Não raras vezes na comunicação social são veiculadas notícias sobre determinado julgamento que está a decorrer e da eventual responsabilidade/responsabilização do arguido que praticou o crime.
Do que se trata quando se fala de inimputabilidade e quais as consequências de determinado arguido ser declarado como inimputável?
A inimputabilidade reflete um princípio fundamental de humanidade. Punir alguém que, devido a uma doença mental grave, não tem discernimento ou autocontrolo, seria um desrespeito aos direitos humanos.
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De acordo com o artigo 20.º do Código Penal, considera-se inimputável quem, no momento da prática do crime, não tenha capacidade de avaliar a ilicitude do seu ato ou de agir conforme essa avaliação, por designadamente padecer de uma anomalia psíquica.
Para formar o juízo de inimputabilidade não basta a comprovação da anomalia psíquica, sendo necessária a existência da relação causal entre aquela e o ato do agente, em termos de o agente ter praticado o facto por ser incapaz de avaliar a sua ilicitude, ou de se determinar de acordo com essa avaliação, resultando esta incapacidade da anomalia psíquica que o afetava aquando da prática do facto.
A anomalia psíquica que constitui o substrato da inimputabilidade como previsto pelo art. 20º/1 do Código Penal, pode ser acidental e transitória e inclui não apenas a doença mental – mas também as psicoses exógenas (doenças primárias do sistema nervoso central, sem uma causa externa identificável) – e endógenas – causadas por fatores externos que afetam o funcionamento cerebral, como substâncias químicas, traumas físicos ou doenças neurológicas.
O sistema jurídico português adota uma abordagem equilibrada em relação à referida condição garantindo que os indivíduos que são declarados como inimputáveis, não são penalizados da mesma forma que pessoas imputáveis.
Os indivíduos declarados como inimputáveis podem ser sujeitos a internamento em estabelecimento adequado, designadamente quando o inimputável for considerado perigoso e houver risco de cometer novos crimes. O tempo mínimo e máximo de internamento depende da gravidade do crime cometido, devendo o tribunal reavaliar periodicamente a necessidade de manter o internamento.
Tais medidas visam a proteção da sociedade e a reabilitação, assegurando que cada indivíduo recebe o tratamento e acompanhamento necessários.
Processualmente, a decisão sobre a eventual inimputabilidade pressupõe a realização de perícia psiquiátrica destinada a determinar a existência de um estado psicopatológico que integre o conceito de anomalia psíquica e que tem por base factos cuja perceção e/ou apreciação exige especiais conhecimentos técnico-científicos.
Obtida a perícia científica, cabe ao tribunal ajuizar da verificação do nexo de causalidade entre a anomalia psíquica detetada e o facto praticado, a partir dos elementos científicos fornecidos pela perícia, com vista à comprovação do elemento normativo da inimputabilidade.
Ou seja, determinar que no momento da prática do facto o indivíduo não estava capaz de avaliar a ilicitude do ato que praticou.
O facto de determinado indivíduo ser declarado como inimputável pode gerar uma imagem de “falha” no sistema penal, onde se pode pensar que certos indivíduos parecem escapar da responsabilidade pelos seus atos e, essa perceção pode minar a confiança da população na justiça, especialmente em casos de crimes violentos ou de grande repercussão social.
Por outro lado, reconhecer a inimputabilidade demonstra um compromisso do Estado com uma justiça humanizada, que entende que a sanção penal não pode ser aplicada de forma indiscriminada. O desafio, portanto, reside em equilibrar o rigor científico e jurídico com a necessidade de transparência e responsabilidade, reforçando a confiança da sociedade nas instituições.
A inimputabilidade não pode ser vista como uma porta aberta para a impunidade, mas sim como uma resposta ponderada que assegure tanto os direitos dos indivíduos afetados por doenças mentais como a proteção da sociedade.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
Ora deixem-me ir ali buscar um poeta para falar de futebol. E não se está a falar dos que disparam as piruetas verbais de “futebolês” aos microfones: ”lances de bola parada”, “grandes frangos” ou, minerando nos confins do online, pérolas extravagantes como a do jogador que não chutou “com o pé com que sobe para o elétrico” (atribuída ao comentador Bernardino Barros). Abra-se um O’Neill, Alexandre de primeiro nome, ponta de lança do campeonato literário: “O que perde o futebol não é o jogo propriamente dito, mas todo o barulho que se faz à volta dele. É impossível a gente alhear-se do futebol, falado, comentado, transmitido, relatado, visto, ouvido, apostado, gritado, uivado, ladrado, festejado, bebido. O futebol passa deste modo a ser uma chateação permanente. É que não há tasca, pastelaria, salão de jogos, barbearia, recanto de jardim público, quiosque, bomba de gasolina, restaurante, Assembleia da República, supermercado, hipermercado, livraria, loja, montra, escritório, colégio, oficina, fábrica, habitação, diria até, onde, de algum modo, não se ouça falar do jogo que decorre, decorreu ou decorrerá.” Esta ruminação do autor português encontra-se, por exemplo, no meio campo do livro Já cá não está quem falou (Assírio & Alvim, 2008), e contém ainda um último remate ao poste: “Enfim, o País fica futebol. É grave? Não é grave? Sei lá. Verifico, apenas, que é assim por toda a parte. E isso massacra, desgosta, faz perder a razoabilidade, a isenção, o bom senso, a simples tineta.”
