Para o primeiro mês do verão climatológico, os mapas do modelo de referência da Meteored indicam um padrão meteorológico marcado por vários dias consecutivos de calor intenso. É expectável, no entanto, a existência de aguaceiros, granizo, trovoada e outros fenómenos meteorológicos adversos.
Alfredo Graça, geógrafo e especialista da Meteored Portugal, detalha que a previsão aposta para temperaturas persistentemente acima da média climatológica de referência do mês de junho e fala mesmo em “temperaturas abrasadoras”, embora, nalguns locais, “as noites ainda sejam frescas ou frias, principalmente devido aos ventos do quadrante Norte (Nortada) que sopram do Atlântico”.
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A primeira quinzena de junho deverá registar as anomalias térmicas positivas mais acentuadas (tempo bastante mais quente do que o normal) nalgumas regiões do país, nomeadamente, nos distritos de Vila Real, Bragança, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja. Para os referidos distritos preveem-se temperaturas entre 3 e 6 ºC acima do normal.
“Para os Açores e Madeira vislumbram-se anomalias térmicas positivas mais moderadas, provavelmente devido à sua insularidade e às brisas marítimas. Para as duas Regiões Autónomas portuguesas preveem-se temperaturas até 1 ºC acima da média climatológica de referência”, lê-se no comunicado.
Apesar do predomínio do tempo seco e soalheiro em Portugal, “a volatilidade dinâmica da corrente de jato polar” pode gerar uma gota fria ou um aquecimento diurno das superfícies de tal forma intenso que dê origem às chamadas nuvens de desenvolvimento vertical (cumulonimbus, as nuvens de trovoada).
A guerra regressou à Europa, os países rearmam-se, os orçamentos de Defesa crescem, as trombetas tocam e o candidato presidencial português com maiores possibilidades de ser eleito é um militar. O primeiro dia do resto da vida de Henrique Eduardo Passalágua de Gouveia e Melo, 64 anos, acontece nesta quinta-feira, 29, data escolhida para a apresentação oficial da sua candidatura, 99 anos e um dia depois do pronunciamento que instituiu a ditadura militar, precursora do Estado Novo. Cercado pelo sistema partidário, que o vê como um OVNI político, Gouveia e Melo é, segundo os críticos, suspeito de reserva mental e acusado de não ter experiência política. Submarinista de créditos firmados no quadro da NATO, ex-Chefe do Estado-Maior da Armada, função da qual transitou diretamente para a reserva – descartando a hipótese de ser reconduzido… – e para umas “férias ativas” recheadas de aparições públicas em homenagens, artigos de jornal, conferências e entrevistas, Gouveia e Melo fez o seu caminho, apalpando o terreno das sondagens que, em qualquer caso, contra qualquer adversário e em qualquer cenário de segunda volta lhe dão uma vitória mais do que confortável. A ser eleito, o almirante da Marinha de Guerra portuguesa será o quarto Chefe de Estado oriundo daquele ramo das Forças Armadas, o que, embora ainda deixe a Marinha atrás do Exército, que já forneceu cinco presidentes, permite desempatar com a arma de Cavalaria, que colocou três em Belém. Dos 23 chefes de Estado da História da República Portuguesa, 11 foram militares, mas apenas um deles foi escolhido por sufrágio direto e universal: António Ramalho Eanes, em 1976 e em 1980. Num breve período da Ditadura Militar, entre 1926 e 1928, o cargo era o de Presidente do Ministério (considerando-se Presidente da República ex officio).
Sidónio Pais O condutor de massas O protótipo do “homem a cavalo” que chegou para, supostamente, pôr o País na ordem. Com consciência da importância da imagem e da propaganda, foi um dos mais populares de sempre, tendo sido o único PR em funções assassinado. O martírio ajudou a construir o mito do herói e o sidonismo foi uma nova forma de sebastianismo.
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Tensão com partidos, uma velha tradição
Gouveia e Melo ressuscita a velha tradição da tensão congénita entre militares e políticos, registada ao longo de mais de 100 anos de golpes, revoluções e conspirações, como veremos nas próximas páginas. Um problema que o salazarismo aplacou e a democracia parecia ter resolvido. Luís Marques Mendes, do PSD, o primeiro candidato a posicionar-se no terreno, tem nesta mesma quinta-feira o apoio oficial do PSD, que assim espera perturbar o anúncio do almirante. Logo que, nas vésperas das legislativas, a 15 de maio, Gouveia e Melo declarou, em entrevista à Rádio Renascença, que iria mesmo avançar, os partidos reagiram bastante mal. O PS, através das críticas de Augusto Santos Silva, ex-presidente da Assembleia da República e ele próprio tido como conservando ambições de vir a ser candidato, destacou o “ataque à Constituição”, por Gouveia e Melo ter confundido os timings e desrespeitado o Parlamento e o princípio da separação de poderes. Em bom rigor, nada na Constituição impede que alguém se declare candidato presidencial, independentemente dos timings, que a Lei Fundamental não especifica, nem inibe. No entanto, o mote estava dado: Gouveia e Melo enfrentará a animosidade unânime do sistema partidário, uma guerra que o próprio candidato aceitou, ao recusar apoios formais ou explícitos dos partidos políticos. Aliás, essa postura acima dos partidos faz com que muitos observadores desconfiem de algum projeto “bonapartista”, fundado a partir de uma maioria presidencial. Mas disso foi também acusado Ramalho Eanes, quando, em 1985, patrocinou a fundação do PRD.
Embora a campanha que se avizinha possa revelar traços de personalidade e coincidências de projeto político entre Gouveia e Melo e o último Presidente militar, Ramalho Eanes (que chegou a Belém com 41 anos), as circunstâncias que poderão alcandorar o almirante à Presidência são muito diferentes das que consagraram Eanes. A primeira é a de que, num tempo em que as indicações dos partidos arrastavam o eleitorado, Eanes nunca teria sido eleito sem eles. Hoje, um candidato que se declara à margem dos partidos (ou vagamente em oposição a eles) tem vantagem.
Em 1976, o general natural de Alcains era relativamente desconhecido dos portugueses, embora lhes tenha sido explicado que ele fora o comandante operacional da vitória da ala militar moderada, no 25 de Novembro de 1975. Nessa altura, pelas razões do aparato operacional e do estrelato político, respetivamente Jaime Neves, comandante dos Comandos da Amadora, e Melo Antunes, ideólogo do 25 de Abril e do Documento dos Nove, que cortou com os projetos totalitários da esquerda mais radical, eram bastante mais populares. Para não falar, do ponto de vista de um outro eleitorado, de Otelo Saraiva de Carvalho, o também militar que conseguiria, com muito poucos apoios partidários e só na extrema-esquerda, um belíssimo 2º lugar, com 16,46% dos votos. Ou de Pinheiro de Azevedo, o popularíssimo primeiro-ministro, também almirante, que se apresentou a sufrágio sem apoios partidários e terá sido prejudicado pela crise cardíaca que, em plena campanha, o levou para o hospital. Estes militares “alternativos” a Eanes representavam a quota de populismo avant la lettre e antipartidos que Gouveia e Melo agora parece incorporar.
