O mindfulness é o conceito de base para o Opera Air, o novo navegador minimalista da Opera. O programa tem funcionalidades para relaxamento, concentração, descanso e outras que são mais típicas em aplicações de meditação. Além do design mais calmo e tranquilo, o programa encoraja os utilizadores a tirarem pausas regulares enquanto navegam.
Os utilizadores podem escolher quatro tipologias de pausas no Air: exercícios de respiração, exercícios para o pescoço, meditação e ‘análise corporal completa’. Com exercícios de respiração e a meditação, é possível, em teoria, acalmar e baixar os níveis de stress, com exercícios para o pescoço a ideia é ajudar a aliviar os músculos daquela região, enquanto a ‘análise corporal completa’ sugere fazer uma meditação focada em várias partes do corpo e nas sensações.
As pausas podem demorar entre três e 15 minutos, e o utilizador pode escolher tomá-las voluntariamente ou definir uma recorrência automática, noticia o Engadget.
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Também para ajudar a aumentar a criatividade e o foco, a Opera incluiu neste navegador batidas binaurais, que criam uma ilusão sonora com recurso a duas frequências diferentes em cada ouvido, levando o cérebro a ‘imaginar’ uma terceira frequência. Uma das alegações deste navegador é que algumas funcionalidades podem mesmo ajudar o utilizador a lembrar-se dos seus sonhos.
A Zeekr recebeu no final de 2024 a distinção para carregamento mais rápido de bateria de um veículo elétrico, com o modelo sedan Zeekr 007. Agora, a empresa anunciou o Zeekr 7X, um modelo cuja bateria pode carregar dos 10% aos 80% em apenas nove minutos e 45 segundos, um novo recorde mundial. A marca Zeekr pertence ao Geely Holding Group, que também detém a Lotus e a Volvo.
A tecnologia de carregamento rápido já foi posta à prova em testes em ambiente real e surge agora no SUV 7X da marca sob a forma de uma bateria de 75 kWh LFP (de lítio, ferro e fosfato). Esta abordagem substitui as baterias mais convencionais de níquel, cobalto e manganês.
Segundo a publicação Interesting Engineering, que partilha o vídeo do canal de youtube Out of Specs Review, os testes feitos mostram que é possível descarregar completamente a bateria e obter depois um recarregamento integral em 19 minutos, usando a rede de carregamento proprietária da Zeekr. Nesta rede há um carregador de 840 kW, bem mais avançado do que os carregadores de 350 a 400 kW encontrados nas redes públicas. A rede vai expandir-se para mercados como Austrália e Tailândia, existindo já em 2700 locais na China, número que deve ser duplicado este ano e chegar aos 10 mil em 2026.
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A Zeekr alega que o SUV 7X pode recuperar autonomia para até 33,7 quilómetros por minuto ligado à corrente.
A 6 de janeiro, a Indonésia formalizou a sua integração no BRICS, inicialmente formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, aos quais se juntaram Egito, Etiópia, Irão e Emirados Árabes Unidos em 2024. O bloco representa 40% da população global e 35% do PIB mundial.
Enquanto Widodo, o antigo presidente, considerou a decisão arriscada por colocar em causa a relação com o Ocidente, Subianto, Presidente desde 2024, não teve as mesmas preocupações. Após a integração, o ministro dos Negócios Estrangeiros reforçou a importância de dar voz aos países do Sul Global para equilibrar a balança de poderes e projetar a Indonésia no palco da diplomacia mundial enquanto economia emergente.
Apesar das intenções neutras da Indonésia, a sua integração numa organização fortemente influenciada pela China e pela Rússia poderá ter implicações diplomáticas com o Ocidente. Este artigo analisa as causas políticas que levaram a esta decisão fragmentária com a tradição diplomática da Indonésia, as suas implicações no palco das Relações Internacionais e no futuro do Global South.
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Desde a sua formação como Estado independente nos anos 50 e após ter sido palco de disputas entre a União Soviética e o Ocidente aquando da Guerra Fria, a Indonésia tem-se apresentado como membro não-alinhado, relativamente neutro aos dois blocos. No entanto, o seu posicionamento anticomunista durante a ditadura de Sukarno, que encabeçou purgas violentas contra a ideologia vigente na China e URSS, aproximava o país dos objetivos dos Estados Unidos. Por essa razão, o país era apontado como um silencioso aliado do Ocidente, enquanto escondia antigas contendas com a China, identificada como culpada pelo crescimento do comunismo no país. A Indonésia tem-se mantido vigilante do extremismo islâmico, bem como de ideologias de esquerda, conservando uma posição nacionalista de direita há mais de meio século.
O panorama diplomático alterou-se significativamente com a subida de Yudhoyono ao poder em 2004 sob o lema “mil amigos e zero inimigos”. No entanto, a China nunca foi considerada aliada, principalmente em 2016, quando as disputas territoriais no Mar do Sul da China deterioraram as relações com Beijing.
Com a eleição de Subianto, mais nacionalista e pró-militarização que Jokowi, a já há muito discutida integração no BRICS formalizou-se. Com a polarização crescente entre os dois eixos e o isolamento dos Estados Unidos, reforçado pela tomada de poder de Donald Trump, a Indonésia ficaria associada ao eixo Rússia-China, opondo-se ao seu tradicional posicionamento diplomático.
Mas porque poderá a integração nos BRICS afastar a Indonésia do Ocidente? A resposta está nas intenções de desdolarização da economia e eventual criação de uma moeda única para a organização, ideia que não agradou aos Estados Unidos. Na verdade, a organização quer independentizar-se do eixo Ocidental e apresentarse como uma alternativa ao clássico G7. Como primeiro país do Sudeste Asiático a juntar-se ao BRICS, a Indonésia pode abrir caminho a outros países outrora próOcidente, como a Tailândia e a Malásia.
