas por Cícero Dias. Foto: Fábio Pelinson

Em Paris, a chefe esteve um ano a estudar pastelaria e quase seguiu a via doce da culinária. Isso nota-se nas duas sobremesas com que remata este menu. Inspirada num dos quadros do pintor Cícero que está nas paredes deste restaurante com alma de galeria, serve-nos um prato em que o figo é rei, seguido de outro chamado de Variações de Limão com formas geométricas Cícero Dias, o artista que dá nome a este projeto arrojado.

No final da refeição, com regada com vinhos do Douro e Alentejo, quase achamos que nos perdemos e, por engano, entrámos noutro restaurante. Até o número de lugar diminuiu para metade e as loiças são atualmente de uma beleza única – ficámos a saber que foi Alessandra quem as trouxe de Paris, apenas porque desconhece aquilo que também se faz por cá nessa matéria. De bistrot não resta mais nada, podemos atestar. Aqui faz-se agora fine dinning à séria, quem sabe se até a piscar o olho a uma Estrela Michelin?

Ambiente: o restaurante perdeu metade dos lugares e ganhou em elegância, que se nota também na loiça trazida de França. Foto: Fábio Pelinson

Cícero > R. Saraiva de Carvalho, 171 > T. 96 691 3699 > dom-ter 19h-22h, qua-qui 19h-22h30, sex-sáb 19h-23h30 (almoços sob reserva)

1. Pão do ló, por Marlene Vieira

Receita do livro Cozinha de Chef 2, editado pela Casa das Letras, que reúne as receitas do programa com o mesmo nome no canal Casa e Cozinha.

Ingredientes 

8 ovos

6 gemas 

350 g de açúcar 

350 g de farinha 

Groselhas  

Preparação

O primeiro passo é bater os ovos e as gemas com o açúcar durante algum tempo e este é o segredo de um bom pão de ló, por isso, devemos bater durante pelo menos 12 minutos.  

Depois, envolvemos lentamente a farinha. Nesta fase podemos também incluir as groselhas ou outro ingrediente à sua escolha. 

Caso prefira, pode manter simplesmente a massa. Humedecemos a forma e forramos com papel vegetal. 

Vertemos o preparado na forma e levamos ao forno a 220 ºC entre 20 e 30 minutos.

O nosso pão de ló está pronto a servir.  

2. Aletria de coco e pistácio, por Vasco Coelho Santos  

Receita do chefe de cozinha dos restaurantes Euskalduna Studio (uma Estrela Michelin) e Semea, no Porto

Foto: Lucília Monteiro

Ingredientes

1l de leite meio gordo

15 g amido de milho

6 gemas de ovo

400 g leite de coco (1 lata)

180 g de aletria

250 g de açúcar

2 cascas de limão

Pistácio picado

Preparação

Numa taça, misturar 150 g de leite, o amido de milho e as gemas. Envolver bem.

Num tacho, colocar 850 g de leite, o leite de coco e as cascas de limão. Levar a lume médio até começar a borbulhar.

Adicionar a aletria e cozinhar por cerca de cinco minutos a lume baixo.

Adicionar o açúcar e envolver. A fio, colocar a mistura de leite, amido de milho e gemas.

Sirva frio ou quente, em taças, polvilhado com pistácio picado.

3. Peras bêbedas no Natal, por Filipa Gomes

Receita da apresentadora do programa Os Cadernos da Filipa, no canal 24Kitchen.

Foto: DR

Ingredientes

6 / 8 peras-rocha médias

1 garrafa de vinho tinto

2cm gengibre

200ml vinho do Porto

1 chávena de açúcar mascavado húmido

1 pau de canela

Casca de 1 laranja

2 cabeças de cravinho

2 estrelas de anis

200ml natas

6 bolachas de gengibre

6 alperces secos

12 arandos desidratados

1 limão

2 colheres de açúcar branco

Confeção

Cortar a base às peras e descascar, inteiras, deixando o pé.

Colocar o vinho e os restantes ingredientes numa panela e mexer. (Usar uma panela nem muito pequena onde as peras tenham de ficar sobrepostas, nem muito grande onde o vinho só consiga cobrir a base).

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Juntar as peras, colocando-as em pé.

Cortar um circulo de papel vegetal com a medida da panela, molhar, machucar, e colocar sobre as peras. Ligar o lume e deixar que coza por 35-45 minutos.

