Depois de um balanço autoelogioso sobre as atividades do seu Ministério da Administração Interna, e conhecido o resultado do inquérito sobre o acidente em que, a 18 de junho, a sua viatura oficial esteve envolvida, na A6, com a morte de um trabalhador, atropelado quando decorriam obras na via, Eduardo Cabrita apresentou a sua demissão. O ministro da Administração Interna preferiu esperar pelo resultado do inquérito do acidente – que resulta na pronúncia do seu motorista como suspeito de homicídio por negligência – para tomar esta decisão. Cabrita, todos estes meses pressionado pelos sucessivos casos que chegaram a dar a sua “remodelação” como certa, parece vincar uma posição: “Saio, sim, mas só agora, quando eu bem entendo”. Conhecida a velocidade a que seguia a viatura oficial – 163 km/h, o que poderá bem ficar como um dos números do ano – Cabrita afirma, agora, que o acidente não pode ser aproveitado como arma de arremesso político contra o Governo e contra o primeiro-ministro. Uma justificação que dificilmente se entende: a utilização política do caso começou em junho, quando, de forma intempestiva, o MAI, logo a seguir ao acidente, falou de uma alegada falta de sinalização da via. Ora, depois de confrontado com o desmentido da Brisa, recusou outros esclarecimentos, com o argumento (esquecido momentos antes…) de que o caso se encontrava sob investigação e em segredo de Justiça. E, a partir daí, o acidente foi sistematicamente usado formal e informalmente, até pela via do anedotário e dos mèmes nas redes sociais, pela oposição, para exigir a cabeça do ministro. Com a sua propensão para conclusões tardias – como aconteceu no caso da morte, numa sala do SEF, no aeroporto, de Lisboa, de um cidadão ucraniano – só agora é que Eduardo Cabrita descobriu que o caso está impregnado de uma contaminação política. Pensará que o que classifica como “aproveitamento político absolutamente intolerável” só terá lugar a partir de agora, numa altura em que, por “estranha coincidência”, o País se prepara para ir a eleições?…
Depois da falta de noção comunicacional, Cabrita revelou défice de empatia humana para com um motorista que teve um acidente em serviço. Ao seu serviço
A declaração de despedida de Eduardo Cabrita é quase tão desastrosa como a sua atuação política em diversos casos protagonizados no MAI. Seria preferível que alguém lhe tivesse redigido um papel: não é propriamente uma expressão feliz a de que a sua viatura foi “vítima” de um acidente. Nem deve dizer, de forma enfática, que “ninguém lamenta mais” a morte do trabalhador do que ele próprio. E a família da verdadeira vítima? Os amigos, os conhecidos?… Sem colocar em causa a sua competência em vários dos dossiês da difícil pasta da Administração Interna, a começar pela forma como agarrou a questão da Proteção Civil e dos incêndios, a falta de noção política e comunicacional do ministro só foi suplantada pelo elevado défice de empatia humana, revelado ao longo deste processo. E já hoje, conhecida a acusação que agora pende sobre o seu motorista, tudo o que o ministro teve para dizer foi isto: “Eu era apenas um passageiro”. Não vale a pena comentar. Há comentários que, como certas piadas, se fazem por si próprios.
Desconhece-se, por enquanto, se foi António Costa a dizer-lhe que estava na hora. Ou se este momento estaria previamente combinado com o chefe do Governo, a menos de dois meses de eleições legislativas. O elogio público do primeiro-ministro a um colaborador cuja lealdade foi inquestionável – mas não maior do que a que o próprio Costa demonstrou para com ele, quando o segurou contra todas as probabilidades… – bem pode funcionar como um epitáfio político: dificilmente Eduardo Cabrita voltará a um futuro governo do PS.
A saída de Cabrita pode libertar o Governo de um ativo tóxico que atormentaria o PS ao longo de toda a campanha eleitoral. Como um pára-raios de todos os descontentamentos, Cabrita encarnou o odioso, enquanto tal foi possível. Agora, o passageiro pode sair. Na próxima paragem, a 30 de janeiro, veremos quem se manterá em viagem.