Velhos são os trapos, diz a sabedoria popular, mas também aquele que muitos consideram ser o melhor futebolista de todos os tempos. A um ritmo de mais de meio milhão de euros por dia (de acordo com as notícias sobre a mais recente renovação de contrato), Cristiano Ronaldo caminha a passos largos para se tornar, já no próximo dia 5 de fevereiro, um dos quarentões mais bem-sucedidos da história do futebol e do desporto mundial. Muito poucos conseguiram, como ele, manter-se a competir ao mais alto nível com uma idade tão avançada. E ainda menos foram capazes de, na mesma altura da vida, continuar apostados em estabelecer recordes e em atingir novas metas. Para o madeirense mais famoso do mundo, parece não haver limites e tudo é sempre possível. Seja chegar aos 1000 golos, seja ser o único a marcar em seis Campeonatos do Mundo. O futuro é já ali.

A defender as cores do Al Nassr desde 2023, Cristiano Ronaldo terá chegado recentemente a acordo com o clube saudita para prolongar o contrato que os une até 2026. Em troca, o craque português receberá cerca de 200 milhões por ano, o que representa a módica quantia de 3,8 milhões por semana ou, se quisermos ser ainda mais minuciosos, 550 mil euros por dia. Um contrato que, além de ser o mais caro de sempre da história do futebol, abre portas aos dois grandes objetivos que CR7 terá traçado para o final da sua carreira. Jogando até 2026 no Al Nassr, o avançado português tem a oportunidade de alcançar a tão desejada marca dos 1000 golos (no último domingo, 26, chegou o 920º golo) e mantém aberta a via para representar a Seleção Nacional, ao serviço da qual poderá disputar mais uma fase final de um campeonato do mundo. Se Portugal lograr o apuramento para o Mundial2026, que se disputará nos EUA, Canadá e México, Cristiano Ronaldo poderá ter a oportunidade de participar na sua sexta fase final consecutiva e ser o único da história do futebol a marcar em seis mundiais.

Lendas Pepe jogou quase até aos 42. Óscar “Tacuara” Cardozo (41) e Luka Modric (39) continuam aí para as curvas

Antes disso, já nos próximos dias 20 e 23 de março, CR7 será seguramente um dos convocados por Roberto Martínez para disputar, diante da Dinamarca, o play-off de acesso à Final Four da Liga das Nações, que se disputará entre 4 e 8 de junho, na qual poderá somar mais um título importante à já infindável lista de troféus conquistados em 23 anos de carreira ao mais alto nível. Ao todo, são 34 títulos, dos quais se destacam um Campeonato da Europa e uma Liga das Nações por Portugal, 5 Ligas dos Campeões, 4 Mundiais de Clubes e 7 títulos de campeão nacional nas suas passagens pelo Manchester United, de Inglaterra, o Real Madrid, em Espanha, e a Juventus, na Itália. Conquistas coletivas às quais há que juntar uma impressionante lista de prémios e recordes individuais que fazem deste jogador o mais bem-sucedido de sempre do futebol português e um dos mais reputados do mundo. Numa carreira que, como se vê, não está prestes a acabar, ainda que o próprio Cristiano já comece a dar sinais de já estar a pensar no day after, abrindo a porta à compra de um clube de futebol. Mas isso será algo que só deverá acontecer, salvo algum percalço físico, lá para finais de 2026, altura em que, prestes a chegar aos 42, CR7 considere que é hora de pendurar a chuteiras. Ou talvez não…

Quarentões na alta roda

CR7 não está sozinho na sua longevidade desportiva. Um dos casos mais recentes é de outro português (nascido no Brasil, é certo), que garantiu também um lugar na história do futebol nacional. Antes de ter pendurado as chuteiras no final da época passada, Pepe tinha-se tornado o jogador mais velho a disputar e a marcar num jogo da Liga dos Campeões, ao serviço do FC Porto. Isto, meses antes de, com a camisola da Seleção Nacional, ter inscrito o seu nome na história do futebol europeu, ao ser o mais velho a jogar numa fase final de um Campeonato da Europa, tendo entrado em campo com 41 anos e 130 dias. Esse Portugal-França a contar para os quartos de final do Euro2024, perdido na marcação de grandes penalidades, acabaria por ser o último jogo de mais este craque quarentão. Para trás, ficou uma carreira de 23 anos, com passagens marcantes e recheadas de títulos (29) nacionais e internacionais ao serviço de FC Porto, Real Madrid e Seleção Nacional.

Falando ainda de futebol e de antigos colegas de equipa de Cristiano Ronaldo, há que lembrar Luca Modric, que, a pouco mais de sete meses de completar 40 anos (nasceu a 9 de setembro de 1985), continua a ser peça importante no Real Madrid. Mesmo não sendo um titular absoluto, tem jogado praticamente em todos os jogos dos merengues nesta época 2024/2025. Em 12 épocas e meia no clube da capital espanhola, o internacional croata ganhou tudo o que havia para ganhar e está na luta para, este ano, poder celebrar a conquista da 7ª Liga dos Campeões, 4º Mundial de Clubes e 5º título de campeão nacional espanhol. Um currículo como há poucos.

Com menos títulos no currículo, mas com uma passagem marcante pelo futebol português, sobretudo para os adeptos do Benfica, Óscar “Tacuara” Cardozo é outro exemplo de uma carreira longa, ao mais alto nível. A menos de quatro meses de completar 42 anos (nasceu a 20 de maio de 1983), o avançado paraguaio continua a defender as cores do Libertad, de Asunción, clube para o qual se transferiu depois de longa passagem pela Europa, durante a qual brilhou, sobretudo, nas sete épocas que passou de águia ao peito.

Ainda no futebol, há outros exemplos. O também paraguaio Roque Santa Cruz, aos 43 anos, continua a jogar, também com a camisola do Libertad. Mais a sul, no Brasil, o internacional brasileiro Thiago Silva, de 40 anos, que jogou no Milan, PSG e Chelsea, é agora capitão do Fluminense. O seu antigo companheiro de seleção brasileira, Dante, com 41 anos, continua a jogar no Nice, depois de anos ao serviço do Bayern de Munique. Todos eles, porém, ainda com uma década a menos do que o futebolista mais velho em competição: o japonês Kazu Miura, de 57 anos, que, depois de ter jogado na época passada por empréstimo na Oliveirense, atua agora no Atlético Suzuka, do Japão.

Outra estrela planetária

Foto:ALLISON DINNER/LUSA

Com 40 anos feitos a 30 de dezembro de 2024, LeBron James tem, no basquetebol mundial, um estatuto em tudo idêntico ao de CR7 no futebol. Com uma carreira recheada de títulos e recordes na NBA, o basquetebolista dos LA Lakers é, atualmente, o mais velho em competição na principal prova mundial da modalidade e goza, à semelhança do futebolista português, de uma popularidade planetária. Tem também dividido com ele, ao longo dos últimos anos, os tops dos desportistas mais bem pagos do mundo. O facto de continuarem a ser máquinas de gerar receitas e contratos milionários será, porventura, uma das principais razões para LeBron, Cristiano e alguns outros resistirem tanto a colocar um ponto final nas respetivas carreiras.

Rui Rocha foi reeleito para um segundo mandato como líder da IL. Foi eleito pela primeira vez em janeiro de 2023, com 51,7% dos votos. Os 73,4% que obteve este domingo, IX Convenção Nacional do partido, no Pavilhão Paz e Amizade, em Loures. deixaram-no significativamente à frente do conselheiro nacional Rui Malheiro, com que disputou a liderança, e que se ficou pelos 26,6 por cento.

Os resultados foram aplaudidos de pé pela esmagadora maioria dos elementos da IL presentes na sala, entre gritos, relata a agência Lusa, de “Rocha, Rocha!”.

À chegada, Rui Rocha tinha manifestado a sua “absoluta confiança” na reeleição, considerando que o partido está unido em torno da “construção de uma solução política” para o país.

“Não há nenhuma divisão” a nível interno, garantiu.

