De repente, no espaço de exatamente um ano e meio, a Região Autónoma da Madeira terá eleições para a Assembleia Regional, e as segundas antecipadas. Com sucessivas crises e um governo que se encontra em gestão há um mês, a perspetiva é a do impasse total: embora ainda favorito para as eleições legislativas antecipadas de março – serão realizadas a 16 ou a 23 desse mês, cabendo ao Presidente da República, após a reunião do Conselho de Estado desta sexta-feira, decidir-se por uma destas datas –, o PSD Madeira deverá ficar, de novo, longe da maioria absoluta. E, assim, completamente bloqueado por uma oposição hostil que, prolongando a “coligação negativa” que, a 17 de dezembro, aprovou a moção de censura, continuará a recusar viabilizar um governo de Miguel Albuquerque ou, ao menos, a negociar com o atual presidente do governo regional. A perspetiva é a de que, com o seu programa eventualmente chumbado, Albuquerque se mantenha em funções de gestão, nos seis meses posteriores. Isto porque a Assembleia Regional não pode ser dissolvida nesse período. E, a partir de setembro, é o Presidente da República que, a menos de meio ano de acabar o seu mandato, fica impedido de a dissolver. Tendo em conta que um novo PR tomará posse a 9 de março de 2025, e que, nos primeiros seis meses de mandato, também não pode dissolver, só em setembro de 2026 o problema poderá ser resolvido.

Oposição Miguel Castro chefiou a delegação do Chega Madeira e pediu eleições ao PR, tal como Paulo Cafofo. Mas o socialista também tem problemas internos…

Esta situação, para a qual tem alertado o opositor interno de Miguel Albuquerque, o social-democrata e ex-secretário regional do Ambiente, Manuel António Correia (ver caixa), inibe o governo de promover reformas estruturais ou, mesmo, de tomar decisões importantes. E isto quando está ainda por conhecer o desfecho da investigação, por suspeitas de corrupção, em que o Ministério Público constituiu arguido, entre outros, o próprio presidente do governo regional – e que foi o motivo próximo para a queda do executivo, no início de 2024, o primeiro do PSD sem maioria absoluta, em quase 50 anos de autonomia regional, na sequência das eleições de setembro de 2023.

Aquilo que os críticos definem por “pecado original”, e que fragilizou, politicamente, Miguel Albuquerque, foi a sua afirmação, na campanha para as “regionais” de 2023, de que não aceitaria governar se não obtivesse uma maioria absoluta. Não a obteve. Mesmo assim, continuou no lugar, desta vez recorrendo a um acordo com a deputada regional única do PAN. Depois do raide do Ministério Público na Madeira, há um ano, Miguel Albuquerque foi constituído arguido. Na altura, foram detidos o presidente da Câmara Municipal do Funchal, Pedro Calado, considerado próximo do líder e o seu mais bem colocado “delfim”, bem como dois empresários ligados à construção civil, Avelino Faria e Custódio Correia. As suspeitas eram fortes: corrupção ativa e passiva, prevaricação, participação em negócio, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poder e tráfico de influências. Depois de três semanas de detenção para interrogatório – o que rebentou com todos os prazos legais e lesou grosseiramente os direitos dos detidos –, o juiz de instrução, Jorge Bernardes de Melo, ordenou a sua libertação, por falta de indícios de crime “e, muito menos, de fortes indícios”, como advogara o Ministério Público. Ainda assim, a investigação prossegue, o estatuto de arguido de Albuquerque mantém-se e o desfecho final é imprevisível.

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

O bloqueio governativo na Madeira pode, assim, manter-se, ou, dependendo dos resultados eleitorais e dos respetivos arranjos posteriores, provocar uma solução inesperada, de transferência de poder para uma geringonça da oposição, sobretudo, caso o PS de Paulo Cafofo em conjunto com o partido eminentemente regional Juntos Pelo Povo (JPP) consigam, talvez aliados a alguma outra força política à esquerda, a começar pelo PAN, arrebatar o poder ao PSD. Manuel António Correia considera que só um congresso eletivo, que decorra antes das eleições e permita a eleição de um novo líder, pode devolver ao PSD/Madeira a iniciativa, “reganhar a confiança dos eleitores” e permitir ao partido “voltar a crescer”. Por outro lado, se Miguel Albuquerque é o problema, um novo líder poderia ser aceite como interlocutor pela oposição, para um acordo pós-eleitoral. Confrontado pela VISÃO com a inevitabilidade, nesse caso, de um entendimento com o Chega, Correia chuta para canto: “A nossa única aliança é feita com o povo da Madeira” – e mais não adianta.

Miguel Albuquerque alega que mantém intacta a sua legitimidade. Foi reeleito presidente do PSD/Madeira em março de 2024, derrotando, aliás, o homem que volta a desafiá-lo “a destempo”. E também ganhou as eleições regionais de maio. “O partido”, alega, “tem estatutos para cumprir”. E esses determinam que novas eleições só decorram passados dois anos, ou seja, em março de 2026.

Ora, os estatutos determinam que só o Conselho Regional do PSD e a Comissão Política Regional podem agendar um congresso extraordinário. Mas também permitem que, no caso de haver um mínimo de assinaturas de 300 militantes a solicitar a sua realização, ela terá de ser considerada. Foi o que aconteceu quando, a 23 de dezembro, Manuel António Correia entregou as assinaturas ao Conselho Regional. No entanto, não tendo obtido qualquer resposta, ficou bloqueado, até agora, por um “veto de bolso”. Miguel Albuquerque atira: “Eleições ou congressos extraordinários não podem ser à vontade do freguês!” E, de facto, mesmo que houvesse um congresso, não é líquido que tivesse de haver eleições para a liderança: essa é uma decisão que apenas compete ao Conselho Regional – e não aos 300 militantes que as pedem. Quanto a prazos para que elas decorram – mesmo que decorram… –, os estatutos são omissos.

PS à bulha

Os fracos resultados do PS que, mesmo perante a fragilidade política e judicial de Miguel Albuquerque, não conseguiu qualquer ganho eleitoral significativo entre setembro de 2023 e maio de 2024, provocaram também algum mal-estar interno. No final do ano, em vez de apresentar uma moção de censura própria – já que queria a queda do governo – o PS foi a reboque da moção de censura do Chega, sufragando um texto, aliás, que também continha duras críticas aos próprios socialistas. Talvez por todas estas razões, o socialista Carlos Pereira desafiou Cafofo a promover eleições internas e até se dispôs a candidatar-se. Numa jogada imediata, Cafofo marcou eleições internas para 31 de janeiro, obrigando os candidatos a apresentarem a sua lista até dia 21, o que inviabilizou as pretensões de Carlos Pereira, devido ao aperto do prazo. Ainda assim, está marcado um congresso regional para 22 e 23 de fevereiro.

“PSD/Madeira tem à frente comissão liquidatária…”

Manuel António Correia volta a desafiar Miguel Albuquerque para disputar eleições internas

Manuel António Correia, 59 anos, advogado, antigo secretário regional do Ambiente, volta a exigir eleições para a liderança e um congresso extraordinário do PSD/Madeira. Já o tinha tentado nas eleições internas de março do ano passado, foi derrotado, mas volta a insistir, por considerar que Miguel Albuquerque está cada vez mais isolado.

Porque é que o PSD/Madeira precisa de nova liderança?
Porque se o PSD não operar mudanças, vai perpetuar a anormalidade institucional que se tem vivido. O novo normal é a anormalidade, e assim não pode continuar.

Miguel Albuquerque não pode dar a volta por cima?
A candidatura de Miguel Albuquerque é um risco para o PSD e, sobretudo, que é o mais importante, é um risco para a Madeira.

Porquê?
Mesmo que ele volte a formar governo, se não tiver maioria, a oposição vai chumbar o programa e continuar a recusar dialogar com o PSD. Devido aos prazos constitucionais previstos, podemos ter um governo em gestão até ao final do verão de 2026. E também há o risco de o PSD “entregar” o poder à oposição…

Uma nova liderança teria que vantagens?
Ganhar a confiança das pessoas, criar esperança, voltar a crescer. Na Madeira, a marca PSD está diretamente ligada à palavra “desenvolvimento”. Os eleitores sabem isso, mas sentem-se desiludidos com a atual liderança, que está a comportar-se como uma comissão liquidatária do partido.