Retirar as peras, deixar arrefecer um pouco e reservar no frio.

Com uma escumadeira retirar todos os extras que colocámos a dar sabor e devolver a calda ao lume, deixando ferver mais uns 10 minutos para reduzir e levar de seguida ao frio.

Cortar os alperces e os arandos e esmagar as bolachas.

Para servir, colocar uma colherada da calda na base, espalhando em circulo sobre o prato. Por cima uma colherada do chantilly.

Polvilhar com a bolacha.

Cortar a pêra em fatias, deixando agarrada pela base e colocar sobre o chantilly. Juntar o alperce e os arandos.

Ele há coisas que, no meio de todas as tragédias humanas existentes no mundo, nos fazem acreditar, senão na justiça divina, pelo menos numa certa ideia filosófica de que o bem se há de sobrepor ao mal – e de que não são assim tão poucos aqueles que agem pensando em si, mas também nos outros. Eu sei, caro leitor, cara leitora, estamos à beira do Natal, os atos e os pensamentos altruístas vão bem com a quadra.

Podia ser, mas não é do Natal que falo: falo da felicidade com que vejo inúmeras pessoas a olhar para Gisèle Pelicot – a mulher que durante dez anos foi drogada e violada pelo marido, que recrutou na internet dezenas de outros homens para a violarem também – e a reclamar que ela devia ser considerada a mulher do ano. Escrevi-o numa outra VISÃO do dia, a 13 de setembro, tinha o julgamento dos crimes de Mazan começado há duas semanas, em Avignon, no Sul de França: “Deveria ser uma evidência: ela não tem que se esconder, a vergonha não é sua, mas de quem cometeu os crimes de a drogar e de a violar. Aliás, pelo testemunho, pela coragem, Gisèle Pelicot, que em dezembro completará 72 anos, deveria ser eleita a mulher do ano.” 

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A Índia continua a ser o país que mais filmes produz no mundo, com uma média anual de mais de 1400, grande parte graças aos sucessos de Bollywood. Ao mesmo tempo, cresce um cinema indiano independente, na descendência de Satyajit Ray, que não nos deixa indiferentes. É nesse contexto que surge esta pérola, chamada Tudo o que Imaginamos como Luz, a segunda longa-metragem da jovem realizadora Payal Kapadia, um dos melhores filmes indianos que a Europa viu na última década.

Tudo o que Imaginamos como Luz é, em primeiro lugar, a sinfonia de uma cidade. É Bombaim que se celebra, nas suas cores e movimentos, observada em travellings, na leitura musical de Topshe: a banda sonora é um dos pontos altos de um filme que não tem pontos baixos. Uma cidade que nos impele, por onde somos levados através das cores, da energia, do seu devir. A cidade de todas as ilusões, como alguém a descreve.

Definida a cidade, entramos então nas personagens. Duas mulheres, ambas trabalham num hospital e partilham casa. A mais velha vive longe do marido que emigrou para a Alemanha e enfrenta com preceito a sua solidão. A mais nova vive um amor difícil, se não impossível, com um rapaz de outra religião.

Ambas se encontram numa luta subtil pelo direito a amar. Em entrevista, a realizadora explica que na Índia não há o costume de se dizer “eu amo-te”, por isso foi possível criar a sua linguagem própria de amor. Essa linguagem é feita de gestos, de momentos que por vezes são monumentos, tal a delicadeza na forma como são desenhados.

O filme é altamente poético. Mas também concreto. Tal como acontece com O Meu Bolo Favorito, o filme iraniano sobre o qual falámos na semana passada, aqui conta-se uma história de amor com obstáculos do tamanho de um país inteiro (ou de uma cidade). O peso social de uma Índia conservadora é brutal e devorador, mesmo numa cidade tão moderna e festiva quanto Bombaim.

Tudo o que Imaginamos como Luz é uma obra maior também pela forma como está filmado. A realizadora consegue tirar todas as emoções com os seus movimentos de câmara, que tanto focam um movimento de mãos como nos ampara num rosto terno. Sem dúvida um filme marcante de uma realizadora que queremos seguir até ao fim do mundo.

O filme da jovem realizadora Payal Kapadia recebeu o Grande Prémio do Júri em Cannes, e tem acumulado distinções por todo o mundo, além de figurar nas principais listas dos melhores filmes de 2024.