Entre as 11h30 e as 14h30 (GMT) desta segunda-feira, a Isar Aerospace vai proceder ao lançamento do novo foguetão Spectrum a partir do Andoya Spaceport, na Noruega. A concretizar-se, será a primeira vez que um foguetão orbital vai ser lançado a partir de solo europeu.
Este voo não leva qualquer carga comercial e destina-se a ajudar a Isar a obter o máximo possível de dados e informação sobre o comportamento do Spectrum. O voo vai também servir para estrear as instalações do Andoya Spaceport, inaugurado em 2023, cujas infraestruturas e instalações foram construídas especificamente para albergar a Isar e os Spectrum, noticia o Space.com.
O foguetão mede 28 metros de altura, situando-se, em termos de tamanho, entre o Electron da Rocket Lab e o Falcon 9 da SpaceX. A capacidade de carga anunciada é de mil quilos que podem ser colocados na baixa órbita terrestre. O Spectrum, um foguetão de dois estágios, foi desenvolvido integralmente pela Isar nos últimos sete anos, tem nove motores a alimentar um propulsor principal e um motor de ignição múltipla Aquila para inserções orbitais e manobras no Espaço.
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A Isar já conseguiu firmar acordos com a agência espacial da Noruega para usar o Spectrum para levar satélites para o programa de vigilância do Ártico, em 2028. O lançamento desta segunda-feira tem seis metas predefinidas, mas a Isar tem os ‘pés bem assentes na Terra’ no que toca a expectativas, pois foram poucos os foguetões que alcançaram a órbita logo nos primeiros voos.
Que direitos tem o bebé à nascença? Nenhuns, ou só os que lhe dão?
Contrariamente ao que nos dizem, quando nascemos, não trazemos “direitos” connosco. Por exemplo os Direitos do Homem ou os Direitos Individuais. Por sua vez, direitos adquiridos ou acordados não são eternos e podem-nos ser retirados a qualquer momento.
Não há direitos e muito menos “direitos inalienáveis”. Eu, ser humano, cidadão, homem ou mulher, adulto ou criança, não importa quem, à minha nascença não tenho nada, a não ser o meu charme. Algo que à primeira vista parece sem importância. No entanto, como bebé, para além do meu charme, nada mais tenho para chamar a atenção e para seduzir o outro, do qual dependo.
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Do charme dos bebés aos direitos que nos acordamos uns aos outros.
Fazendo uso do seu charme, o bebé vai tentar que o amem e que não lhe façam mal. Vai ser para ele e para os outros uma aprendizagem difícil, longa e tortuosa.
Mais tarde, a criança, o jovem e o adulto vão tentar proteger-se e acordar com os outros humanos que o amem e que não lhe façam mal. Eles vão fazer exigências. No mínimo vão exigir do jovem e do adulto o mesmo que eles esperam deles. Para se protegerem, escrevem o que acordaram serem os direitos de cada um. Para tal fazem uso, por exemplo, da Constituição do país onde nascerem.
Fundamentalmente, tudo se resume ao direito ao amor e à segurança.
Tudo isto é básico, elementar, mas, mesmo assim, exige muito esforço e esforço continuado. Entre humanos, nunca nada está garantido.
Temos alguma dificuldade em aprender a amar e a ser amado e damos muito pouca atenção a esta aprendizagem.
Porque é importante não ferir o outro?
Como agir quando tal acontece?
Que fazer quando nos ferem?
A biologia dos direitos
Felizmente que a nossa neurobiologia nos ajuda. Quando nos fazem mal, ou quando fazemos mal ao outro, sentimos sofrimento, angústia e remorso. Todo o nosso organismo se altera e se deteriora. Quando amamos e somos amados, a sensação é excelente e a nossa saúde fortalece-se.
“Os direitos”, como por exemplo a liberdade para dizer “não”, sem que nos magoem de seguida, são uma necessidade de ordem neurobiológica que não conseguimos renegar. Deles depende a nossa saúde.
“Os direitos” são também uma necessidade de ordem social que não conseguimos dispensar. Sem eles, sem os nossos direitos, temos uma extrema dificuldade em conviver uns com os outros, construir uma sociedade, sentimo-nos bastante mal e acabamos por nos autodestruirmos.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
Mais do que virtuosismo, há que estar à vontade com a improvisação. Faz parte das regras que cada intérprete não conheça o texto até ao momento em que, já em frente ao público, este lhe é entregue num envelope selado.
Sem qualquer elemento cenográfico em palco e com um protagonista diferente em cada noite, Coelho Branco Coelho Vermelho estará em cena no Teatro Maria Matos. Dez atores e atrizes aceitaram o desafio para dar voz ao texto do iraniano Nassim Soleimanpour. A lista de performers, um lote diverso, inclui Fernanda Serrano (25 mar), Beatriz Batarda (1 abr), Diogo Infante (8 abr), Ana Bola (15 abr), Gabriela Barros (22 abr), Rui Melo (6 mai), Rita Blanco (13 mai), Miguel Guilherme (20 mai), Rui Maria Pêgo (27 mai) e Ivo Canelas (3 jun).
