O escritor e ilustrador britânico, a viver na Austrália, não só deu respostas diretas a perguntas enganadoramente simples (sobre micróbios, macacos, formigas e pombos), como elogiou o entrevistador, fez perguntas de volta e deixou pistas de pesquisa.

Para miúdos tão curiosos como o Gabriel! 

Qual é a estação mais importante do ciclo da água? 

Cada etapa do ciclo da água é muito importante! Sem evaporação, não poderia haver condensação. Sem condensação, não haveria precipitação. Sem precipitação, não haveria evaporação. Cada etapa de um ciclo tem um peso igual de responsabilidade. Isto é válido para qualquer ciclo natural – estações do ano, órbita planetária, ciclos de vida, marés, dia e noite – cada fase é tão importante como a seguinte. Consegues pensar em mais algum ciclo natural? 

Como é que pela primeira vez um macaco passou para humano? 

Acordei no jardim zoológico uma manhã e vi que o tratador tinha deixado a porta das traseiras aberta… então fui a correr! Roubei uma t-shirt, encontrei uma máquina de escrever e aqui estou. Haha, só a brincar. Bem, mais ou menos ;) 

Não é que tenhamos evoluído dos macacos. Partilhamos, sim, um antepassado comum com os símios (e ainda mais atrás na nossa história, partilhamos um antepassado com os macacos). Os biólogos pensam que nós, humanos peludos, partilhamos um antepassado com os chimpanzés e outros símios em algum momento, há cerca de 5 a 7 milhões de anos. Este antepassado não era nem humano nem símio, mas sim uma espécie mais primitiva de primata. Desde então, nós e os símios temos evoluído separadamente, ao longo das nossas próprias linhas evolutivas. 

Como se criaram os micróbios? 

Ninguém sabe realmente. Mas os micróbios estão tão vivos como tu e eu. E tal como partilhamos um antepassado com os macacos, também partilhamos um antepassado com os micróbios (muito, muito mais atrás). Uma vez fiz um livro com o meu amigo Idan Ben-Barak sobre este assunto – a origem da vida na Terra – chamado We Go Way Back

Como é que as formigas salvam o planeta? 

Estas perguntas são ótimas, acho que já deves ter lido todos os meus livros? Obrigado :) Não tenho a certeza se as formigas salvam o planeta, mas certamente ajudam a torná-lo um lugar melhor para a vida prosperar. As formigas são uma parte superimportante de tantos ecossistemas em todos os continentes do mundo (exceto na Antártida! Não chegaram lá… ainda). À medida que realizam as suas tarefas, as formigas reciclam e decompõem coisas velhas e mortas, transformando-as num solo novo e rico em nutrientes, no qual as novas plantas podem crescer e prosperar. 

Porque é que o coala é inútil? 

Os coalas dormem cerca de 20 horas por dia e dão cocó aos seus pobres bebés! Mas não são inúteis, ou pelo menos não são mais, nem menos inúteis do que qualquer outra coisa viva (incluindo tu e eu!). E tal como qualquer outro ser vivo, os coalas estão muito bem adaptados à vida no seu cantinho do mundo. São talvez a parte mais fofa e peluda do seu ecossistema. A ideia por detrás do título deste livro (Os animais mais inúteis do mundo) era a de troçar da suposição humana comum de que os animais têm uma finalidade ou uma utilidade. 



Os pombos são bons para o planeta? 

Eu acho que sim! Têm evoluído exatamente ao mesmo tempo que eu e tu, e parecem muito bem adaptados aos seus novos lares nas nossas cidades. Os pombos desempenham o seu papel em muitos ciclos naturais (mais recentemente o ciclo «Fazer cocó em estátuas e carros estacionados»). 

Como é que tu descobriste esta informação? 

Boa pergunta! Não sou especialista em nada (exceto em desenhar olhos em coisas que não deveriam ter olhos). Por isso, todos os livros de não-ficção começam com cerca de três a seis meses de pesquisa numa grande variedade de fontes. 

Mais importante ainda, tudo o que forneço deve ser apoiado em fontes estabelecidas ou revistas por pares. Algumas das minhas fontes favoritas são a Nature, a Encyclopedia Britannica e a Scientific American. A Britannica Kids [enciclopédia online para crianças] é sempre um ótimo lugar para começares a tua própria pesquisa ou validares algo que leste noutro sítio. 

Porque é que tu quiseste ser escritor? 

Tenho três filhos, que têm agora 11, 9 e 7 anos. O meu primeiro livro foi escrito como presente de primeiro aniversário para a minha filha Florence (9). Eu não pretendia que se tornasse um livro a sério, mas acabou por se tornar nisso mesmo. Desde então, todos os livros que escrevi foram feitos a pensar num dos meus filhos. Através das suas muitas perguntas e interesses, eles tornam muito fácil para mim pensar em novos tópicos e criar novos livros. Também gostam de ajudar com pesquisas e piadas parvas. É muito divertido :) 

Descobre mais em penguinlivros.pt e visita-nos em @penguinkidspt! 


CONTEÚDO PATROCINADO* POR PENGUIN


*Um conteúdo patrocinado é um texto escrito por uma empresa ou marca, e não por jornalistas.

De Apocalypse Now a Platoon, de Bom Dia, Vietname a Nascido para Matar, muitos filmes já foram feitos sobre a Guerra do Vietname – até séries, como a recente The Sympathizer.

Quando se assinalam os 50 anos do fim do maior conflito armado da Guerra Fria, esta série documental conta a história na primeira pessoa, com testemunhos de quem combateu no Vietname, como Melvin Pender: o atleta foi chamado a competir nos Jogos Olímpicos em 1968, durante o serviço militar, conquistando uma medalha de ouro.

Em 1965, milhares de jovens soldados foram recrutados, alguns nem sabiam onde ficava o Vietname, mas tinham a convicção, tal como as suas famílias, de que servir os EUA os tornaria homens. Lutaram inspirados pela forte camaradagem, em que morreriam uns pelos outros.

“Soldado, como se sente?”, pergunta um repórter da televisão ABC à chegada dos recrutas ao território. A imagem serve de exemplo da intensa cobertura mediática, com equipas de reportagem integradas na frente de batalha. Hilary Brown, a primeira mulher correspondente no estrangeiro para um canal de televisão, fala sobre a cobertura em primeira mão da queda de Saigão, em abril de 1975, que poria fim à guerra marcada pela polarização entre forças comunistas e capitalistas – o Vietname do Sul, apoiado pelos americanos, e o Vietname do Norte (vietcongues), que contava com a ajuda dos soviéticos.

Narrados pelo ator Ethan Hawke, os seis episódios são feitos com imagens emotivas, de reencontros, abraços, agradecimentos, mas também de gritos, tiros de rajada, explosões, túneis subterrâneos secretos. Mais de 1 100 horas de material de arquivo foram analisadas para a realização da série documental por Rob Coldstream. São vários os ex-militares que se reconhecem nos vídeos da guerra, voltam a recordar os pesadelos por que passaram e cujas memórias não desapareceram. O tempo não cura tudo.