Mais tarde ou mais cedo, não será inevitável uma aliança com o Chega?
A única aliança que o PSD deve fazer é com o povo madeirense. Depois vê-se o resultado e age-se em conformidade, mas o foco é fazer regressar o PSD à sua dimensão natural. A Madeira está há demasiado tempo a discutir os problemas dos governantes em vez dos problemas da população: a habitação, a saúde, o custo de vida. A solução não é mudar de partido, é o partido mudar.

Então, com Albuquerque isso não se consegue?
Qual é o racional de ele continuar? Não há nenhuma razão de interesse público ou partidário que recomende que ele fique. O PSD deixou de ser um instrumento ao serviço dos madeirenses para se tornar um instrumento ao serviço do dr. Miguel Albuquerque.

Antes da Rotunda (do Congresso), na Rotunda e depois da Rotunda, Trump será o presidente com maior probabilidade de sofrer atentados, quando comparado com todos os outros – Reagan sofreu um à saída de um hotel em Washington. Por essa razão, os Serviços Secretos foram reforçados e estão em alerta máximo. Se a prontidão fosse militar, seria equivalente ao «DefCon1» no Pentágono.

Na minha geração, é a primeira vez que se assiste ao regresso de um presidente para um segundo mandato, mas com uma derrota pelo meio. Na História, não haverá muitos casos semelhantes. Com o seu estilo estridente, Trump começará por onde terminou a 20 de janeiro de 2021: a perdoar aos que invadiram o Capitólio, a fechar as fronteiras, a deportar, a aumentar as taxas alfandegárias e a incompatibilizar-se com praticamente todos os seus parceiros internacionais, com exceção da China, da Rússia e da Coreia do Norte.

Trump não tem nada a perder. Se já entrou na História pela imprevisibilidade do seu primeiro mandato, tudo indica que fará mais – e pior. O seu executivo será um espelho da sua mitomania: cada membro mais leal do que o anterior, e apenas aqueles que o bajularam nos últimos quatro anos terão direito a um lugar na mesa presidencial.

Muitos cairão pelo caminho, incapazes, física e mentalmente, de suportar as reviravoltas constantes e a governação pelas redes sociais. Outros aparecerão. O chefe de gabinete – equivalente a um primeiro-ministro – que mais tempo resistiu no primeiro mandato foi o general dos Marines de quatro estrelas, John Kelly. As apostas em Washington dão no máximo 18 a 24 meses para que a «rainha do gelo», Susie Wiles, derreta, tal a onda de calor na Casa Branca.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Os primeiros camiões com ajuda humanitária entraram em Gaza poucos minutos após o início do cessar-fogo acordado entre Israel e o Hamas, segundo um responsável da ONU para os Territórios Palestinianos, na rede social X. “O cessar-fogo entrou finalmente em vigor em Gaza às 11h15 de hoje [09h15 em Lisboa]. Os primeiros camiões de abastecimento começaram a entrar apenas 15 minutos mais tarde”, ou seja, às 09:30 GMT, escreveu Jonathan Whittall, chefe interino da agência de emergência humanitária da ONU (OCHA) para os Territórios Palestinianos Ocupados.

Segundo um funcionário egípcio, “260 camiões de ajuda humanitária e 16 camiões de combustível” entraram através da passagem de Kerem Shalom, entre Israel e Gaza, e de Nitzana, na fronteira entre o Egito e Israel.

“Nos últimos dias, os parceiros humanitários fizeram um grande esforço para carregar e preparar a distribuição de grandes quantidades de ajuda em toda a Faixa de Gaza”, acrescentou Whittall.

Após 15 meses de guerra na Faixa de Gaza, um acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas entrou em vigor com quase três horas de atraso, às 09h15 de Lisboa deste domingo. Três reféns israelitas já foram entregues à Cruz Vermelha, adiantou um dirigente do Hamas à Agence France-Press.

Primeiro ponto: Embora, nas notícias, os acidentes com grandes aviões comerciais surjam, muitas vezes, associados a um número de mortos que corresponde à totalidade ou quase totalidade dos ocupantes, é possível sobreviver à maioria dos acidentes e “a maioria das pessoas envolvidas em acidentes sobrevive”. Foi a esta conclusão que chegou Ed Galea, da Universidade de Greenwich, responsável por vários estudos relevantes sobre evacuações em caso de acidente de avião.

Esta boa probabilidade de sobrevivência não está, no entanto, relacionada com “lugares mágicos” em termos de segurança, embora haja, realmente, diferenças na taxa de sobrevivência consoante o sítio onde os ocupantes se sentam. Mas já lá vamos.

A propósito dos acidentes de dezembro, com dois voos da Azerbaijan Airlines e da Jeju Air, a CNN ouviu vários especialistas. Nos dois casos, as imagens mostram a parte da frente dos aviões completamente desfeitas, ao contrário da traseira. No caso do acidente trágico com o voo 2216 da Jeju Air, a 29 de dezembro, houve dois sobreviventes, ambos tripulantes sentados na cauda do aparelho. Os 29 sobreviventes do voo J2-8243 também estavam todos da parte de trás.

Mas os especialistas ouvidos pela CNN garantem que se trata de um mito a convicção de que voar atrás é mais seguro. “Depende da natureza do acidente. Às vezes é melhor à frente, às vezes é melhor atrás”, resume Galea. E se o acidente for fatal “não faz quase diferença nenhuma o lugar onde se está sentado”, concluiu Chen-Lung Wu, professor da Escola de Aviação da Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney, Austrália, corroborado por Hassan Shadidi, presidente da Fundação para a Segurança Aérea. “Cada acidente é diferente.”

E cada momento de um desastre aéreo também: uma coisa é o lugar dentro da cabine que pode representar mais hipóteses de sobrevivência a um impacto inicial; outra é o lugar que permite uma saída mais rápida do avião. Para Galea, esta última é a que importa realmente.

Voltemos à boa notícia do início, com este especialista a garantir que “uma vasta maioria dos acidentes aéreos são sobrevivíveis” e que “a maioria das pessoas [envolvidas nestes acidentes] sobrevive”. Um dos exemplos é o acidente com o voo da Jeju Air, com perda de motor devido a um incidente com aves e aterragem sem trem na pista: “se não tivesse colidido com o obstáculo reforçado de cimento no final da pista, é bastante possível que a maioria, se não todos, tivesse sobrevivido.” Os aviões são concebidos de forma a aguentarem um impacto de 16G, ou seja, uma força-G 16 vezes a da gravidade, o que torna possível sobreviver ao impacto. Já o acidente Azerbaijan Airlines, para Galea, não é o tipo de acidente que permita sobreviventes e classifica como “um milagre” o facto de duas pessoas terem sobrevivido.

Geoffrey Thomas, fundador do primeiro site a fazer um ranking das companhias aéreas pela sua segurança, o AirlineRatings, e editor do 42,000 Feet, concorda que “a maioria dos acidentes ou emergências, atualmente, não implica uma perda total do avião”. “É outra coisa, um incêndio no motor, uma falha no trem de aterragem ou uma saída da pista”, o que faz com que o principal perigo, depois do impacto inicial, seja a possibilidade de fogo a bordo.

A diferença entre a vida e a morte

Vamos então aos casos de acidente de avião em que é possível sobreviver. Se não é o lugar que faz uma grande diferença, o que é? Para estes dois especialistas, a resposta é simples: a rapidez com que é possível evacuar o aparelho. E se para uma aeronave comercial receber a certificação obrigatória para voar precisa de poder ser evacuada em 90 segundos, uma coisa é avaliação em ambiente controlado, outra é a realidade de um avião acabado de se despenhar com largas dezenas ou centenas de pessoas em pânico.