Pelo real decreto de 1783, assinado por D. Maria I, Portugal reconhecia a independência dos Estados Unidos da América. A nossa era uma das três primeiras nações, juntamente com a França e os Países Baixos, a reconhecer a federação criada, unilateralmente, sete anos antes, por um grupo de patriotas a que se convencionou chamar de “Os Pais Fundadores”. Quase dois séculos e meio depois, o regresso de Donald Trump à Casa Branca parece colocar em causa o pilar atlântico que, desde a I Guerra Mundial e, sobretudo, desde a Segunda, une os destinos da Europa Ocidental aos da América. O desafio diplomático e estratégico passa, também, pelos laços bilaterais, muito anteriores às alianças firmadas, no século XX, no âmbito da Guerra Fria. Esta semana, ao receber o secretário-geral da NATO, o holandês Mark Rutte, em Lisboa, o primeiro-ministro Luís Montenegro foi muito cauteloso na referência aos EUA – o principal esteio da Aliança Atlântica, posta agora, em causa, pela emergência de Trump. Salvaguardando o protagonismo europeu, Montenegro frisou que “temos todo o interesse em estreitar relações com os Estados Unidos da América e em conformar a nossa estratégica com a estratégia NATO como um todo, o que envolve também os EUA”. E Portugal é um dos países que melhor o pode fazer: na presidência do Conselho Europeu mora, também, um português, António Costa, conhecido pela sua capacidade negocial e pela vocação do compromisso. Até que ponto as relações entre Portugal e os EUA, consideradas por todas as fontes ouvidas pela VISÃO como “exemplares”, poderão representar um papel no novo panorama geopolítico? Nestas páginas, faremos um exercício de memória, revisitando cinco momentos fundamentais da relação transatlântica. Que muito poderão explicar uma cumplicidade que, com altos e baixos, já leva dois séculos e meio.

Aliados Em cima, Ronald Reagan, recebido pelo Presidente Ramalho Eanes, em 1985. Em baixo, Mário Soares, em São Bento, com Frank Carlucci, o intrépido amigo e aliado estratégico americano dos tempos do PREC

MOMENTO UM
OS PIONEIROS DOS PRIMEIROS ANOS

A 4 de julho de 1776, na Pensilvania State House, cinco homens proclamam a independência das 13 colónias, face ao jugo britânico. Thomas Jefferson, autor do texto da proclamação, que viria a ser o 3.º Presidente dos Estados Unidos da América, está acompanhado por John Adams, Benjamin Franklin (também inventor do para-raios), Roger Sherman e Robert R. Livingston. Os cinco brindam à independência ‒ e fazem-no com vinho da Madeira. É provável que a garrafa tivesse sido fornecida por Jefferson, grande apreciador, e que tinha uma cave bem abastecida no seu rancho, com a casa apalaçada de Monticello. Jefferson, de oratória brilhante, inspiraria políticos como J. F. Kennedy. Durante uma receção a vários Prémio Nobel, na Casa Branca, Kennedy gracejará: “Desde que o Presidente Jefferson aqui jantou sozinho que não se via concentrada, nesta sala, tanta capacidade intelectual…” Jefferson que, por sua vez, dizia do diplomata português, Correia Serra, que era o homem mais sábio com quem tinha privado… (ver caixa). Talvez Kennedy ignorasse isto.

A posição portuguesa

Nos sete anos de guerra entre os nacionalistas americanos e os britânicos, a Revolução Americana foi, para a diplomacia portuguesa, uma questão especialmente delicada. Aliados históricos de Inglaterra, os portugueses teriam de tratar com pinças um assunto que fervia, tanto mais que o País detinha importantes interesses no continente americano. Ainda no tempo do Marquês de Pombal, a posição portuguesa será de alinhamento total com a Inglaterra. Depois, Pombal cairá em desgraça e assiste-se a uma nuance, que tornará Portugal neutral. Entretanto, tinha sido firmado o Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, entre Portugal e a Espanha, segundo o qual Lisboa cedia a colónia do Sacramento, a ilha de São Gabriel e as Misiones Orientales (Sete Povos das Missões), enquanto a Espanha reconhecia o controlo português do Sul do Brasil e devolvia a ilha de Santa Catarina. 

Pombal tivera a expectativa do auxílio inglês na disputa com a Espanha, ao mesmo tempo que temia os efeitos do precedente da independência dos EUA nos vastos territórios ultramarinos da coroa, a começar pelo Brasil, onde já se tinham registado episódios de sedição. No próprio dia 4 de julho, Pombal aprova um decreto que equipara os navios americanos a embarcações de piratas, interditando os portos portugueses à sua navegação. Sempre atentos, os franceses, rivais dos britânicos, e, portanto, aliados principais dos americanos, tentam convencer os EUA a declarar guerra a Portugal.

Após a situação com Espanha, na América do Sul, ter estabilizado – e com Pombal afastado –, Portugal torna-se neutral. Mais tarde, após a derrota dos britânicos em Yorktown, ponto de viragem da guerra, e depois do reconhecimento inglês da derrota, na América, Portugal, aliviado, apressa-se a reconhecer os EUA. Em seguida, o abade Correia Serra define a política vindoura: muito antes da constituição da NATO, ele terá sido o primeiro a reconhecer a importância estratégica da parceria entre os dois países, que designava como as “duas potências do hemisfério ocidental”.

A partir do Brasil, o rei D. João VI escreveu ao Presidente James Madison e há o registo de, pelo menos, três curiosíssimas cartas. A primeira, de 13 de maio de 1810, participa o casamento da sua filha Maria Teresa, princesa da Beira, com o seu sobrinho D. Pedro Carlos de Bourbon. Na segunda, de 26 de maio de 1812, dá conta do falecimento, por febre tifoide, deste seu genro. A 23 de agosto de 1816, volta a participar dois enlaces, desta feita, das filhas Maria Isabel Francisca com Fernando VII, de Espanha, e de Maria Francisca de Assis com D. Carlos Maria Isidro. O tom das missivas é afetuoso, despedindo-se sempre desejando que “Deus conserve os EUA no Seu carinho e amor”. A James Madison sucederia James Monroe, autor da célebre doutrina que coloca o continente americano como área de influência dos EUA e livre da colonização de qualquer potência europeia…

MOMENTO DOIS
A II GUERRA MUNDIAL E OS AÇORES

A 28 de novembro de 1944 foi assinado um acordo entre os governos de Portugal e dos Estados Unidos da América, concedendo aos americanos autorização para construir e utilizar uma base naval e aérea na ilha de Santa Maria, no arquipélago dos Açores (depois transferida para as Lajes). Sucede este acordo ao que fora firmado, pouco mais de um ano antes, entre Portugal e a Inglaterra. Os Aliados viam as ilhas como uma importante plataforma logística, no quadro da Batalha do Atlântico. As negociações tinham-se iniciado no início de 1942, mas Salazar foi protelando. Queria ter bem a certeza sobre para que lado penderia a vitória. O Presidente Roosevelt, que tinha visitado os Açores em 1918 (ver caixa) recordava a beleza das ilhas, a sua fertilidade e, sobretudo, a posição estratégica. Por diversas vezes pressionou Churchill (a Inglaterra era a mais velha aliada de Portugal) para uma invasão dos Açores. No acordo com Inglaterra, Salazar acabou por impor como condição que as aeronaves norte-americanas que utilizassem a base de Santa Maria voassem com as insígnias britânicas ‒ afinal, a sua neutralidade colaborante podia justificar a concessão de facilidades a um aliado, como o inglês, mas não a um estranho, como o americano… Durante as negociações, teve grande protagonismo o conselheiro da embaixada George Kennan (ver caixa) que, colocado em Moscovo, anos depois, estabelece no famoso “Longo Telegrama”, as premissas em que se basearia a política ocidental, durante a Guerra Fria.

Lisboa e Açores Guterres foi designado, por Bill Clinton, como “um jovem político inteligente”. E Durão Barroso foi um dos poucos aliados europeus indefetíveis de George W. Bush

MOMENTO TRÊS
A GUERRA COLONIAL

Em maio de 1960, Eisenhower esteve em Lisboa e ainda tentou convencer Salazar: o nacionalismo africano poderia ser um bom antídoto para a penetração do comunismo, se os povos africanos ficassem “do nosso lado”. Mas Salazar discordou. O acordo das Lajes tinha sido renovado em 1957 e o Presidente americano não insistiu. Um ano depois, o País marchava para Angola. A Eisenhower sucede o Presidente Kennedy, e é então que as relações entre Portugal e Estados Unidos da América se agravarão: na Assembleia Geral das Nações Unidas, os EUA votam favoravelmente uma condenação genérica de “todas as formas de colonialismo”. Mas a primeira grande tensão com a nova administração americana surge na sequência do assalto ao paquete Santa Maria, por resistentes antifascistas espanhóis e portugueses, liderados pelo dissidente do Estado Novo, Henrique Galvão. Os americanos recusam tomar o navio ou subscrever a designação de Lisboa, que considera os ativistas “piratas” e designa-os por “beligerantes”. Paralelamente, emerge a política fortemente anticolonialista de Kennedy. “É difícil e desvantajoso para os interesses ocidentais apoiar publicamente ou manter o silêncio sobre as políticas africanas dos portugueses”, escreve Dean Rusk, secretário de Estado dos EUA, em carta de instruções enviada para a embaixada de Lisboa.