Vietname: A Guerra que Mudou os EUA > Estreou 31 jan, sex > seis episódios > Apple TV +

Palavras-chave:

1. Passa-Montanhas
Linda Martini

A sua história vem dos primeiros anos deste século. De algum modo, os Linda Martini são já resistentes, diríamos “clássicos”, se essa palavra não parecesse tão inapropriada perante este rock ainda jovial, torrencial, enérgico. Continuam a jogar com as regras que criaram para si próprios numa espécie de “amor combate” que se vai construindo álbum a álbum, à antiga. Talvez por isso, falam assim do novo trabalho: “Há uma ideia persistente ao longo das novas canções: conversar melhor. Talvez seja essa a procura quando quatro pessoas se fecham voluntariamente numa sala e esperam sair de lá com qualquer coisa que não existia antes de entrarem.” Este Passa-Montanhas, com dez novas canções, é o primeiro registo em estúdio com o guitarrista Rui Carvalho (aka Filho da Mãe) que, em 2022, substituiu Pedro Geraldes.

2. Viva la Muerte
Mão Morta

Não é de ânimo leve que se escolhe para título de um disco o sinistro slogan dos falangistas na Guerra Civil Espanhola, “viva la muerte”. Mas nada aqui é de “ânimo leve”; estamos a milhas do hedonismo rock de Budapeste, talvez a canção mais célebre dos Mão Morta nos 40 anos de carreira que agora se assinalam. Adolfo Luxúria Canibal e o resto da banda bracarense fazem questão de que a mensagem que querem passar seja bem clara, sem ambiguidades, naquele que é o seu disco mais assumidamente político de sempre (e já havia Há Já Muito Tempo que Nesta Latrina o Arse Tornou Irrespirável, de 1998, de inspiração situacionista, e Pelo Meu Relógio São Horas de Matar, de 2014). Num álbum que é também espetáculo, a apresentar ao longo deste ano, complementado com conferências (Do Fascismo à Extrema-Direita e Vice-Versa), nada ficar por dizer, emulando um fascismo e um autoritarismo que ameaçam os nossos dias. Rock de combate.

3. Cidade de Cinema
Mazgani

Não muda tudo, mas muda muito. Acompanhamos Mazgani desde 2007 (ano de Songs of the New Heart) em canções em inglês, que remetem para uma melancolia e uma energia a fazerem pensar em Cohen, Cash ou Tom Waits. Desta vez, todo o novo disco é em português. Primeiro estranha-se…, depois convence, em canções delicadas e inspiradas (a melancolia mantém-se). Agora, o iraniano radicado desde muito jovem em Portugal parece criar uma ponte, como nunca antes, com a música popular portuguesa de autor – deste século e até de outros tempos. Em A Bondade, um dos dez novos temas, é fácil ouvir ecos de Variações no refrão: “Eu não quero a verdade/ dá-me antes a bondade…” Úria, Jorge Cruz, e até Salvador Sobral, também nos ocorrem, mas Mazgani já conseguiu encontrar o seu espaço há muito.

4. Circus Mundi Decadens
Kubik

Algo se mantém da estreia do projeto Kubik (aka Victor Afonso) em disco, em 2001, com Oblique Music: a dificuldade em colocá-lo, bem-arrumado, na gaveta de um género musical (neste caso, uma gaveta virtual, já que o disco ainda não teve edição física). Kubik é sempre um caleidoscópio musical, um carrossel louco, uma viagem que nos surpreende a cada guinada, de faixa para faixa e dentro de cada um dos temas, com títulos em latim (reminiscência da banda rock que o músico fundou nos anos 80, Nihil Aut Mors, que cantava, sobretudo, em latim?). O “circo decadente do mundo” do título anuncia-se logo, entre o naïf e o sinistro, nos primeiros segundos. Estilhaços de rock, folk e instrumentos de várias geografias, eletrónica de dança ou experimental esperam-nos logo a seguir, numa experiência viciante e alucinatória.

Estudioso de longa data do fenómeno das migrações, o sociólogo Pedro Góis, professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, é desde outubro o diretor científico do Observatório das Migrações. A missão deste organismo passa por recolher, produzir e divulgar informação relacionada com um tema que tem preenchido a agenda política na Europa, com Portugal a não fugir à regra – ainda neste fim de semana voltou a estar na ordem do dia, primeiro em forma de manifestações, na sequência da recente rusga da PSP no Martim Moniz, e depois através de confrontos entre imigrantes na mesma zona de Lisboa. Pedro Góis é também um dos autores do recente barómetro produzido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), que retrata o modo como os portugueses olham para quem vem de fora e elucida sobre o desfasamento entre certas perceções e a realidade.

Apesar de todo o mediatismo e da polarização em torno da imigração, os portugueses estão hoje um pouco mais abertos a receber imigrantes do que há 15 ou 20 anos?
Os portugueses estão mais preparados e também mais habituados. Aquela ideia do primeiro estranha-se e depois entranha-se tem aqui um bom exemplo. Quando chegaram grupos no passado que também eram diferentes dos portugueses, como os ucranianos, houve um momento inicial de resistência e de estranheza. Hoje, quando olhamos para os ucranianos ou moldavos que chegaram há 20 anos, eles fazem parte da sociedade portuguesa. Para alguns grupos que estão agora a chegar, estamos nessa fase inicial, enquanto para grupos mais antigos, de facto, existe uma integração que já não se estranha. E isso é um bom indicador.

Essa ideia aplica-se aos novos imigrantes do subcontinente indiano que, segundo o barómetro da FFMS, levam 63% dos inquiridos a defender uma redução da sua presença em Portugal?
É difícil dizer com toda a certeza, porque os fluxos não são exatamente iguais. E as características dos imigrantes também são diferentes. Por exemplo, os ucranianos que chegaram há 20 anos, no início do milénio, eram cristãos ortodoxos e relacionaram-se muito fortemente com as comunidades portuguesas. Também nessa esfera religiosa, os que estão a chegar agora do subcontinente indiano têm outras características, outras religiões e outros hábitos culturais. Creio que essa integração também vai acontecer, mas nós queríamos que fosse imediatamente e, se calhar, vai demorar algum tempo.

As diferenças que apontou explicam uma resistência tão grande a esse grupo de imigrantes, quando os oriundos da Índia, do Nepal e do Bangladesh representam menos de 10% do fluxo migratório para Portugal?
É um somatório entre a estranheza e a falsa perceção de que são muitos mais do que aquilo que são. De facto, estamos a falar de um número muito pequeno, dentro do que são os imigrantes em Portugal. Mas a perceção que temos sobre estes imigrantes também é exponenciada pelas notícias de alguns eventos, o que leva a pensar que são muitos mais. Esta perceção, aliada ao facto de ter havido uma chegada abrupta e de se ter passado de uma expressão quase inexistente para umas dezenas de milhares de pessoas, talvez tenha esta repercussão na forma como a sociedade portuguesa os vê, sendo que a rejeição acontece até em áreas do País onde praticamente não há imigrantes com estas origens. Ou seja, ela é nitidamente mediatizada para lá do que existe no nosso dia a dia, na nossa vizinhança, na nossa convivência com estes grupos.