João do Canto e Castro O pacificador Substituiu Sidónio Pais e tornou-se o segundo dos dois únicos presidentes militares da I República. Monárquico por convicção, conseguiu colocar-se no seu papel de representante máximo da República e honrou sempre esse compromisso.
Mas hoje Gouveia e Melo tem uma notoriedade que Eanes não tinha. O País entregou-lhe uma missão que parecia impossível, a da vacinação de todos os portugueses, em tempo recorde, contra a Covid-19. Fez, com isso, o que gerações de políticos parecem não ter feito: apresentou resultados concretos, num curto espaço de tempo, e que mudaram a vida das pessoas – neste caso, contribuindo para lhes devolver a normalidade pré-pandémica.
Ramalho Eanes, ao contrário de Gouveia e Melo, conseguiu o apoio explícito e a colaboração das máquinas partidárias dos partidos dominantes do sistema, PS, PSD e CDS, a que se juntou a flor na lapela revolucionária de um ainda influente PCTP/MRPP (mas este só por pirraça contra os “social-fascistas”, ou seja, os comunistas do PCP). Com uma vitória esmagadora de 61,54%, Eanes ganhou, em campanha, uma gravitas política própria, surpreendendo pelo desassombro do discurso e, até, pela coragem física, quando enfrentou, em Évora, um tumulto orquestrado pelos comunistas e que incluiu tiros para o ar. Ficou bem viva a imagem de um Eanes, vestido à civil, de calças beges e camisa às riscas, de mãos na anca, de pé, em cima do tejadilho da viatura de campanha…
Também fica bem viva na memória a forma como Gouveia e Melo enfrentou, na rua, manifestações hostis de negacionistas antivacinação que lhe chamavam “assassino”. “Assassino é o vírus”, ripostou o almirante, numa tirada repentista que lhe deu espessura política imediata.
Mendes Cabeçadas O efémero Presidente do Ministério (e da República ex officio) após o golpe do 28 de Maio. Preconizava a marcação de eleições, mas foi derrubado pelos seus pares.
Em Belém, a gravitas própria de Eanes desenvolveu-se, quase sempre, no confronto com os partidos que o tinham feito eleger. O primeiro a zangar-se foi Mário Soares, despedido sem dó nem piedade, depois do fracasso do seu segundo governo, em acordo parlamentar com o CDS de Freitas do Amaral e depois da retirada do apoio deste. Eanes, num discurso crescentemente antipartidos, ao mesmo tempo que civilizava o regime, promovendo, no Conselho da Revolução – órgão que, por inerência, presidia – o regresso dos militares aos quartéis, já projetaria um futuro partido político que saísse da sua maioria presidencial. Neste particular, o primeiro a denunciá-lo, numa altura muito precoce, foi Sá Carneiro.
Para preparar terreno, Eanes, demitido o governo eleito, em 1978, trabalhou com três executivos de iniciativa presidencial. Finalmente, rendeu-se à evidência da instabilidade inerente e convocou eleições intercalares – ainda não havia a figura das eleições antecipadas – para dezembro de 1979.
Às turras com Sá Carneiro
O líder da primeira AD, Sá Carneiro, que chegou a primeiro-ministro na sequência dessas eleições, identificou no Presidente a sua principal força de bloqueio. E se as relações com os governos de Mário Soares tinham sido más, o convívio com o novo primeiro-ministro revelou-se péssimo. Sá Carneiro acusou o Presidente de querer mandar no País “à peruana” e tratou de preparar um candidato mais dócil para as presidenciais de 1980. O líder do PSD e da AD começou a falar em “um governo, uma maioria, um Presidente”. O ungido foi uma apagada figura de nome António Soares Carneiro (que perdeu para Eanes). Obviamente, de novo, um militar. Por essa altura, o próprio Mário Soares queria romper com o statu quo de mais de 50 anos de presidentes castrenses, sendo ele próprio o candidato a apoiar pelos socialistas, mas o seu partido persuadiu-o de que os portugueses ainda não estavam preparados para essa solução que, sendo hoje natural, parecia, então, disruptiva.
Um problema para Ventura
Em Belém, Eanes inquietava-se com a revisão constitucional de 1982, que iria acabar com o Conselho da Revolução e, pior, reduzir os poderes presidenciais. (Por exemplo, jamais voltaria a ser possível a constituição de governos de iniciativa presidencial, nos moldes em que tinham sido engendrados, em 1978/79). E é então que Eanes se decide: se os partidos impediam que cumprisse o seu programa, mudando as regras a meio do mandato, fundaria um partido e jogaria no campo deles, talvez candidatando-se a primeiro-ministro, depois de sair de Belém. E é assim, com um discurso antipartidos, que surge o embrião do PRD (Partido Renovador Democrático), com o seu líder provisório, o eanista Hermínio Martinho e a colaboração ativa da primeira-dama, Manuela Eanes.
Em 2026, com os partidos tradicionais cada vez mais inseguros, muitos temem que Gouveia e Melo esteja a planear algo de parecido. Ele surge como o homem providencial, capaz de curar as chagas do regime, crescentemente ameaçado pelas propostas populistas (com grande sucesso nas legislativas de 2025) da direita radical, cujo apoio, aliás, o almirante recusou expressamente. Neste contexto, Gouveia e Melo é adversário dos partidos tradicionais, mas, também, concorrente direto do Chega (e no campo moderado!), o que coloca o maior dos problemas a André Ventura e à sua afirmação pessoal.
Gomes da Costa O herói de guerra Distinguiu-se na I Guerra Mundial e, quase dez anos depois, marchou de Braga a Lisboa, no pronunciamento que espoletou a Revolução Nacional. Foi o segundo militar do 28 de Maio a assumir a chefia do Estado, mas esteve apenas cinco meses em funções, antes de ser derrubado. Obteria, ainda assim, o bastão de marechal.
Em 1985, o PRD, com a sua mensagem moralizadora, anticorrupção e antissistémica – onde é que já ouvimos isto?… – surge como um furacão, arrebatando, nas legislativas antecipadas de 1985, 17,92% dos votos, reduzindo o PS (então liderado por Almeida Santos, com Soares já a preparar a candidatura presidencial de 1986) a uns meros 20,77%. Mas, ao contrário do que sucede atualmente, também em número de deputados o PS continuava a ser a segunda força política. Cavaco Silva, na sua estreia, levava o PSD aos 29,87%.
Tudo o resto aconteceu muito depressa: Eanes acabou o segundo mandato, mas já não assumiu o PRD. Portugal entrava na CEE, o dinheiro europeu chegava em jorros, Cavaco distribuía e fazia e, quando PS e PRD deitaram abaixo o governo, aprovando a moção de censura do segundo, o já eleito Mário Soares, em vez de aceitar a alternativa de governo de esquerda, corporizada por PS e PRD e apoiada pelo PCP, que o novo líder do PS, Vítor Constâncio, lhe oferecia, preferiu interpretar o sentimento popular e convocar eleições antecipadas. Era a primeira maioria absoluta de Cavaco e o varrer definitivo dos militares da política ativa. Mas estas condições, que então desfavoreceram Eanes, são, no eventual mandato de Gouveia e Melo, simplesmente irrepetíveis.