Antes deles, muitos atores (famosos e desconhecidos, da cena independente ou do teatro mais comercial, homens e mulheres), por todo o mundo, responderam ao mesmo desafio. Em Portugal, em 2018, já a companhia de teatro mala voadora, sediada no Porto, tinha levado à cena este White Rabbit Red Rabbit (título original).
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Nassim Soleimanpour, 44 anos, foi impedido de sair do Irão em 2010 por se ter recusado a cumprir o serviço militar obrigatório (atualmente, vive em Berlim, mas os condicionamentos políticos ligados ao seu país mantêm-se). Decidiu, então, escrever um texto capaz de saltar fronteiras e de circular pelo mundo, uma alegoria sobre o autoritarismo que ressoa de modo diferente em cada artista em palco. Não há cenário, figurinos, e muito menos ensaios.
Coelho Branco Coelho Vermelho consagrou Soleimanpour junto do público e da crítica. Desde que se estreou em 2011 nos festivais de Edimburgo, no Reino Unido, e SummerWorks, no Canadá, já foi traduzido para mais de 30 línguas e apresentado mais de três mil vezes.
No Teatro Maria Matos, as dez apresentações acontecem sempre às terças-feiras, até ao dia 3 de junho. Na plateia, será sempre mantido um lugar vazio. O do autor.
Coelho Branco Coelho Vermelho > Teatro Maria Matos > Av. Frei Miguel Contreiras, 52, Lisboa > 25 mar-3 jun, ter 21h > €20
Há cerca de um ano que é possível ter o cartão de cidadão ou a carta de condução no telemóvel, graças a uma alteração à Lei 19-A/2024 que permite o reconhecimento da validade legal de documentos disponíveis na carteira digital da aplicação móvel id.gov.pt.
“Os documentos, títulos ou licenças em suporte digital e respetivos dados apresentados em tempo real perante terceiros em território nacional”, através daquela aplicação, “presumem-se conformes aos documentos originais, tendo igual valor jurídico e probatório”.
Desde que se tenha Chave Móvel Digital (CMD) ativa, é possível adicionar à aplicação documentos como o Cartão de Cidadão, a Carta de Condução ou o Documento Único Automóvel.
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Para ter os documentos disponíveis em formato digital no telemóvel, precisa de:
Instalar a aplicação id.gov.pt;
Ativar a sua conta através da CMD. Depois destes passos, poderá guardar, consultar e partilhar os dados dos cartões que lá ficarão guardados;
Caso não tenha a CMD ativa, faça o pedido no site autenticação.gov ou num serviço presencial como os do Instituto de Registos e Notariado ou o Espaços Cidadão.
Tenha em atenção que esta aplicação tem validade apenas em Portugal, por isso, se viajar para o estrangeiro, terá sempre de levar consigo os cartões físicos necessários.
Atualmente, são várias as marcas a desenvolver smartwatches e muitas vezes os modelos acabam por ter uma aparência bastante semelhante. Seja na bracelete, no bisel (o anel em torno do ecrã) ou no software, a inovação é essencial para que os produtos se destaquem no mercado. E é precisamente isso que sentimos neste Xiaomi Watch S4, sobretudo a nível estético, com uma grande variedade de braceletes e biséis disponíveis.
A bracelete que testámos é confortável e ajusta-se bem ao pulso, combina couro e fluoroelastómero (um tipo de borracha), oferecendo uma experiência de uso agradável. Durante vários dias consecutivos, utilizámos o smartwatch e, por vezes, até nos esquecemos de que o tínhamos no pulso, lembrando-nos apenas quando ‘pinga’ uma notificação. O bisel, revestido a alumínio, tem um design moderno e elegante, o que faz com que o Xiaomi Watch S4 passe facilmente despercebido à primeira vista como um smartwatch.
O ecrã AMOLED de 1,43 polegadas garante uma visualização nítida de todos os ícones e textos, com palavras e números apresentados num tamanho generoso. O brilho máximo de 2200 nits permite uma excelente visibilidade no exterior, mesmo em dias de sol. Durante a nossa experiência, ativámos o brilho adaptativo, que se revelou eficaz, ajustando-se corretamente a cada ambiente.
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Já do ponto de vista do software, proprietário da Xiaomi, o smartwatch deixa a desejar, sobretudo na leitura das notificações. Quando recebemos mensagens longas, é necessário tocar no ecrã para as abrir por completo, mas apenas depois de já termos selecionado a conversa. Além disso, as notificações não são apresentadas de forma intuitiva, o que torna a leitura confusa e pouco prática.
Está bem de saúde?