Tendo Portugal uma ligação histórica à Índia, e sendo que ainda recentemente teve como primeiro-ministro alguém com raízes goesas, António Costa, não seria de esperar maior tolerância?
É verdade, mas a questão é que a Índia é um continente em si, não é? E muitos dos migrantes que estão a chegar são de regiões da Índia que nada têm a ver com o passado colonial português. Também pesa, como já referi, a sua presença no espaço público, além de ser uma comunidade ainda muito masculinizada. Por outro lado, há também aqui uma questão de classe social. António Costa é descendente das elites de Goa, não é propriamente descendente das classes populares da Índia. Na verdade, há outros indianos em Portugal para os quais não temos grandes sintomas de rejeição, casos das elites que vivem em Cascais ou no Algarve.

Não é só sobre o número de imigrantes do subcontinente indiano que existe uma perceção exagerada. De um modo geral, há uma noção desfasada da realidade quanto ao peso da população estrangeira que vive entre nós.
Acontece em Portugal como acontece em toda a Europa. Há sempre a ideia de que os migrantes são mais do que aquilo que são. Não conseguimos calcular grandes massas de população no nosso imaginário e, de facto, a visibilidade de alguns destes grupos pode transferir esse cálculo para números que não têm nada a ver com a realidade. As pessoas pensam que a imigração se situa nos 30%, quando anda à volta dos 10%, talvez um pouco acima.

Segundo dados da OCDE, chegará aos 12%, mas o peso dos migrantes em Portugal mantém-se muito abaixo na comparação com a grande maioria dos países desenvolvidos.
Algumas organizações internacionais consideram os nascidos fora de Portugal, outras partem da existência ou não de passaporte português. Mas, sim, com a recuperação das pendências da manifestação de interesse, deverá estar a aproximar-se muito rapidamente dos tais 12%.

A imigração como gatilho da criminalidade parece ser o tema do momento da política europeia, e não só, com os partidos de direita radical a acenarem esta bandeira. Há dados que sustentem esta relação de causa e efeito em Portugal?
Não há. Todos os estudos feitos no passado mostram até que uma parte substancial dos estrangeiros presos não tem nada a ver com Portugal. Ou seja, foram detidos como mulas nos aeroportos, como responsáveis de tráfico de droga ou como estrangeiros de passagem no País, não sendo residentes, que é aquilo que define o que são imigrantes. Não há essa relação, mas seria até expectável que houvesse, porque quando essa população cresce até 12%, se calhar, a criminalidade deveria crescer na mesma percentagem, uma vez que os imigrantes são pessoas como nós e, portanto, haverá de tudo no seu seio. De todo, nem as estatísticas mostram essa realidade nem a perceção que as forças policiais têm sobre estes grupos fazem prever que vá aumentar o número de crimes associados à imigração. Outra coisa diferente é conseguirmos contrariar esta perceção, porque ainda esta semana tivemos no Martim Moniz uma pequena quezília entre grupos, que podia ter resultado do fim de um jogo entre Benfica e FC Porto ou Sporting. Estas foram muito mediatizadas e as outras não são tanto. Isto aumenta a nossa perceção de que existe aqui um problema, quando, de facto, nada parece indicar nesse sentido.

As forças de segurança descartam uma relação, os dados oficiais, nomeadamente o Relatório Anual de Segurança Interna, não discriminam a criminalidade por nacionalidade. No entanto, mais de dois terços dos inquiridos no barómetro da FFMS entendem que os imigrantes contribuem para o aumento a criminalidade. Estamos perante um preconceito sem sentido, uma realidade alternativa?
Estamos perante o efeito de um discurso que visa criar desordem na nossa sociedade para depois propor um modelo que contraria essa desordem, que é o modelo autoritário e que não faz sentido. Desde logo, porque os nossos relatórios não discriminam, e bem, em função da nacionalidade, porque o artigo 13º da nossa Constituição proíbe a discriminação em função de um conjunto de características, entre as quais a nacionalidade. Portanto, não faz sentido dar a volta à Constituição para traduzir num documento algo que a própria Constituição proíbe. Muito do discurso político em torno deste assunto tem o objetivo de criar uma perceção de desordem onde ela não existe. O que está errado na nossa sociedade atual não são os comportamentos dos imigrantes, são os discursos dos políticos sobre os imigrantes.

Geram criminalidade?
Geram, pelo menos, um efeito de insegurança, e quando nos sentimos inseguros tendemos a ser menos racionais. Temos de contrariar esse discurso precisamente porque nada mostra que faça sentido. Quer isto dizer que os imigrantes não cometem crimes? Não. Quer dizer é que os imigrantes não cometem mais crimes do que qualquer outra pessoa. Para os regularizarmos, solicitamos certificados criminais nos países de origem e em Portugal. Se houver alguma mancha nos comportamentos destes indivíduos, eles não são regularizados e, portanto, nós acabamos por fazer uma seleção à entrada. Quando estão cá, o normal é que continuem a ser quem eram e não se tornem criminosos de um momento para o outro.

Muitos dos discursos anti-imigração alegam que não existe qualquer tipo de controlo à entrada.
Não é, de todo, assim. Aliás, uma das causas para termos tantas pendências no processo de regularização é porque há diferentes mecanismos de fiscalização de quem se propõe vir trabalhar para Portugal. Há documentos que têm de ser emitidos pelo país de origem, que são fiscalizados pelas nossas autoridades, e só depois é que é concedido esse estatuto para poderem residir em Portugal. Podem dizer-me: “Sim, mas enquanto não estão regularizados podem ser potencialmente criminosos.” Certo, mas num país que recebe dezenas de milhões de turistas, esta é a parte do risco de sermos o país que somos. As pessoas que estão em trânsito no País não serão todas anjos e santos, haverá de tudo. Temos de lidar com isso e investir recursos para que nada aconteça aquando da sua presença no País.

Apesar do aumento real do número de imigrantes com essas origens [Brasil, África, países ocidentais, Europa de Leste e China], verifica-se uma diminuição da negatividade associada a essa migração

Tendo em conta que a associação da imigração à criminalidade se estende, atualmente, por muitos países da Europa e que mais de dois terços dos portugueses estão alinhados com esta posição, diria que este discurso dá votos?
Não posso medir, mas espero que não. Até porque também há, no seio destes grupos políticos que se mimetizam uns aos outros e criam esta tal internacional de direita que parece estar a emergir, outros discursos que não podemos aceitar, como os antivacinas ou antialterações climáticas. A questão da imigração é apenas mais uma parte que não cola com a realidade e com o que a Ciência nos tem dito. É mais uma tentativa de falsificação da perceção social que aparentemente está a atingir um grupo demasiado grande de portugueses face ao que seria expectável.