Sob outra perspetiva, este passo significa um aproximar do Global South, anteriormente não-alinhado, à Rússia e à China. Reforça que, apesar das sanções do Ocidente, a Rússia continua a ter valiosos aliados. Isto não significa que o BRICS seja um “clube anti-Ocidente”. No entanto, o conflito na Ucrânia desenhou dois lados distintos – os que apoiam e os que sancionam a Rússia.
Existe ainda uma terceira perspetiva – a do mundo islâmico. A Indonésia, a mais populosa democracia islâmica do mundo, junta-se agora ao Egito e aos UAE. Com o apoio dos Estados Unidos a Israel durante o conflito na Palestina, vários países islâmicos, incluindo a Indonésia, interpelaram o Ocidente para que reconheça a Palestina e para que cesse o apoio a Israel – o que reforça o afastamento dos Estados Unidos.
Em conclusão, esta notícia significa um fortalecimento para o Sul Global enquanto atores essenciais no palco mundial e um possível crescimento do apoio à China e à Rússia. Quanto ao Ocidente, o risco de perder aliados valiosos no Sudeste Asiático é iminente e tem tendência a piorar com as atitudes irracionais de Trump no futuro. Foque-se o seguinte: o Sul Global deve ser tomado em conta, o seu apoio deve ser procurado, e o seu papel no equilíbrio East – West não deve ser menosprezado, partindo a velha muralha entre “mundo desenvolvido” e “em desenvolvimento”.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
Há já algum tempo que a Huawei se tem afirmado no segmento do áudio. Tanto com as gerações anteriores do FreeBuds Pro, reconhecidas pelos graves imponentes e pelo sistema de supressão de ruído eficaz, como pelas versões mais acessíveis, como os FreeBuds 6i, que mereceram elogios pela boa qualidade sonora. Agora, com os FreeBuds Pro 4, a marca chinesa volta a dar um salto qualitativo, afirmando-se entre os auriculares de referência no mercado.
Existem vários pormenores que deixam transparecer o ‘cheiro’ a produto premium. A caixa é elegante e tem dimensões reduzidas, o que facilita o transporte nos bolsos das calças. Na zona de abertura da tampa, encontra-se uma linha fina dourada que confere um toque de classe. E depois, claro, os auriculares: leves, com um formato fino e também com detalhes dourados que elevam a aparência.
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O nível de exigência é grande aqui na Exame Informática, depois do teste de grupo a auriculares sem fios que fizemos recentemente, no qual encontrámos opções para todos os gostos e carteiras. Tendo isto em conta, os FreeBuds Pro 4 posicionam-se muito bem perante aqueles que, neste nível de preço, consideramos a referência do momento no mercado: os Bose Quietcomfort Earbuds, especialmente no que toca ao cancelamento de ruído.
Ficámos agradavelmente surpreendidos com a experiência proporcionada por este modelo da marca chinesa. É certo que a Huawei promete um cancelamento de até 108 decibéis, mas será que cumpre? Depois de testados em diferentes situações, podemos garantir que são muito bons. Mesmo com o volume a ‘meio gás’, conseguimos eliminar a perceção da maioria do ruído à nossa volta. Até em situações mais exigentes, como obras realizadas pelos vizinhos do lado, os resultados foram convincentes e permitiram-nos um isolamento quase total do que se passa à nossa volta.
Perante este aspeto positivo, entregamo-nos ao que mais importa: música, música e mais música. Foi assim desde que estes auriculares chegaram às nossas mãos — ou melhor, aos nossos ouvidos. Passámos horas a ouvir música e, de facto, a qualidade sonora é impressionante: há muita nitidez e, acima de tudo, um bom equilíbrio entre os sons. Não sentimos que a Huawei tenha dado mais atenção a uma frequência em detrimento de outra. A experiência sonora é convincente em todo o espectro sonoro. Os graves são impactantes e deixam claramente a sua marca.
Por outro lado, as frequências médias são limpas, permitindo distinguir perfeitamente os diferentes instrumentos mesmo quando temos uma voz em primeiro plano. E, por fim, os agudos. Para analisarmos melhor, colocámos a icónica Celine Dion a tocar, com My Heart Will Go On, do filme Titanic, e ficámos ainda mais certos de que estes são auriculares de topo – não sentimos qualquer distorção ou ruído, mas sim uma reprodução exemplar.
Borrachas para todos os gostos
Se tem dificuldades em manter os auriculares ajustados nas orelhas, a Huawei apresenta uma solução prática nos FreeBuds Pro 4. Na embalagem, além das pontas de silicone que vêm com os auriculares, a marca inclui mais seis pares, divididos entre três conjuntos de silicone mais suave e três de silicone rígido e compacto, permitindo uma adaptação personalizada.
Durante a nossa utilização, sentimos que as pontas de silicone tradicional destacam-se pelo conforto, garantindo um ajuste seguro, mesmo durante movimentos bruscos. Por outro lado, as pontas mais rígidas oferecem maior isolamento acústico, proporcionando uma experiência sonora mais imersiva, ainda que com um nível de conforto inferior.
Chamadas sem interrupções
A qualidade das chamadas é um dos principais destaques, graças à clareza e nitidez proporcionadas pelos FreeBuds Pro 4. Estes auriculares conseguem distinguir a voz e colocá-la em evidência, permitindo que quem está do outro lado tenha uma conversa estável, mesmo em ambientes ruidosos, graças ao eficaz isolamento de ruído. Em chamadas, com o cancelamento ativo de ruído (ANC) ligado, a Huawei promete uma autonomia de cerca de 3,5 horas.