A partir de 1962, Kennedy afrouxa a pressão. Depois de recusar generosas compensações monetárias para a modernização do País, na adaptação a um ciclo pós-colonial, o ditador português faz a sua chantagem: Salazar ameaça recusar-se a renovar o acordo da Base das Lajes, consideradas cruciais pelas autoridades militares americanas, “na guerra ou na paz”. O debate obriga os americanos a optarem entre “Angola ou os Açores”, mas, por baixo da mesa, nunca deixarão de apoiar a FNLA. Além da pressão militar, Salazar, por uma vez, alarga os cordões à bolsa e contrata serviços de lobbying nos EUA, através da firma Salvage & Lee e, noutro plano, reforça o relacionamento com a França e a República Federal da Alemanha, o ponto de partida para as bases alemã em Beja e francesa na ilha das Flores. Estes países serão fornecedores de armamento do Estado português, praticamente, até ao fim. Ao contrário do que proclamava, Salazar não estava “orgulhosamente só”…

O Golpe Botelho Moniz

Em 1961, o ministro da Defesa, general Botelho Moniz, tornara-se um pró-americano acidental: para ele, sem o apoio dos EUA, Portugal não vai a lado nenhum. Aborda o embaixador americano, em Lisboa, Charles Burke Elbrick, almoça com o diplomata, no restaurante Tavares, a 17 de fevereiro, e a conversa dura quatro horas. Com Moniz está o major Viana de Lemos e com Elbrick o adido Fred Hubbard, chefe de posto da CIA. Elbrick fica siderado: Moniz preconiza mudanças na administração portuguesa e colonial, com abertura ao investimento estrangeiro e progressiva autonomia das então “províncias ultramarinas”.E garante que o Exército quer mudanças, mas que, para isso, meia dúzia de pessoas têm de ser removidas do governo. E concluiu, segundo relata José Freire Antunes no livro Kennedy e Salazar, o Leão e a Raposa (D. Quixote, 2013): “O dr. Salazar está velho, tem menos energia, já não domina as situações como dantes e não reage aos problemas.” O encontro deixa uma forte impressão nos americanos, que passam a considerar Botelho Moniz o desbloqueador que procuram para o impasse em Angola. A partir daqui, começam a articular-se com o general.

Sabemos como, a 13 de abril, Salazar, movendo as suas peças como um mestre de xadrez, desmontou o golpe, antecipando-se aos conspiradores. Afinal, não estava assim tão velho, dominava bem a situação e reagia felinamente aos problemas…

MOMENTO QUATRO
O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO

Desembarcando em Portugal em janeiro de 1975, Frank Carlucci era uma espécie de fura-vidas da espionagem e da diplomacia. Com o estilo e a aparência de um “italiano vero”, falante do Português que aprendera no Brasil, teve logo, à chegada, o impacto das palavras do “Fidel português”, o coronel Otelo Saraiva de Carvalho, estratega do 25 de Abril e todo-poderoso comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente), força conotada com a extrema-esquerda militar: “Não posso garantir a segurança do embaixador.” Mas Carlucci reage desportivamente. E convida Otelo para almoçar. No encontro, alguma afinidade devem ter encontrado: ambos joviais, descontraídos e soltos de língua, saíram como “grandes amigos”. Controlado este dano, Carlucci parte para a fase seguinte, procurando identificar as forças, civis ou militares, que podem servir de interlocutoras. Depois de uma ida a Madrid, deve ter descartado Spínola (então exilado em Espanha) e a extrema-direita expatriada. Na tropa, é fácil de ver quem serão os moderados, sobretudo, depois do Documento dos Nove, publicado em agosto de 1975. Na vida civil, emerge um interlocutor privilegiado: Mário Soares. Nos seus inúmeros telegramas, será muito difícil a Carlucci explicar como é que um socialista confesso pode tornar-se o principal aliado dos EUA. Torcendo o nariz, o secretário de Estado Henry Kissinger concede que, no máximo, Soares será o “Kerensky português” (em alusão ao social-democrata russo esmagado pelos bolcheviques, em 1917). Os acontecimentos posteriores dariam razão a Carlucci. Nos anos seguintes, já com Soares primeiro-ministro, o agora ex-embaixador será o desbloqueador para as ajudas de emergência financeira…

Marcelo e Trump O PR português foi recebido pelo homólogo norte-americano, na Casa Branca, em 2018. Marcelo ficaria com a impressão de que Trump é mais inteligente do que aparenta… Foto: ANTÓNIO COTRIM / LUSA

MOMENTO CINCO
DEMOCRACIA

Nos diários de Ronald Reagan, editados, em Portugal, pela Casa das Letras, o Presidente americano tem esta entrada, de 23 de fevereiro de 1983, sobre o líder da oposição de Portugal, que o visita, na Casa Branca: “Passou por cá Soares, de Portugal (será provavelmente primeiro-ministro após as eleições). É um socialista, mas completamente anticomunista e pró-América.”

Reagan retomará o tom, em diversas alusões ao nosso país, e a vários dos seus políticos, entre eles, Pinto Balsemão, Ramalho Eanes, Lucas Pires e, recorrentemente, Mário Soares. Continua, a 14 de março de 1984: “O PM Soares, de Portugal, visitou-nos. É muitíssimo impressionante. É socialista, mas procura investimento privado para a indústria de Portugal e é um anticomunista do mais furioso que se pode encontrar. É um grande apoiante do nosso país e do Ocidente. Tivemos boas e proveitosas reuniões.” E ainda, a propósito da visita a Portugal, a 9 de maio de 1985, e perante o abandono da sessão solene da AR, em sua honra, por parte do PCP: “(…) Tinha havido algumas manifestações por minha causa e muitos graffiti, mas percebi que, geralmente, me relacionavam com Soares. Os dissidentes não gostam de nenhum de nós (…) O presidente Amaral [Fernando do Amaral, presidente da AR] fez o discurso de abertura e apresentou-me, momento em que um grupo à minha esquerda – tanto física como filosoficamente – se levantou e saiu da sala.” Na véspera, longos parágrafos para descrever uma visita ao Castelo dos Mouros, em Sintra, “num Ford Grenada, porque as limusinas não conseguiam chegar ao palácio [sic], devido à estreiteza da estrada”, e para registar a demonstração de cavalos lusitanos, “haute école dressage, à maneira dos Lipizzaner de Viena e muito bom”.

Nas suas memórias, publicadas, entre nós, pela Temas & Debates, também Bill Clinton reserva algumas palavras para a sua visita a Lisboa, em junho de 2000, tendo estreado a suíte presidencial do Hotel Dom Pedro, nas Amoreiras (900 contos por noite): “Desloquei-me a Portugal para participar na reunião anual entre os EUA e a União Europeia. O primeiro-ministro português, António Guterres, presidia, então, ao Conselho Europeu. Era um jovem inteligente e progressista que fazia parte do nosso grupo da Terceira Via, tal como o presidente da UE, Romano Prodi. Analisámos, olhos nos olhos, a maioria dos assuntos e eu gostei muito da reunião, bem como da minha primeira visita a Portugal. É um país belo e acolhedor, com um povo simpático e uma história fascinante.”

António Guterres, que havia visitado a Casa Branca em 1997, usou toda a sua influência junto de Clinton na crise de Timor, após o referendo, em 1999. Os esforços conjuntos do primeiro-ministro e do Presidente Jorge Sampaio foram decisivos para que o Presidente americano encostasse Jacarta à parede, obrigando os indonésios a entregar a segurança do território a uma força multinacional.

A Cimeira das Lages

Em março de 2003, Durão Barroso, primeiro-ministro, é o anfitrião daquela que ficou conhecida como a Cimeira da Guerra, quando o Presidente americano George W. Bush, o primeiro-ministro britânico Tony Blair e o presidente do governo espanhol, José María Aznar, desembarcam nas Lajes, nos Açores, para decidir a invasão do Iraque. Uma equipa internacional da AIEA (Agência Internacional de Energia Atómica), chefiada pelo sueco Hans Blix, percorre o país sem encontrar quaisquer armas de destruição maciça, dá conta disso mesmo e pede mais tempo, mas os EUA pressionam a ONU para que emita um mandato autorizando o emprego da força.