Atribui alguma responsabilidade à cobertura jornalística de certos acontecimentos?
Nalguns momentos, sim, porque, por exemplo, os discursos políticos de extrema-direita são repetidos. Muitas vezes deixam de ser notícia. Mas ainda assim há uma repercussão destes discursos. E há uma tentativa de criar espetáculo em seu torno, como vimos, aliás, neste fim de semana. Quando temos o nosso espaço mediático inundado com um paralelismo entre manifestações que têm milhares de pessoas e manifestações que têm dezenas de pessoas, é estar a valorizar em excesso estes pequenos grupos que fazem parte da nossa sociedade e a desprezar a imagem real do País, que tem de emergir. Não estou de todo a sugerir que haja censura, os critérios editoriais é que têm de ser devolvidos a uma análise da realidade em vez de a projetarmos a partir dos discursos. De qualquer forma, ainda que os jornalistas fizessem o seu trabalho de acordo com os padrões jornalísticos mais rigorosos, não deixariam de ter a concorrência ali ao lado das redes sociais, que não fariam nada disso. Nós, hoje, temos de olhar para esta realidade mediática integral, onde cada um pode ser jornalista e de alguma forma usurpar a função informativa, muitas vezes dando um olhar marginal e apenas ideologicamente conotado.

Factualmente desfasada da realidade é, também, a opinião da maioria dos portugueses (52%) que considera que os imigrantes recebem mais em apoios sociais do que contribuem para a Segurança Social. O saldo positivo é superior a dois mil milhões de euros.
É, mais uma vez, a criação desta imagem em que há bons e maus. Os bons são os cidadãos portugueses que pagam os seus impostos, fazem os seus descontos para a Segurança Social e não abusam do sistema, e os maus são os imigrantes, que tentam por todos os meios usufruir do sistema sem para ele contribuírem. Os dados da Segurança Social mostram-nos que há muito maior contribuição do que recebimento, e não seria de pensar outra coisa. Estamos a falar de uma população muito jovem, trabalhadora, que está aqui na tentativa de ganhar dinheiro para poder voltar aos seus países, fazer os seus investimentos sociais na sua família ou poder ter uma vida melhor. Conhecemos esta história. É a história da emigração portuguesa. Claro que vai sempre haver casos de abuso, como há na comunidade portuguesa. Cabe às autoridades competentes atuar.

Há mais de 250 mil imigrantes em Portugal a viver abaixo do limiar da pobreza, ou seja, 26,6% do total. Porquê?
Uma grande franja de estrangeiros recebe salários-base abaixo do salário mínimo nacional. É por isso que, nas zonas metropolitanas de Lisboa, Porto e Algarve, não conseguem alugar um apartamento e é necessário juntar várias pessoas. O País precisa de subir os salários mais baixos, dos imigrantes e dos portugueses.

Entre os imigrantes, são os de fora da União Europeia que fazem baixar a média salarial e, por isso, aqueles que vivem em piores condições.
Há várias dimensões. Em primeiro lugar, os cidadãos da União Europeia têm uma transferência direta dos seus diplomas e das suas qualificações. Um enfermeiro da Bulgária poderá exercer a função em Portugal, mas um enfermeiro do Nepal já não. Por outro lado, há dois tipos de atores que fazem falta em alguns setores. Os empregadores têm de ter comportamentos éticos para com os imigrantes e subir-lhes os salários, por exemplo, no setor agrícola ou no dos cuidadores, e os sindicatos têm de pugnar para que o direito laboral seja cumprido em todas as suas dimensões, para todas as pessoas.

Face aos dados do barómetro, e em jeito de balanço, é legítimo afirmar que os portugueses querem sobretudo um controlo mais apertado sobre a entrada de imigrantes no País e, uma vez esta regularizada, defendem uma igualdade de direitos para todos?
O que sinto é que os portugueses querem alguma governação das migrações. Ou seja, não podermos receber toda a gente a todo o tempo sem termos criadas as condições para que os direitos e deveres de quem chega possam ser efetivos. É muito difícil governar a entrada, porque Portugal é um país com fronteiras abertas a muitos países, como os da CPLP, da União Europeia ou do Brasil, de onde as pessoas que vêm não têm necessidade de ter um visto. Mas, depois, os indicadores mostram que os portugueses até advogam o direito de voto para imigrantes regularizados.

Comparativamente a estudos anteriores, regista-se agora uma menor animosidade face a todos os grupos de imigrantes avaliados, oriundos de Brasil, África, países ocidentais, Europa de Leste e China?
Apesar do aumento real do número de imigrantes com essas origens, verifica-se uma diminuição da negatividade associada a essa migração, o que não deixa de ser interessante.

Palavras-chave:

Acerca das guerras, como já testemunhamos várias vezes e em tantas delas de forma dramática, sabemos como começam, mas desconhecemos sempre como e quando acabam. Desta vez, no entanto, as coisas são ligeiramente diferentes. Já sabemos que a próxima grande guerra comercial, segundo o anúncio feito no sábado por Donald Trump, vai iniciar-se precisamente às 12.01 de amanhã (presume-se que seja o horário de Washington…), quando entrarem em vigor as tarifas de 25% sobre as importações do Canadá e do México, e de 10% sobre as da China – um valor que, neste caso, se soma às que já estavam em vigor. 
Ao que tudo indica, este será apenas o primeiro tiro de uma guerra que, nos próximos tempos, deverá atingir muitos outros países e blocos económicos. Por isso, a sua duração é, neste momento, completamente imprevisível. Até porque, como acontece sempre, as guerras aumentam de intensidade à medida que os dois lados se vão atacando mutuamente: após um ataque é sempre preciso esperar uma contraofensiva. E, acima de tudo, muitos efeitos colaterais em países que, como se diz em linguagem corrente, sofrem consequências “por tabela”. 
É precisamente por isso que esta guerra comercial anunciada por Donald Trump deve preocupar o mundo. Embora as tarifas sejam dirigidas apenas, para já, aos vizinhos diretos dos EUA e ao seu adversário estratégico, ninguém duvida que, dentro em breve, elas irão ser impostas às importações de muitos outros países – nomeadamente às da União Europeia

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Velhos são os trapos, diz a sabedoria popular, mas também aquele que muitos consideram ser o melhor futebolista de todos os tempos. A um ritmo de mais de meio milhão de euros por dia (de acordo com as notícias sobre a mais recente renovação de contrato), Cristiano Ronaldo caminha a passos largos para se tornar, já no próximo dia 5 de fevereiro, um dos quarentões mais bem-sucedidos da história do futebol e do desporto mundial. Muito poucos conseguiram, como ele, manter-se a competir ao mais alto nível com uma idade tão avançada. E ainda menos foram capazes de, na mesma altura da vida, continuar apostados em estabelecer recordes e em atingir novas metas. Para o madeirense mais famoso do mundo, parece não haver limites e tudo é sempre possível. Seja chegar aos 1000 golos, seja ser o único a marcar em seis Campeonatos do Mundo. O futuro é já ali.