Galea fez uma investigação para a Autoridade britânica da Aviação Civil, no início dos anos 2000, em que, em vez de olhar para os acidentes em si, analisou a forma como passageiros e tripulação agiram durante uma evacuação depois de um acidente. Ao todo, estiveram sob análise 105 acidentes, todos ocorridos entre 1977 e 1999, envolvendo um total de 1917 passageiros e 155 tripulantes e uma das conclusões foi a de que os passageiros sentados nas cinco filas mais próximas de uma saída de emergência, independentemente da sua localização no avião, são os que têm melhores hipóteses de conseguir sair em segurança. Sem surpresas, os lugares junto ao corredor também oferecem mais probabilidades de sobrevivência em caso de evacuação, uma vez que não implicam ter de passar por outros passageiros.

“O que é fundamental é compreender é que num acidente de aviação cada segundo conta, cada segundo pode fazer a diferença entre a vida e a morte”, resume o especialista. E alguns dos passos que podem valer muito são simples: prestar atenção à explicação dos assistentes de bordo, garantir que sabe tirar o cinto de segurança rapidamente e planear uma eventual evacuação: qual a saída que fica perto? Sobre este último ponto, é recomendado que se conte o número de filas até lá chegar, para trás e para a frente, uma vez que é possível que a cabine esteja cheia de fumo e que não a porta não seja visível.

Caso não esteja a voar sozinho, Galea aconselha a que se sentem juntos – numa emergência, tentarem encontrar-se só vai atrasar a saída.

Geoffrey Thomas lembra outra questão, a propósito de atrasos. “Vemos cada vez mais passageiros a não deixar as malas para trás e vemos bastantes vezes que passageiros não conseguiram sair porque a evacuação se atrasa”. Um exemplo é o do voo 1292 da Aeroflot, em 2019. Das 78 pessoas a bordo, 41 morreram na sequência de um incêndio, mas as imagens mostram passageiros a sair com as malas na mão. Uma atitude que deveria ser criminalizada, defende Thomas, com o argumento de que ao fazê-lo se está a pôr em risco a vida de outras pessoas.

Palavras-chave:

O anúncio foi feito pelo gabinete do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, depois de receber do Hamas os nomes dos três reféns que serão libertados este domingo como parte do acordo, e depois de informar as respetivas famílias.

O cessar-fogo na Faixa de Gaza começou com quase três horas de atraso relativamente à hora inicialmente prevista.

O acordo alcançado entre Israel e o Hamas prevê um cessar-fogo completo durante 42 dias a partir deste domingo, após 15 meses de uma guerra devastadora, e a troca de 33 reféns israelitas por centenas de prisioneiros palestinianos.

Dos dez maiores incêndios de sempre nos EUA, seis ocorreram neste século, e três deles depois de 2020. Este é um sinal de que “há um acumular de situações extremas, que têm que ver com as alterações climáticas”, sublinha Carlos da Camara, climatologista e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, numa entrevista em que explica as dificuldades dos modelos em “prever” todos os impactos das mudanças no clima – e em que alerta para o problema dos pontos de não retorno. “O que preocupa os climatologistas é a possibilidade de se entrar numa derrapagem para um novo estado de equilíbrio pouco harmónico com uma vida em sociedade como nós a imaginamos.”

Quão anormal é haver incêndios daquela intensidade, naquela região, nesta altura?
Há incêndios na Califórnia em janeiro, tal como em Portugal já houve anos com incêndios em janeiro. O que há de completamente anormal são incêndios com esta intensidade, e isso tem que ver com uma conjugação de fatores: uma seca que tem afetado o Sul da Califórnia desde outubro, o que faz com que a vegetação esteja extremamente stressada, e um episódio de ventos de Santa Ana, aqueles ventos que sopram da zona desértica da Califórnia em direção à costa. Com as duas coisas conjugadas – ventos secos, muito intensos, e vegetação muito seca –, qualquer ignição dá fogos incontroláveis. E, de facto, são incontroláveis quer pela dimensão, quer pela velocidade de propagação. Cinco hectares por minuto é uma loucura!

E isso foi o suficiente para causar tamanha destruição?
Há um outro aspeto que também torna a coisa anómala, que é a interação da zona urbana com a zona rural envolvente. Há uma mistura de casas com vegetação, e ainda acresce o facto de as casas nos EUA serem biomassa, no sentido de que são feitas de madeira, e madeira seca. Todos estes fatores, que isoladamente seriam inofensivos, no sentido de não levarem a um incêndio de grandes proporções, levam a esta anomalia. E, claro, isto com um background de alterações climáticas com um desajustamento estrutural e socioeconómico.

Desta vez, nem foi cumprida totalmente a regra dos três trintas, que está na base do risco extremo de incêndio: humidade do ar inferior a 30%, ventos superiores a 30 km/h e calor acima de 30ºC.
Não, foram só dois trintas: a humidade do ar estava extremamente baixa e os ventos… Bom, esses estavam a bem mais do que duas vezes 30…

Destruição O valor dos prejuízos dos incêndios de LA é quase tão alto como o PIB de Portugal

Vê aqui semelhanças com os incêndios em Portugal, nomeadamente com o que se passou a 15 de outubro de 2017?
Claro. O 15 de outubro foi o dia em que mais ardeu em Portugal – a área que ardeu nesse dia foi superior à média anual dos últimos 20 anos. E é parecido no sentido em que tivemos vento extremamente forte, associado ao furacão Ofélia, e soprado de sul, o que é uma anomalia no verão. É também preciso não esquecer que 2017 tinha sido um ano de seca prolongada, tal e qual como agora na Califórnia, a que se sobrepõe ainda o número enorme de ignições, que tinha sido motivado na altura pelo facto de haver uma previsão de chuva para o dia seguinte, pelo que os agricultores acharam que era a última oportunidade para fazerem as suas queimadas.

Do ponto de vista meteorológico, o risco extremo de incêndio estava previsto?
Estava. Trump já acusou toda a gente de tudo, mas, que eu saiba, os meteorologistas ainda não. Na realidade, havia um alerta vermelho, tal como houve no 15 de outubro em Portugal. Nos mapas, Portugal era, todo ele, uma mancha vermelha, ou seja, de classe extrema de incêndio. Aquela região da Califórnia também estava com uma classe de perigo extremo. O problema é se temos, nestes dias, a fatalidade de haver ignições, os fogos não são combatíveis. Na Califórnia, nem sequer os aviões podiam voar em segurança. Em outubro de 2017, aconteceu o mesmo. É deixar arder e tentar minimizar os impactos. Nesse aspeto, é tudo muito semelhante.

É difícil atribuir diretamente um evento específico às alterações climáticas, mas podemos dizer que eventos como este estão a ser cada vez mais frequentes?
Estão, sim, e é muito interessante olharmos para os dez maiores incêndios de sempre nos EUA. Os maiores são um de 1825, um de 1871 e outro de 1910, mas, atenção, eram incêndios noutras épocas, em que não havia quaisquer meios de combate. No entanto, mesmo contando com esses, o que é impressionante é que seis deles aconteceram depois de 2000. E desses seis, três são depois de 2020. Isto mostra que há um acumular de situações extremas, que têm que ver com as alterações climáticas. As alterações climáticas têm favorecido o aumento de secas e, sobretudo, o aumento de dias extremos.

Isso inclui os ventos?
Os ventos de Santa Ana estarem mais intensos do que o habitual deve-se sobretudo a mudanças na temperatura dos oceanos. O golfo do México, neste momento, tem uma anomalia de 3°C. E 2024 é o ano em que mais vapor de água esteve armazenado na atmosfera desde 1870, ou seja, desde que se pode simular bem a atmosfera. Se tenho mais vapor de água, vou ter um ciclo hidrológico muitíssimo mais intenso. Se olharmos para a situação agora nos EUA, temos o Sul da Califórnia completamente seco, com ventos ciclónicos e incêndios. Mas o Norte da Califórnia está com precipitação acima do normal, o dobro do normal dos últimos 30 anos. Depois, olhamos para a Costa Leste e temos nevões que há muito tempo não eram registados. Do ponto de vista probabilístico, este tipo de situações e de contrastes é muito raro. É, sem dúvida, favorecido pelas alterações climáticas, sobretudo pelo efeito de estufa, que, ao fazer com que a atmosfera contenha mais vapor de água e mais energia, provoca muito mais situações extremas e contrastantes.