A Europa divide-se, com os adversários da guerra, capitaneados pelo Presidente francês, Jacques Chirac, secundado pelo chanceler alemão Gerard Schroeder, a recusarem integrar a força internacional ou mesmo a caucionar a intervenção. Mas alguns países, como a Espanha ‒ e Portugal, cuja tradição de política externa fora sempre muito mais atlantista do que continental ‒, seguem a linha dura. No caso português, contra a opinião e as instruções do Presidente da República, o que provocaria público mal-estar entre Sampaio e Durão. A VISÃO escreveu na capa um título provocatório que dizia “Bush és fixe!… E Sampaio que se lixe?” Numa Europa dividida, Portugal era um dos poucos fiéis que restavam a George W. Bush. Poderá a História repetir-se, de hoje para amanhã, em qualquer eventualidade?… 

As pontes do Atlântico

Personagens para a História: três portugueses e três americanos

Peter Francisco
Nascido em 1760, na Terceira, foi raptado por corsários aos 5 anos e desembarcou na Virgínia em 1765. Entregue a um orfanato, mais tarde, adotado por um juiz, aos 17 anos pegou em armas pela independência dos EUA, às ordens de George Washington. Com uma estatura de mais de dois metros, dele disse o próprio Washington que valia “por um exército inteiro”. Ficou o mito do “Hércules da Virgínia”.

Abade Correia
Um quarto do Palácio de Monticello, pertencente ao pai fundador e Presidente dos EUA Thomas Jefferson, estava sempre preparado para receber o amigo português abade Correia da Serra (1751-1823), representante diplomático da corte portuguesa. Dele disse o 3º Presidente da América que era o homem mais culto e nobre de carácter que tinha conhecido.

John Philip Sousa
Filho de pai português e mãe alemã, nasceu em 1854 e cedo se dedicou à música, tendo dirigido a banda dos Marines. Autor de obra profícua, o “Rei das Marchas” viria a compor The Stars and Stripes Forever, marcha nacional americana.

F. D. Roosevelt
Em plena I Guerra Mundial, em 1918, o jovem subsecretário da Marinha dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, visitou os Açores e nunca mais se esqueceu das paisagens e da posição estratégica. Já como Presidente dos EUA, na II Guerra Mundial, fez força para o estabelecimento de uma base no arquipélago.

George Kennan
O autor do “Longo Telegrama”, em que define a doutrina da “Contenção” da URSS, que se tornou a bíblia do Ocidente na Guerra Fria, passou por Portugal, onde, durante a guerra, foi conselheiro da Embaixada dos EUA em Lisboa, tendo um papel decisivo no acordo dos Açores.

Frank Carlucci
Nomeado embaixador em Lisboa durante o PREC, ligado à CIA, de ascendência italiana e falante de português do Brasil, estabeleceu uma parceria estratégica com as forças moderadas portuguesas. O seu apoio ao PS e aos moderados (contra a vontade do seu cético secretário de Estado, Henry Kissinger) foi decisivo.

Com apenas 42 anos, em 2013, recebeu o Prémio Pessoa, pelas suas investigações sobre a malária e, sobretudo, pela crucial descoberta da fase hepática no ciclo de vida do parasita. Por ela, o mundo científico ficou a saber que o parasita começa por se alojar no fígado da pessoa infetada e que é a partir daí que se multiplica e se propaga pelo organismo. Agora, aos 53 anos, Maria Manuel Mota enfrenta o desafio profissional da sua vida: conduzir o novo Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular (GIMM, na sigla em inglês, a língua que se fala nos polos de Oeiras e de Lisboa da instituição), de que é diretora-executiva, aos píncaros da ciência planetária.

Nesta entrevista, explica as revoluções que o GIMM quer levar a cabo no tratamento do cancro, de doenças raras em crianças, de patologias infeciosas e neurodegenerativas, para lá da longevidade saudável e da criação de um megabiobanco. Mas, no seu discurso desempoeirado, não perde a noção do País em que vive: “À conta do subfinanciamento, a ciência em Portugal está com a corda no pescoço há demasiado tempo. É impossível continuar assim.”

Qual é a data que tem mais nítida na memória, no processo de criação do GIMM?
A data mais marcante para mim é a de 30 de setembro de 2022, quando dois administradores da Fundação Calouste Gulbenkian me pediram para ter uma reunião com eles.

Porquê?
A surpresa foi enorme. Fui para essa reunião sem pensar, de todo, que o assunto seria o da eventual fusão do Instituto de Medicina Molecular, de que, na altura, era diretora-executiva há nove anos, e do Instituto Gulbenkian de Ciência. Já tinha feito coisas para a Gulbenkian, dei lá palestras, e por aí adiante. Pensei que me fossem pedir para fazer um seminário ou qualquer coisa desse tipo. Afinal, perguntaram-me o que achava da ideia da fusão.

Como se recompôs desse imprevisto?
Apesar da surpresa, porque não ia preparada para esse tipo de reunião, tinha havido, uns anos antes, várias reuniões entre a Gulbenkian e o Instituto de Medicina Molecular para pensar o futuro do Instituto Gulbenkian de Ciência, ainda com o professor João Lobo Antunes vivo. Era sabido na comunidade que a Gulbenkian gostaria de encontrar parceiros para uma solução para o Instituto Gulbenkian de Ciência.

O que respondeu aos administradores da Gulbenkian?
Disse-lhes que poderia ter uma opinião, mas que, embora fosse a diretora-executiva do Instituto de Medicina Molecular, não era eu quem tomava essa decisão pela instituição. O instituto era uma associação privada sem fins lucrativos, com vários fundadores – o Hospital de Santa Maria, a Universidade de Lisboa e a Faculdade de Medicina –, e, portanto, teria de haver uma assembleia geral para saber se eles estariam ou não interessados em entrar num processo desses.

Ainda assim, à partida, qual foi o seu parecer?
A única mensagem que deixei naquela reunião foi a de que podia iniciar conversações. Mas dei-lhes logo conta de algumas linhas vermelhas que poderiam naquele momento ser barreiras ao que a Gulbenkian propunha. O Instituto de Medicina Molecular estava em mudança de direções, a instituição tinha abraçado um projeto europeu de 42 milhões de euros, cuja última missão tinha acabado há 15 dias, e estávamos muito convencidos de que o poderíamos ganhar – como aconteceu –, havia, para o efeito, uma parceria com a Arica, holding da família Soares dos Santos, e contactos iniciais com a Fundação ”la Caixa”.

Ou seja…
O que fosse o futuro em que a Gulbenkian pudesse estar a pensar não poderia ser só juntar o Instituto de Medicina Molecular e o Instituto Gulbenkian de Ciência que à época existiam. Tinha de ter em conta todos estes contextos que estavam a ocorrer naquele momento. Disse-lhes que o Instituto de Medicina Molecular nunca iria largar da mão aquela oportunidade que estava a elaborar com os seus parceiros. E, para abraçar outra oportunidade diferente, teria sempre de ser um projeto que incluísse todos. No final, foi isso que se construiu. Acho que a grande oportunidade de criar a Fundação GIMM tem que ver com os novos parceiros que trouxemos. Ou melhor, são os mesmos de sempre, só que se juntaram. Com isso, adquirimos mais diversidade, mais pensamento e uma nova forma de fazer – o que aumenta a capacidade de impacto. E os estatutos da instituição são incríveis, porque temos ainda dois lugares vazios para novos fundadores, que podem ter o mesmo peso no Conselho de Curadores que outros fundadores – para contribuírem e terem uma projeção internacional. A ideia é que ninguém se sinta dono do GIMM. Todos os fundadores participam, todos contribuem, todos são livres de dar ideias, mas a Fundação GIMM é independente. Isso foi o mais bonito que construímos aqui.

Enquanto diretora-executiva do GIMM anunciou, logo a abrir, um ambicioso objetivo: fazer do instituto o líder global em ciências da vida e biomédicas. Qual é a estratégia para que isso aconteça?
Essa é de facto a nossa ambição e, para a alcançar, vamos trabalhar em vários objetivos. Por exemplo, desafiar as fronteiras da ciência ao promover uma cultura de investigação impulsionada pela curiosidade, pela colaboração multidisciplinar e pela exploração de conceitos inovadores que ampliem o conhecimento científico sobre a vida. Queremos produzir no GIMM uma grande descoberta mundial nos próximos cinco anos. E formar a próxima geração de líderes científicos, investindo na formação de cientistas versáteis e inovadores em todas as etapas da carreira. Também partilhar, inspirar, envolver e disseminar excelência através de iniciativas que vão além das paredes do GIMM, promovendo a literacia científica, o diálogo com a sociedade e o impacto positivo da ciência na vida das pessoas. Estes e outros objetivos, articulados entre si, são essenciais para posicionar o GIMM como um líder global em ciências biomédicas.