A defender as cores do Al Nassr desde 2023, Cristiano Ronaldo terá chegado recentemente a acordo com o clube saudita para prolongar o contrato que os une até 2026. Em troca, o craque português receberá cerca de 200 milhões por ano, o que representa a módica quantia de 3,8 milhões por semana ou, se quisermos ser ainda mais minuciosos, 550 mil euros por dia. Um contrato que, além de ser o mais caro de sempre da história do futebol, abre portas aos dois grandes objetivos que CR7 terá traçado para o final da sua carreira. Jogando até 2026 no Al Nassr, o avançado português tem a oportunidade de alcançar a tão desejada marca dos 1000 golos (no último domingo, 26, chegou o 920º golo) e mantém aberta a via para representar a Seleção Nacional, ao serviço da qual poderá disputar mais uma fase final de um campeonato do mundo. Se Portugal lograr o apuramento para o Mundial2026, que se disputará nos EUA, Canadá e México, Cristiano Ronaldo poderá ter a oportunidade de participar na sua sexta fase final consecutiva e ser o único da história do futebol a marcar em seis mundiais.

Lendas Pepe jogou quase até aos 42. Óscar “Tacuara” Cardozo (41) e Luka Modric (39) continuam aí para as curvas

Antes disso, já nos próximos dias 20 e 23 de março, CR7 será seguramente um dos convocados por Roberto Martínez para disputar, diante da Dinamarca, o play-off de acesso à Final Four da Liga das Nações, que se disputará entre 4 e 8 de junho, na qual poderá somar mais um título importante à já infindável lista de troféus conquistados em 23 anos de carreira ao mais alto nível. Ao todo, são 34 títulos, dos quais se destacam um Campeonato da Europa e uma Liga das Nações por Portugal, 5 Ligas dos Campeões, 4 Mundiais de Clubes e 7 títulos de campeão nacional nas suas passagens pelo Manchester United, de Inglaterra, o Real Madrid, em Espanha, e a Juventus, na Itália. Conquistas coletivas às quais há que juntar uma impressionante lista de prémios e recordes individuais que fazem deste jogador o mais bem-sucedido de sempre do futebol português e um dos mais reputados do mundo. Numa carreira que, como se vê, não está prestes a acabar, ainda que o próprio Cristiano já comece a dar sinais de já estar a pensar no day after, abrindo a porta à compra de um clube de futebol. Mas isso será algo que só deverá acontecer, salvo algum percalço físico, lá para finais de 2026, altura em que, prestes a chegar aos 42, CR7 considere que é hora de pendurar a chuteiras. Ou talvez não…

Quarentões na alta roda

CR7 não está sozinho na sua longevidade desportiva. Um dos casos mais recentes é de outro português (nascido no Brasil, é certo), que garantiu também um lugar na história do futebol nacional. Antes de ter pendurado as chuteiras no final da época passada, Pepe tinha-se tornado o jogador mais velho a disputar e a marcar num jogo da Liga dos Campeões, ao serviço do FC Porto. Isto, meses antes de, com a camisola da Seleção Nacional, ter inscrito o seu nome na história do futebol europeu, ao ser o mais velho a jogar numa fase final de um Campeonato da Europa, tendo entrado em campo com 41 anos e 130 dias. Esse Portugal-França a contar para os quartos de final do Euro2024, perdido na marcação de grandes penalidades, acabaria por ser o último jogo de mais este craque quarentão. Para trás, ficou uma carreira de 23 anos, com passagens marcantes e recheadas de títulos (29) nacionais e internacionais ao serviço de FC Porto, Real Madrid e Seleção Nacional.

Falando ainda de futebol e de antigos colegas de equipa de Cristiano Ronaldo, há que lembrar Luca Modric, que, a pouco mais de sete meses de completar 40 anos (nasceu a 9 de setembro de 1985), continua a ser peça importante no Real Madrid. Mesmo não sendo um titular absoluto, tem jogado praticamente em todos os jogos dos merengues nesta época 2024/2025. Em 12 épocas e meia no clube da capital espanhola, o internacional croata ganhou tudo o que havia para ganhar e está na luta para, este ano, poder celebrar a conquista da 7ª Liga dos Campeões, 4º Mundial de Clubes e 5º título de campeão nacional espanhol. Um currículo como há poucos.

Com menos títulos no currículo, mas com uma passagem marcante pelo futebol português, sobretudo para os adeptos do Benfica, Óscar “Tacuara” Cardozo é outro exemplo de uma carreira longa, ao mais alto nível. A menos de quatro meses de completar 42 anos (nasceu a 20 de maio de 1983), o avançado paraguaio continua a defender as cores do Libertad, de Asunción, clube para o qual se transferiu depois de longa passagem pela Europa, durante a qual brilhou, sobretudo, nas sete épocas que passou de águia ao peito.

Ainda no futebol, há outros exemplos. O também paraguaio Roque Santa Cruz, aos 43 anos, continua a jogar, também com a camisola do Libertad. Mais a sul, no Brasil, o internacional brasileiro Thiago Silva, de 40 anos, que jogou no Milan, PSG e Chelsea, é agora capitão do Fluminense. O seu antigo companheiro de seleção brasileira, Dante, com 41 anos, continua a jogar no Nice, depois de anos ao serviço do Bayern de Munique. Todos eles, porém, ainda com uma década a menos do que o futebolista mais velho em competição: o japonês Kazu Miura, de 57 anos, que, depois de ter jogado na época passada por empréstimo na Oliveirense, atua agora no Atlético Suzuka, do Japão.

Outra estrela planetária

Foto:ALLISON DINNER/LUSA

Com 40 anos feitos a 30 de dezembro de 2024, LeBron James tem, no basquetebol mundial, um estatuto em tudo idêntico ao de CR7 no futebol. Com uma carreira recheada de títulos e recordes na NBA, o basquetebolista dos LA Lakers é, atualmente, o mais velho em competição na principal prova mundial da modalidade e goza, à semelhança do futebolista português, de uma popularidade planetária. Tem também dividido com ele, ao longo dos últimos anos, os tops dos desportistas mais bem pagos do mundo. O facto de continuarem a ser máquinas de gerar receitas e contratos milionários será, porventura, uma das principais razões para LeBron, Cristiano e alguns outros resistirem tanto a colocar um ponto final nas respetivas carreiras.

Rui Rocha foi reeleito para um segundo mandato como líder da IL. Foi eleito pela primeira vez em janeiro de 2023, com 51,7% dos votos. Os 73,4% que obteve este domingo, IX Convenção Nacional do partido, no Pavilhão Paz e Amizade, em Loures. deixaram-no significativamente à frente do conselheiro nacional Rui Malheiro, com que disputou a liderança, e que se ficou pelos 26,6 por cento.

Os resultados foram aplaudidos de pé pela esmagadora maioria dos elementos da IL presentes na sala, entre gritos, relata a agência Lusa, de “Rocha, Rocha!”.