Contudo, é importante notar que estes auriculares não se destacam pela duração da bateria. Ao ouvir música ou podcasts, por exemplo, a autonomia máxima com o ANC ativado é de 4,5 horas, subindo para 6,5 horas com o ANC desligado. Estes números são modestos quando comparados com outros modelos concorrentes no mesmo segmento de preço.
Por fim, o preço é ajustado e equilibrado, sobretudo se tivermos em conta a qualidade sonora disponibilizada e o muito bom cancelamento de ruído, que elevam estes auriculares para um patamar superior.
Tome Nota Huawei FreeBuds Pro 4– €199,99 huawei.com/pt
Som MuitoBom Cancelamento de ruído MuitoBom Autonomia Bom Conforto Muito bom
Características Frequências: 14 Hz – 48.000 Hz ○ Driver duplo de 11 mm ○ 3 microfones ○ Codecs: L2HC/LDAC, AAC ○ Cancelamento Ativo de Ruído (ANC) ○ Autonomia anunciada: 4,5h reprodução (ANC) ○ Bluetooth 5.2 ○ IP54 ○ 29,1×21,8×23,3 mm ○ 5,8 g
De acordo com as conclusões do relatório da Polícia Judiciária sobre a morte de Odair Moniz, na Cova da Moura, Amadora, a 21 de outubro do ano passado, existem incongruências nas declarações dos vários agentes da PSP, que se deslocaram ao local, sobre a existência de uma arma branca. No relatório, consultado pela agência Lusa, consta que alguns elementos da PSP disseram ter visto a faca na chegada ao local, enquanto outros afirmaram que só a identificaram após o corpo de Odair Moniz ter sido retirado pela equipa médica. Já um terceiro grupo de elementos da Polícia de Segurança Pública afirma nunca ter visto nenhuma arma branca.
Algumas das diferentes versões dos acontecimentos, dadas por vários agentes de autoridade chamados à Cova da Moura na madrugada de 21 de outubro, contrastam com as declarações inicialmente dadas pelo elemento da PSP, acusado do homicídio de Moniz, que afirma ter sido ameaçado com uma faca.
No relatório constam detalhes como, por exemplo, a declaração de um dos elementos da PSP, que afirma ter visto a faca a cerca de 50 centímetros do corpo de Odair Moniz e próximo da sua mão esquerda. Já outro agente disse que a arma branca se encontrava junto ao corpo de Odair, ao nível da anca.
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Existem também incongruências na forma como dois elementos da investigação criminal da PSP descreveram os factos passados naquela madrugada. O primeiro agente afirmou que, apesar de ter estado muito próximo do corpo, só viu a faca quando a equipa médica removeu Odair do local. Já o segundo elemento disse não ter visto qualquer objeto na primeira vez que esteve no local e que, só depois de se ter ausentado por alguns minutos, é que reparou na arma branca. De acordo com as imagens recolhidas, a PJ afirma que estes dois polícias de investigação criminal estavam praticamente no mesmo sítio, apesar de terem versões diferentes sobre a existência de uma arma branca junto a Odair Moniz.
Segundo o relatório da PJ, a estas incongruências junta-se o facto de o agente que baleou Odair ter feito declarações diferentes aos colegas – a quem disse ter sido ameaçado com uma faca – e aos superiores hierárquicos – não tendo mencionado qualquer tentativa de agressão ou a existência de uma arma branca.
Nas primeiras declarações à PJ, o agente não mencionou qualquer tentativa de agressão por parte de Odair e afirmou ter visto, numa das bolsas que Odair usava à cintura, um objeto parecido com uma faca, que o cabo-verdiano terá tentado alcançar. Já no auto de notícia que foi enviado ao MP, feito pela PSP, o polícia disse que o Odair tinha uma arma branca na mão e que o tentou agredir na cabeça.
No relatório, a PJ admite a possibilidade de o agente não ter sido o autor do auto de notícia e o Ministério Público já determinou a extração de certidão para investigar a alegada falsificação do documento. Na altura, a comunicação da PSP explicava que um homem, Odair Moniz, foi baleado fatalmente pela polícia, na Cova da Moura, após ter “resistido à detenção e tentado agredi-los [os agentes] com recurso a arma branca”.
O agente da PSP e arguido encontra-se atualmente de baixa, sem previsão para regressar ao trabalho.
O Presidente Donald Trump sugeriu terça-feira que os palestinianos deslocados em Gaza sejam reinstalados “permanentemente” fora do território devastado pela guerra. As declarações foram proferidas no início da reunião com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, na Casa Branca.
“Não acho que as pessoas devam regressar”, disse Trump, citado pela agência Associated Press. “Não se pode viver em Gaza neste momento. Acho que precisamos de outro local. Penso que deve ser um local que faça as pessoas felizes”, acrescentou, para justificar que considera inviável um cronograma de três a cinco anos para a reconstrução do território devastado pela guerra, conforme estabelecido no acordo de trégua temporário.
“Se olharmos para as décadas passadas, só há mortes em Gaza”, acrescentou Trump. “Isto está a acontecer há anos. É tudo morte. Se conseguirmos uma área bonita para reinstalar as pessoas, permanentemente, em casas bonitas onde possam ser felizes e não sejam baleadas e não sejam mortas e não sejam esfaqueadas até à morte como está a acontecer em Gaza”.
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Trump manifestou ainda o desejo de “tomar” Gaza, descrevendo a sua visão para a área: uma nova “Riviera”, depois de desmantelar bombas e limpar os destroços.
Passamos a vida à procura. De nós mesmos, dos outros, dos outros em nós mesmos e de nós mesmos nos outros. Cada qual entra no Mundo e procura. Procura, quanto mais não seja, entendê-lo.