Este tipo de conjugação de fatores, esta tempestade perfeita, dificulta o trabalho dos modelos climatológicos e a obtenção de cenários climáticos?
Sim. Olhemos, por exemplo, para o efeito de estufa. Não é preciso fazer mais do que umas somas e subtrações. A ideia é muito simples: o globo recebe, em média, x de energia do Sol e, quando recebe, começa a aquecer; e quanto mais aquece, mais energia emite, até que se chega ao equilíbrio. A primeira coisa que peço a um aluno do primeiro ano é que diga qual é a temperatura média que tem de ter o planeta para que emita tanto quanto recebe. E é assim que se chega ao resultado de -18ºC. Se a temperatura média do planeta fosse essa, não estaríamos aqui a falar. Então, o que está errado? É que há a atmosfera, que tem efeito de estufa e, portanto, não deixa sair toda a radiação que está a ser emitida pela superfície da Terra. Eu sei modelar essa a percentagem: se recebo x do Sol e emito y, mas a atmosfera retém z, quanto tem de ser a temperatura do solo para que haja um equilíbrio? E chega-se à conclusão de que anda à volta dos 15ºC, e ficamos todos muito felizes. Ou seja, o efeito de estufa visto desta maneira é a coisa mais simples desta vida. O problema é que isto não é assim. A atmosfera recebe mais energia nas zonas próximas do Equador até aos 30° Norte e 30° Sul e recebe menos em latitudes mais altas. Agora tenho de compor isto em dois problemas. Começa a coisa a ficar mais complexa. E a própria atmosfera tem movimentos que lhe alteram a estrutura, e esses movimentos têm muitas escalas. Temos desde uma escala de um anticiclone dos Açores, que são milhares de quilómetros, até um tornado, que são umas centenas de metros.

Carlos da Camara O climatologista diz que a conjugação de ventos secos, muito intensos, com vegetação muito seca transforma qualquer ignição em fogos incontroláveis Foto: José Carlos Carvalho

E tudo isso está ligado e tem influência no clima.
O problema é que tudo isso interage. E a superfície não é uniforme. Temos uma parte que é oceano e uma parte que são continentes. Nós sabemos que para aquecer água é preciso brutalidades de energia, mas para aquecer areia é preciso muito pouca. Como a terra e a água aquecem de formas diferentes, vai induzir novos movimentos. E enquanto antes isto se fazia para o globo inteiro, agora começo a ter escalas de 100 quilómetros, o que já me obriga, por exemplo, a ter em conta o tipo de vegetação. Esta interação de escalas é o primeiro problema. O segundo são as retroações, ou feedbacks. Se eu tiver uma estação muito quente e muito seca que resulta em grandes incêndios que destroem a floresta, ninguém me garante que essa floresta vai ser regenerada. Pode ser substituída por matos. O mato vai ter mais facilidade em arder do que a floresta, além de que representa um sequestro de dióxido de carbono menor do que aquele que a floresta perdeu. O que quer dizer que indiretamente eu aumentei o efeito forçador. Outro exemplo: nuvens. Se eu tiver uma atmosfera mais quente, ela tem capacidade de armazenar mais vapor de água e vai haver mais nuvens. As nuvens vão tapar o Sol e, portanto, haverá menos energia a chegar cá.

Mais uma vez, não é assim tão linear…
Pois. As nuvens que tapam efetivamente o Sol são as nuvens baixas. As nuvens altas do tipo cirros, aquelas ao nível a que andam os jatos, são nuvens extremamente transparentes, e essas contribuem para o efeito de estufa. Ou seja, temos de ter em conta o tipo de nuvens. Como é que posso simular os tipos de nuvens? Um grande problema é que as nuvens são partículas, gotas, e exigem que se conheça e se simule a microfísica. Ora, eu sou completamente incapaz de simular gotas. Tenho de fazer aquilo que nós em jargão chamamos parametrizar – ser capaz de dar indicações de fenómenos que não consigo resolver pela sua escala muito pequena através de parâmetros que são dados a uma escala muito maior. Para resumir, quando exijo mais dos modelos para ter um cenário mais realista, começo a ter a necessidade de utilizar escalas cada vez menores e, ao mesmo tempo, levar em conta fenómenos cada vez mais difíceis de serem representados. Na verdade, fico sempre espantadíssimo quando, apesar de tudo isto, ainda conseguimos ter modelos tão bons…

Por outro lado, temos computadores cada vez mais potentes, mas parece que as dificuldades se avolumam.
Na realidade, têm vindo a melhorar os cenários. Neste momento, a nossa crítica aos modelos é dizer que as coisas aparentemente são piores do que se esperava. Mas, atenção, estamos aqui a falar de escalas que começam a ser muito exigentes. No fim de contas, o governador da Califórnia vai exigir modelos que lhe deem cenários para Los Angeles.

Ou seja, nós até aqui pedíamos aos climatologistas para nos darem um cenário geral, mas agora estamos a exigir mais.
Exatamente. Pediam a macroeconomia e agora querem micro. Mas havemos de lá chegar. A mim, dá-me sempre vontade de rir aqueles que falam em alterações climáticas usando a sua perceção. É completamente errado basearmo-nos no senso comum e na sensibilidade que temos para a vida de todos os dias para adivinhar o que vai acontecer. Não é assim. Aqueles papers todos mostram que as coisas são muito mais subtis do que pode parecer à primeira vista. E agora ainda acontece outra coisa, que é a ligação entre fenómenos extremos e backgrounds climatológicos. O exemplo mais simples: se tivermos uma seca prolongada, uma onda de calor vai ser mais severa do que seria sem a seca. Com uma seca, há menos água no solo, e menos água no solo significa mais capacidade calorífica; ou seja, a mesma quantidade de energia absorvida pelo solo vai fazer com que a temperatura aumente muito mais. Quanto? Aí já preciso de saber qual é o tipo de vegetação, como é que os estomas da vegetação se vão comportar, se vão fechar e impedir a evapotranspiração ou se, pelo contrário, vão permiti-la. Depois, ainda há que perceber qual a interação que essa vegetação agora pode ter com humanos – se vai haver incêndios e, se houver, como é que ela vai recuperar. Como é que ponho isso num modelo, e sobretudo num modelo com condições diferentes das atuais? Até aqui, os mais tradicionais eram modelos da atmosfera, forçados pelos oceanos e pela superfície da Terra. Nós impúnhamos as condições da superfície que forçavam a atmosfera a responder de determinada maneira. Ora, o que acontece é que a própria atmosfera vai responder alterando a superfície e as condições da temperatura da água, do mar, das correntes e do que acontece à superfície. Aí, já tenho de aplicar um modelo muitíssimo mais complicado, com equações para a parte da terra, equações para a parte de água, e por aí fora.

E mesmo isso não chega.
Não chega, porque a própria vegetação vai evoluir. E normalmente o que se faz é uma espécie de mudança drástica e não deixar a parte da dinâmica. E porquê? Porque de cada vez que introduzo mais equações, começo a ter problemas de instabilidade. Acredito que se vai chegar lá, a pouco e pouco. E ainda não falei no bicho homem. Há um paper muito interessante que analisava os modelos de há 30 anos e mostrava que os desvios desses modelos, relativamente à atualidade, tinham essencialmente que ver com desvios nos cenários socioeconómicos. E é muito mais complicado, nos anos 70, saber como é que estaríamos hoje em termos de emissões, de desflorestação e de agricultura do que saber a própria evolução do clima. Portanto, ainda há toda essa complicação adicional.

Exército da paz Mais de7 500 bombeiros estiveram envolvidos no combateaos fogos, que já queimaram uma área de 160 km²

O que foi provado com a pandemia.
Exatamente, e mais ainda: estou convencido de que o próprio clima vai ter um feedback na evolução de todos estes comportamentos. O problema é espetacularmente global e tudo isto está intrincado. Na verdade, acho espantoso como é que se consegue hoje em dia ter uma aproximação tão razoável do que está a acontecer. Agora, o economista ou o político que quer tomar decisões locais não vai estar satisfeito.