À chegada, Rui Rocha tinha manifestado a sua “absoluta confiança” na reeleição, considerando que o partido está unido em torno da “construção de uma solução política” para o país.

“Não há nenhuma divisão” a nível interno, garantiu.

Pelo real decreto de 1783, assinado por D. Maria I, Portugal reconhecia a independência dos Estados Unidos da América. A nossa era uma das três primeiras nações, juntamente com a França e os Países Baixos, a reconhecer a federação criada, unilateralmente, sete anos antes, por um grupo de patriotas a que se convencionou chamar de “Os Pais Fundadores”. Quase dois séculos e meio depois, o regresso de Donald Trump à Casa Branca parece colocar em causa o pilar atlântico que, desde a I Guerra Mundial e, sobretudo, desde a Segunda, une os destinos da Europa Ocidental aos da América. O desafio diplomático e estratégico passa, também, pelos laços bilaterais, muito anteriores às alianças firmadas, no século XX, no âmbito da Guerra Fria. Esta semana, ao receber o secretário-geral da NATO, o holandês Mark Rutte, em Lisboa, o primeiro-ministro Luís Montenegro foi muito cauteloso na referência aos EUA – o principal esteio da Aliança Atlântica, posta agora, em causa, pela emergência de Trump. Salvaguardando o protagonismo europeu, Montenegro frisou que “temos todo o interesse em estreitar relações com os Estados Unidos da América e em conformar a nossa estratégica com a estratégia NATO como um todo, o que envolve também os EUA”. E Portugal é um dos países que melhor o pode fazer: na presidência do Conselho Europeu mora, também, um português, António Costa, conhecido pela sua capacidade negocial e pela vocação do compromisso. Até que ponto as relações entre Portugal e os EUA, consideradas por todas as fontes ouvidas pela VISÃO como “exemplares”, poderão representar um papel no novo panorama geopolítico? Nestas páginas, faremos um exercício de memória, revisitando cinco momentos fundamentais da relação transatlântica. Que muito poderão explicar uma cumplicidade que, com altos e baixos, já leva dois séculos e meio.

Aliados Em cima, Ronald Reagan, recebido pelo Presidente Ramalho Eanes, em 1985. Em baixo, Mário Soares, em São Bento, com Frank Carlucci, o intrépido amigo e aliado estratégico americano dos tempos do PREC

MOMENTO UM
OS PIONEIROS DOS PRIMEIROS ANOS

A 4 de julho de 1776, na Pensilvania State House, cinco homens proclamam a independência das 13 colónias, face ao jugo britânico. Thomas Jefferson, autor do texto da proclamação, que viria a ser o 3.º Presidente dos Estados Unidos da América, está acompanhado por John Adams, Benjamin Franklin (também inventor do para-raios), Roger Sherman e Robert R. Livingston. Os cinco brindam à independência ‒ e fazem-no com vinho da Madeira. É provável que a garrafa tivesse sido fornecida por Jefferson, grande apreciador, e que tinha uma cave bem abastecida no seu rancho, com a casa apalaçada de Monticello. Jefferson, de oratória brilhante, inspiraria políticos como J. F. Kennedy. Durante uma receção a vários Prémio Nobel, na Casa Branca, Kennedy gracejará: “Desde que o Presidente Jefferson aqui jantou sozinho que não se via concentrada, nesta sala, tanta capacidade intelectual…” Jefferson que, por sua vez, dizia do diplomata português, Correia Serra, que era o homem mais sábio com quem tinha privado… (ver caixa). Talvez Kennedy ignorasse isto.

A posição portuguesa

Nos sete anos de guerra entre os nacionalistas americanos e os britânicos, a Revolução Americana foi, para a diplomacia portuguesa, uma questão especialmente delicada. Aliados históricos de Inglaterra, os portugueses teriam de tratar com pinças um assunto que fervia, tanto mais que o País detinha importantes interesses no continente americano. Ainda no tempo do Marquês de Pombal, a posição portuguesa será de alinhamento total com a Inglaterra. Depois, Pombal cairá em desgraça e assiste-se a uma nuance, que tornará Portugal neutral. Entretanto, tinha sido firmado o Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, entre Portugal e a Espanha, segundo o qual Lisboa cedia a colónia do Sacramento, a ilha de São Gabriel e as Misiones Orientales (Sete Povos das Missões), enquanto a Espanha reconhecia o controlo português do Sul do Brasil e devolvia a ilha de Santa Catarina. 

Pombal tivera a expectativa do auxílio inglês na disputa com a Espanha, ao mesmo tempo que temia os efeitos do precedente da independência dos EUA nos vastos territórios ultramarinos da coroa, a começar pelo Brasil, onde já se tinham registado episódios de sedição. No próprio dia 4 de julho, Pombal aprova um decreto que equipara os navios americanos a embarcações de piratas, interditando os portos portugueses à sua navegação. Sempre atentos, os franceses, rivais dos britânicos, e, portanto, aliados principais dos americanos, tentam convencer os EUA a declarar guerra a Portugal.

Após a situação com Espanha, na América do Sul, ter estabilizado – e com Pombal afastado –, Portugal torna-se neutral. Mais tarde, após a derrota dos britânicos em Yorktown, ponto de viragem da guerra, e depois do reconhecimento inglês da derrota, na América, Portugal, aliviado, apressa-se a reconhecer os EUA. Em seguida, o abade Correia Serra define a política vindoura: muito antes da constituição da NATO, ele terá sido o primeiro a reconhecer a importância estratégica da parceria entre os dois países, que designava como as “duas potências do hemisfério ocidental”.

A partir do Brasil, o rei D. João VI escreveu ao Presidente James Madison e há o registo de, pelo menos, três curiosíssimas cartas. A primeira, de 13 de maio de 1810, participa o casamento da sua filha Maria Teresa, princesa da Beira, com o seu sobrinho D. Pedro Carlos de Bourbon. Na segunda, de 26 de maio de 1812, dá conta do falecimento, por febre tifoide, deste seu genro. A 23 de agosto de 1816, volta a participar dois enlaces, desta feita, das filhas Maria Isabel Francisca com Fernando VII, de Espanha, e de Maria Francisca de Assis com D. Carlos Maria Isidro. O tom das missivas é afetuoso, despedindo-se sempre desejando que “Deus conserve os EUA no Seu carinho e amor”. A James Madison sucederia James Monroe, autor da célebre doutrina que coloca o continente americano como área de influência dos EUA e livre da colonização de qualquer potência europeia…