O fenómeno Sidónio
Ora, se os militares tinham sido sempre decisivos para as mudanças de regime em Portugal, desde a I República, o modus operandi, sempre muito parecido, constituía, a bem dizer, uma originalidade portuguesa: os militares fazem o pronunciamento, o golpe ou a revolução, mas, depois, ao contrário do que acontece noutras latitudes, acabam por entregar o poder aos civis. Aconteceu em 1910/1911 e em 1974/1976 com extensão até 1982. Mas também aconteceu em 1926/1933, com a ressalva de que a chefia do Estado permaneceria, pelo menos, formalmente, entregue a um militar.
Óscar Carmona O protetor de Salazar Nada fez durante o pronunciamento do 28 de Maio, preferindo resguardar-se, prudentemente. Os seus pares foram buscá-lo depois do afastamento dos dois protagonistas da revolução, Gomes da Costa e Mendes Cabeçadas, por ser uma figura neutra e consensual. Com faro político, repescou Salazar para as Finanças, por intuir que o professor de Coimbra teria a capacidade de salvar o novo regime. Mais tarde, entregar-lhe-ia o poder absoluto e Salazar deixá–lo-ia ficar no cargo até morrer.
A eventual dissonância surgira a meio do período da I República, quando, na madrugada de 8 de maio de 1918, fora exonerado o Governo da União Sagrada, liderado por Afonso Costa, transferindo-se o poder para a Junta Revolucionária presidida pelo major Sidónio Pais. Bernardino Machado é destituído de PR e Sidónio assume as rédeas do poder, num levantamento que conta com o beneplácito de certas franjas das classes trabalhadoras. Sidónio, que fora embaixador em Berlim, matemático, germanófilo, é uma espécie de precursor dos modernos fascismos europeus. Populista, ciente do poder do marketing político – muito antes de o conceito ser conhecido –, exímio condutor das massas, cultor de uma imagem romântica e marcial, tem sucesso imediato junto das mulheres e o reconhecimento viril dos homens. A imagem elegante de jovem chefe de Estado (46 anos) é, literalmente, a de “um homem a cavalo”. O carisma permite-lhe impor-se como um conductore, revogando vários preceitos constitucionais que acautelavam liberdades e garantias. Nos poucos meses de poder, Sidónio constrói uma mitologia sebastiânica, o sidonismo, que perdurará gerações. Assassinado a tiro na Estação do Rossio, em Lisboa, no mês de dezembro seguinte, dele se reproduziram umas alegadas últimas palavras que ajudam a compor o mito: “Morro bem, salvem a Pátria!” Parece que a única coisa que conseguiu balbuciar, afinal, enquanto se esvaía em sangue e procuravam socorrê-lo, terá sido: “Não me apertem, rapazes…”
Uma e outra vez, o sidonismo foi recuperado pelos grandes chefes militares que se lhe seguiram e a própria figura esguia, marcial e patriótica de Gouveia e Melo, como, antes, a de Eanes, recuperam o boneco, pelo menos, na forma, o que assusta sempre os que receiam que se lhe siga o conteúdo.
Sucedeu a Sidónio outro militar, o apaziguador comandante João do Canto e Castro, numa altura em que apenas um homem da tropa podia fornecer as necessárias garantias para acalmar o País. Canto e Castro, 56 anos, foi eleito de acordo com as regras da Constituição de 1911, repostas após o abalo sidonista. Tido como monárquico, reforçou a sua imagem de institucionalista, ao defender os valores republicanos de que agora era símbolo máximo, o que lhe valeu a inimizade súbita dos seus antigos companheiros realistas.
Um jovem professor de Coimbra…
O pronunciamento do 28 de Maio de 1926 replica, de uma certa forma, mas em versão castrense, a Marcha sobre Roma de Benito Mussolini, em 1922. A partir de Braga, um conductore, herói de guerra (da I Guerra Mundial), o general de infantaria Manuel Gomes da Costa, marcha sobre a capital, arrastando no caminho as unidades militares de meio País. Estes militares vêm para afastar os políticos corruptos, o parlamentarismo estéril e clientelar e a balbúrdia republicana, bem como para impedir a bancarrota… Em Lisboa, há implicados na conjura, com destaque para o comandante José Mendes Cabeçadas que, por acordo dos revoltosos, após conferenciar com Gomes da Costa, em Coimbra, toma a chefia do Estado que passa a designar-se por “presidência do Ministério”, como um Presidente ex officio. Mendes Cabeçadas tem na ideia a estabilização do País e uma ida posterior a eleições e, sendo da Marinha, representa a esquerda militar. Uma sucessão de golpes palacianos afasta-o da ribalta, tendo sido substituído pelo carismático chefe da primeira hora, Gomes da Costa.
Com efeito, o Diário de Lisboa de 2 de junho proclama: “O Exército e a Marinha acham-se à testa do País, dispostos a corrigir a política dos partidos, em benefício da política nacional.” Por essa altura já os homens mais próximos de Gomes da Costa conspiram para renegar o acordo de Coimbra. Panfletos são distribuídos em Lisboa largados por um avião: “O Exército, legítimo mandatário do sentimento nacional, que há longos anos aspira a uma libertação das clientelas políticas e à pronta solução dos seus mais vitais problemas (…) tomou o Poder das mãos dos empresários políticos e não o deixará enquanto não puser em obra o seu grande pensamento de reconstrução nacional.”
Craveiro Lopes O rebelde Com a morte de Carmona, o Estado Novo precisava de encontrar um novo militar, para manter o compromisso entre o poder civil, exercido por Salazar, e as Forças Armadas, que protegiam o regime. Mas este novo PR tinha ideias próprias e chegou a manter contactos com figuras da oposição. Previsivelmente, não foi reconduzido no cargo.
O JN trazia, entretanto, uma entrevista com um dos braços direitos de Gomes da Costa, tenente Pinto Correia: “O general Gomes da Costa está em desacordo com o comandante Cabeçadas. Em desacordo completo. Os dois polarizam princípios antagónicos da Revolução.” E mais à frente: “Enganaram o general. Mentiram ao general. O general foi vítima dos artifícios dos políticos. São a pior canalha que infeta o País.” Mais tarde, é o próprio Gomes da Costa que proclama, em O Século: “Desminta tudo, desminta tudo! Nada se resolveu em Coimbra!”
A 4 de junho, Gomes da Costa, que suspendera a marcha no Entroncamento, muda o seu quartel-general para o Grupo de Esquadrilhas de Aviação da Amadora. Está às portas de Lisboa.