As alterações climáticas estão a ser mais drásticas do que os modelos previam, nomeadamente aqueles que têm estado na base dos relatórios do IPCC? Os cientistas estão a ser apanhados de surpresa pela realidade?
Diria que não. Estão sobretudo a ser espicaçados na sua curiosidade. Há muito tempo que se sabe que um modelo nunca consegue captar tudo. Há aquela frase conhecida que diz que todos os modelos estão errados, alguns são úteis. Esta é a maneira correta de se olhar para as coisas. Temos a perfeita noção de que os modelos têm deficiências. Veja-se os extremos compostos, um assunto que tem uma dezena de anos, se tanto. É um caso que obriga a analisar, por exemplo, funções cópulas. E somos capazes de aplicar isso a uma determinada coleção de eventos, mas esperar que o modelo seja capaz de simular todas estas conjunções de uma forma adequada é ser muito otimista, porque normalmente isso quer dizer melhores escalas de resolução, melhores parametrizações, muitas coisas. Continuo a achar que os modelos estão a captar o essencial. Por exemplo, nos hotspots, aquelas regiões do globo mais sensíveis às alterações climáticas, como os climas mediterrânicos e a Amazónia, os modelos foram mesmo certeiros. É importante percebermos que o modelo é um ótimo instrumento de trabalho, mas há muito mais coisas que temos de ser capazes de tratar. E a mais difícil são mesmo os impactos: o modelo é certeiro, mas depois são os humanos a tirar as ilações.

Falha humana na interpretação dos dados?
O modelo dá um extremo e muitas vezes as pessoas tendem a não acreditar, e mesmo que o meteorologista ou o climatologista acredite, quando se passa para a cadeia de avisos, há retrações. Há todo um conjunto de problemas, e talvez o maior problema de todos ainda seja fazer com que a população em geral se aperceba da gravidade do problema. Mas a própria ciência da atribuição é muito complicada, porque não são fenómenos lineares. Duplicar a causa não duplica o efeito. No clima, temos coisas que não reagem proporcionalmente, nem no tempo, nem no espaço. Muitas vezes, as pessoas dizem: “Mas se o efeito de estufa está a aumentar, então o planeta devia estar sempre a aquecer.” Não. Pode ter havido, por exemplo, uma erupção vulcânica [que tende a fazer arrefecer a atmosfera]. E tudo isto são bolas de neve umas dentro das outras, o que leva a resultados que não estamos à espera.

O que importa aqui são os impactos, os eventos extremos. Mas na sua base encontra-se o aumento da temperatura média. Quão significativo é o facto de os últimos dez anos serem os mais quentes desde que há registos fiáveis? Ou a ultrapassagem, em 2024, da barreira simbólica de 1,5ºC?
Evidentemente que a temperatura média é um parâmetro fundamental, mas não é fundamental só pelo facto de ser a média e pelo impacto que tem nos extremos. Imagine que tem uma porta e que há uns tipos mais altos que dão umas cabeçadas ao passar. Agora, baixa a altura dessa porta em meio centímetro. Foi só uma pequena perturbação. Na média, não tem importância, mas se calhar, em vez de haver três pessoas por ano a bater lá com a cabeça, passa a haver seis. O desvio foi muito pequenino, mas em termos de impactos extremos não é. Fez com que uma coisa que era muito rara passasse a ser menos rara. Com o clima é exatamente o mesmo, e daí ser importante termos estas barreiras psicológicas, como a do grau e meio. Tal como é importante perceber que a temperatura muda globalmente, mas não muda uniformemente. Não são todas as regiões do globo que aumentam 1,5ºC. O Ártico e o Antártico vão aumentar muito mais. E o problema é que, ao aumentarem muito mais, levam a degelos, levam a mudanças completas de toda a circulação. Esta mudançazinha de nada começou a ter repercussões enormes.

Baixa de LA Os fogos cobriram a cidade de fumo, com previsíveis impactos devastadores na saúde da população. A poluição do ar mata sete milhões de pessoas por ano

As médias não são um parâmetro que traduza os impactos.
Como climatologista, o parâmetro que menos me afeta são as médias, de um ponto de vista direto. É por isso que não gosto muito da expressão global warming [aquecimento global], porque as pessoas interpretam-na à letra. O problema é que uma pequena perturbação na média tem impactos brutais que, primeiro, não vão ser uniformes e, segundo, tem não linearidades. A mais simples de entender, e que explica porque é que na Europa o ritmo de aquecimento está a ser maior do que o global, é o efeito de feedback albedo da neve: uma boa parte do Norte da Europa está coberta de gelo, que reflete muito a radiação; se o gelo derreter, vai haver superfícies mais escuras, mais radiação é absorvida, mais aquece, mais derrete, mais regiões escuras vai haver…

É o que acontece com os pontos de não retorno?
Isto ainda não são os tipping points, é uma realimentação positiva, que vai fazer com que o tal grau e meio tenha um impacto muito maior. As pessoas têm a ideia que é: “Eh pá, que me importa a mim que, no verão, em vez de estarem 30ºC, vão estar 31,5ºC?” Não é de todo isso que está em causa. Esse grau e meio é apenas um parâmetro indicador de uma série de coisas muitíssimo mais problemáticas.

Há 20 anos, quando falávamos de alterações climáticas, ainda havia anos de meados do século XX entre os mais quentes desde que há registos. Mas agora já estamos a falar em dez por dez: os últimos dez anos são os mais quentes. O aquecimento está a acelerar?
Sim. Está a acelerar, e esse é um dos problemas que os modelos ainda não são capazes de resolver tão bem. O mais interessante é que essas conclusões chegam por diversas vias. Por exemplo, diferentes agências trataram os dados relativos à temperatura de 2024 de forma diferente, mas no essencial estão completamente de acordo. Há pequenos desvios, que têm que ver com a maneira como os dados são tratados, uns integram satélites, outros não, uns fazem médias de determinada maneira, mas as características importantes são comuns. A aceleração do aquecimento é a mesma história. Há diferentes modelos e aproximações, relacionados com a não linearidade dos impactos: mesmo que o aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera vá aumentando de uma forma linear, sempre com o mesmo ritmo, os impactos não vão ser lineares.

Desolador Milhares de pessoas perderam as suas casas para as chamas. A última contabilidade apontava para 12 mil infraestruturas destruídas

E onde entram os pontos de não retorno?
É a velha história de ter um monte de areia, em que vamos deixando cair sempre, regularmente, um bocadinho de areia, mas sabemos que há uma altura em que só com mais um grãozinho de areia aquilo esbarronda tudo. O que é isso do ponto de vista do clima? É passar a ter outra configuração, ter uma mudança climática definitiva. Da mesma maneira que, depois da montanha de areia se esbarrondar, ela não volta ao sítio só por si, o clima tem mudanças estruturais e depois já não volta ao sítio.

Falava da realimentação do sistema: as alterações climáticas estão a provocar eventos que podem, por sua vez, amplificar as próprias alterações climáticas?
Sim. Veja-se o exemplo de uma guerra nuclear: a quantidade de gelo depende da quantidade de energia solar, mas se tivéssemos o planeta coberto de fumo durante um ano ou dois, arrefeceria tanto que iríamos parar àquele ponto instável que nos chuta para uma Terra completamente coberta de gelo. Obviamente, isto é demasiado simplificado, porque só conta com estes dois fatores, mas é um exemplo simples de um tipping point, e é o que preocupa os climatologistas: a possibilidade de se entrar numa derrapagem para um novo estado de equilíbrio pouco harmónico com uma vida em sociedade como nós a imaginamos.

Os incêndios na Amazónia podem levar-nos a um ponto de não retorno?
Sim. Primeiro, porque levam à libertação de óxido de carbono, que vai aumentar o efeito de estufa e a possibilidade de haver secas e ondas de calor. Depois, porque, juntamente com o forçamento humano de desflorestação, provoca um processo de degradação que leva a um desaparecimento não reversível da floresta. Há sempre esta ideia de que, se nós deixarmos de atuar ou atuarmos ao contrário, voltamos para trás. Mas isso não é válido na maior parte dos casos. Se eu perder uma mão, a mão não volta a crescer. No clima, também há uma série de coisas que são irreversíveis, que já não voltam para trás da mesma maneira.