MOMENTO DOIS
A II GUERRA MUNDIAL E OS AÇORES

A 28 de novembro de 1944 foi assinado um acordo entre os governos de Portugal e dos Estados Unidos da América, concedendo aos americanos autorização para construir e utilizar uma base naval e aérea na ilha de Santa Maria, no arquipélago dos Açores (depois transferida para as Lajes). Sucede este acordo ao que fora firmado, pouco mais de um ano antes, entre Portugal e a Inglaterra. Os Aliados viam as ilhas como uma importante plataforma logística, no quadro da Batalha do Atlântico. As negociações tinham-se iniciado no início de 1942, mas Salazar foi protelando. Queria ter bem a certeza sobre para que lado penderia a vitória. O Presidente Roosevelt, que tinha visitado os Açores em 1918 (ver caixa) recordava a beleza das ilhas, a sua fertilidade e, sobretudo, a posição estratégica. Por diversas vezes pressionou Churchill (a Inglaterra era a mais velha aliada de Portugal) para uma invasão dos Açores. No acordo com Inglaterra, Salazar acabou por impor como condição que as aeronaves norte-americanas que utilizassem a base de Santa Maria voassem com as insígnias britânicas ‒ afinal, a sua neutralidade colaborante podia justificar a concessão de facilidades a um aliado, como o inglês, mas não a um estranho, como o americano… Durante as negociações, teve grande protagonismo o conselheiro da embaixada George Kennan (ver caixa) que, colocado em Moscovo, anos depois, estabelece no famoso “Longo Telegrama”, as premissas em que se basearia a política ocidental, durante a Guerra Fria.

Lisboa e Açores Guterres foi designado, por Bill Clinton, como “um jovem político inteligente”. E Durão Barroso foi um dos poucos aliados europeus indefetíveis de George W. Bush

MOMENTO TRÊS
A GUERRA COLONIAL

Em maio de 1960, Eisenhower esteve em Lisboa e ainda tentou convencer Salazar: o nacionalismo africano poderia ser um bom antídoto para a penetração do comunismo, se os povos africanos ficassem “do nosso lado”. Mas Salazar discordou. O acordo das Lajes tinha sido renovado em 1957 e o Presidente americano não insistiu. Um ano depois, o País marchava para Angola. A Eisenhower sucede o Presidente Kennedy, e é então que as relações entre Portugal e Estados Unidos da América se agravarão: na Assembleia Geral das Nações Unidas, os EUA votam favoravelmente uma condenação genérica de “todas as formas de colonialismo”. Mas a primeira grande tensão com a nova administração americana surge na sequência do assalto ao paquete Santa Maria, por resistentes antifascistas espanhóis e portugueses, liderados pelo dissidente do Estado Novo, Henrique Galvão. Os americanos recusam tomar o navio ou subscrever a designação de Lisboa, que considera os ativistas “piratas” e designa-os por “beligerantes”. Paralelamente, emerge a política fortemente anticolonialista de Kennedy. “É difícil e desvantajoso para os interesses ocidentais apoiar publicamente ou manter o silêncio sobre as políticas africanas dos portugueses”, escreve Dean Rusk, secretário de Estado dos EUA, em carta de instruções enviada para a embaixada de Lisboa.

A partir de 1962, Kennedy afrouxa a pressão. Depois de recusar generosas compensações monetárias para a modernização do País, na adaptação a um ciclo pós-colonial, o ditador português faz a sua chantagem: Salazar ameaça recusar-se a renovar o acordo da Base das Lajes, consideradas cruciais pelas autoridades militares americanas, “na guerra ou na paz”. O debate obriga os americanos a optarem entre “Angola ou os Açores”, mas, por baixo da mesa, nunca deixarão de apoiar a FNLA. Além da pressão militar, Salazar, por uma vez, alarga os cordões à bolsa e contrata serviços de lobbying nos EUA, através da firma Salvage & Lee e, noutro plano, reforça o relacionamento com a França e a República Federal da Alemanha, o ponto de partida para as bases alemã em Beja e francesa na ilha das Flores. Estes países serão fornecedores de armamento do Estado português, praticamente, até ao fim. Ao contrário do que proclamava, Salazar não estava “orgulhosamente só”…

O Golpe Botelho Moniz

Em 1961, o ministro da Defesa, general Botelho Moniz, tornara-se um pró-americano acidental: para ele, sem o apoio dos EUA, Portugal não vai a lado nenhum. Aborda o embaixador americano, em Lisboa, Charles Burke Elbrick, almoça com o diplomata, no restaurante Tavares, a 17 de fevereiro, e a conversa dura quatro horas. Com Moniz está o major Viana de Lemos e com Elbrick o adido Fred Hubbard, chefe de posto da CIA. Elbrick fica siderado: Moniz preconiza mudanças na administração portuguesa e colonial, com abertura ao investimento estrangeiro e progressiva autonomia das então “províncias ultramarinas”.E garante que o Exército quer mudanças, mas que, para isso, meia dúzia de pessoas têm de ser removidas do governo. E concluiu, segundo relata José Freire Antunes no livro Kennedy e Salazar, o Leão e a Raposa (D. Quixote, 2013): “O dr. Salazar está velho, tem menos energia, já não domina as situações como dantes e não reage aos problemas.” O encontro deixa uma forte impressão nos americanos, que passam a considerar Botelho Moniz o desbloqueador que procuram para o impasse em Angola. A partir daqui, começam a articular-se com o general.

Sabemos como, a 13 de abril, Salazar, movendo as suas peças como um mestre de xadrez, desmontou o golpe, antecipando-se aos conspiradores. Afinal, não estava assim tão velho, dominava bem a situação e reagia felinamente aos problemas…

MOMENTO QUATRO
O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO

Desembarcando em Portugal em janeiro de 1975, Frank Carlucci era uma espécie de fura-vidas da espionagem e da diplomacia. Com o estilo e a aparência de um “italiano vero”, falante do Português que aprendera no Brasil, teve logo, à chegada, o impacto das palavras do “Fidel português”, o coronel Otelo Saraiva de Carvalho, estratega do 25 de Abril e todo-poderoso comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente), força conotada com a extrema-esquerda militar: “Não posso garantir a segurança do embaixador.” Mas Carlucci reage desportivamente. E convida Otelo para almoçar. No encontro, alguma afinidade devem ter encontrado: ambos joviais, descontraídos e soltos de língua, saíram como “grandes amigos”. Controlado este dano, Carlucci parte para a fase seguinte, procurando identificar as forças, civis ou militares, que podem servir de interlocutoras. Depois de uma ida a Madrid, deve ter descartado Spínola (então exilado em Espanha) e a extrema-direita expatriada. Na tropa, é fácil de ver quem serão os moderados, sobretudo, depois do Documento dos Nove, publicado em agosto de 1975. Na vida civil, emerge um interlocutor privilegiado: Mário Soares. Nos seus inúmeros telegramas, será muito difícil a Carlucci explicar como é que um socialista confesso pode tornar-se o principal aliado dos EUA. Torcendo o nariz, o secretário de Estado Henry Kissinger concede que, no máximo, Soares será o “Kerensky português” (em alusão ao social-democrata russo esmagado pelos bolcheviques, em 1917). Os acontecimentos posteriores dariam razão a Carlucci. Nos anos seguintes, já com Soares primeiro-ministro, o agora ex-embaixador será o desbloqueador para as ajudas de emergência financeira…

Marcelo e Trump O PR português foi recebido pelo homólogo norte-americano, na Casa Branca, em 2018. Marcelo ficaria com a impressão de que Trump é mais inteligente do que aparenta… Foto: ANTÓNIO COTRIM / LUSA

MOMENTO CINCO
DEMOCRACIA

Nos diários de Ronald Reagan, editados, em Portugal, pela Casa das Letras, o Presidente americano tem esta entrada, de 23 de fevereiro de 1983, sobre o líder da oposição de Portugal, que o visita, na Casa Branca: “Passou por cá Soares, de Portugal (será provavelmente primeiro-ministro após as eleições). É um socialista, mas completamente anticomunista e pró-América.”