O smartwatch, que foi apresentado no Mobile World Congress, disponibiliza vários recursos de monitorização da saúde, acessíveis através da aplicação Mi Fitness, um aspeto relevante para quem pretende acompanhar mais de perto os dados de saúde. A medição da frequência cardíaca revelou-se precisa, testámos o Watch S4 num pulso e Pixel Watch 3 no outro (um relógio conhecido pela boa precisão dos números apresentados), e os resultados foram praticamente idênticos. No entanto, o tempo de atualização dos valores deixa a desejar, com medições que demoram alguns segundos a atualizar.
Já a medição do oxigénio no sangue revelou-se precisa, apresentando valores em linha com os que fomos medindo com outros equipamentos. Já na monitorização do sono, os resultados mostraram-se consistentes, tanto nos horários de adormecer e acordar como nas pontuações atribuídas. Estas pareceram corresponder bem à realidade, já que, nas noites em que sentimos que descansámos menos, as pontuações foram igualmente mais baixas. No entanto, houve uma exceção: num dia em que estivemos mais tempo repousados no sofá, o smartwatch interpretou a situação como duas sestas de aproximadamente 40 minutos cada, quando, na realidade, nunca chegámos a adormecer.
Para desportistas e com boa autonomia
Para quem gosta de praticar exercício físico o Xiaomi Watch S4 é um bom aliado, disponibilizando monitorização para mais de 150 modalidades, incluindo desportos aquáticos. A resistência à água até 50 metros de profundidade torna-o uma opção para nadadores, garantindo um desempenho consistente mesmo em condições exigentes. O smartwatch conta ainda com GPS integrado, o que permite registar percursos e métricas com precisão, dispensando a necessidade de levar o smartphone durante os treinos.
Por fim, a autonomia dura cerca de quatro dias em modo de utilização normal, com todas as funcionalidades de monitorização ativas e fazendo um uso durante 24 horas. Um valor consistente ainda para mais se tivermos em conta que o carregamento dos 0-100% é feito em apenas uma hora, como pudemos comprovar.
Autonomia Bom Software Satisfatório Conforto Muito Bom Monitorização Bom
Características Ecrã AMOLED de 1,43”, 466×466 p, 2200 nits (máx) ○ Modos de desporto: +150 ○ Resistência à água: 5 ATM ○ Funções: frequência cardíaca, SpO2, sono (leve, profundo, total de horas dormidas, REM), stress ○ Conectividade: Bluetooth 5.3 ○ Tempo de carregamento: 1h ○ Autonomia anunciada: até 15 dias ○ Android e iOS ○ Capacidade da bateria: 486mAh ○ Dimensões: 47 x 47 x 12 mm ○ Peso: 44 g
Professor catedrático de Inteligência Artificial na Universidade de Cambridge, investigador sénior no Alan Turing Institute, antigo diretor de machine learning (aprendizagem automática) na Amazon, Neil Lawrence tem focado a sua investigação na relação dos seres humanos com os grandes sistemas de Inteligência Artificial (IA). Escreveu o livro Humano, Demasiado Humano – O que nos Torna Únicos na Era da Inteligência Artificial (Gradiva) para contrariar as ideias “simplistas” sobre os riscos da IA e apontar o dedo às grandes empresas tecnológicas, as quais acusa de entrarem no jogo da ameaça existencial unicamente para protegerem os seus mercados. O investigador lamenta também que a regulamentação europeia seja “desajeitada” e feita por pessoas com conhecimento limitado da tecnologia.
Afirma, no livro, que os humanos não podem ser substituídos pela tecnologia. Mas não estaremos a criar algo mais inteligente do que nós, que possa escapar ao nosso controlo? A regulamentação é suficiente para nos proteger desse risco? Já criámos, com as redes sociais. A ironia é essa. Não são mais inteligentes, mas têm muita informação sobre nós. Só por terem acesso a tanta informação, compreendem-nos, em alguns aspetos, melhor do que nós próprios. As pessoas presumem que não são um perigo, mas estão a prejudicar a nossa sociedade. Em vez de orientarmos a tecnologia para o benefício do cidadão, temos tentado ser os primeiros a regular, como se fosse uma questão de orgulho, e temos regulado de uma forma desajeitada, tanto na Europa como no Reino Unido. Na verdade, a incapacidade de compreender a nossa complexidade é a razão pela qual a regulação é tão desajeitada. Embora critique a pressa em legislar, também compreendo as razões dessa pressa. Mas o objetivo do legislador não é ser o primeiro a fazer alguma coisa. É uma tarefa muito mais complicada do que redigir uma lei. O poder já não está nas mãos das pessoas porque passou para o mundo digital, para os engenheiros de software e para as grandes empresas tecnológicas.
Em Nexus, Yuval Noah Harari descreve a IA como uma arma social de destruição em massa… Sim…
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Essa ameaça é maior agora que temos Trump de regresso à Casa Branca? Harari cai na armadilha de pensar que isso tem algo a ver com a IA. Quando se olha para a tomada da administração civil por um corpo não eleito, não há IA a acontecer. É apenas tecnologia digital. Embora eu simpatize com Harari, acho que não podemos culpar a IA. No meu livro, refiro-me à oligarquia digital, algo para o qual ando a alertar há dez anos. As grandes empresas de tecnologia têm falado sobre estas questões, não por quererem destruir a sociedade, mas porque é do seu interesse usar os medos sobre a IA para nos distrair da legislação preparada para lidar com o seu poder, como a Regulamentação dos Mercados Digitais [na União Europeia]. O poder dessas empresas, assim como o poder de Donald Trump, não resultam da capacidade de fazer IA. Resultam do poder que historicamente construíram através de sistemas digitais sem IA.