Muitas vezes, porém, deparamo-nos com uma realidade acidentada, aparentemente impossível de entender e privada de sentido. Uma realidade à luz da qual procurarmo-nos, a nós e aos outros, e a nós nos outros, soa a tarefa inglória e inútil.
É também verdade, no entanto, como sublinhou o jesuíta Carlos Carneiro sj, num texto publicado no site Pontosj, a 1 de janeiro de 2025, que “o espírito humano recusa o absurdo e busca um sentido que torne a vida apetecível”.
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Quanto ao motor que impele cada um a “perseverar com toda a sobriedade, dia após dia, sem perder o ardor da esperança, num mundo que, por sua natureza, é imperfeito”, este não é igual para todos. Para uns, será a Fé no seu Deus, para outros, a curiosidade, o olhar de alguém, uma melodia, uma imagem, uma ideia, uma memória, um sonho. Em suma, lugares bons.
Num mundo acidentado, onde o progresso é lento, mas o bem se constrói, a Brotéria tem-se dedicado a procurar eutopoi, bons lugares que sejam portadores de esperança. Fá-lo desde 2023, através das Conferências Eutopos, conversas mensais com filósofos, artistas, editores, astrónomos, engenheiros agrónomos e teólogos, entre outros
Ora, para encontrarmos este lugares bons – ou Eutopoi – lugares onde “o bem se constrói e a esperança se torna concreta”, evidentemente é preciso procurá-los.
Não temos de ir muito longe. O JL foi até ao Bairro Alto, mais concretamente até à Brotéria, casa de cultura e diálogo da Companhia de Jesus.
O espaço inaugurado em 2020, sob os princípios da hospitalidade, verdade e beleza, tem dado, desde 2023, uma forma muito específica à busca por lugares bons.
Através das chamadas Conferências Eutopos, conversas mensais com filósofos, artistas, teólogos, escritores, editores, etc., a Brotéria tem mostrado que, ao contrário daquilo que uma análise pouco atenta possa sugerir, a eutopia [neologismo cunhado pela equipa da Brotéria] e a busca pelos lugares onde o bem se revela, é um caminho mais promissor do que a utopia, lugar no qual a revelação do bem é eternamente adiada.
O formato tem gerado tal interesse que, em 2025, continua para o seu terceiro ano consecutivo de programação. E o público continua a acorrer numeroso. Ao início da tarde do dia 18 de janeiro, quando ainda faltavam cerca de 20 minutos para o início da primeira conversa do ano, as três maiores salas do primeiro andar da Brotéria já estavam completamente cheias.
Pessoas de todas as idades dividiam-se entre as cadeiras disponíveis, o chão e os corredores, a fim de ouvir o escritor, tradutor, professor universitário e Prémio Pessoa, Frederico Lourenço (FL), e o padre jesuíta doutorado em Bíblia pela Universidade Hebraica de Jerusalém, Francisco Martins sj (FM), conversarem sobre o tema “Ler a Bíblia, ler o bem do mundo”.
Será a Bíblia, em pleno século XXI, um bom lugar? Um lugar atual, sequer? Serão as suas histórias terreno fértil de inspiração para a vida quotidiana? Fará ainda sentido lê-la, numa era onde, para muitos, a certeza de provas científicas parece oferecer maior conforto que a frágil humanidade da poesia?
Uma obra adversa a absolutos
Em jeito de introdução, e talvez proposta de organização das inquietações enumeradas em cima, a moderadora Madalena Tamen abriu a sessão com as seguintes palavras: “A Bíblia é um texto que é sagrado para uns, sapiencial para outros, fonte de beleza e humanidade, mas também das maiores atrocidades da história”.
Porém, como sublinhou imediatamente de seguida FM, negar ou sublimar, espiritualizando-a, essa faceta do texto bíblico que se prende com a irrazoabilidade divina, “que se transmuta em caprichos e transigências sanguinários, é um ato hermenêuticamente irresponsável e moralmente temerário”.
“Parafraseando Jesus”, continuou o jesuíta, “corre-se o risco de deixar a Bíblia entregue, sem contexto nem aviso, nas mãos dos violentos”.
Ainda assim, o padre sublinhou a importância de não esquecer que “a Bíblia é muito mais que as suas páginas mais negras”, com isto não se referindo à distinção entre Antigo e Novo Testamento, entre um Deus castigador e um Cristo redentor, mas à capacidade de reconhecermos a luz e a sombra em ambos.
“A posse exclusiva da terra, se necessária ao preço de uma violenta e acelerada disposição, é o corolário divinamente sancionado da promessa da Terra […] O conflito na Terra Santa já nos fez esquecer que este povo foi capaz de imaginar-se como tal, ainda sem uma Terra”
Francisco Martins sj
Num elenco de exemplos profundamente pertinentes tendo em conta a atual situação política do Mundo, FM recordou que, por exemplo, no Antigo Testamento vemos narradas as histórias do reconhecimento e da conquista da Terra Prometida pelo povo de Israel, mas também a generosidade de Rute, viúva que abdica da sua própria terra a fim acompanhar a sogra de regresso a Israel, tornando-se ela mesma eutopos, ou lugar bom, do que de mais puro alimenta a relação entre dois seres humanos: a empatia.
O jesuíta sublinhou também que, “se lida com atenção, [a Bíblia] revela-se uma obra particularmente adversa aos absolutos”, característica que acredita encerrar um enorme potencial eutópico, sobretudo no tempo histórico que vivemos, marcado por um conflito tantas vezes justificado por interpretações absolutas de textos nela contidos.
“Esta minha afirmação talvez vos surpreenda, uma vez que se trata de um texto de cariz religioso e, como nos ensinam os filósofos, se há domínio do saber onde é pertinente a noção de absoluto é no discurso sobre a divindade”, comentou.