Reagan retomará o tom, em diversas alusões ao nosso país, e a vários dos seus políticos, entre eles, Pinto Balsemão, Ramalho Eanes, Lucas Pires e, recorrentemente, Mário Soares. Continua, a 14 de março de 1984: “O PM Soares, de Portugal, visitou-nos. É muitíssimo impressionante. É socialista, mas procura investimento privado para a indústria de Portugal e é um anticomunista do mais furioso que se pode encontrar. É um grande apoiante do nosso país e do Ocidente. Tivemos boas e proveitosas reuniões.” E ainda, a propósito da visita a Portugal, a 9 de maio de 1985, e perante o abandono da sessão solene da AR, em sua honra, por parte do PCP: “(…) Tinha havido algumas manifestações por minha causa e muitos graffiti, mas percebi que, geralmente, me relacionavam com Soares. Os dissidentes não gostam de nenhum de nós (…) O presidente Amaral [Fernando do Amaral, presidente da AR] fez o discurso de abertura e apresentou-me, momento em que um grupo à minha esquerda – tanto física como filosoficamente – se levantou e saiu da sala.” Na véspera, longos parágrafos para descrever uma visita ao Castelo dos Mouros, em Sintra, “num Ford Grenada, porque as limusinas não conseguiam chegar ao palácio [sic], devido à estreiteza da estrada”, e para registar a demonstração de cavalos lusitanos, “haute école dressage, à maneira dos Lipizzaner de Viena e muito bom”.

Nas suas memórias, publicadas, entre nós, pela Temas & Debates, também Bill Clinton reserva algumas palavras para a sua visita a Lisboa, em junho de 2000, tendo estreado a suíte presidencial do Hotel Dom Pedro, nas Amoreiras (900 contos por noite): “Desloquei-me a Portugal para participar na reunião anual entre os EUA e a União Europeia. O primeiro-ministro português, António Guterres, presidia, então, ao Conselho Europeu. Era um jovem inteligente e progressista que fazia parte do nosso grupo da Terceira Via, tal como o presidente da UE, Romano Prodi. Analisámos, olhos nos olhos, a maioria dos assuntos e eu gostei muito da reunião, bem como da minha primeira visita a Portugal. É um país belo e acolhedor, com um povo simpático e uma história fascinante.”

António Guterres, que havia visitado a Casa Branca em 1997, usou toda a sua influência junto de Clinton na crise de Timor, após o referendo, em 1999. Os esforços conjuntos do primeiro-ministro e do Presidente Jorge Sampaio foram decisivos para que o Presidente americano encostasse Jacarta à parede, obrigando os indonésios a entregar a segurança do território a uma força multinacional.

A Cimeira das Lages

Em março de 2003, Durão Barroso, primeiro-ministro, é o anfitrião daquela que ficou conhecida como a Cimeira da Guerra, quando o Presidente americano George W. Bush, o primeiro-ministro britânico Tony Blair e o presidente do governo espanhol, José María Aznar, desembarcam nas Lajes, nos Açores, para decidir a invasão do Iraque. Uma equipa internacional da AIEA (Agência Internacional de Energia Atómica), chefiada pelo sueco Hans Blix, percorre o país sem encontrar quaisquer armas de destruição maciça, dá conta disso mesmo e pede mais tempo, mas os EUA pressionam a ONU para que emita um mandato autorizando o emprego da força.

A Europa divide-se, com os adversários da guerra, capitaneados pelo Presidente francês, Jacques Chirac, secundado pelo chanceler alemão Gerard Schroeder, a recusarem integrar a força internacional ou mesmo a caucionar a intervenção. Mas alguns países, como a Espanha ‒ e Portugal, cuja tradição de política externa fora sempre muito mais atlantista do que continental ‒, seguem a linha dura. No caso português, contra a opinião e as instruções do Presidente da República, o que provocaria público mal-estar entre Sampaio e Durão. A VISÃO escreveu na capa um título provocatório que dizia “Bush és fixe!… E Sampaio que se lixe?” Numa Europa dividida, Portugal era um dos poucos fiéis que restavam a George W. Bush. Poderá a História repetir-se, de hoje para amanhã, em qualquer eventualidade?… 

As pontes do Atlântico

Personagens para a História: três portugueses e três americanos

Peter Francisco
Nascido em 1760, na Terceira, foi raptado por corsários aos 5 anos e desembarcou na Virgínia em 1765. Entregue a um orfanato, mais tarde, adotado por um juiz, aos 17 anos pegou em armas pela independência dos EUA, às ordens de George Washington. Com uma estatura de mais de dois metros, dele disse o próprio Washington que valia “por um exército inteiro”. Ficou o mito do “Hércules da Virgínia”.

Abade Correia
Um quarto do Palácio de Monticello, pertencente ao pai fundador e Presidente dos EUA Thomas Jefferson, estava sempre preparado para receber o amigo português abade Correia da Serra (1751-1823), representante diplomático da corte portuguesa. Dele disse o 3º Presidente da América que era o homem mais culto e nobre de carácter que tinha conhecido.

John Philip Sousa
Filho de pai português e mãe alemã, nasceu em 1854 e cedo se dedicou à música, tendo dirigido a banda dos Marines. Autor de obra profícua, o “Rei das Marchas” viria a compor The Stars and Stripes Forever, marcha nacional americana.

F. D. Roosevelt
Em plena I Guerra Mundial, em 1918, o jovem subsecretário da Marinha dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, visitou os Açores e nunca mais se esqueceu das paisagens e da posição estratégica. Já como Presidente dos EUA, na II Guerra Mundial, fez força para o estabelecimento de uma base no arquipélago.

George Kennan
O autor do “Longo Telegrama”, em que define a doutrina da “Contenção” da URSS, que se tornou a bíblia do Ocidente na Guerra Fria, passou por Portugal, onde, durante a guerra, foi conselheiro da Embaixada dos EUA em Lisboa, tendo um papel decisivo no acordo dos Açores.

Frank Carlucci
Nomeado embaixador em Lisboa durante o PREC, ligado à CIA, de ascendência italiana e falante de português do Brasil, estabeleceu uma parceria estratégica com as forças moderadas portuguesas. O seu apoio ao PS e aos moderados (contra a vontade do seu cético secretário de Estado, Henry Kissinger) foi decisivo.