A 16 de junho, um jovem professor de Coimbra, Oliveira Salazar, chamado para as Finanças, tenta explicar ao Conselho a grave crise económico-financeira que o País atravessa. Só aguentara o cargo durante aqueles últimos 13 dias. O tema principal da reunião é, afinal, a acesa discussão entre Cabeçadas e Gomes da Costa e Salazar retira-se para Coimbra, horrorizado.
Américo Tomás O corta-fitas De apagado ministro da Marinha a PR: depois de Craveiro Lopes, Salazar preveniu-se com um yes man em Belém. Conhecido pelo seu gosto por inaugurações (guardando no bolso algumas das tesouras de ouro com que cortava as fitas) e pelos seus discursos patéticos, revelou-se mais fino quando tratou de garantir que o regime sobrevivia ao ditador.
A 29 de junho, Cabeçadas não aguenta a pressão militar e é substituído pelo próprio Gomes da Costa, que, embrulhado num conjunto de decisões erráticas e megalómanas, que o incompatibilizam com toda a gente, permanece na chefia do Estado até 29 de outubro, quando um novo golpe o apeia do comando e lhe dá ordem de marcha para o desterro, nos Açores. Um outro nome forte da ditadura militar, Sinel de Cordes, emergira, entretanto, como possível concorrente direto de Gomes da Costa. Mas prefere a sombra e quem aparece, no governo, é uma figura obscura, apagada e que se mantivera quase escondida “debaixo da cama”, durante o 28 de Maio. Mas este oficial neutro é, agora, o mínimo denominador comum: o general Óscar Fragoso Carmona assume a liderança do governo (com Sinel de Cordes na pasta das Finanças) e a pasta da Guerra. A 29 de novembro de 1926, o mesmo Carmona é cooptado como Chefe de Estado, permanecendo presidente do Ministério e Presidente da República ex officio, até à recuperação do cargo de Presidente da República, em abril de 1928, função que, naturalmente, assume. Ele próprio dirá que nada fez para o sucesso do golpe do 28 de Maio e que o poder lhe caiu no colo por acaso. Duas semanas depois, Carmona desembaraça-se de Sinel de Cordes e recoloca Salazar nas Finanças. O futuro ditador sabe muito bem o que quer e para onde vai.
Os presidentes de Salazar
Numa sessão da União Nacional, partido único do Estado Novo, o propagandista do regime, António Ferro, desencanta uma espécie de ovo de Colombo político, ao explicar porque é que, existindo um Presidente da República, Salazar é que é o “chefe da Nação”. “Por assim dizer”, elucubra Ferro, “o senhor professor doutor Salazar é o ditador… E o senhor marechal Carmona é a ditadura!”
Salazar percebe o essencial: os militares, que, nos últimos 20 anos, já fizeram duas revoluções e um incontável número de golpes e contragolpes, palacianos e explícitos, são a sua única hipótese de se manter no poder. Constrói a sua aura de indispensável, na pasta das Finanças, salvando a ditadura militar de mais um fiasco, e obtém o reconhecimento castrense. Escolhe, para o secundar, um oficial do Exército, o fiel salazarista capitão Santos Costa, que fará a ponte com os quartéis. Mantém em Belém, e adula convenientemente, o vaidoso marechal Carmona – que nem sabe bem como ali foi parar e que agradece que o mantenham. Ter os militares na mão é um exercício difícil que encontra alguns escolhos pelo caminho, com a situação mais grave a ser protagonizada, já em 1961, com o Golpe Botelho Moniz. Mas a parceria entre o professor de Coimbra, que nunca foi à tropa, e os militares do 28 de Maio, e seus sucessores, prossegue o seu caminho de sucesso, como uma troca de favores e um negócio de dupla soma: no acordo tácito, ganham todos. A tropa assegura-se de que Salazar se mantém no poder. E Salazar satisfaz as ambições da tropa – a primeira das quais é manter, na Presidência da República, símbolo máximo do prestígio nacional, um dos seus. Esta é a principal razão pela qual o ditador de Santa Comba nunca recuperará a instituição monárquica.
Humberto Delgado O general sem medo Nunca exerceu o cargo, mas figura nesta galeria por ser provável que a sua eleição, em 1958, tenha sido roubada, depois de uma fraude maciça. Dissidente do salazarismo, foi o candidato de toda a oposição e fez uma campanha empolgante e popular. Continuou as suas atividades de opositor no exílio e foi assassinado pela PIDE em 1965.
A morte de Carmona, em 1951, coloca um novo desafio ao chefe da Nação: onde arranjar um militar tão dócil como o anterior?
A escolha recai no general da Força Aérea Francisco Craveiro Lopes, um insuspeito homem da situação, que já tinha sido deputado da União Nacional à Assembleia e que se cotava como um dos mais brilhantes militares da sua geração. Salazar aquiesceu, depois de ouvir as recomendações de agentes civis e militares da sua órbita, e esperou que Craveiro Lopes desempenhasse a sua função… “habitualmente”. Mas Craveiro Lopes manteve sempre muito frias as relações com o ditador, convencido de que o cargo era para ser usado. Aproximou-se, inclusivamente, de círculos oposicionistas, o que ficou registado na mente vingativa de Salazar. Em 1958, o primeiro-ministro informou-o, cinicamente – como se não fosse ele a decidir tudo… – de que o seu nome não tinha sido proposto pela União Nacional para a recondução e, friamente, agradeceu-lhe os serviços prestados.
António de Spínola O combatente Construiu a sua aura de soldado puro e duro, de perfil prussiano, entre as matas e os pântanos da Guiné, onde inovou, com o seu conceito de “guerra psicológica”e sedução das populações. Escreveu o livro Portugal e o Futuro, no qual cometeu a heresia de defender uma solução política para a Guerra Colonial. Foi o primeiro PR da democracia, nomeado pela Junta de Salvação Nacional.
Craveiro Lopes, que manteve uma dignidade assinalável para os tempos que corriam, viria a recusar quaisquer prebendas que não resultassem da lei e fez saber que só aceitaria o bastão de marechal se ele fosse pedido pelas Forças Armadas – nunca por promoção política. E foi o ministro Botelho Moniz, também militar, que convenceu o ditador a deixar que os generais o “promovessem”. Mais tarde, Craveiro Lopes participaria no chamado Golpe (palaciano e frustrado) de Botelho Moniz, que preconizava o afastamento do ditador e o seu exílio na Suíça. Nesse transe, Craveiro Lopes, retirado do serviço ativo, mantinha numa mala, sempre à mão, a sua farda de marechal, para reassumir o poder…
Em 1958, Salazar não arriscou e designou o seu fidelíssimo ministro da Marinha, o inócuo almirante Américo Tomás, 64 anos (idade atual de Gouveia e Melo…), para candidato da situação à Presidência da República. Esperava-se uma eleição sem grandes perturbações, devidamente controlada pela fraude massiva do regime. Mas a perturbação daquela campanha foi tal que, doravante, o Presidente da República seria eleito por um colégio eleitoral – e não em eleição aberta, pelo povo. E, naquele ano, a fraude seria, mais do que nunca, necessária…
Furacão Delgado
Ao mesmo tempo que Américo Tomás se prestava ao papel, um general do 28 de Maio, que tinha sido salazarista e germanófilo antes de virar para o alinhamento com os Aliados, na II Guerra Mundial, assumia a sua dissidência. Ressentido com o ditador, em boa parte por não lhe ser reconhecido o estatuto que julgava merecer, noutra parte por ter despertado para o “arejamento” das ideias democráticas em sucessivas missões no Canadá e nos EUA, onde viveu, o general de Artilharia, e depois aviador, Humberto Delgado, foi sugerido à oposição democrática pelo capitão dissidente, preso em Caxias, Henrique Galvão. Olhado com desconfiança pelos oposicionistas e rebaixado pelo PCP, que lhe chamou, nas páginas do clandestino Avante!, “general Coca-Cola”, Delgado soube ganhar a confiança dos antissalazaristas: ele era o melhor que eles podiam arranjar para enfrentar a ditadura. General no ativo, andava armado e tinha autoridade sobre as polícias do regime, incluindo a PIDE, cujos agentes humilhava publicamente.