De facto, que potencial eutópico poderá estar latente num livro que conta o passado de “um só povo”, enraizado “numa relação exclusiva, um só Deus, e singularmente orientada”?
É que, como se apressou a explicar, “a reunificação da memória coletiva não eliminou a diversidade subjacente, mas assumiu-a plenamente, transmitindo-se um texto rico não só de contradições e descontinuidades, mas também de ‘contra-memórias’. Isto é, de textos que, cândida mas eficazmente, acabam por sabotar a pretensão de absoluto que certas conceções ou ideias veiculadas na Bíblia parecem reclamar”.
Desta forma, “a tradição corrige os seus próprios sucessos, procurando impedir leituras unívocas, certezas estéreis, perigosos fundamentalismos”.
A aversão que a Bíblia tem aos absolutos, afirmou FM, pode ser ilustrada através de um tema “tragicamente da máxima atualidade”, o da promessa da Terra.
Segundo o jesuíta doutorado em Bíblia pela Universidade Hebraica de Jerusalém, uma leitura atenta do Pentateuco [primeiros cinco livros da Bíblia], por exemplo, permitir-nos-ia identificar facilmente, na sequência de episódios narrados, a sugestão de que “a posse exclusiva da terra, se necessária ao preço de uma violenta e acelerada disposição, é o corolário divinamente sancionado da promessa da Terra”.
Mais, o livro do Êxodo [2º do Pentateuco] dá mesmo a conhecer um povo sem medo de assumir que a sua identidade começou a ser construída fora da Terra.
“O conflito na Terra Santa já nos fez esquecer que este povo foi capaz de imaginar-se como tal, ainda sem uma Terra. Estamos tão convencidos que o povo judeu só existe se tiver a Terra e na Terra, que nem lemos com atenção os textos do Pentateuco, os quais, para o povo judeu, foram a Terra portátil”. Esta é uma leitura que, ao procurarmos eutopoi nos textos bíblicos, “vale a pena recordar, sobretudo na atualidade”.
O perigo das interpretações empoladas
Importa também não esquecer, como referiu durante a sua intervenção Frederico Lourenço (FL), que, ao longo de séculos, não só judeus, mas também católicos recorreram à Bíblia “para justificar atrocidades cujas consequências são ainda hoje visíveis nos problemas com que o Próximo Oriente, a Europa e as Américas se debatem”.
Segundo o responsável pela tradução para português daquela que é considerada a Bíblia na sua forma mais completa [a partir da Bíblia Grega, ou seja, contendo o Novo Testamento e todos os 53 livros do Antigo Testamento grego, em vez dos 39 do cânone protestante, ou dos 46 do cânone católico], o problema fundamental é a forma como a lemos e interpretamos.
“A intolerância, a perseguição religiosa, a escravatura, a opressão das mulheres ou a condenação à morte de homossexuais não são culpa da Bíblia. A culpa está na leitura e na interpretação que se fez, e em alguns contextos ainda se faz, dela”, assegurou FL.
Ou seja, uma vez que as leituras podem ser enviesadas e oportunistas, “é fácil dar a impressão de que a Bíblia diz aquilo que eu quero que ela diga, porque, fundamentalmente, a Bíblia diz muitas coisas, surgindo o risco de o leitor escolher e empolar aquilo que lhe convém”.
Perante tal risco, o professor considera essencial, a fim de poder ser entendida como um eutopos, a Bíblia ser lida com cuidado. Em primeiro lugar, uma vez que a palavra Bíblia significa conjunto de livros, é importante ter “consciência de que estamos a ler muitos livros encadernados como se fossem um só”, escritos ao longo de milhares de anos em dois contextos religiosos muito diferentes, o judaico e o cristão.
“É difícil dizer onde encontramos os textos mais antigos da Bíblia, mas algumas passagens do Antigo Testamento poderão ter sido originalmente compostas mil anos antes do nascimento de Jesus, tendo sido depois sujeitas a adaptações e à integração em contextos novos, diferentes dos originais”, revelou ainda FL.
“Importa perceber que a Bíblia não é um livro escrito no século XVIII, XIX ou XX, é literatura antiga e, na Antiguidade, escrever um livro era recuperar tradições”, acrescentou FM, para quem o grande desafio do livro contemporâneo é precisamente relacionar-se com uma literatura que se fazia de forma diferente.
Frederico Lourenço: “Por muita inspiração divina, estes textos foram escritos por seres humanos num local preciso, com condições concretas” FOTO: Francisco Fidalgo
“Um aspeto que nos escandaliza é que, nessa altura, se um texto é irrelevante, eu nem o copio, mas se for relevante para a minha comunidade, copio-o, atualizo-o, acrescento. Portanto, para quem é crente de uma Bíblia 100% divina, mas que é também 100% humana, seria muito estranho que os autores do Antigo ou do Novo Testamento não escrevessem como escreviam as pessoas daquela altura”.
“O que estamos aqui a convidar-vos a fazer é a ter em conta o aspeto histórico, a compreender que, por muita inspiração divina, estes textos foram escritos por seres humanos num local preciso, com condições concretas. Às vezes, as respostas que nós queremos e não encontramos têm que ver também com isso, e com as limitações humanas”, rematou FL.
Além do cuidado em “informar-nos um pouco sobre a sua História e sobre a história dos textos que a constituem”, ao ler a Bíblia, o tradutor considera fundamental ter presente o facto de nenhum dos seus textos ter sido escrito originalmente em Português.
“Não há ninguém na Bíblia que nos diga palavras tão maravilhosas como as que são atribuídas a Jesus. Eu diria que não há ninguém em nenhum texto humano que lhes chegue perto”
Frederico Lourenço
“Eu próprio sou réu, como toda a gente sabe, do pecado de traduzir a Bíblia. E diria que a maior iluminação que a minha atividade de tradutor me tem trazido é a consciência das limitações da tradução”.