Como está desenhada a estrutura de investigação científica do instituto?
Temos dois programas. Um chama-se GIMM Discovery e é aí que pomos as nossas fichas todas, nas pessoas com as melhores ideias, sejam elas quais forem, para ir à procura do desconhecido. E como não sabemos, porque não somos suficientemente iluminados, qual vai ser a próxima grande descoberta, apostamos nas pessoas. Por isso, os laboratórios têm o nome de quem dirige essas equipas. Por exemplo, o meu laboratório é o Maria Mota Lab. Estão centrados em indivíduos, que foram e são recrutados, com um portefólio em termos científicos. Têm de mostrar provas do que são capazes de fazer e têm de ter ideias boas para o que fazem.

E qual é o outro programa?
É o GIMM Care. Se, no GIMM Discovery, os cientistas são livres e apaixonados pela novidade, os que estão no GIMM Care são missionários e apaixonados por encontrarem soluções.

Missionários?
O GIMM Care funciona por missões. E a primeira que temos relaciona-se com o cancro colorretal, um problema ainda extremamente grave. Em Portugal, é o n.º 1 de cancros, quer em termos de mortes, quer de incidência. Às vezes, anda par a par com o cancro do pulmão, mas nos últimos anos foi n.º 1, e, se descoberto a tempo, nem precisa de ser cancro. Podemos descobrir antes de se tornar cancro e libertar a pessoa de um problema enorme. Estamos a desenhar soluções para ajudar o Serviço Nacional de Saúde a rastrear a população toda, para encontrar e prevenir o cancro colorretal, antes que se torne doença.

Como?
Há um teste para isso. O caso de sucesso mais paradigmático é o dos Países Baixos. Transformaram o cancro colorretal, que também era n.º 1 há 12 anos, em cancro n.º 5 e que, em breve, provavelmente será o sexto. Conseguiram isto apenas com um teste de rastreio que deteta sangue em quantidades ínfimas nas fezes. A partir dos 50 anos – idade que irá agora descer para 40 ou 45 anos –, as pessoas são convidadas, de dois em dois anos, a levar um kit para casa, a recolher uma quantidade muito pequena de fezes e a mandá-lo para um determinado local. Aí, caso se detete sangue, de imediato essa pessoa é indicada para um gastroenterologista, que depois a segue.

Estamos a desenhar soluções para ajudar o SNS a rastrear a população toda, para encontrar e prevenir o cancro colorretal

E que prescreve a colonoscopia…
A colonoscopia é, claro, a única forma de diagnosticar pré-cancro ou cancro. Mas não há país nenhum, por mais rico que seja, que consiga fazer colonoscopias de cinco em cinco anos a toda a gente a partir dos 40 ou 45 anos. Portanto, não é uma política de saúde pública, é uma política individual. Se as pessoas tiverem dinheiro ou seguros, podem ou devem fazer, mas não é uma política de saúde pública. Vai chegar a meia dúzia de pessoas, passe a expressão, mas com esse tipo de práticas nunca conseguiremos tirar o cancro colorretal de n.º 1 para outra posição abaixo. Porque é que os Países Baixos conseguiram com um simples teste alcançar a redução que referi do cancro colorretal? Porque chega a muitas pessoas. O teste do rastreio não serve para indicar se a pessoa tem cancro ou não. O objetivo é encontrar antes de ser carcinoma ou de estar em estadio 1, quando ainda não se disseminou para lado nenhum – é retirado e está tudo feito. A pessoa não sofre, e o método fica relativamente económico ao sistema de saúde. Dito isto, temos de encontrar, no GIMM Care, um teste melhor do que o do sangue oculto, usado nos Países Baixos, que não é perfeito: tem cerca de 25% de falsos positivos, e 25% de falsos negativos.

Em que tipo de teste o GIMM está a trabalhar?
Estamos a trabalhar no desenvolvimento de um teste que pretendemos que seja mais eficaz do que as soluções atuais, que terá como base biomarcadores do microbioma intestinal. Sabemos que a microbiota dos doentes com cancro colorretal é distinta da microbiota de pessoas saudáveis, e que pessoas com pólipos de alto risco também têm uma microbiota transitória entre o estado saudável e o cancro colorretal. Daí estarmos a estudar os biomarcadores com base nesta microbiota, para que nos permitam detetar as pessoas de alto risco que devem avançar para uma colonoscopia. É uma metodologia diferente do sangue nas fezes, mas até consideramos a possibilidade de desenvolver um teste que combine as duas abordagens. Temos neste momento dois estudos clínicos a decorrer em linha com este objetivo de desenvolver um teste de diagnóstico que seja aplicável à escala nacional. Para isso o teste terá de ter um preço razoável, para que seja viável rastrear toda a população.

E qual é a missão n.º 2?
Tem que ver com o cancro da mama metastático, para o qual a ciência ainda não tem uma grande solução. O que estamos a fazer no GIMM Care é uma linha de investigação translacional [aplicação de conhecimentos de investigação e de laboratório em estudos e prática clínicos], tentando encontrar soluções a partir de mulheres com cancro metastático, em Portugal, para ver quais são as diferenças das que metastizam versus as que não metastizam. Queremos arranjar biomarcadores para que se encontre a doença o mais cedo possível, antes de estar completamente metastizada. Porque é que há mulheres que desenvolvem metástases, quatro ou cinco anos depois do aparecimento do cancro primário, e outras não? Queremos descobrir os biomarcadores que determinam que assim seja. A ideia é evitar as metástases, ou tratá-las antes de se estabelecerem noutros órgãos.

Também há agora o alerta do crescimento do cancro em pessoas cada vez mais jovens…
Os cancros em pessoas jovens são um fenómeno mundial e transversal a um grande número de doenças oncológicas. O oncologista Luís Costa está a trabalhar connosco para tentarmos encontrar procedimentos científicos para lidar com isto. Não podemos, por exemplo, começar a pedir a mulheres que, a partir dos 30 anos, façam mamografias, porque tem os seus riscos. Há casos que são genéticos, com um histórico familiar, e, por isso, devem ser seguidos de maneira diferente. Mas, na população em geral, não podemos começar a fazer as mamografias cada vez mais cedo, porque depois vamos querer que façam à medida que envelhecem. Fazer mamografias todos os anos, ou no tempo que venha a ser decidido, tem o seu impacto. Essas mulheres estão a ser expostas a radiação. Tudo isto tem de ser pensado. Estamos também aqui a criar uma linha de translação, um laboratório só para estudar, em conjunto com uma rede internacional, o que está a acontecer, quando mulheres tão jovens têm cancro da mama, ou homens e mulheres jovens têm cancro colorretal, que era um cancro tipicamente dos homens acima dos 50, 60 anos. Neste momento, está a surgir em homens e mulheres abaixo dos 40 anos. Queremos perceber que mudança é esta e, para isso, vão ser precisos dados do mundo inteiro, e uma ligação profissional e planetária de oncologistas.

E do lado etário oposto, o dos idosos, nos quais o Alzheimer é a doença mais mediática, passe a expressão, o GIMM tem algum projeto previsto?
Sim. Temos aí um “grupo líder”, chefiado por Luísa Lopes, a nossa neurocientista que trabalha em doenças neurodegenerativas, incluindo Alzheimer. Mas não temos ainda pensada a missão em doenças neurodegenerativas que vai ter de surgir. Tem de haver tempo para trabalhar e pensar na missão em que podemos fazer a diferença.

Contas “Devíamos ter 3% do PIB dedicado à ciência. Não é 3% de verbas públicas. Um por cento tem de ser público, 2% tem de ser privado. Mas o público tem de ser a força motriz em que os privados acreditam e vão atrás”

Como são definidas as missões do GIMM?
Queremos que o nosso trabalho tenha impacto. Por isso, pretendemos ter especialistas que nos digam onde há o gap entre o que falta da ciência e o que falta chegar às pessoas. É por aí que as missões são definidas.

E no segmento pediátrico, o que o instituto se propõe fazer?
Pretendemos ter uma linha de investigação de doenças raras em crianças. Estas doenças são, por norma, do foro genético. Há mutações que ocorreram e que são muitas vezes difíceis de encontrar, porque são coisas muito raras à partida. Com frequência essas mutações não estão na família, porque, se estivessem, teriam sido notadas e acompanhadas. São coisas que acontecem espontaneamente durante o desenvolvimento do feto. E é preciso descobrirmos o que se passa. Neste momento, chega a demorar dez anos o tempo para se conseguir diagnosticar uma destas doenças, que têm um impacto enorme no desenvolvimento físico e cognitivo das crianças que as sofrem. Cada ano que adiantamos a descobrir o diagnóstico, melhor, para que estas crianças possam tornar-se adultos mais capazes. Uma das nossas missões é reduzir, em Portugal, o período de diagnóstico de doenças raras para o primeiro ano de vida da criança.