Costa Gomes O diplomata Com currículo oposicionista – implicado no Golpe Botelho Moniz, em 1961 –, era o preferido dos Capitães de Abril para exercer o cargo presidencial. Sucedeu a Spínola no final de setembro de 1974, mantendo o equilíbrio necessáriopara evitar a guerra civil, na sequência do processo revolucionário. Mas, pelo seu pacifismo, foi acusado de fazero jogo da URSS…
Numa reunião, em sua casa, com algumas sumidades da oposição democrática, na véspera da histórica conferência de imprensa do Café Chave de Ouro, na Baixa lisboeta, Delgado foi alertado para a pergunta que podia surgir, por parte dos jornalistas: se ganhasse, o que faria ele com Salazar? Sobretudo, era importante não entrar a matar. “Se a questão surgir, o que o senhor general deve dizer é o seguinte: ‘Sua Ex.ª, o presidente do Conselho, compreenderá, certamente, que as circunstâncias políticas, em Portugal, terão mudado…” À saída da reunião, e enquanto conduzia os convidados ao elevador, Delgado repetia, entre risadas, fingindo decorar o guião: “Então, como é? ‘Sua Ex.ª o Presidente do Conselho…’” No dia seguinte, assim que a pergunta surgiu, a resposta que realmente deu abalou o País: “Obviamente, demito-o!” Pouco depois, no que viria a ser conhecido como “o pacto de Cacilhas”, o próprio PCP dava a mão à palmatória, desistindo do seu candidato civil, o advogado Arlindo Vicente, para apoiar – sempre na clandestinidade, bem entendido – o ex-general Coca-Cola… Humberto Delgado seria, em 40 anos de poder, o militar que mais dores de cabeça deu a Salazar. Valeu ao ditador tratar-se de um general sem tropas e com muitas invejas na instituição castrense, um homem só, sem apoios nem amigos.
Em 1968, depois da doença que incapacitou Salazar, o amorfo Américo Tomás sairia da sua letargia, aceitando de mau grado indigitar Marcelo Caetano para o cargo de presidente do Conselho – primeiro-ministro – na condição de que as chamadas “províncias ultramarinas”, vulgo colónias, eram sagradas e que a guerra tinha de continuar, no Ultramar. Marcelo ainda foi aconselhado, em 1972, a substituir, ele próprio, Tomás na Presidência, mas o professor de Direito tinha a consciência de que o Estado Novo ruiria imediatamente, se os militares fossem afastados de Belém.
Outros militares, mais jovens, haveriam de fazer o serviço…
O general do monóculo
Com o Golpe dos Capitães, a 25 de Abril de 1974, Marcelo Caetano, cercado no Largo do Carmo, no interior das instalações do quartel da GNR, solicitou a presença de um general, para transferir o poder, para que este “não caísse na rua”. Mais uma vez, era o reconhecimento de que o poder máximo só podia ser exercido por militares, sobretudo quando um golpe militar mudava, mais uma vez, um regime. António de Spínola, oficial de cavalaria, 64 anos – de novo, a mesma idade que tem hoje Gouveia e Melo –, um operacional com créditos firmados na Guiné, tinha publicado um livro, Portugal e o Futuro, em que quebrava o tabu da Guerra Colonial, defendendo que não só a guerra não podia ser vencida como a solução tinha de ser política. Subchefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, teve o beneplácito do CEMGFA, seu chefe direto, Francisco da Costa Gomes. Convocados os generais para São Bento, para uma sessão de prestação de fidelidade ao governo e à sua política ultramarina, poucas semanas antes do 25 de Abril, os dois oficiais recusaram comparecer – e foram exonerados. Não admira que, dado o maior reconhecimento público de Spínola, devido ao livro, Marcelo Caetano o tenha chamado, para lhe entregar o poder. Presidente da Junta de Salvação Nacional, com a presença de oficiais de todos os ramos das Forças Armadas, Spínola foi naturalmente cooptado como Presidente da República. Não era o preferido dos capitães, que teriam escolhido Costa Gomes. E os atritos, quer com os líderes políticos, quer com os próprios capitães do MFA, não tardaram. Spínola tinha uma clara visão bonapartista da sua função de chefe militar e civil e procurou influenciar o governo para reforço dos seus poderes, logo em junho de 1974, através do chamado “golpe Palma Carlos” (nome do primeiro chefe de governo do pós-revolução). Palma Carlos apresentou, sem êxito, ao Conselho de Estado, um projeto de lei constitucional que reforçava o poder do Presidente e atirava eleições para uma Assembleia Constituinte para 1977. Entretanto, Spínola travaria os processos de independência das colónias, impondo referendos locais. Evidentemente que o general do monóculo já tinha sido ultrapassado no terreno, onde os militares portugueses confraternizavam com os antigos inimigos dos movimentos de libertação, e estavam desejosos de regressar a casa.
Ramalho Eanes O civilista Sem a sua ação persistente, talvez os militares não voltassem tão depressa aos quartéis. Primeiro PR eleito por sufrágio universal, teve divergências com governos eleitos de duas forças políticas diferentes e patrocinou a formação de um novo partido. Retirar-se-ia da política, doutorando-se numa universidade espanhola e intervindo, no espaço público, na qualidade de “senador” da República.
A 28 de setembro, frustrado o que parecia ser uma intentona a favor do reforço do poder spinolista, o Presidente renuncia e dá o lugar a Costa Gomes, de 60 anos. Este inicia o mandato atravessando os momentos de maior brasa do PREC. Sempre em equilíbrio instável, acusado, à direita, de fazer o jogo dos comunistas e, à esquerda, de não facilitar o avanço da Revolução, consegue evitar uma guerra civil, a sua única prioridade. Alcunhado, pelos críticos, de “Chico Cortiça”, por saber manter-se sempre à tona em qualquer tempestade, deu a sensação de esperar pelo movimento dos que fossem considerados mais fortes – a facção radical ou a facção moderada do MFA – antes de tomar uma decisão final, sobre para que lado penderia. Fosse este julgamento justo ou injusto, o certo é que o seu perfil institucional prevaleceu e, a 25 de novembro de 1975, manobrou, a partir de Belém, para que a vitória moderada chegasse a bom porto, sem derramamento de sangue. Vinha aí a institucionalização do regime democrático e a aprovação da Constituição de 1976. A mesma que restabeleceu a eleição do Presidente, por sufrágio direto e universal. A ser eleito, Gouveia e Melo será, dos 11 militares anteriores (descontando a provável eleição roubada de Delgado), o segundo a não resultar de um golpe militar ou imposto de cima. Não é pequeno elogio, para um regime que vive a vitalidade dos seus 51 anos.