Como vê a associação entre Donald Trump e Elon Musk, um multimilionário da tecnologia? Como é que esse novo poder ameaça a democracia? A tendência não é de agora. Temos de olhar para o que o governo chinês fez em relação a Jack Ma [fundador do grupo Alibaba] e a outros multimilionários. Os chineses adotaram uma espécie de economia de mercado e também criaram oligarcas. Curiosamente, o mesmo aconteceu na Rússia, a partir da década de 1990, com o surgimento de uma classe de oligarcas. A natureza dos governos não é comparável, mas em ambos os casos houve um movimento para assimilar ou controlar a oligarquia. E isso foi feito de maneiras completamente diferentes. O que acontece agora nos EUA é muito interessante. Em 2019, participei numa cimeira entre França, EUA e China, que foi desdobrada logo no início porque o representante do Departamento de Estado dos EUA disse que não colaborava com a China. Estava num painel com Edward Luce, correspondente do Financial Times em Washington, e ele disse-me algo que me ficou na memória.
E o que foi? Disse-me que a posição dos norte-americanos nada tinha a ver com IA, mas sim com geopolítica global entre a China e os EUA. Era como o que tinha acontecido entre a Alemanha e a Grã-Bretanha na véspera da I Guerra Mundial, quando a Alemanha era uma potência em ascensão e a Grã-Bretanha se preocupava muito com isso. A questão levou-me a ler um livro de Brendan Simms, intitulado Europa – A Luta pela Supremacia [ed. portuguesa das Edições 70], sobre as lutas históricas em torno da governação dos países. Foi como se a política não fosse sobre as diferenças entre esquerda e direita, mas sim sobre as diferenças entre liberais democráticos e autocráticos. Se olharmos para a evolução da Europa nos últimos 500 anos, as lutas são feitas entre poderes mais autocráticos e poderes mais liberais democráticos. Nos EUA também é assim. A governação é, ou tem sido, liberal democrática, mas as grandes tecnológicas têm-se comportado autocraticamente. O alinhamento entre os oligarcas e o governo acontece tal como no passado sucedia entre a Companhia das Índias Orientais e o governo da Grã-Bretanha. São entidades separadas, mas há interconexões complexas entre elas. Há muitos precedentes no passado a ilustrarem porque é que as empresas não devem administrar países. O meu livro foi escrito há mais de um ano, mas alerta para este tipo de coisas. A minha expectativa é a de que Trump e Musk não vão desentender-se. É muito conveniente para ambos trabalharem juntos.
Foto: Marcos Borga
As cinco grandes empresas de tecnologia vão investir este ano 320 mil milhões de dólares em IA. Há semelhanças com a bolha das dotcom nos anos 2000? Muito desse investimento em tecnologia vem das petroeconomias com excedentes comerciais. Esse dinheiro tem de ir para algum lugar. Em vez de ser distribuído pela economia, está a ser cada vez mais aplicado num setor, ou numa empresa, através do capital de risco ou do mercado bolsista. Sim, é uma forma da bolha. É uma aposta enorme num futuro distópico por parte dessas forças globais dos excedentes comerciais. Estamos a ver novas empresas a surgirem, algumas a sobreviverem, e estamos a apostar na ideia de que serão as futuras Amazon. E alguns desses investidores estão a obter retornos enormes. Só não é um esquema de pirâmide porque esta é uma tecnologia de transformação massiva. É potencialmente a tecnologia mais transformadora que já vimos. Mas, para ser usada em benefício da sociedade e dos cidadãos, precisa de apoiar as vidas e as ambições das pessoas, em linha com o que consideramos ser uma democracia. O jogo que está a ser feito pelas grandes tecnológicas, para protegerem o seu mercado, é o que potencialmente leva à distopia.
Já tem ideias para um próximo livro? Tenho falado muito sobre coisas que estão longe da minha área de especialização técnica em IA. Há mais de dez anos que penso sobre como estes problemas estão a afetar a sociedade, e como o jogo das grandes tecnológicas pode levar à distopia. Este livro foi uma tentativa de corrigir o que considero ser uma conversa sobre eugenia, revisitando ideias extremamente perigosas e simplistas. Mas acho que estou fundamentalmente otimista.
É o que parece… Às vezes, não tenho a certeza. Quando falo sobre os problemas, parece que sou pessimista. Sinto que se me tornar demasiado polémico, isso enfraquece a mensagem. Penso que devemos sempre acreditar, porque as coisas mudam muito rapidamente. Se não estivermos otimistas, não vão acontecer. A única ideia que consigo ter para um próximo livro seria dar um passo atrás e fazer algo técnico, até para me afastar destas discussões sobre as quais sinto uma frustração pessoal, mesmo no meu país. Os bons argumentos não estão a passar e estamos a tomar decisões extremamente tolas. Se pensar no que quero fazer a seguir, tem de ser algo que me distraia e que me faça focar em ideias académicas interessantes para não ter de me preocupar com o que Donald Trump vai fazer amanhã [Risos].