A terapia genética é aqui possível?
Para muitas destas crianças já começa a ser. Mas sem diagnóstico é que não sabemos o que podemos fazer. A maior parte das vezes, os clínicos estão de mãos atadas porque não têm um diagnóstico para estas crianças. Atenção: não é fácil. Não é algo que se resolve de um dia para o outro, além de que tem os seus custos. Mas há cada vez mais tecnologia que nos permite fazer isso mais rapidamente.

Outra aposta do GIMM, ao que se sabe, é na longevidade, supondo-se que não seja a mesma que faz com que, por exemplo, bilionários como Elon Musk ou Jeff Bezos invistam em equipas científicas, em busca de uma quase imortalidade…
Não é um objetivo encontrar a fórmula para todos vivermos até aos 200 ou 300 anos. Trata-se, antes, de tentar fazer com que o período de dependência de outros, de pré-decadência ou decadência, seja o menor possível, e a longevidade seja a mais estendida possível. É sobre este conceito que estamos a estudar – perceber o envelhecimento para termos uma longevidade mais saudável. Temos dois “grupos líderes”, no GIMM Discovery, que estudam moléculas que sabemos que estão a diminuir durante o envelhecimento. Pretende-se saber porque é que elas diminuem e qual é o impacto se isso não acontecer. São dois “grupos líderes” no mesmo projeto, de Pedro Vítor e Joana Neves, que tiveram um artigo publicado na Nature Aging recentemente, em que mostraram que uma destas moléculas, quando não reduzida num animal, este não envelhece tanto. Também estudam o impacto disto na massa muscular. O conceito por agora é o de entender o envelhecimento para aumentar a nossa longevidade em termos de anos saudáveis, o que não quer dizer que não surja um novo, trazido por um investigador que, com a liberdade de trabalho que tem no GIMM Discovery, apareça com uma ideia completamente inovadora.

Quanto a uma nova pandemia, a História ensina-nos que irá ocorrer – só não sabemos qual será e quando acontecerá. O GIMM também já se prepara para um cenário pandémico?
De momento, não estamos a fazer nada nesse sentido. Mas o GIMM Discovery tem uma área muito forte em doenças infeciosas e imunologistas. Não sabemos se a próxima pandemia será provocada por um vírus, por uma bactéria… Pode ser qualquer doença infeciosa. Nos nossos “grupos líderes” temos pessoas que trabalham em bactérias, sob a forma patogénica ou a que nos dá saúde – todo o microbioma que vive dentro de nós. Há as que trabalham em vírus e as que trabalham em parasitas. Depois temos um grande número de pessoas que trabalham em imunologia. Especificamente, o grupo liderado pelo imunologista Luís Graça trabalha em exclusivo na eficácia das vacinas. Tem projetos que pretendem dizer que características uma vacina deve ter para ser mais eficiente. Tudo isto vai contribuir para estarmos mais preparados para uma nova pandemia. O melhor que uma instituição como a nossa pode fazer pela sociedade, entre pandemias, é criar conhecimento novo, para ser usado de uma forma rápida e eficiente.

Há depois a aposta num ambicioso biobanco. O GIMM herdou do Instituto de Medicina Molecular mais de 300 mil amostras biológicas, mas que, supõe-se, ainda ficam longe do pretendido. Qual será o método de criação desse megabiobanco? Através de parcerias com o Serviço Nacional de Saúde [SNS]?
O objetivo é que seja o mais alargado possível – o que implica, claro, parcerias com o SNS. Aliás, a maior parte das amostras que existem neste momento no biobanco provêm de pacientes do Hospital de Santa Maria e dos seus familiares. Essa é já uma parceria enorme com o SNS. E é isso que queremos alargar a todo o País e a todos os portugueses. Mas o nosso biobanco já está em funcionamento. Trata-se de um instrumento estratégico para o desenvolvimento de projetos de investigação em biomedicina porque congrega amostras biológicas de várias doenças humanas – provenientes de biópsias, cirurgias, colheitas de sangue e por aí fora – e também amostras saudáveis que nos permitem controlar os resultados. Temos no nosso biobanco amostras tanto pontuais como longitudinais, de variadas coleções com características diferentes. Ambos os tipos de amostras, pontuais e longitudinais, são necessárias e relevantes. Queremos que o biobanco continue a crescer, até para que se mantenha relevante e consiga acompanhar a investigação. É um trabalho em constante expansão.

Preparada “O melhor que uma instituição como a nossa pode fazer pela sociedade, entre pandemias, é criar conhecimento novo, para ser usado de uma forma rápida e eficiente”

Quando recebeu o Prémio Pessoa, em 2013, disse que a ciência portuguesa estava “à beira do abismo”…
E continua.

Como assim? Alguma coisa que ver com a decisão do atual Governo de terminar com o Ministério da Ciência e de o integrar no Ministério da Educação?
Não terminou com o Ministério da Ciência. Há um ministério que tem “ciência” na sua denominação. Só que é agora um ministério muito amplo, mas que pode ser explicado. A ciência é o pico do conhecimento e a educação é onde ela começa a ser adquirida. Portanto, não vejo problema nenhum nessa junção, não fico logo acossada a dizer que tiraram a prioridade à ciência. De todo. Não é isso que me preocupa.

O que a preocupa, então?
Precisamos, acima de tudo, de passar das palavras à ação. Não é preciso dizer tantas vezes que a ciência é importante, basta mostrar que é importante. E estamos com a ciência subfinanciada no nosso país. Um país em desenvolvimento como Portugal deve ter 3% do PIB dedicado à ciência. Não é 3% de verbas públicas. Um por cento tem de ser público, 2% tem de ser privado. Mas o público tem de ser a força motriz em que os privados acreditam e vão atrás. Por isso, se não houver financiamento público, os privados também ficam aquém e têm sempre uma desculpa para isso. Portanto, o público tem de chegar a 1% e o privado vem atrás. Foi o que aconteceu nos EUA e no Reino Unido. E temos de aprender com essas lições.

Está demorada essa aprendizagem…
Não é fácil. A nossa estrutura tem de ser repensada, porque é uma manta de retalhos. Até podemos estar orgulhosos da nossa manta de retalhos, porque tem coisas muito bonitas – quando vem dinheiro da Europa, fazemos uns floreados –, mas não tem uma estrutura estável. Se tivermos duas crianças a brincar com uma manta de retalhos, ela rapidamente se desfaz. Precisamos de algo que não seja só colocar dinheiro no sistema. É necessário criar um sistema, repensando-o em muitos aspetos. Mas, seja como for, colocar mais dinheiro é essencial. À conta do subfinanciamento, a ciência em Portugal está com a corda no pescoço há demasiado tempo. É impossível continuar assim.

Mas, sendo o GIMM tido como uma exceção à regra, supõe-se que esteja satisfeita com o orçamento do instituto para 2025…
Nunca é satisfatório. Gostaríamos de ter mais 20 milhões de euros em relação ao que temos agora. O orçamento de 2025 ronda os 40 milhões de euros e gostaríamos de chegar aos 60 milhões. Se nos compararmos a instituições internacionais europeias, era esse o orçamento que deveríamos ter. Em Portugal, temos a ideia de que podemos fazer sempre omeletes sem ovos. Se formos para os EUA, então, falamos de orçamentos de 80, 100 milhões. Há que haver esta noção: quanto maior for o orçamento, melhores serão os nossos resultados e maiores as probabilidades de fazermos melhores descobertas. Que depois criam dinheiro para o orçamento de futuro. Se fizermos descobertas que são patenteadas e que têm grande impacto científico, obviamente criam fontes de financiamento. Portanto, há que investir para que tal aconteça. E, por isso, estamos à procura de pessoas que nos ajudem a financiar melhor a nossa operação.

O objetivo é encontrar o problema antes de ser carcinoma ou de estar em estádio 1, quando ainda não se disseminou para lado nenhum

Para lá dos 40 milhões…
Podemos procurar mais dois fundadores, como já disse.

Os fundadores são, então, os financiadores essenciais…
Não, não são. Os cientistas ainda são os que financiam melhor a instituição, porque angariam os seus próprios projetos.