Perfis-tipo
Presidentes militares vieram dos três ramos das Forças Armadas. De perfis diferentes, há características e estilos que são comuns entre alguns deles
Os Autoritários
Sidónio Pais Artilharia/Exército
Humberto Delgado* Artilharia/Força Aérea
Os Operacionais
Gomes da Costa Infantaria/Exército
António de Spínola Cavalaria/Exército
Os Interventivos
Craveiro Lopes Força Aérea
Ramalho Eanes Infantaria/Exército
Os Institucionais
João Canto e Castro Marinha
Mendes Cabeçadas Marinha
Costa Gomes Cavalaria/Exército
Os Decorativos
Óscar Carmona Cavalaria/Exército
Américo Tomás Marinha
*A sua eleição não foi reconhecida devido a provável fraude eleitoral
Charles de Gaulle O resistente Condenado à morte pelo governo de Vichy, o executivo colaboracionista francês com a Alemanha nazi, chefiado pelo marechal Pétain, Charles de Gaulle chefiou o governo da França Livre, a partir do seu refúgio em Inglaterra. Sempre muito cioso do brio gaulês, manteve-se no centro da decisão, no estado-maior aliado, garantindo que as tropas da França Livre fossem incluídas entre os vencedores da guerra. Em 1946, retirou-se, mas voltou em 1959, sendo eleito Presidente e tomando posse depois de ter reescrito a Constituição e fundado a 5.ª República. Manteve-se no cargo dez anos. Kennedy chamou-lhe “o campeão do mundo livre”.
Winston Churchill O estratego ocasional Foi na pele de político que ficou celebrizado, mas foram os feitos como militar que lhe abriram as portas da fama. Frequentou a Real Academia de Sandhurst, a afamada escola militar do Reino Unido, tornando-se segundo-tenente no Regimento dos Hussardos da Rainha. Serviu na Índia, mas foi já na qualidade de correspondente de guerra que se juntou às tropas britânicas na Guerra dos Boers, na África do Sul, tendo sido capturado pelo inimigo e encetado uma sensacional fuga. Na I Guerra Mundial, depois de se ter demitido de primeiro-lorde do Almirantado, devido ao desastre de Galipoli, ainda quis passar uma temporada nas trincheiras da Flandres, para se redimir. O seu gosto pela estratégia foi efusivamente praticado, como primeiro-ministro, durante a II Guerra Mundial.
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Francisco Franco O caudilho Cadete com classificações sofríveis na Academia de Toledo, taciturno e apagado, ninguém daria nada pelo “Franquito”, como era depreciado pelos seus camaradas. Mas este galego de Ferrol revelaria o seu génio militar assombroso e uma coragem física invulgar, em ação, no Marrocos espanhol. Amado pelos seus homens, temido pelos inimigos, depois de ter submetido o Rife, virou-se para Espanha, entrando na conjura contra a República. Com a morte do general Sanjurjo, assumiu a liderança dos nacionalistas, ganhou a Guerra Civil (1936-39) e impôs uma ditadura de inspiração fascista que resistiria até à sua morte, na cama, em 1975.
Dwight D. Eisenhower O vencedor da guerra É difícil pensar no Dia D e no desembarque dos Aliados na Normandia sem nos lembrarmos do nome de Dwight Eisenhower, comandante em chefe das Forças Aliadas, na frente ocidental, contra a Alemanha de Hitler. A sua aura de herói de guerra seria reconhecida pelos europeus, que voltaram a acolhê-lo efusivamente quando, em 1951, foi destacado como primeiro comandante supremo da NATO no continente. Em 1952, entrou na corrida presidencial, pelo Partido Republicano, nos EUA, cumprindo dois mandatos. E foi o Presidente da assinatura do armistício, na Guerra da Coreia. Em 1956, desautorizou a intervenção de França e do Reino Unido no Canal do Suez.
Miklós Horthy O almirante sem mar Foi regente do Reino da Hungria entre 1920 e 1944, vindo a morrer, no exílio, em Portugal, no Estoril. Cúmplice de Hitler, fez o seu país alinhar pelo Eixo, durante a II Guerra Mundial, e é tido como um dos líderes mais importantes dos fascismos europeus dos anos 1920 e 1930. Era almirante num país sem mar, mas os seus créditos de soldado ficaram bem patentes na Batalha do Estreito de Otranto, na I Guerra Mundial.
Petr Pavel O homem da NATO Presidente da República Checa desde 2023, liderou o Comité Militar da NATO, tendo sido o primeiro oficial do Leste europeu a ocupar o cargo. Operacional na intervenção da Aliança, na Guerra dos Balcãs, participou na evacuação da Base Karin, na ex-Jugoslávia, o que lhe valeu elogios gerais e prestígio internacional. Eleito com o apoio de uma plataforma europeísta e antipopulista, é uma figura de consenso.
Ariel sharon O operacional Paraquedista, operacional puro e duro, desde a guerra da Independência, em 1948, o antigo primeiro-ministro (entre 2001 e 2006) teve um papel determinante em todas as mais importantes guerras travadas e vencidas por Israel, desde então até ao início deste século. Fazendo um percurso político da esquerda para a direita, ajudou a fundar o partido Likud, em 1973. Como ministro da Defesa, foi acusado de cumplicidade no massacre de civis palestinianos, nos campos de Sabra e Chatila, durante a Guerra do Líbano de 1982. Foi considerado o melhor comandante de campo da História de Israel.
Durante as longas e, a partir de certa altura, intermináveis semanas de campanha eleitoral, nunca o assunto foi abordado nos debates ou erguido como bandeira nas arruadas e nos comícios preparados para captar a atenção das televisões. Mesmo assim, mal os primeiros votos foram contados e sem mesmo ser preciso esperar pelo resultado final, que só fica completo com a contagem dos boletins enviados pelos emigrantes, o tema tornou-se dominador, como se fosse a urgência prioritária, a resposta que pode ajudar a resolver todos os males de que o País padece, solucionar os problemas estruturais e, ainda por cima, indicar o caminho para a prosperidade.
De um dia para o outro, a revisão da Constituição tornou-se “o” tema político. Apenas e só porque, pela primeira vez, há uma possível maioria de dois terços que permite fazer alterações sem precisar da colaboração da esquerda, nomeadamente do Partido Socialista, que desempenhou sempre um papel central no sistema político. E, acima de tudo, porque é um tema que permite aos dois primeiros promotores da ideia, a Iniciativa Liberal e o Chega, ainda recentes no sistema, marcarem uma posição ideológica que consideram não poder ser desperdiçada.