O que acontece é que a maioria das pessoas acaba por ler as Sagradas Escrituras através de traduções incapazes de dar uma imagem exata do texto original, seja o hebraico do Antigo Testamento ou o grego do Novo Testamento.
Um bom exemplo para perceber estas limitações é uma frase do Pai Nosso que foi traduzida para português como “não nos deixeis cair em tentação”. Na sua forma original grega, a passagem seria algo semelhante a “não nos coloqueis numa situação onde possamos ser postos à prova”.
Frederico Lourenço explicou que, em português, pedimos a Deus que nos mantenha longe do pecado, mas, se disséssemos a frase em grego, estaríamos “a pedir para não sermos levados para uma situação em que fôssemos postos à prova, porque não sabemos se teríamos força para superá-la. Pediríamos a Deus para não testar o amor que temos por Ele”.
Apesar de tudo, o tradutor considera que a pergunta “qual é a melhor tradução da Bíblia?”, que lhe é feita bastantes vezes, “é uma pergunta muito ingrata, pois a melhor tradução da Bíblia é ler o original. Se não pode ler o original, seja humilde o suficiente para reconhecer que todas as traduções são tentativas de lhe dar, a si, o original”.
Além disso, acrescenta FM, “a Igreja definiu quais são os livros canónicos, mas nunca definiu qual é o texto canónico. Quem vai à Missa ao Domingo, poderia ter ali uma leitura do texto que fosse uma tradução da Septuaginta [grego], do hebraico, do arménio, do etíope, do siríaco. Todos os textos que na Antiguidade foram utilizados pela Igreja nas diversas línguas, podem ser alternativas para o texto canónico”.
Será a Bíblia um bom lugar?
Perante as ideias que se perdem nas diversas traduções e os milénios que nos separam de algumas histórias da Bíblia, é natural que nos questionemos se, ou quais dos seus livros são capazes de nos inspirar no tempo presente.
“Não tenho dúvida em apontar os quatro Evangelhos do Novo Testamento como os textos que mais inspiração nos podem trazer no tempo presente”, declarou FL ao público que o ouvia na Brotéria.
“Independentemente da leitura que queiramos fazer de Jesus – perfeito apocalíptico, rabino revolucionário, ativista progressivo, filho de Deus, Deus – estes são os textos onde encontramos as palavras que podem tornar o Mundo melhor. Não há ninguém na Bíblia que nos diga palavras tão maravilhosas como as que são atribuídas a Jesus. Eu diria que não há ninguém em nenhum texto humano que lhes chegue perto”, acrescentou o tradutor.
Vale a pena recordar que, apesar de ser muitas vezes quase ignorado, o verdadeiro cerne da mensagem de Cristo prende-se apenas com um simples pedido: Fazei o bem.
“Se todas as pessoas pusessem em prática esta palavra, o mundo seria um bom lugar”, defendeu FL, até porque, como reiterou a poucos minutos de terminar a sua intervenção, apesar de nem sempre ter sido respeitada pelos seus leitores, a mensagem da Bíblia “consiste em amar Deus e amar o próximo. E com isto chega a ideia da Bíblia como bom lugar”.
Próximas Conferências Eutopos
Liderar a partir do interior: a herança da Casa de Mateus
Com Teresa Albuquerque, diretora-delegada da Fundação da Casa de Mateus
13 fev, 19h-20h30
Será o Parlamento um bom lugar para construir o Bem Comum?
Com Ana Rita Bessa, CEO da LeYa, e José Manuel Pureza, ex-deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia da República e um dos quatro vice-presidentes desta
Será possível a mesma alma que escreveu os versos luminosos de A cor do canto, de Daniela Mercury, estar prestes a estrear um drama teatral sobre a solidão daqueles que não se consideram dignos, sequer, de serem olhados, quanto mais amados?
Sim. É a alma de Tiago Torres da Silva (TTS), escritor, poeta, letrista, encenador e produtor que entregou quase 30 dos seus 55 anos de vida ao teatro e à música
Fê-lo através de peças, romances, canções e fados interpretadas por nomes como Simone de Oliveira, Dulce Pontes, Marisa Liz, Ney Matogrosso, Maria Bethânia, Celeste Rodrigues, Carminho ou Maria João Quadros.
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Na forma como faz teatro, TTS procura criar “um lugar para falar do que não se fala”. Nesta entrevista, conta como a sua mais recente criação, Glory Hole, em cena no Teatro da Garagem, de 6 a 9 de fevereiro, põe a nu um tipo de solidão que preferimos ignorar: aquela alimentada pela crença de que sermos nós mesmos jamais será motivo suficiente para que alguém nos queira amar.
Completamente esgotado nas datas fevereiro, ainda é possível tentar assistir à sessão especial do espetáculo, a 31 de março, no Teatro Villaret.
28 anos após estrear a primeira peça, onde continua a ir buscar inspiração?
Às vezes são reptos que me fazem, outras vezes são coisas que tenho na cabeça há muito tempo. Por exemplo, no caso de Glory Hole, havia uma imagem de um filme japonês com um nome impronunciável, que andava há 20 anos a incomodar-me. Era uma cena de muita solidão, passada num glory hole, no fim da qual um dos intervenientes punha a mão no buraco e a pessoa do outro lado via um anel nessa mão, percebendo que tinha estado a relacionar-se com o pai. Aquilo impressionou-me imenso. A forma como o anonimato levado ao extremo pode levar a situações muito difíceis de digerir.
Como é que daí passou para esta peça?