Ultrapassámos um patamar simbólico

Em 2024, a temperatura média do planeta ficou acima da meta do Acordo de Paris, que tentava garantir que o aquecimento não ultrapassaria 1,5ºC até ao final do século

Em dezembro, o C3S – Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas, da União Europeia, já dispunha de dados que lhe permitiam ter a certeza de que 2024 ficaria com uma temperatura média da atmosfera superior a 1,5ºC acima da média 1850-1900. Na semana passada, veio a confirmação, com uma agravante: o aumento foi de 1,6ºC, ultrapassando claramente o valor que consta como limite ideal do Acordo de Paris (que admite um máximo de 2ºC).

Isto não significa que o acordo que tenta limitar a emissão de gases com efeito de estufa tenha sido já desrespeitado. Isso só acontece quando a média de vários anos passar esse valor. Mas é um marco que simboliza o falhanço das políticas climáticas e um aviso muito sério de que o planeta segue no rumo errado.

Uma tragédia cara

Estimativas apontam para que os danos dos incêndios de Los Angeles tenham já passado os 250 mil milhões de dólares – quase tanto como a riqueza produzida por Portugal num ano

É uma estimativa ainda provisória, até porque os incêndios continuam ativos e a fatura deverá subir ainda mais, mas é já um número impressionante: 250 milhões de dólares (€243 mil milhões) é quanto o serviço de meteorologia AccuWeather estima serem os prejuízos dos incêndios no Sul da Califórnia, o que fará desta catástrofe o fogo mais destrutivo da História americana em termos financeiros. Para se ter uma ideia do valor, diga-se que o PIB de Portugal ronda os 280 mil milhões de dólares.

Na terça-feira, 14, à hora de fecho desta edição, quase 200 mil pessoas já tinham sido retiradas das zonas críticas e dez mil edifícios haviam sido destruídos. Pelo menos, 25 pessoas morreram nas chamas.

A polícia de Los Angeles fez saber que estava a seguir pistas que apontavam para origem humana nos incêndios, desde fogo de artifício a fogueiras não autorizadas.

Palavras-chave:

A pobreza e a desigualdade em Portugal voltaram a recuar em 2023, depois de 2022 ter sido um ano de interregno. A taxa de pobreza passou de 17% para 16,6% e a desigualdade, medida pelo coeficiente de Gini (um indicador da desigualdade na distribuição do rendimento), desceu de 33,7% para 31,9%. Por entre avanços e retrocessos, à boleia do maior ou menor crescimento da economia e dos apoios sociais, esta nova redução nos indicadores confirma a tendência de decréscimo dos últimos 30 anos, embora nem sempre tenha acontecido de forma linear. A taxa de pobreza, que em 1994 era de 23%, diminuiu 6,4 pontos percentuais desde essa altura. Há três décadas, viviam abaixo do limiar de pobreza 2,27 milhões de pessoas em Portugal; hoje são 1,78 milhões os que subsistem com menos de 632 euros mensais.

Uma análise da evolução da pobreza ao longo dos últimos 30 anos mostra que as alterações foram substanciais, a começar pelos grupos etários. Na recente atualização de dados do projeto Portugal Desigual, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), elaborada com base nos resultados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) do INE, o economista e especialista em pobreza Carlos Farinha Rodrigues ressalva que “ao longo de todos os anos deste século, a taxa de pobreza das crianças e jovens foi sempre superior à do conjunto da população”. A partir de 2007, ultrapassou mesmo a incidência nos idosos. Mas 2023 foi um ano de mudança. Caiu para 17,8%, o valor mais baixo dos últimos 20 anos, acompanhada pela diminuição em 2,5 pontos percentuais da pobreza das famílias com crianças, que se reduziu de 18,9% para 16,4%.

Em sentido inverso, o investigador destaca pela negativa o aumento da pobreza entre os idosos, que subiu quatro pontos, de 17,1% em 2022 para 21,1% em 2023, e voltou a superar a incidência nas crianças e nos jovens, algo que já não sucedia praticamente desde a última década do século passado, quando a taxa de pobreza nos idosos era ainda superior a 30%. Alterações introduzidas pelo INE na metodologia de cálculo das pensões de velhice e, ainda, o facto de a subida do valor do limiar de pobreza, que foi de 6,9%, não ter sido acompanhada pelo aumento, de apenas 4,1%, no rendimento dos idosos, na sua maioria pensionistas, podem explicar a diferença, mas a tendência não deixa de ser preocupante.

Carlos Farinha Rodrigues destaca que a evolução do último ano a que os dados reportam, apesar de ser “claramente positiva”, é “ainda insuficiente” para compensar o agravamento registado em 2022, quando a taxa de pobreza subiu de 16,4% para 17%, num contexto de forte inflação, uma espécie de “imposto” que penaliza significativamente os estratos mais desfavorecidos da população.

Pobreza na média

Em meados da década de 1990, a taxa de pobreza em Portugal encontrava-se cerca de seis pontos acima da média da UE, mas o indicador está agora muito perto dessa meta. No estudo, o economista ressalva que os dados sobre pobreza extrema – condição em que as pessoas dispõem de menos de 40% do rendimento mediano – mostram uma evolução “semelhante”, com a taxa a recuar de 10% em 1994 para os atuais 6,4%. O resultado foi alcançado através da aplicação de políticas públicas como o Complemento Solidário para Idosos (CSI), o Rendimento Social de Inserção (RSI), o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN), medidas de apoio às crianças e jovens, etc. (Ver entrevista)

Na sua análise, Carlos Farinha Rodrigues refere a distribuição “profundamente assimétrica” das transferências sociais. Sublinhando que os 20% de habitantes com menores rendimentos apenas recebem 10,7% das prestações sociais, ressalva que, sem apoios sociais para doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social, a incidência da pobreza passaria dos atuais 16,6% para 21,4% da população. E, na ausência de qualquer tipo de transferência social, incluindo pensões, a taxa de pobreza em Portugal seria de 40,3%. Acrescente-se que as transferências sociais (excluindo pensões) têm um impacto atenuador sobre a taxa de pobreza de apenas 4,2 pontos, o que é inferior a metade (8,6 pontos percentuais) do efeito verificado nos países europeus.

Desigualdade no limite

Em 2022, Portugal era o 11º país da UE com maior taxa de pobreza (17%), situando-se ligeiramente acima da média (16,2%). Apesar desta convergência com o resto da Europa, Portugal continua a ser um dos países com maiores desigualdades – o quarto mais desigual, a seguir à Bulgária, à Lituânia e à Letónia –, com cerca de 2,1 milhões de pessoas (um quinto dos habitantes) a viver em situação de pobreza ou exclusão social.

No plano interno, os Açores apresentam a maior assimetria na distribuição de rendimentos (33,8%), cerca de 1,9 pontos percentuais acima da média nacional. No continente, a região mais desigual é a Grande Lisboa (32,9%).

No que toca às desigualdades, a realidade é assim há mais de duas décadas. Nem a sua redução de ano para ano tem sido suficiente para nos retirar da cauda do pelotão, quando nos comparamos com os nossos parceiros europeus.

Carlos Farinha RodriguesEconomista e especialista em pobreza e desigualdade

“A profunda crise da habitação é um fator de preocupação adicional”

— Por Clara Teixeira

Dez anos depois da saída da Troika, Portugal continua a ser um dos países mais desiguais – o quarto – da UE. Apesar dos apoios sociais, do crescimento do emprego e da redução do IRS, nada melhorou. Porquê?
A taxa de pobreza atingiu 18,7 % em 2012 e 19,5% em 2013. Agora, é de 16,6%. Depois da saída da Troika, tivemos reduções substantivas nos indicadores de pobreza, mas a evolução não foi linear. Vivemos a crise da Covid-19, o aumento da inflação, e isso teve reflexos. Mas num aspeto tem razão: tínhamos condições para estar muito melhor. Estamos perto da média da UE nos indicadores de pobreza, mas continuamos a ser um dos países mais desiguais da Europa. Não mudou muito desde os tempos da Troika. O professor Bruto da Costa dizia que tínhamos os níveis de pobreza que tínhamos porque temos os níveis de desigualdade que temos. Concordo com ele. Pobreza e desigualdades são duas faces da mesma moeda. Continuamos a ter níveis de desigualdade extremamente elevados e, em termos de pobreza, apesar de estarmos próximos da média da UE, deveríamos ter uma ambição maior. A pobreza não é um problema dos pobres, mas sim de toda a sociedade. Os níveis atuais não significam só a existência de uma profunda injustiça social, mas são também um travão ao crescimento e ao desenvolvimento económico sustentado que põe em causa a coesão social e territorial do País, a qualidade da democracia e a vida em sociedade.