O PSD venceu este domingo as eleições legislativas regionais antecipadas da Madeira, falhando por um deputado a maioria absoluta. Dados da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna indicam que os sociais-democratas obtiveram 43,43% dos votos, o que equivale a 23 deputados na Assembleia Legislativa Regional. Seriam precisos 24 para uma maioria absoluta.
Pedro Nuno Santos assume derrota do PS/Madeira mas recusa ilações nacionais
“É uma derrota do PS da Madeira. Não há como ignorar. Lamento apenas que tenha ganhado o PSD/Madeira e Miguel Albuquerque em particular”, respondeu Pedro Nuno Santos aos jornalistas numa reação na sede do PS, em Lisboa, ainda antes de estarem apurados os resultados finais na Madeira.
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O líder do PS recusou fazer uma leitura nacional do resultado considerando que a “relação com a política nacional não pode ser feita”.
O sorriso do chefe Tanka, 51 anos, enquanto circula por entre as mesas do seu Come Prima, restaurante que abriu numa Lisboa totalmente diferente, há um quarto de século, denuncia a felicidade com que trabalha e o gosto que tem em servir. Alguns dos clientes que estão a jantar, mal o veem fora da cozinha, interrompem a garfada, pousam o guardanapo de pano branco ao lado do prato, e levantam-se para um abraço e alguma conversa. Mais do que fazer negócio, o chefe nepalês, radicado em Portugal desde 1996, gosta de criar amizades com quem escolhe provar as suas receitas de gastronomia italiana. Esta casa amarela, no bairro lisboeta da Lapa, só abre a partir das seis da tarde, mas está sempre cheia, quase desde o dia em que inaugurou. Embalado pelo êxito da sua comida, Tanka foi expandindo-se pela cidade – hoje está à frente de mais três restaurantes, a pizzaria Forno d’Oro, o Il Mercatto, onde também vende a pasta fresca que produzem, e a Casa Nepalesa, o único lugar em que saiu da sua culinária de conforto. Com ele está um pequeno exército de familiares (na primeira linha, a mulher Sita) e conterrâneos que o ajudam a levar a vida adiante, sem pensar excessivamente em lucro – a meditação que pratica diariamente assim o exige.
Apesar de estar em Portugal há quase 30 anos, mantém uma relação estreita com o Nepal? Sim, sim, mas não muita.
Vai lá uma vez por ano? Antes ia anualmente, mas desde que o meu pai foi embora, não tem acontecido tanto. Também tenho cá muita família – que eu saiba, somos quase quarenta.
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Quantas pessoas emprega? À volta de 70, nos quatro restaurantes.
Já é uma grande empresa... Podia crescer muito mais, mas não é esse o objetivo. Para fazer bem, é preciso manter a dimensão mais pequena.
Porque emigrou para Portugal? Saí do Nepal aos 18 anos, deixando para trás a carreira de advogado que o meu pai queria que eu tivesse e porque tinha medo de que ele pedisse um casamento arranjado, que era o costume na altura. Atualmente, já não acontece, mas nessa época era isso que se passava em 90% dos casos. Agora, é ao contrário: 90% não são organizados.
Ainda bem… Nem bem, nem mal. Muitas vezes, esse hábito pode não ser tão mau como se imagina. Hoje, os nossos casamentos acontecem emocionalmente. Há muita emoção e pouco pensamento quando namoramos aos 15, 18, 20 anos. Por isso, muitos casamentos acabam em divórcios. Os nossos pais decidiam com o pensamento, de acordo com o caráter de cada um, e avaliando quem poderia dar-se bem com quem. Talvez por isto funcionasse um bocadinho melhor.
Proporia isso aos seus filhos? Assim não. Mas aqui em Portugal, nas famílias mais ricas, também há a tendência de se sugerir pessoas de outras famílias conhecidas para os filhos.
Mas fugiu dessa realidade! Queria fugir porque não queria casar tão cedo. Então fui para a Alemanha, onde já estava o meu irmão. Antes de ir, pedi ao meu pai um cheque para a viagem, prometendo que tratava dele até ao fim da vida. Ele não queria dar-me, porque preferia que eu estudasse. Mas pedi tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, que ele me deu dinheiro e eu cumpri o meu dever até aos 97 anos de vida dele, tentando que fosse sempre um homem feliz.
O que fez na Alemanha, quando lá chegou? Calhou ir para um restaurante italiano. Podia ter calhado outra coisa qualquer. Lá, comecei a lavar pratos e assim aconteceu durante um mês e 19 dias. Depois, passaram-me para as saladas. Trabalhava sem descansar – quando alguém folgava, pedia para o substituir, sem que o meu patrão tivesse de me pagar. E ainda bem que ele me deixou fazer isso, porque foi assim que consegui aprender todas as funções dentro de um restaurante e até ia às compras com ele. Ao fim de três anos, já era chefe de cozinha.