Foi com a loucura das redes sociais. Comecei a pensar e apercebi-me de que o Mundo tornou-se todo ele um grande glory hole. A pessoa olha por um buraquinho sem saber o que é ou não verdade daquilo que está do outro lado, porque vem tudo com filtros ou Photoshop. Sabemos o que é que nos dizem que está do outro lado, não o que realmente lá está. Pareceu-me chegada a hora de usar esta metáfora para mostrar que estamos todos a espreitar por glory holes, a relacionar-nos através de buracos.
É uma forma de relação muito solitária…
O glory hole é talvez a maior metáfora da solidão. Uma solidão com falta de autoestima, de alguém que, mais do que não ver, acha que não merece ser visto. Falei com muita gente que frequenta e que me disse: “Se eu for a um bar, ninguém vai olhar para mim, portanto vou a um lugar onde não seja preciso alguém olhar para mim”. Temos sempre uma tendência muito grande para olhar para estas questões com julgamento e eu acho muito mais interessante olharmos para elas com compreensão, com compaixão.
Isso reflete-se no texto da peça?
Desde o início da minha carreira que o meu maior interesse foi dar voz a quem não a tem. Nesta peça aconteceu uma coisa com duas ou três pessoas que já frequentaram lugares destes. Vieram ver os ensaios e acabaram todas em prantos, porque sentiram que já não estavam a ser julgadas por aquilo que fizeram, que isto de ganhar o palco lhes sossegava a culpa com que viviam. É que nós vivemos num mundo assim, onde se castiga e se julga.
Ainda há muito preconceito?
Não sei se é preconceito. Há julgamento. Temos uma herança judaico-cristã de julgar, julgar, julgar. E nós sabemos lá. Na história, cada personagem tem um caminho totalmente diferente, mas, no final, eu queria que as pessoas compreendessem aquelas vidas e não que as julgassem. Há pessoas que não têm fugas, e este espetáculo é muito sobre pessoas que não têm fugas.
Qual a função do Teatro ao trazer temas como este para cima de um palco?
Sempre achei que tinha de trazer para o palco as franjas da sociedade, aquilo que nós fingimos que não existe, mas existe. A hipocrisia enerva-me muito. Se há tantos lugares assim em Lisboa e no Porto é porque muita gente lá vai, mas fazemos de conta que não. Vivemos em ilhas e achamos que o mundo é aquilo. Mas há mais mundos, há muitos mundos. Para esta peça, falei com algumas prostitutas que me contaram coisas que vão muito além de qualquer imaginação que nós possamos ter. Portanto, a minha questão é sempre dar voz e nunca julgar o que é que leva as pessoas a caminharem numa direção, porque eu não estive nos sapatos delas, não passei o que elas passaram.
Qual a grande diferença entre escrever peças de teatro e poemas para canções?
Sinto que os anjos acordam com a música e os demónios com o teatro. Talvez porque na música há menos possibilidade de aprofundar os temas. Algumas pessoas que veem as minhas peças dizem que é impossível terem sido escritas pela mesma pessoa que escreveu canções tão luminosas como as que eu escrevi. Mas a verdade é que nós todos estamos cheios de anjos e de demónios.
Glory Hole é o espetáculo mais “demoníaco” que escreveu até hoje?
Acho que sim, porém os demónios acordam mais para lançar a coisa. Depois olho para todos eles com tanta compaixão que, no final, os anjos descem.
Nesta peça, podemos falar de uma procura de si mesmo, ou não faz sentido?
O Tolstói dizia: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. De certa forma, estamos sempre a falar de nós. Se eu não sentisse, se não compreendesse, pelo menos, a solidão destas pessoas, não poderia ter escrito este texto, que é seguramente o que me vai trazer mais dissabores sociais. E, portanto, uma pessoa tem que respirar fundo e perceber que um artista está ao serviço de uma coisa muito maior, não pode estar preso pelas morais que o circundam, tem que ir atrás daquilo que considera ser um bem maior. Neste caso, a abolição do julgamento. Além disso, cada vez mais tento, no meu teatro, ir para um lugar de falar de dentro de nós.
Porque somos todos mais parecidos por dentro do que aquilo que imaginamos?
Porque entendemos-nos todos muito melhor cá dentro do que fora. É muito mais fácil entendermo-nos se compreendermos por dentro os outros. Para mim, a grande surpresa desta peça foi que, tendo um tema difícil e um texto duríssimo, vai estrear com todos os dias esgotados e muita gente em lista de espera.
É impressionante, de facto. No ano passado, referiu que era preciso “parar com esta lógica de programador”, com peças em cena três ou quatro dias, algo que acontece agora com Glory Hole. É difícil ir contra esta lógica?
É muito difícil. Se uma pessoa dissesse: “não está a ter adesão”, mas não. Então os bilhetes venderam-se que nem água e não temos para onde ir a seguir? Mesmo do ponto de vista capitalista, se há um produto e um público que o quer, é muito estranho não se poder fazer esse público encontrar o produto. Quando eu comecei, o objetivo era criar novos públicos, chegar as gerações mais jovens, mas, agora, com esta história dos quatro dias, nunca mais vamos criar novos públicos, porque vão sempre as mesmas pessoas. A coisa do boca à boca, que funciona imenso no teatro, em quatro dias não funciona, acabou. As peças têm estar um tempo em cena para que as pessoas comecem a falar delas, tornanda-as naquilo a que hoje em dia chamaríamos virais.
Perante todas estas dificuldades, o que o faz querer continuar?
O facto de ainda acreditar que, estando todos os contrapoderes, como é o caso do jornalismo, a perder poder, devido a questões económicas e políticas, a arte ter de reclamar para si esse lugar. Um lugar para falar do que não se fala. O meu teatro sempre foi isso.