Por tudo o que já se viu e ouviu nos últimos dias, a revisão da Constituição tem um valor mais simbólico do que substantivo. É vista por setores da direita como uma afirmação de virar de página, o prenúncio de um tempo novo e, até, um corte com o passado. E, da mesma maneira, também é vista por alguma esquerda como um apelo de resistência, como se estivéssemos perante a violação de algo sagrado, que precisa de ser mantido imutável para sempre.
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No meio disto tudo, há algo de que poderemos ter a certeza: a revisão constitucional não terá qualquer efeito imediato nos problemas que, como vimos nas eleições, mais preocupam os portugueses. Não será por se mudar a redação do preâmbulo ou alterar alguns artigos que, de um momento para o outro, vamos resolver o problema das urgências fechadas, da falta de professores nas escolas, dos salários baixos ou da desigualdade social e económica. Para quê, então, esta pressa?
É nestes momentos que devem imperar a serenidade e o bom senso. A Constituição da República deve ser sempre, em qualquer circunstância, um fator de união e não de divisão. Serve para agregar, consensualizar pontos comuns, definir princípios basilares. E, através da redação dos seus artigos, serve para definir o tipo de sociedade que ambicionamos e identificar os valores que nos unem.
É por isso que, normalmente, as revisões constitucionais são processos demorados, longamente ponderados e o mais abrangentes possível. Uma revisão constitucional, seja por que motivo for, nunca deve ser feita à pressa, por impulso ou apenas para não desperdiçar uma oportunidade que pode ser conjuntural ou até, quem sabe, irrepetível.
A revisão da Constituição merece um debate sério e construtivo, mas não deve servir para ajudar a cavar mais trincheiras e aumentar a polarização. Nos tempos conturbados que o mundo atravessa, a revisão constitucional também não pode ser encarada como terreno apetecível para fazer nascer mais uma guerra cultural, em que cada palavra pode ganhar significados diferentes, conforme o ângulo de cada observador.
Os que estão com pressa de mudar a Constituição ou até de tentar proclamar uma mudança de regime é melhor que não sejam apressados. A revisão tem regras inscritas na própria Constituição. E há, portanto, salvaguardas inscritas no artigo 288º que dizem o que uma revisão constitucional deve respeitar. Vale a pena relembrar algumas: a independência nacional e a unidade do Estado; a forma republicana de governo; a separação das Igrejas do Estado; os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais; a coexistência do setor público, do setor privado e do setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção; o sufrágio universal, direto, secreto e periódico na designação dos titulares eletivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de representação proporcional; o pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, e o direito de oposição democrática; a autonomia das autarquias locais; a autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Discuta-se a revisão, mas não se perca o bom senso.
O terramoto político que se fez sentir no dia 18 de maio, ainda tem as suas réplicas. Numa altura em que estão quase todos contados os votos da emigração, o presidente do PS, Carlos César, foi ao Facebook reconhecer que o Chega deverá passar a ser a segunda força política em Portugal.
“Tal como já se esperava após terem sido conhecidos os resultados no território nacional, o PS deverá passar a ser o terceiro maior partido em número de deputados depois de apurados os votos nas comunidades, na Europa e fora da Europa”, escreveu César, numa mensagem na qual procura chamar a atenção dos militantes socialistas para a importância de se unirem para as próximas eleições, as autárquicas, que acontecerão logo no início do outono.
Para Carlos César, “a partir do próximo dia 28 de junho, com uma nova liderança eleita, só pode haver um caminho no PS: unidos, a remar para o mesmo lado e valorizando os melhores para estarem connosco nas eleições autárquicas”.
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PS unido?
César interpela os militantes do PS a “demonstrar, na conclusão das nossas candidaturas [autárquicas], que percebemos que o partido deve ser um instrumento de participação e de inovação e não um espaço de confinamento e de acomodação”.
“Portugal precisa do melhor que sejamos capazes. Teremos tempo, depois, para refletir e para corrigir percursos e voltar a merecer uma confiança reforçada dos portugueses”, defende o socialista.
As diretas para escolher o novo líder do PS estão marcadas para os dias 27 e 28 de junho. Até agora, só José Luís Carneiro se apresentou como candidato. Mas Miguel Prata Roque convocou o movimento que criou para a sua candidatura à FAUL para uma reunião, esta quinta-feira.
Não está completamente afastado que Prata Roque seja candidato, mas o mais provável é que apresente uma moção de estratégia ao Congresso.
Os estatutos do partido obrigam a que quem apresenta uma moção de estratégia seja candidato a líder. E, no PS não falta quem lembre que, quando houver um Congresso, os estatutos obrigam a que se vote também o líder.
Não há, contudo, um calendário definido para o Congresso. Estava previsto um Congresso ordinário em janeiro, mas é possível que, após a eleição de um novo líder em diretas em junho, o calendário seja antecipado para depois das autárquicas. Caso isso não aconteça, o Congresso do PS pode só vir a realizar-se depois das presidenciais, em fevereiro ou março de 2026.
A jornalista Clara Teixeira, da VISÃO, venceu a 6.ª edição do Prémio de Jornalismo Financeiro da CFA Society Portugal, com o artigo “Não é só o PIB que conta” , publicado na edição de 11 de julho de 2024, no qual se sustenta, a partir de dados estatísticos, que é no bem-estar, e não no rendimento per capita, que Portugal se compara melhor com os outros países europeus. O artigo pode ser lido aqui
O galardão, atribuído na Charter Award Ceremony 2025, que decorreu no dia 27, em Lisboa, destina-se a distinguir o melhor artigo económico/financeiro da imprensa portuguesa e é, atualmente, o único prémio instituído em Portugal para a área do jornalismo económico.
O júri do prémio, presidido pela jornalista Helena Garrido, decidiu ainda atribuir uma menção honrosa ao artigo “Negociação em cima do capô. A vida turbulenta da bolsa após 1974”, assinado por Leonor Mateus Ferreira e publicado no Jornal de Negócios a 24 de abril de 2024.
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“Continuamos a acreditar que este prémio é já incontornável no seu âmbito e alcance. Quando o lançámos em 2019, queríamos reconhecer os trabalhos jornalísticos que, pelo conteúdo, relevância, clareza e evidências factuais, ajudam a sublinhar a importância dos profissionais de investimento e a reforçar a literacia financeira e a ética nos investimentos. É com prazer que concluímos que estes objetivos têm sido cumpridos em todas as edições” reiterou Marcos Soares Ribeiro, CFA, Presidente da CFA Society Portugal.
Lançada pela primeira vez em 2019, pela associação que atribui e representa os detentores da certificação Chartered Financial Analyst (CFA) em Portugal, esta distinção tinha já sido atribuída, na sua primeira edição, aos jornalistas Clara Teixeira e Nuno Aguiar, autores de um dossiê de balanço sobre os dez anos da crise financeira, publicado em 2018 na revista Exame (do mesmo grupo proprietário da VISÃO).