Temos tido mais políticas de combate à pobreza do que às desigualdades?
Nos últimos anos, algumas medidas visaram especificamente o combate à pobreza, como a subida do Salário Mínimo Nacional, do Complemento Solidário para Idosos (CSI) e do Rendimento Social de Inserção (RSI) e dos apoios às crianças. Em relação à desigualdade, muito pouco foi feito. Pode dizer-se que não é uma questão de políticas públicas, mas também é. Não temos tido políticas que incentivem a prática pelas empresas, e pela sociedade, de medidas que visem a redução das desigualdades.

Como é que se reduzem as desigualdades? Distribuindo a riqueza de outra forma, por exemplo, por via fiscal?
A redução das desigualdades pode ser feita quer ao nível da criação dos rendimentos, quer ao nível da redistribuição. Ao nível da criação dos rendimentos, passa pela transformação da economia e do mercado de trabalho. Infelizmente, temos em muitos setores empresas que assentam em baixos salários, o que é claramente um travão a uma distribuição mais justa dos rendimentos. Ao nível fiscal, é possível identificar políticas de redução das desigualdades, mas os 40% mais pobres já praticamente não pagam IRS. Recentemente, um estudo mostrava que Portugal é onde os benefícios fiscais têm menos impacto redistributivo no conjunto da UE. Neste estudo para a FFMS, vemos que as políticas de transferências sociais têm um efeito sobre a pobreza e sobre a desigualdade igual a metade da média da UE. As nossas medidas têm menor abrangência e menor eficácia em temos de redução das desigualdades e da pobreza.

A taxa de pobreza diminuiu umas décimas no último ano. Temos menos pobres, ou os pobres ficaram menos pobres?
As duas coisas são verdade. Temos hoje 1,8 milhões de pobres, uma redução significativa em relação aos dois milhões de há uns anos. O nível de intensidade da pobreza é também menor. Mas não estamos a caminhar no bom sentido em todas as dimensões da pobreza. Tem havido um agravamento das condições de vida das famílias em aspetos que não são apanhados pelos inquéritos do INE, baseados no rendimento das famílias. O acesso à habitação e o acesso à saúde são fatores de agravamento das condições de vida dos mais pobres, mas são apanhados de forma muito indireta. Há três ou quatro anos, houve uma redução do preço dos passes sociais dos transportes, que foi um alívio para milhares de famílias em Portugal, mas não foi refletido nos indicadores. A profunda crise da habitação é um fator de preocupação adicional porque os aumentos no rendimento não acompanham, nem de perto, nem de longe, a subida dos preços.

Conhecemos os níveis de pobreza entre os imigrantes? Sabemos como vivem?
De forma muito mitigada. Os inquéritos do INE incluem as famílias com residência dita tradicional. Quando os imigrantes vivem em pensões, ou em locais fornecidos pela entidade patronal, não são apanhados. Há setores da população que são pobres e que são excluídos das estatísticas. Diria que um valor de 16,6% é um número aproximado para a taxa de pobreza em Portugal.

O aumento da pobreza entre os idosos é um retrocesso. Já a diminuição nas crianças é uma boa notícia…
No início dos anos 1990, a situação de pobreza entre os idosos aproximava-se dos 40% e estava muito acima dos outros grupos etários, mas desde 2007 que tem sido quase sempre inferior à do conjunto da população. A composição dos idosos alterou-se. Aqueles que chegam agora à idade dos 65 anos têm salários mais elevados, o que lhes permite terem pensões maiores. Também temos políticas de apoio através do aumento diferenciado das pensões mais baixas e do CSI. No caso das crianças, a taxa de pobreza tem sido superior à da população em geral nas últimas décadas. Apesar dos resultados deste ano, em que o valor diminuiu para 17,8%, a situação das crianças continua a ser um problema fundamental da pobreza em Portugal porque é ela que vai potenciar a transmissão intergeracional, fazendo com que a pobreza continue a manifestar-se de forma persistente nos próximos anos. É aí que temos de atuar em primeiro lugar. Continua a ser a prioridade.

Como é que se combate a pobreza das crianças? Reforçando apoios como o abono de família?
O combate à pobreza das crianças e dos jovens é sempre mais difícil. As crianças são pobres porque vivem em famílias pobres. Temos de ter, ao mesmo tempo, políticas para as crianças e políticas para as famílias. Reduzir a pobreza das crianças implica aumentar os recursos das famílias, assim como as condições de acesso ao ensino e à saúde, ou seja, implica um conjunto de políticas muito mais integradas.

Referiu dois pontos sensíveis. A educação e a saúde não estão a melhorar…
Nos dados de 2023, temos uma redução bastante positiva da taxa de pobreza das crianças, de 20,7% para 17,8%, que em parte é explicada por medidas como a gratuitidade das creches. As políticas públicas de combate à pobreza, apesar de terem uma abrangência limitada e uma eficácia reduzida, produzem resultados quando são bem dirigidas. O problema do combate à pobreza é essencialmente um problema de vontade política, de dar prioridade a estas matérias.

Em Portugal e na Europa, partidos de extrema-direita e de direita radical estão a crescer. Nos Açores, o Chega propôs que os filhos dos desempregados ficassem sem acesso à creche gratuita. Nesta nova realidade, como é que se continua a combater à pobreza?
Estamos perante um contexto de incerteza muito complicado a nível europeu e a nível mundial. Forças profundamente antissociais que, no limite, visam a destruição do Estado social, têm tido subidas significativas. Será possível mantermos a defesa destas políticas no futuro próximo? Quero acreditar que sim. A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, aprovada há dois anos, assenta na ideia de tornar a pobreza num desígnio nacional e na ideia de que combater a pobreza é construir uma sociedade melhor para os pobres e para todos nós.

Oriundo da América do Sul, da região entre o México e a Guatemala, o abacate – também designado por pera abacate – é um fruto versátil e muito rico em diversos minerais e vitaminas que ajudam a proteger o organismo e a prevenir o desenvolvimento de múltiplas doenças. Consumido sobretudo ao natural ou com algum tempero nas saladas, doces ou no famoso guacamole, o fruto do abacateiro integra a dieta das populações de onde é nativo há milhares de anos, mas o seu consumo tem vindo a aumentar exponencialmente em todo o mundo na última década, incluindo em Portugal.

Embora o México continue a ser o maior produtor mundial de abacate, diversos países têm começado as suas próprias produções e Portugal não é exceção, com diversas produções de abacate a ganharem espaço no sul do Continente e na Madeira.

Existem diversas qualidades de abacate que diferem no tamanho, forma, sabor e cor. Entre as mais comuns encontram-se o abacate hass – também conhecido por abacate manteiga, é o mais comum e cultivado -, o abacate bacon – de sabor mais suave que os restantes – e o abacate fuerte – com uma casca mais fina e lisa, e de polpa cremosa.