No início dos anos 30, quando ainda ninguém poderia conhecer o que viria a resultar do regime nacional-socialista alemão, o German American Bund promovia colónias de férias para adolescentes, com um caráter assumidamente nazi, um pouco por toda a América, onde a bandeira dos EUA era hasteada a par da bandeira com a suástica todas as manhãs. Esses acampamentos promoviam a superioridade do homem branco, eram abertamente contra a democracia e aspiravam à instalação dum regime nazi.
Nesses tempos o Ku Klux Klan dominava no sul – em 1924 entre 4 e 5 milhões de pessoas pertenciam à organização, incluindo dezenas de senadores e congressistas – e as leis da discriminação racial contavam com o apoio da maioria da população americana, que era estruturalmente racista, anti-semita e anti-imigrantes, por acreditar realmente na superioridade dos brancos e cristãos. A mensagem associava o nacionalismo cristão aos valores familiares. Henry Ford tornou-se então um dos maiores profetas antissemitas dos EUA, usando parte da sua fortuna para semear o ódio aos judeus e reforçando assim a onda anti-judaica.
A teoria pseudocientífica da Eugenia procurava provar que os caucasianos eram, de facto, uma raça superior e apontava os perigos da degeneração da raça americana. Em 1924 foi aprovada a lei Johnson Reed Act, que impunha um sistema de quotas para imigrantes vindos da Europa, pela qual cerca de 90% deles tinham que ter origem no norte europeu, isto é, brancos, pois o país tinha-se definido como uma nação branca.
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Nem faltava um candidato a ditador, um alemão nacionalizado americano de nome Fritz Kuhn, que havia estado envolvido na fase inicial do partido nazi na Alemanha e no golpe de estado falhado de Hitler em 1923. Ele estava empenhado em criar um fascismo americano e entre 1936 e 1937 conseguiu uma expansão significativa da sua organização, que chegou a filiar cem mil membros.
Em 1927, o ditador Mussolini era filmado a dirigir-se aos americanos expressando a sua amizade com aquela nação, afirmando que os italianos que ali viviam estavam a trabalhar para fazer a América grande. Depois da Grande Depressão dos anos vinte, a ascensão ao poder de Hitler, em 1933, dá aos americanos inseguros uma sensação de que o fascismo e o nazismo poderiam ser boas respostas.
No final do verão de 1936, o presidente Roosevelt pediu ao chefe do FBI, Edgar Hoover, que investigasse as atividades nazis nos EUA. O FBI apresentou um relatório que apontava para a gravidade da atuação de grupos pró-nazis, mas Hoover não fez nada contra isso porque, como bom anticomunista que era, gostava da luta que os nazis davam aos comunistas.
Em 1937, dois jornalistas de Chicago de origem alemã conseguiram infiltrar-se no German American Bund, usando uma identificação falsa, e publicaram no seu jornal as loucuras do movimento, incluindo um dia especial em que se preparavam para promover uma insurreição, tomar o poder e fixar a suástica no topo do Capitólio.
O aspirante a Fuhrer germano-americano, Fritz Kuhn, acabou por cair nas malhas da lei por fraude e falsificação e evasão fiscal, devido ao facto de ter utilizado fundos da organização nazi que dirigia para pagar despesas pessoais e das suas amantes espalhadas pelo país. Foi preso em Sing Sing. Voltou à cadeia condenado, mas agora por nunca se ter registado, ao arrepio da lei. Depois do fim da guerra, o país retirou a cidadania a Kuhn e recambiou-o para a Alemanha. A organização acabou mas as ideias não. E entretanto veio Donald Trump.
O homem branco americano teve que engolir a contrariedade de ver um negro com um nome esquisito (Barak Obama) sentado na Sala Oval, mas uma mulher já seria demais (Hillary Clinton), e ainda menos uma mulher negro-asiática, isso seria o fim do mundo (Kamala Harris).
Um dos fatores de explicam o violento assalto ao Capitólio, com mortes pelo meio, é o desespero da progressiva e inexorável perda de domínio do homem branco na América, e que Trump soube interpretar e manipular muito bem com base na falsa narrativa das “eleições roubadas”. Naquele grupo de criminosos estavam supremacistas brancos, cabeças rapadas, neonazis e indivíduos que sempre foram contra o poder federal, interpretando o sentimento de parte da América profunda.
Agora, o primeiro criminoso condenado eleito como presidente do país, de seu nome Donald Trump, mandou libertar de imediato todos os insurrectos do 6 de janeiro de 2021, criminosos que vandalizaram o coração da democracia americana a seu mando. E estamos assim.
O homem mais rico do mundo está no sítio mais poderoso do mundo, tendo por seu superior hierárquico apenas o Presidente dos EUA (em novembro, logo após as eleições, a VISÃO questionava: Trump e o aliado Elon Musk. O que dará a mistura explosiva de força, dinheiro e ambição sem limites?, que vale a pena ler ou reler agora). Tem a seu cargo o DOGE, a sigla para Departamento de Eficiência Governamental, criado por esta nova Administração Trump para reduzir os custos da administração pública, e foi esta semana anunciado o seu “estatuto”. O bilionário, um dos “novos donos disto tudo”, é, então, um “funcionário especial do Governo”. Nem voluntário nem funcionário federal a tempo inteiro. Alguma coisa ali no meio que lhe permite, lembra a Forbes, evitar em parte as regras de transparência sobre conflitos de interesse e finanças que se aplicam aos funcionários federais.
Um “funcionário especial”, resume o Departamento de Justiça norte-americano, é “alguém que trabalha, ou se espera que trabalhe, para o governo durante 130 dias ou menos ao longo de um período de 365 dias”. A CNN adianta que Elon Musk não receberá ordenado e que a sua credencial de segurança lhe dá acesso a informação confidencial.