Palavras-chave:

Enfrentar um diagnóstico de deficiência de um filho é um desafio gigante. É entrar num mundo desconhecido e viver numa busca desenfreada por respostas. Mas a parte mais difícil, pelo menos para mim, foi a entrada na escola.

Quando chegou a altura de matricular a Francisca no 1º ano, descobri que para inscrever uma criança com deficiência não basta ir ao portal das matrículas e inserir os seus dados de identificação. É preciso percorrer a lista de escolas da zona, visitá-las, falar com as pessoas, perceber se há condições físicas apropriadas para a receber e se há professores capazes de ensinar o que a criança pode aprender.

Além disso, é preciso saber um monte de siglas, que eu desconhecia por completo, apesar de ter dois filhos mais velhos: PEI, RTP, CAA, EMAEI, CRTIC, AMIM, PIT.

Vivi um verdadeiro calvário à procura de uma escola para a Francisca. Entre públicas e privadas, todas pareciam ter uma desculpa para não aceitar a minha filha.

Comecei por ligar para uma daquelas escolas que dizem que “as crianças são livres”, que “vivem em contacto com a natureza”, e “cada uma aprende a seu ritmo, respeitando a individualidade de cada uma”. Quando expliquei as características da Francisca, a resposta veio num tom assustado: “Nunca tivemos uma criança assim”.

Outras, depois de reuniões em salas cheias de gente, professores de ensino especial, diretores da escola, acabaram por dizer que não tinham vaga.

Outras que se diziam inclusivas, não podiam aceitar a Francisca porque estavam mais especializadas num determinado tipo de deficiência.

Vi escolas recentes com grandes escadarias na entrada, em que as crianças com mobilidade condicionada tinham de entrar por um portão lateral, feito a pensar nas entradas e saídas dos caixotes do lixo.

Vi escolas em que o Centro de Apoio à Aprendizagem (CAA) era no primeiro andar. Em caso de uma catástrofe não sei como vão tirar as crianças com mobilidade condicionada dali. Mas não vamos pensar nisso, será uma sorte se o elevador estiver a funcionar.

Vi escolas que não deixam entrar os pais. Muitas crianças com deficiência são não verbais, os pais não têm como perceber as dinâmicas da escola se não puderem estar presentes e observar a forma como os seus filhos são tratados.

Vi escolas que não deixam entrar terapeutas privados, mas também não têm terapeutas para estas crianças que precisam de terapias praticamente todos os dias.

Vi escolas em que as crianças com deficiência só vão à sala de aula se der jeito, que não vão ao recreio com as crianças da turma porque “podem magoar-se” e que comem isoladas no refeitório porque “é mais fácil”.

Decidi insistir na escola pública ao pé da minha casa, a que me pareceu reunir mais pontos a favor. Foram precisas algumas reuniões, documentos, ajustes e flexibilidade de ambos os lados, claro, e até agora (ela já está no 3.º ano) só tenho boas histórias para contar. Desde os funcionários da entrada, até aos professores dentro da sala, às auxiliares nos corredores e aos colegas no recreio, todos contribuem para que a nossa família se sinta bem-vinda na comunidade escolar.

Tal como as outras escolas, nunca tinham tido uma criança como a Francisca, o que é óbvio, já que a sua condição é raríssima, mas, desde o início, mostraram interesse em conhecê-la e a aprender o que fosse preciso. Ficou definido o que seria feito em cada situação, quer pela escola, quer por nós, pais, e o compromisso de haver muita comunicação entre as duas partes.

O maior receio foram sempre as convulsões. Até que um dia percebi que não tinha nada a temer. A Francisca teve uma convulsão grande no meio da sala de aula. Foi um susto para alunos e professores, mas foi rapidamente assistida e correu tudo dentro do esperado. No dia seguinte, enviei uma mensagem no grupo dos pais da turma, explicando o que aconteceu e disponibilizando-me para esclarecer quaisquer dúvidas. Imaginei que crianças com 8 anos pudessem ter chegado a casa impressionadas, com medos, que não quisessem mais chegar perto da Francisca. Mas o que aconteceu, afinal, encheu-me o coração.

A professora aproveitou para dar uma aula de primeiros socorros e falou sobre as convulsões e sobre como se deve agir, de maneira simples e prática. Os miúdos chegaram a casa e contaram aos pais o que tinha acontecido com a Francisca, de uma forma tranquila e desconstruída, contentes por saberem que ela recuperou bem e por terem aprendido a lidar com a situação. Recebi ainda um carinho enorme dos pais da turma, contando-me como os filhos falavam bem da Francisca e se interessavam pelos seus gostos, pelos seus brinquedos, pelas suas especificidades. Fiquei realmente feliz por a Francisca estar tão bem acompanhada e por terem resolvido tão bem algo que poderia até ter sido traumático.

Provavelmente a Francisca nunca vai aprender a ler, nem a escrever. Mas pode aprender tantas outras coisas e aprenderá mais ainda se estiver integrada entre os pares, se passar os dias com crianças que a desafiam, que puxam por ela, que lhe mostram comportamentos de crianças da mesma idade e que a fazem sentir uma criança da sua idade. Não há decreto de lei que obrigue isto a acontecer sem haver uma transformação na forma como a sociedade encara a deficiência. Enquanto o medo do desconhecido prevalecer sobre a empatia e a compreensão, continuaremos a erguer barreiras em vez de construir pontes. A inclusão não é só um direito. É uma escolha que todos podemos fazer todos os dias.

Se não podes vencê-los, junta-te a eles. Parece ser essa a estratégia do líder do PS no debate da imigração. Em entrevista ao Expresso, Pedro Nuno Santos abandonou a linha que tem sido seguida até aqui pelo partido – de que a imigração não é um problema, nomeadamente no que diz respeito ao aumento da criminalidade – e defendeu um controlo maior nas fronteiras, e com declarações sobre respeito cultural muito pouco habituais à esquerda.

O secretário-geral do PS começou por deixar cair a manifestação de interesse, a figura legal, em vigor nos últimos governos liderados por António Costa, que permitia aos imigrantes virem a Portugal procurar trabalho. Esse instrumento “não deve ser recuperado tal como existia, mas é preciso encontrar válvulas de escape que permitam a regularização de imigrantes que estão a trabalhar”, começou por dizer. “A manifestação de interesse compreende-se num quadro em que havia uma procura do mercado de trabalho muito intensa, uma necessidade premente de trabalhadores e uma resposta insuficiente por parte da rede consular”, justificou. “Esse instrumento tinha também efeitos negativos, porque, na realidade, não podemos ignorar que tinha um efeito de chamada.” E, admitiu, “não fizemos [PS] tudo bem nos últimos anos no que diz respeito a imigração”.

Admitir o erro na manifestação de interesse já seria motivo para deixar o PS desconfortável, mas Pedro Nuno Santos foi mais longe, usando termos usados habitualmente pela direita, sublinhando que o País tem de ser “exigente” quanto ao “respeito por um conjunto de valores que são partilhados: a nossa cultura, os nossos valores e, obviamente, a lei, mas aí qualquer cidadão está comprometido”. “Quem procura Portugal para viver e trabalhar percebe, ou tem de perceber, que há uma partilha de um modo de vida, uma cultura que deve ser respeitada.” Instado a dar exemplos, o líder da oposição referiu “o respeito pelas mulheres”. “Isso é fundamental na sociedade contemporânea e deve ser um valor partilhado por todas as pessoas que querem viver e trabalhar em Portugal.”

Pedro Nuno do bom senso ou Pedro Nuno Ventura?

“Espero que não seja tática” eleitoral

As declarações do secretário-geral do PS provocaram reações negativas entre várias das suas figuras de topo, com Pedro Nuno Santos a ser alvo de reparos acintosos. Ana Catarina Mendes, que foi sua colega de governo, foi das que levaram as críticas mais a peito, tendo sido ministra com a pasta da Imigração, no governo anterior. À Lusa, classificou de “erro” as palavras do líder, porque vão “ao arrepio de tudo aquilo que é a nossa visão, do PS, há 30 anos sobre o que deve ser uma política de integração de imigrantes, daqueles que chegam a Portugal à procura de uma nova oportunidade”.

Ao Observador, mostrou-se mais contundente: acusou Pedro Nuno de “aproximação ao discurso da direita e da extrema-direita” e de querer incorporar uma ideia de “aculturação” dos imigrantes, o que considera errado, lembrando que as leis em Portugal se aplicam a todos, “independentemente da nacionalidade”. À SIC Notícias, disse ainda não saber “o que é isto dos valores nacionais, dos valores de Portugal, da cultura de Portugal. Eu sei o que é o artigo 15º da Constituição Portuguesa, que diz que cidadãos estrangeiros têm os mesmos direitos e os mesmos deveres. Eu sei o respeito pelos direitos humanos que todos nós devemos ter”.