Não foi exigente enquanto durou? Por um lado, foi muito difícil. Eu era novo, não é? Se fosse hoje, seria considerado exploração. Mas só queria aprender…
Foi aí que descobriu a cozinha italiana? Se tivesse ido trabalhar para uma oficina, hoje seria mecânico ou dono de quatro oficinas. Não tinha qualquer tipo de vocação, nem experiência, nada. Foi tudo um completo acaso, mas entretanto descobri que tinha imenso jeito.
Onde aparece Portugal nessa vida na Alemanha, aparentemente bem-sucedida? Vim para Portugal para passar duas semanas de férias. Entretanto, liguei para o meu primo, que também estava a trabalhar comigo na Alemanha, a pedir-lhe que me enviasse dinheiro, pois o meu acabara. Mas como ele escreveu mal a morada, nunca cheguei a recebê-lo. Então, comecei a trabalhar aqui.
Onde? No La Trattoria, o restaurante italiano mais antigo de Lisboa. Descobri que o que se cozinhava lá não era bem cozinha italiana. Foi aí que pensei: “Se ficar cá, consigo fazer muito melhor do que isto.”
Na altura, o panorama da gastronomia italiana em Lisboa era outro. Era muito fraquinho. Na Alemanha, era bem mais alto. Agora, a coisa inverteu-se.
Foi por culpa do Tanka? Fomos todos juntos.
Como é que foi o seu processo de legalização quando cá chegou? Agora, fala-se tanto desses processos, mas para mim foi tão fácil! Sou um homem de sorte. Comecei a trabalhar e, pouco depois, disse ao meu patrão: “Olha que eu vou continuar a trabalhar em Portugal.” Ele ficou chocado, mas depois aceitou porque ele gostava muito de mim, até me chamava de filho. Continuei a mostrar-lhe os meus argumentos, dizendo que até poderia ir ganhar menos, mas que teria melhor vida no futuro. Dois anos depois estava a abrir o Come Prima – ao fim de uma, duas semanas, começou logo a ter fila. Era um perfeito desconhecido, nessa altura, e ainda nem fazia massa fresca, nem pão, nem caldos ou usava produtos biológicos, como faço desde há uns anos. Mesmo assim, naquela época, estava num nível de qualidade superior a outro restaurante qualquer.
Como é que conheceu a sua mulher no meio disto tudo, hoje uma peça fundamental nos seus negócios? Depreendo que não foi um casamento arranjado… Conheci o pai dela na Alemanha e eles ainda eram nossos familiares no Nepal. Tínhamos uma ligação, mas não a conhecia pessoalmente. Um dia, o pai dela queria mandar uns documentos para a Alemanha e pediu-me a mim. Eram para ela, que tinha 15 anos na altura. A minha cara era de puto de 18 anos, mas já estava na casa dos vinte. Apesar da diferença de idades, começámos a escrever-nos cartas. Pouco a pouco, passámos a falar e depois as coisas evoluíram para um namoro. No entanto, nunca me perguntaram a idade, nem o pai, nem a filha, nem ninguém [risos]. Mais tarde, ela veio ter comigo a Lisboa e casámos em 2002.
Tem alguns estudos na área da gastronomia ou é tudo pura intuição? Quando achei que a bagagem que tinha não era suficiente, convenci a minha mulher e fui estudar para Itália durante dois anos. À sexta-feira vinha para Lisboa, ao domingo voltava para Roma. Isto tudo com dois filhos e um restaurante para cuidar.
Valeu a pena o esforço? Sim, especialmente em relação a pequenos pormenores. Depois de ter estudado na Academia Gambero Rosso, nasceu outra confiança dentro de mim. Em 2007, começámos com o festival da trufa branca; em 2010 abrimos a Casa Nepalesa; quatro anos depois inaugurámos o Forno d’Oro e, por fim, o Il Mercato, há nove anos.
A única evolução de que não estou a gostar é a imigração sem controlo e o preço das casas a disparar. Devíamos ter direito a viver e a comprar casa cá
A comida nepalesa não é a sua especialidade. Porque se meteu nisso, entretanto? Quando sabemos cozinhar, passa-se com as diferentes cozinhas o mesmo que se passa com a religião. Por fora, parecem todas diferentes, mas no interior a mensagem é a mesma. A cozinha nepalesa é completamente diferente da italiana, uma leva mais especiarias, a outra vai mais ao forno, mas no fundo são iguais. Aprendi as receitas com um chefe nepalês e utilizei as minhas técnicas italianas. E foi assim que nasceu e se tem mantido.
Sendo um imigrante, alguma vez sentiu o racismo em Portugal ou qualquer tipo de discriminação? Linda pergunta. Racismo há em qualquer país do mundo, mesmo em Portugal. Mas à minha volta, na realidade, nunca senti nada disso.
Como olha para a situação em que muitas vezes vivem os seus conterrâneos? Dão-lhes poucas hipóteses, não é?
