Os números da imigração, as questões da segurança aliadas a este fenómeno ou até mesmo a “crimigração” de que já tratei em artigo anterior são armas de arremesso das contendas políticas, um pouco por todo o mundo e tornam-se, a cada dia que passa, mais violentas.
O corolário desta guerra política na qual, mais uma vez, as vítimas são os anónimos que tentam sobreviver ou viver um pouco melhor, atinge o seu ponto alto em época de eleições.
Por mera coincidência (para quem acredita nelas), foi divulgado publicamente um relatório intercalar por parte da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), onde se afirmava a existência de 1.6 milhões de imigrantes em Portugal. Ter-se-ia dessa forma ultrapassado a fasquia psicológica do milhão e meio de residentes não portugueses em território nacional. O número apresentado vai bem ao encontro dos que afirmam que temos imigrantes a mais e que somos, em termos percentuais, dos países da Europa com maior imigração.
Ora, a pergunta que se impõe é muito clara e tem a ver com a forma como se chega a essa contagem , sendo certo que os números, embora não mintam, são o que deles queiramos fazer.
A única forma de sabermos o número exato, ou melhor, aproximado o mais possível à realidade, é através da contagem do número de processos existentes.
Acontece que esta operação fica desde logo inquinada quando não se tem em conta as situações (inúmeras!) de duplicação de pedidos.
Explicando: falávamos muito das 400 mil pendências decorrentes dos processos de Manifestações de Interesse que estavam em “banho-maria” há vários anos. A realidade, porém, veio provar que o número era quase de menos 100 mil cidadãos nestas circunstâncias. As razões são várias: alguns terão regressado aos seus países de origem, outros terão falecido entretanto, outros partido para diferentes países, outros encontraram na lei outras forma de regularização fosse pelo casamento, pela paternidade ou, de uma forma muitíssimo significativa, por via do popularmente chamado Visto CPLP. Esta Autorização de Residência para os países de língua portuguesa, que entrou em vigor durante o penúltimo governo, é responsável pela esmagadora maioria das duplicações processuais e, por consequência, pelo enviesamento dos números.
Os cidadãos que tinham, há anos, a sua regularização no limbo ao abrigo das Manifestações de Interesse e que reuniam as condições para solicitar uma Autorização de Residência CPLP fizeram-no, mas não anularam a Manifestação de Interesse, just in case. Ora esta, entretanto, seguiu o seu percurso e foi aquando da entrada em funcionamento da Estrutura de Missão que se verificou esta dupla regularização. Quer isto dizer que uma parte significativa e não despicienda de processos foi contabilizada duas vezes.
A quem interessa esta empolação do numero de imigrantes sabemos nós. Da mesma forma que só entendemos um relatório intermédio a dois meses do fim da Missão da estrutura criada pela aproximação de eleições.
Mas mais do que saber quantos são importa saber quem são e como estão.
A extrema direita insiste em vender a ideia de que a maioria dos imigrantes são criminosos e que não existe qualquer controlo na sua entrada.
Uma mentira repetida ad nauseaum não se transforma em verdade. Apenas demonstra a má fé ou a profunda ignorância de quem a profere.
Portugal tem um dos sistemas de controlo de fronteiras aeroportuárias mais eficazes e melhor equipados da Europa. A troca de informação entre Órgãos de Polícia Criminal é feita célere e criteriosamente. Não é porque já não existe um determinado organismo que o serviço não se faz. Durante anos, os barbeiros tiravam dentes. Depois surgiram os dentistas. Não foi por se terem alterado as condições que deixou de haver dores de dentes e tratamento!
Não existe controlo terrestre, constatam os tais de extrema-direita. Pois claro, essa é uma das condições de pertencer a um Espaço Schengen de livre circulação de pessoas e bens. A pertença a este grupo permite uma liberdade total de exercer uma profissão, estudar, importar e exportar bens, recolocar empresas, etc. Claro que, como tudo na vida, tem um reverso, mas não se pode querer ter sol na eira e chuva no nabal! Saberão esses senhores que os estrangeiros em maior número a residir em Portugal são europeus?
E quanto à criminalidade, porque será que apenas quando muito residualmente acontece com estrangeiros, se grita aos céus e ao mundo enquanto se faz vista grossa aos inúmeros casos de violência levada a cabo por portugueses? Os adolescentes que violaram a colega e colocaram os vídeos a circular eram estrangeiros? Quantos assassinos de mulheres são estrangeiros?
Além de que não há qualquer dúvida que Portugal precisa de imigrantes. Regulares, sem dúvida, mas imigrantes mesmo assim.
O que fica por fazer e é urgente é uma integração plena de quem nos procura.
O reagrupamento familiar é essencial para que tal aconteça. Poder-se-á limitá-lo a células de família mais básica, mas não teremos integração sem família.
Tal como não teremos integração sem dignidade de tratamento e essa passa pelo acesso aos mais básicos direitos: educação, saúde e habitação. Quanto a esta última, faz-se um enorme favor aos senhores do contra quando se propõe uma discriminação positiva para imigrantes com o argumento de que os nacionais podem ficar mais tempo em casa dos pais. Afirmações deste tipo só atiçam os que pretendem retornar ao “orgulhosamente sós” e que estabelecem uma linha forjada num muro, mesmo que hipotético, entre eles e nós.
Se conhecessem alguma coisa de História, saberiam que já fomos eles e que o mundo, tal como está, pode empurrar-nos novamente a sê-lo.
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