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Alguns benefícios do abacate:

  • Composto maioritariamente por gorduras monoinsaturadas – também conhecidas como “gorduras boas”, as gorduras monosaturadas saudáveis promovem a saúde cardiovascular ao reduzir o colesterol e triglicéridos presentes no sangue. Para além disso, os abacates contribuem ainda para reduzir os níveis de colesterol LDL por conterem ácido oleico e ácidos gordos ómega-3.
  • Possuem muita água – cerca de 73% da constituição do abacate é água, sendo um bom alimento para manter os níveis de hidratação do organismo.
  • Fonte de diversas vitaminas – Nutricionalmente ricos em vitaminas como a A, C, B6, E e K e com elevados níveis de folatos e antioxidantes, os abacates ajudam a proteger e fortalecer o organismo de diversas doenças. Destacam-se as vitaminas do complexo C – que ajudam a proteger a pele – do complexo E – reduzem a inflamação e atrasam os efeitos de doenças como Alzheimer – e do complexo K – que promovem a saúde dos ossos, sendo o seu óleo muito utilizado na redução dos sintomas de osteoartrite. Já as vitaminas B6 são essenciais a uma série de funções do organismo, incluindo a regulação do sistema hormonal, imunitário e nervoso e na redução do cansaço e fadiga e produção de proteínas e glicogénio.
  • Também é rico em minerais – Este é ainda um fruto muito rico em potássio e magnésio, minerais que desempenham funções muito importantes no organismo, por exemplo, ao nível do metabolismo e da regulação da pressão arterial.
  • Rico em fibras e hidratos de carbono – As fibras do abacate promovem a digestão e a microbiota intestinal, ao facilitar a decomposição de alimentos. Estas ajudam ainda a regular os níveis de glicose no sangue, ajudando a controlar e prevenir o desenvolvimento da diabetes tipo 2.
  • Aliado num processo de emagrecimento – O abacate é ainda um alimento saciante e que reduz a vontade de comer mais, sendo por isso muito procurado para pessoas que querem perder peso. Este deve ser, contudo, ser consumido com moderação por ser considerado um alimento calórico. 
  • É pobre em açúcares e sal
  • Ajuda a absorver nutrientes de outros alimentos – O abacate ajuda ainda a que as vitaminas e antioxidantes de outros alimentos – como o tomate, melancia, meloa ou toranja – sejam mais facilmente absorvidos pelo organismo.

O abacate deve, no entanto, ser consumido com moderação. Sendo um alimento calórico – e muito utilizado por quem pratica desporto ou quer perder peso – o abacate pode ter o efeito inverso e levar a um aumento do peso. “É um fruto bastante calórico, o que se atribui ao seu elevado conteúdo em gordura, maioritariamente monoinsaturada como é o caso do ácido oleico, semelhante ao azeite”, pode ler-se na página do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral da Saúde.

Em teoria, existir ameaça à vida é um critério que pesa muito na admissão de vítimas de violência doméstica na casa-abrigo. O facto de na avaliação aparecer um risco moderado ou baixo não significa que a pessoa não possa vir a ser uma potencial vítima de homicídio. Pode haver uma escalada da violência, basta que seja adquirida uma arma, por exemplo. Lembro-me do caso de uma senhora que já tinha sofrido uma tentativa de homicídio por parte do companheiro – baleou-a, atingindo-a nas vias respiratórias – e depois, noutra altura, tentou estrangulá-la, tendo o filho conseguido distrair o pai e assim salvar a mãe.

Na maior parte das situações, as mulheres vêm acompanhadas pelos seus filhos. Ultimamente temos recebido muitas famílias numerosas, mães com três e quatro filhos, o que faz com que morem na casa -abrigo mais crianças do que adultos.

Trabalho nesta casa desde o minuto zero, em 2006, e uma grande diferença notada face ao primeiro grupo acolhido é a idade. Normalmente, a média etária ronda os 30 a 35 anos; na altura, tínhamos mães muito novas, com 22, 23, 24 anos.

A primeira mãe que aqui chegou tinha 22 anos e vinha com duas crianças, uma de 9 meses e outra que ainda não tinha feito 2 anos. Todos os anos, ela nos telefona e dá sinal de vida. Depois de sair, manteve contacto connosco e ainda a visitei em casa. Fez questão de ir chamar o novo companheiro e mostrar-me as grelhas de tarefas, tal como as da casa-abrigo, para ter a vida familiar orientada.

O grau de maturidade é um dos entraves agora sentidos. Se, há 18 anos, tínhamos mulheres mais empoderadas, com outro sentido de responsabilidade e de perspetiva de vida, neste momento temos famílias numerosas com algumas mulheres a terem imensa dificuldade em projetar o seu futuro, sem saberem como podem reorganizar a vida.

A maioria tem pouca escolaridade, poucas têm o 12º ano, embora já tenhamos tido aqui pessoas licenciadas. Isto depois, em termos de inserção no mercado de trabalho, também não lhes dá grandes oportunidades de crescimento, porque acabam por estar ligadas às limpezas ou à restauração. É importante que as pessoas não se esqueçam dos seus deveres e quem fica aqui entre 12 e 18 meses, em média, com acesso gratuito a tudo, faz-me uma certa confusão que não consiga chegar ao fim desse tempo com uma poupança, e não é por serem vítimas de violência doméstica, é por falta de literacia, neste caso financeira.

Nos nossos primeiros meses de atividade, o ano letivo já se tinha iniciado e conseguir vagas em creches ou jardins de infância foi para esquecer, por isso a equipa ficou responsável pelas crianças com menos de 3 anos, para as mães conseguirem ir trabalhar. No presente, também temos outros recursos e já temos outra maturidade. Mas a nossa intenção é de que, de facto, estas famílias consigam estar minimamente organizadas para quando se autonomizarem.

“Ela queria tudo menos salvar-se”

Podem existir questões no regulamento da casa-abrigo que façam lembrar o agressor – no sentido do controlo –, como existirem horários de entrada e de saída, horários para as crianças recolherem e para os adultos irem para a cama, não podendo ficar acordadas até às duas ou três da manhã. Mas das regras mais difíceis de cumprir são, sem dúvida, as questões do sigilo na era das redes sociais. Os cuidados que têm de ter para não divulgarem imagens delas na casa, e das outras utentes, acabando por denunciar a localização e a identidade das outras mulheres.

Já aconteceu vir um agressor tocar à campainha e pedir para falar comigo – ainda bem que ele não me conhecia e fiz-me desentendida. Por acaso, a mulher com quem tinha tido o relacionamento já não estava aqui, mas o que me deixou particularmente indignada foi saber que ele já tinha conhecido outras utentes da casa-abrigo e elas saberem que a sua vítima de violência poderia estar novamente numa situação de risco, e não me disseram nada com medo. Muitas têm sentimentos de codependência e de pena do agressor. Tanto dizem que foi pelos filhos que saíram de casa como é por eles que voltam, porque têm saudades do pai.

Não sei dizer se os casos de violência doméstica estão mais violentos, até porque uma situação muito difícil de gerir para mim aconteceu há 20 anos e só falei com a senhora uma vez, quando a atendi no gabinete de apoio à vítima. Ela acabou por ser vítima de homicídio e queria tudo menos salvar-se. No fundo, sabia que era uma questão de tempo até ser morta pelo companheiro muito agressivo. Queria que falássemos com ele para o aconselhar e acalmar e gostava que o filho fosse alguém na vida.

Em muitos casos, as relações de violência não começaram com o agressor que as fez chegar à casa-abrigo, já tinham sido vítimas de abuso sexual na infância, por exemplo. Durante muito tempo da sua vida, alguém lhes dizia: ‘não prestas’, ‘não vales nada’, ‘és uma péssima cozinheira’, ‘és uma dona de casa de porcaria’

Como sabia que havia armas em casa – o homem era caçador –, dei-lhe algumas orientações de segurança, que separasse as munições da arma. Mas o filho pediu-lhe para não o fazer e, nessa noite, foi morta a tiro de caçadeira e o marido sobreviveu à tentativa de suicídio. A mãe morreu, o pai foi preso e o filho deve ter um sentimento de culpa enorme. Na altura, confrontei-me com a questão de respeitar a vontade das pessoas, mesmo sabendo que está em risco, e o sentimento de impotência.

Na casa-abrigo temos uma visão muito ampla: vemos como cada mulher se relaciona com as outras mulheres, com os seus filhos e connosco enquanto equipa. Muitas vezes, estão tão desgastadas, tomara terem algum autocuidado e o autorrespeito, isso acaba por se refletir na relação com o outro.

Em muitos casos, as relações de violência não começaram com o agressor que as fez chegar à casa-abrigo, já tinham sido vítimas de abuso sexual na infância, por exemplo. Durante muito tempo da sua vida, alguém lhes dizia: “não prestas”, “não vales nada”, “és uma péssima cozinheira”, “és uma dona de casa de porcaria”. De que forma é que podemos ser influenciadores e como é que isto pode ser feito de uma maneira positiva?

Depoimento recolhido por Sónia Calheiros