Tudo o que Imaginamos como Luz > De Payal Kapadia, com Kani Kusruti, Divya Prabha, Chhaya Kadam, Hridhu Haroon > 118 min

Grandes romances, reedições históricas, universos fantásticos aos quadradinhos e biografias, poesia e gastronomia. Selecionámos alguns dos melhores livros editados em Portugal este ano, incluindo novidades acabadas de chegar às livrarias, e chegámos a 101 sugestões que bem merecem ganhar um laçarote junto à árvore de Natal.

Livros do ano 2024: O melhor da ficção em português

Livros do ano 2024: O melhor da não ficção

Livros do ano 2024: Vozes da ficção estrangeira

Livros do ano 2024: Seis biografias

Livros do ano 2024: O melhor da poesia

Livros do ano 2024: O melhor da banda desenhada

Livros do ano 2024: O melhor nos infantojuvenis

Livros do ano 2024: Gastronomia, da mão para a boca

Palavras-chave:

1. A Minha Vida – Memórias
Golda Meir

Nasceu em Kiev, em 1898, e morreu em Jerusalém aos 80 anos. Originalmente publicadas em 1975, estas memórias, daquela que foi a única mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra israelita (entre 1969 e 1974), voltam agora às livrarias em português, num momento histórico em que Israel e o sionismo provocam muitas questões. Comprometida com o socialismo e o partido trabalhista, Meir surge-nos aqui entre o pragmatismo e a utopia, evocando uma certa inocência perdida do país que ajudou a fundar. Presença, 448 págs., €26,90

2. Fortuna, Caso, Tempo e Sorte
Isabel Rio Novo

Camões foi uma das figuras de 2024, cinco séculos depois do seu nascimento. Esta exaustiva biografia de Isabel Rio Novo trouxe-nos o homem por detrás do mito. “Não conhecia a exata dimensão desse Camões tão humano, diferente do retrato oficial”, disse a autora em entrevista à VISÃO, falando de um “quotidiano marcado por escândalos e desacatos, pelo convívio com meretrizes, pelos problemas com a autoridade”, que, na época do poeta, “era menos estigmatizado do que podemos hoje supor.” Contraponto, 728 págs.€24,90

3. A Desobediente
Patrícia Reis

Foram três anos de pesquisas e dezenas de entrevistas de Patrícia Reis com Maria Teresa Horta, familiares e amigos. Resultaram numa biografia que se lê como um romance, retrato de uma mulher desassombrada, nascida em 1937, e que desde 1960 publicou mais de 30 livros, incluindo o histórico marco do feminismo português Novas Cartas Portuguesas, com outras duas Marias (Velho da Costa e Isabel Barreno). Contraponto, 424 págs., €20,90

4. Lou, o Rei de Nova Iorque
Will Hermes

O jornalista e crítico musical Will Hermes nasceu em Nova Iorque em 1960, 18 anos depois do nascimento, na mesma cidade, de Lewis Allen Reed – para sempre conhecido como Lou Reed. Nesta completa biografia que fez do fundador dos Velvet Underground, a cidade que nunca dorme é, também, protagonista. Até porque o autor de Dirty Boulevard (do álbum New York, de 1989) foi um dos artistas que mais contribuiu para a sua mitologia no século XX, em nome do rock e da rebeldia, mas também de um lirismo e romantismo muito seus. Casa das Letras, 656 págs., €33,90

5. O Ouvidor do Brasil, 99 vezes Tom Jobim
Ruy Castro

Não tem a estrutura de uma biografia clássica, mas chegando ao fim da leitura destas crónicas, escritas ao longo dos anos, com a saborosa prosa de Ruy Castro, é certo que ficamos a conhecer melhor Tom Jobim, o homem e o mito. “Escrevi certa vez que, sempre que Tom Jobim abria o piano, o mundo melhorava”, lê-se a páginas tantas. Tinta-da-china, 232 págs., €19,90

6. Sacadura Cabral, O Aviador na Marinha (1881-1915)
Luísa Costa Gomes

“Não será a almejada biografia completa, mas é um contributo que traz elementos inéditos”, diz a autora deste volume, a escritora Luísa Costa Gomes. Destacam-se, aqui, os primeiros anos de vida, em Celorico da Beira e na Guarda, deste aventureiro que se tornaria célebre, em 1922, por ao lado de Gago Coutinho ter concluído a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, entre Lisboa e o Rio de Janeiro. Dom Quixote, 240 págs., €19,90