Os robôs estão a evoluir a um ritmo impressionante e, muito em breve, poderão tornar-se assistentes pessoais no nosso dia a dia. Já imaginou ter um robô que lhe prepara o almoço, estende a roupa ou até arruma os sapatos? Esse cenário está cada vez mais próximo da realidade. Empresas como a Tesla, Figure ou BMW estão a investir fortemente em robótica inteligente, desenvolvendo máquinas cada vez mais ágeis, autónomas e com comportamentos surpreendentemente humanizados. Este é o tema em destaque na mais recente edição da revista, a Exame Informática nº 356, mas não é o único a merecer a sua atenção, como pode ver em baixo.
Pode comprar a Exame Informática nº 356 nas bancas e em formato digital.
Capa
-Ascensão das máquinas: Dos humanoides que nos vão substituir em tarefas repetitivas (em casa e no trabalho), aos carros autónomos e drones de entregas, o futuro pertence aos robôs
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Testes
-Teste de grupo a aspiradores robôs: iRobot Roomba Combo 505 Plus, RobotRock Saros 10R, Xiaomi Robot Vacuum X20 Max
A Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação (EASA) atualizou recentemente as suas diretrizes sobre o transporte de bagagem a bordo dos aviões, reforçando as restrições em torno de certos objetos considerados perigosos. Entre eles estão os carregadores portáteis, mais conhecidos como powerbanks, cuja presença na bagagem despachada passa agora a ser estritamente proibida.
Segundo a EASA, os powerbanks representam um risco significativo de segurança, uma vez que podem sobreaquecer, provocar curto-circuitos ou até incendiar-se, especialmente quando não estão acessíveis à tripulação durante o voo. Por esse motivo, estes dispositivos só podem ser transportados na bagagem de mão.
A nova regulamentação impõe ainda outras condições: as baterias portáteis não podem exceder os 100 watts-hora de capacidade e devem ser protegidas individualmente, com uma capa ou isolamento dos terminais. Além disso, é proibido carregar estes dispositivos ou utilizá-los para alimentar outros aparelhos durante o voo.
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Cada passageiro só pode levar no máximo duas baterias extra ou powerbanks. A EASA também alerta para os riscos associados a produtos falsificados ou de má qualidade, recomendando que apenas se utilizem baterias adquiridas junto de revendedores fiáveis.
Câmaras, computadores, smartphones e outros aparelhos com baterias integradas também devem ser transportados na cabina. Caso seja detetada uma bateria de lítio na bagagem de porão, esta poderá ser confiscada ou o passageiro impedido de embarcar até corrigir a infração.
Com o aumento do tráfego aéreo no verão e o reforço dos controlos de segurança nos aeroportos, a EASA recomenda que os viajantes verifiquem cuidadosamente o conteúdo das suas malas antes de partir.
A médica Rasha Alawied tem 34 anos e é libanesa. Formou-se na Universidade Americana de Beirute em 2015 e, três anos depois, emigrou para os Estados Unidos da América. Nos EUA, há poucos médicos a trabalhar na área em que Rasha se especializou, a nefrologia de transplantes. Nos últimos anos, obteve bolsas da Universidade do Ohio e da Universidade de Washington. Também trabalhou em Yale e estava, agora, na Universidade de Brown.
Infelizmente, a história de Rasha Alawied é apenas uma das muitas tristes histórias que poderíamos contar. A perseguição da Casa Branca às universidades norte-americanas dura desde março. Basicamente, o ataque tem sido operado de duas maneiras: i) expulsão de professores, investigadores e alunos; ii) corte de financiamentos. Ontem, a administração norte-americana voltou a revogar os contratos entre o Estado e a Universidade de Harvard que ainda estavam em vigor. Estima-se que o corte chegue, desta vez, aos 100 milhões de dólares.
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Trump já tinha ameaçado fazer outro corte, no valor de três mil milhões de dólares, a somar aos quase 3,2 mil milhões de dólares que já estavam congelados. Também ameaçou pôr fim à isenção de impostos da universidade mais rica do mundo (com um fundo de reserva da ordem dos 53 mil milhões de dólares). Harvard, que entre muitos outros disparates tem sido acusada de não respeitar “os valores americanos”, exigiu em tribunal o descongelamento das verbas já aprovadas e contratualizadas. Na semana passada, teve uma pequena vitória: a juíza Allison D. Burrough suspendeu provisoriamente uma ordem da Casa Branca que proibia a universidade de admitir mais estudantes estrangeiros.
No meio da loucura, há universidades europeias, como Cambridge, no Reino Unido, a aproveitar a oportunidade e a acolher investigadores de topo provenientes do outro lado do Atlântico. Também o Instituto Karolinska, na Suécia, está a oferecer sabáticas na área da investigação biomédica. A China fez saber que se encontra de braços abertos para receber os cientistas sino-americanos e – imagine-se! – já proclamou ser um país “aberto, inclusivo e cheio de oportunidades”.
A fúria de Trump contra o ensino superior é mais complexa do que parece. Em março, quando começou o ataque às universidades, Fareed Zakaria dedicou a sua coluna no Washington Post ao assunto e pôs o dedo na ferida. Reconheceu que, nos últimos anos, as faculdades norte-americanas alimentaram o sentimento antielites e que, no fundo, o wokismo favoreceu esta perseguição. “Há muito que defendo que as universidades têm um grande problema: têm muito pouca diversidade intelectual e ideológica – que é o tipo de diversidade mais importante num campus. Mas a forma de resolver isto não é restringir o discurso de esquerda radical, mas acrescentar vozes e pontos de vista de outras partes do espectro. A resposta à censura da esquerda não é a censura da direita”, escreveu o autor de Era de Revoluções.
Há muitas Rashas à face da terra. Algumas delas contribuem há anos para a massa crítica dos EUA e do mundo, fazem descobertas científicas que salvam vidas, vencem prémios Nobel. Mas desde março que muitos professores e investigadores, alguns portadores de green cards, foram prudentemente aconselhados a não sair do país que os acolheu, onde vivem há anos. Têm medo porque, no regresso, podem ser barrados de forma discricionária. O discurso securitário da administração norte-americana é agressivo e implacável, mas a verdade é que os EUA – a terra da esperança e dos seus sonhos, como diz o nome da tour de Bruce Springsteen – estão à beira de transformar-se num território autocrático, sem lei nem roque.
É fácil de reconhecer que uma parte do poder dos EUA na geopolítica mundial das últimas décadas se deve ao investimento na ciência e na promoção do pensamento livre. Há pelo menos 60 anos que vemos o outro lado do Atlântico como uma extraordinária terra de oportunidades, com uma espantosa capacidade de promovero talento e a inovação, de fazer dinheiro, de atrairos melhores dos melhores. Pior para eles, melhor para nós, dirão os cínicos. A dura realidade que temos que aceitar é: perdemos todos. E não, pardon my french, isto não é bullshit.