Em Portugal, são recrutados essencialmente para trabalhos menores, que ninguém quer fazer. Não são culpados, pois não? Muitas vezes, essas pessoas não têm a informação necessária para emigrarem para cá e acabam por vir ao engano. Nem quero falar deste assunto, é uma tristeza…
Porque não quer falar desta realidade? Porque falar é um insulto, uma tristeza completa. E esta porcaria acontece por toda a Ásia. O nepalês é um dos povos migrantes mais amado em Portugal, pelo português. Qualquer pessoa com quem eu fale, do Presidente ao primeiro-ministro, diz que os nepaleses são leais, nada conflituosos, dedicados e nunca faltam ao trabalho.
O Tanka também tem o cuidado de ajudar e até já desenvolveu algumas ações de solidariedade com o seu povo. Pagávamos uma parte da educação das crianças numa escola no Nepal, mas depois o meu pai decidiu juntar tudo numa fundação dedicada à educação e a coisa até se tornou maior. Na pandemia, depois do terramoto, temos procurado ajudar, mas queremos fazer ainda mais.
De que forma? Comecei com o documentário de cozinha italiana, que se tratou de um investimento pessoal e que agora consegui que passasse também na TVI. O meu sonho era fazer o mesmo tipo de programa, mas sobre a cozinha nepalesa, para as pessoas conhecerem melhor o país.
Que outros planos tem ainda por realizar em Portugal? Gostava de criar um centro de meditação para crianças.
Pratica meditação três vezes por dia, há 15 anos. Que benefícios lhe traz essa prática? Não se consegue descrever. A minha vida também não é tão fácil, não sou propriamente um monge… Quase me transformei num durante a pandemia, porque havia tempo para meditar, não tinha outras preocupações.
Estava com os negócios fechados. Isso não o preocupava? Foi a melhor época da minha vida, porque tive tempo. Não fiquei aflito, pois não estava sobrecarregado com créditos bancários. Nunca trabalhei no crédito – quando financeiramente não podia, não avançava com o negócio.
Não é religioso, pois não? Nem quero ser. Se alguém disser que a meditação vem de alguma religião, é uma grande mentira, uma arrogância. A meditação é nossa. O Buda não pertence a nenhuma religião, é uma pessoa, nunca diz que é Deus. Nesta altura mais difícil da vida, com o mundo tão complicado, devíamos aproveitar para aprendermos esta prática, porque a meditação não é tão difícil como as pessoas dizem.
Onde aprendeu a meditar? Com grandes mestres mundiais, mas no início aprendi comigo próprio. E ajuda mesmo a decidir melhor. Por exemplo, há cinco, sete anos, para mim, o dinheiro era importante, assim como o sucesso do meu nome. Mas, se pensarmos bem, há muita gente com dinheiro que vive muito mal. Atualmente, penso que, se tivermos dinheiro para fazer pequenas viagens, para acudir numa doença e na velhice, é o suficiente.
Imagino que já tenha atingido esse nível que diz ser suficiente. Sim, e por isso agora só me preocupo com os meus deveres. Acho que o meu dever sobre a Itália ficou mais ou menos fechado com o documentário. Também tenho uma dívida com Portugal, que me acolheu tão bem, nem tenho palavras para descrever a gratidão. E, depois, ainda há o meu dever para com o Nepal, que tento resolver com as tais ações solidárias e, no futuro, com o documentário.
De onde lhe vem essa fixação com as trufas? Nunca fui estrelado nem quis ser, mas enveredei por esse caminho. Depois, meti na cabeça que ia procurar trufas em Portugal e encontrámos quatro sítios onde elas existem. Conseguimos fazer coisas inimagináveis. E continuamos a fazer, não para deixar a minha marca, mas para deixar a sociedade mais feliz.
Cozinhar boa comida também faz as pessoas felizes, não é? Não é só sendo saborosa, também há que pensar na saúde dos clientes. Por isso, sempre que consigo, tenho produtos sazonais e, se posso, utilizo produtos biológicos. Neste momento, todas as massas frescas são feitas aqui para os três restaurantes, com farinhas e ovos biológicos.
E aquela horta orgânica, que criou para servir os restaurantes? Já está certificada e estamos lá a produzir trigo barbela. Mas agora interessa-me mais divulgar outros produtos sazonais, de diferentes regiões do País, em vez de divulgar a minha quinta.
Se lhe perguntar qual dos quatro restaurantes gosta mais, é como perguntar qual é o seu filho preferido? Têm todos características diferentes. O Come Prima foi primeiro, a Casa Nepalesa deu mais trabalho, o Il Mercato foi um projeto lindo…
É como os filhos, está a ver… E os prémios, tem especial carinho por algum deles? O do Empreendedor do Ano e o do Cavaleiro das Trufas.
Como era Lisboa há 28 anos? Ainda ontem estava a dar o exemplo de Portugal, numa entrevista que dei a um jornalista nepalês. Se o nosso país quer evoluir bem, tem de construir estradas, ter bons hotéis e boa comida. Eu vi esse crescimento quando cheguei. Sabe qual é a única evolução de que não estou a gostar? A imigração sem controlo e o preço das casas a disparar. Devíamos ter direito a viver e a comprar casa cá. Por outro lado, o País precisa de imigrantes, mas com regras. O Governo é o maior culpado.