A ex-ministra, que não apoiou a candidatura de Pedro Nuno à liderança do PS, discorda, igualmente, das críticas à manifestação de interesse: não é a figura em si que está errada, mas, sim, a revogação de “um mecanismo que ajuda a entrada legal e posterior regularização, entregando as pessoas em situação de vulnerabilidade a redes de imigração ilegal”.

Outro socialista que não ficou pelas meias-palavras foi João Costa, ministro da Educação no último governo de Costa – chegando mesmo a acusar Pedro Nuno, sem grandes subtilezas, de não ter princípios, em declarações ao Expresso. “Espero que esta não seja uma declaração ao estilo do [Groucho] Marx, quando este dizia: ‘Estes são os meus princípios, se não gostarem tenho outros.’”

À RTP, João Costa admitiu haver “um lado bem-intencionado por parte de Pedro Nuno Santos, no que diz respeito à igualdade entre homens e mulheres”. Mas criticou a sua contextualização a propósito da imigração. “A violência doméstica é um dos crimes mais praticados por portugueses. Peguemos em todos os outros temas: pode ser violência doméstica, questões de desigualdade entre homens e mulheres nas mais variadas formas, pode ser homofobia, mutilação genital feminina, podem ser casamentos precoces, casamentos forçados, isso é crime. É crime e o que me interessa é corrigir o comportamento, independentemente da origem do agressor. Espero que ele tenha oportunidade de clarificar e espero que não seja tática por causa das eleições autárquicas. Espero que não seja nada disso.”

António Luís Carneiro, ex-ministro da Administração Interna, juntou-se ao coro, sublinhando a aparente mudança de opinião de Pedro Nuno, ao afirmar, à Renascença, que a posição assumida pelo seu adversário nas últimas eleições para líder do PS “assenta em fundamentos e pressupostos que conduzem a ilações erradas, e a prova está nos argumentos que foram consecutivamente apresentados no grupo parlamentar e pelo próprio secretário-geral”. “O efeito de chamada de imigrantes, como mostram todos os estudos realizados sobre esta matéria, está no crescimento da economia”, não na simples manifestação de interesse, garantiu. “Quando [a economia] cresce, chama, e quando há desemprego, afasta.” O antigo governante alertou, finalmente, que “todas as medidas de repressão da imigração fazem crescer as redes criminais ligadas à imigração”.

Isabel Moreira, por seu lado, concorda com Pedro Nuno que o PS, quando era governo, “não fez tudo bem”, mas aponta falhas nos meios dados à AIMA, não à manifestação de interesse. “Onde há oferta de trabalho, há imigração”, escreveu no Facebook. “E onde há leis muito rígidas e trabalho, também há imigração. Simplesmente ela é ilegal. A manifestação de interesses permitia regularizar quem trabalhava e fazia aqui a sua vida e tinha requisitos. Era um mecanismo regulador.”

A tirada de Pedro Nuno sobre a necessidade de os imigrantes respeitarem a cultura e os valores portugueses mereceu também uma crítica por parte da deputada. “Não sei o que significa respeitar ‘um modo de vida’ ou ‘uma cultura’. Sei que a Constituição estipula que portugueses e estrangeiros estão sujeitos aos mesmos deveres e são titulares dos mesmos direitos. O meu campo de afirmação de valores e princípios é o da lei fundamental e esta não quer saber da nacionalidade de ninguém. Nem de obediências culturais. Pelo contrário. Cada pessoa desenvolve a sua personalidade como quer. E isso é direito fundamental. A ideia de um único modo de vida ou de uma única cultura não tem base constitucional. E é estranha ao nosso campo político.”

“É um virar à esquerda”

O líder do PS contou também com o apoio de vários destacados socialistas, incluindo Ana Gomes. “Ele disse claramente que queria e precisávamos de migrantes, mas precisamos de migrantes que não estejam vulneráveis e deixados à exploração laboral, em condições indignas, indocumentados”, disse, no seu espaço de comentário na SIC Notícias.

A antiga candidata presidencial apontou, ainda, aos críticos internos, nomeadamente a Ana Catarina Mendes. “Houve pessoas que se picaram porque tinham responsabilidades, e acho que elas fizeram o melhor possível, mas a verdade é que os resultados foram maus. O principal erro foi ter desmantelado o SEF sem imediatamente ter a AIMA a funcionar e não ter reforçado a rede consular, porque esses são os mecanismos de regulação das migrações.” Ana Gomes também não considera que as declarações de Pedro Nuno configuram uma viragem à direita ou mesmo ao centro. “Não. É um virar à esquerda que defende a justiça social e os imigrantes”, assegurou.

Outras duas estrelas do PS, António Vitorino e Francisco Assis, vieram igualmente defender o secretário-geral do partido. O primeiro, putativo candidato presidencial e presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo, culpou a manifestação de interesse pela “subida crescente do número de imigrantes num curto espaço de tempo”; o segundo concorda com Pedro Nuno e realça que “não podemos permitir que o debate se faça entre o discurso racista e xenófobo da extrema-direita e um discurso assente em proclamações morais e desprovido de dimensão política”.

Já Alexandra Leitão, apontada como possível sucessora de Pedro Nuno na liderança do partido, decidiu… dar uma no cravo e outra na ferradura. Falou da “enorme polarização” no debate sobre a imigração e afirmou que o secretário-geral “não tomou nenhuma posição nova relativamente à manifestação de interesse”; mas também criticou a abordagem escolhida na entrevista ao Expresso. “Quando se fala em cultura, de uma forma mais genérica, sem depois haver uma densificação com exemplos, pode haver quem entenda que se está a abrir a porta a um conjunto de coisas que podem ser discutíveis. É um assunto que deve ser discutido com cuidado para não sairmos nos simplismos e nos populismos.” 

Governo “saúda” Pedro Nuno

Leitão Amaro, ministro da Presidência, ironizou com a “mudança de opinião” – ou “cambalhota” –do líder do PS

Quem não perdeu a oportunidade de capitalizar com a entrevista de Pedro Nuno Santos foi, como não podia deixar de ser, o Governo. “Saudamos uma das maiores mudanças de opinião de um líder da oposição de que há memória em Portugal. Ainda há poucas semanas o líder do PS contestava o primeiro-ministro no que agora lhe dá razão”, disse António Leitão Amaro, ao Expresso, apelidandoas declaraçõesdo secretário-geraldo PS de “cambalhota monumental”.O ministroda Presidência acrescentou que a posição de Pedro Nuno é o “reconhecimentode que o PS estava errado e governoude modo muito erradona imigração”.

É inevitável (pelo menos até aqui) e universal: diga ao Instagram aquilo que lhe interessa (através da sua forma navegação e pesquisa e não só de comentários e gostos) e não tarda, os vídeos que lhe aparecem na página de reels, no explorar, ou os perfis sugeridos no feed vão ser maioritariamente sobre esse(s) tema(s). Num grupo de quatro amigos, é provável que a um só lhe apareçam reels de gatinhos, a outro de assuntos relacionados com corrida, a outro comida e ao último viagens. Primeiramente pensada para os utilizadores mais jovens, a funcionalidade que permite fazer um “reset” ao algoritmo está agora disponível para todos.

“Por vezes, cometemos erros”, afirmou Adam Mosseri, diretor do Instagram, em novembro do ano passado, quando anunciou o “botão de reset”. “Por vezes, podemos acabar num padrão em que, sem querer, transformamos o Instagram em algo de que não gostamos muito”, acrescentou, deixando claro que o “erro” a que se refere não é da rede social que gere mas sim dos utilizadores.

O reset do algoritmo – já explicamos como – faz com que os conteúdos sugeridos já não tenham ligação com o seu comportamento anterior. Vai continuar a ver as publicações dos seus amigos e das contas que escolheu seguir (com possibilidade de o deixar de fazer, claro), mas, ao início, as sugestões serão aleatórias e, possivelmente, muito menos interessantes para si. O algoritmo não deixa, no entanto, de trabalhar e, em breve, as recomendações e reels mostrados serão novamente adaptados aos interesses que parece ter.

Como fazer “reset” ao seu Instagram:

1 – Aceda ao menu Definições e atividade

2 – Faça scroll até encontrar a secção “O que vês”

3 – Aí, abra a opção “preferências de conteúdo” , onde encontrará “repor conteúdos sugeridos”

4 – Depois, é só ler as condições – o mais importante é que é uma ação irreversível – e aceitar.