1 . Talvez um especialista em expressão corporal – e ela tem sido bastante reveladora… – nos ajudasse nesta (necessariamente subjetiva) análise sobre as últimas conferências de imprensa de António Costa. Mas parece evidente que ele se zangou com os portugueses. E que amuou.
O mesmo primeiro-ministro que, em cada comunicação, elogiava o bom comportamento, a resiliência, a paciência e a consciência cívica dos eleitores.
Que resistia a medidas mais duras de confinamento, que aconselhava ad nauseam o uso de máscara, o distanciamento social, a lavagem de mãos – e a moribunda aplicação Stayaway Covid.
Que procurava o necessário equilíbrio de bom senso entre os cuidados sanitários e a atividade económica, que defendia a continuação das escolas e das aulas em modo presencial, que admitia luzes ao fim do túnel, mesmo que estas não passassem de fogo fátuo – e que procurava salvar o Natal.
É o mesmo primeiro-ministro que fechou a carranca.
Que afasta qualquer discussão sobre desconfinamentos.
Que quase desistiu de mandar lavar as mãos.
Que mantém obstinadamente a escola fechada, recusando pronunciar-se sobre calendários de abertura.
Que deixou de contar com o civismo e a colaboração dos portugueses.
Que crucifica a Páscoa.
António Costa terá boas razões para se zangar com os tugas, seus concidadãos. Não há dia – nem noite – que as autoridades não interrompam festas clandestinas com 30 pessoas. E ele sabe que isto é a ponta do iceberg: e as que ficam por detetar?
A São Bento terão chegado relatos de centenas de festas de passagens de ano. A anedótica notícia do uso de um antigo aviário para a realização de uma festa ilegal foi apenas um exemplo: no reveillon, armazéns, antigos aviários e pecuárias desativadas foram focos de surtos por todo o País. O bom aluno português foi substituído pelo cábula, pelo vândalo e pelo marginal que existe em cada um de nós. Costa desiludiu-se. Amuou.
Agora, é à bruta. Acabaram-se os paninhos quentes. Se o outro dizia “que se lixem as eleições”, este vem dizer “que se lixe a economia”. Perdido por um, perdido por cem. Se, ao final do dia, os portugueses o punirem, nas urnas, nem sequer poderá dizer que “foi bom enquanto durou”. Os números, os internamentos, o rebentamento das UCI, as mortes – e um trânsito contínuo que persiste nas entradas e saídas de Lisboa e Porto, mesmo que sem grandes filas – são o paradigma da “indisciplina” de um país que teima em fazer a sua vida, contra tudo e contra todos.
Ah, é? Então, fecha tudo. Não há carnaval.
Nem março.
Nem aulas.
Nem Páscoa.
Depois, logo se vê.
O primeiro-ministro perdeu as ilusões. O chefe de Governo tem um trauma.
E o Presidente da República é quem faz, agora, o papel do “polícia bom”.
2. Várias cabecinhas pensadoras vieram sugerir a constituição de um Governo de salvação nacional. Ou um Governo de iniciativa presidencial. O que quer que isso seja.
O Presidente da República teve a necessidade de se referir ao tema, na sua declaração desta quinta-feira, a propósito de um novo decreto de estado de emergência. O seu recado talvez seja destinado, não apenas aos proponentes de tal chinesice, mas também ao próprio primeiro-mjnistro: que se desengane se pensa que vai safar-se com esta. Assim como comeu a carne, terá de roer os ossos.
Um governo deste tipo, que parece atraente na teoria, seria completamente impraticável. Desde a revisão constituicional de 1982 que nenhum Presidente pode demitir o primeiro-ministro, mantendo, ao mesmo tempo, em funcionamento o Parlamento. O que pode fazer, se quiser livrar-se de um Governo, é dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas. Ainda assim, sob determinadas condições, definidas na Constituição, a mais ambígua das quais é a de “estar em causa o regular funcionamento das instituições” – o que dá para tudo… Daí a expressão de “bomba atómica”: o último recurso. Foi o que fez Jorge Sampaio, quando quis despedir Santana Lopes.
Ou seja, o PR não pode nomear governos de sua própria iniciativa. Isto é: poder, pode. Mas depende da boa vontade dos partidos – e do primeiro-ministro em exercício. Ou seja, o partido – ou a maioria – que apoia o Governo aceita a substituição e concede – antecipadamente – aprovar o programa de tal governo presidencial, no Parlamento. E o PR ainda terá de garantir que os outros partidos também concordem.
Suponhamos que tudo isto se verifica e que um tal governo é formado.
Mesmo que isto fosse possível, e mesmo que tivessemos uma figura consensual para chefiar tal executivo (que não temos), o que observaríamos, a seguir? Um governo independente dos partidos, do ponto de vista formal. Mas totalmente depende das boas vontades partidárias de um Parlamento que não lhe deve nada: nem fidelidade, nem lealdade, nem simpatia. Um governo frágil, sem qualquer veleidade reformista, sem respaldo para impor medidas impolulares e sujeito aos humores de partidos que não o integram nem têm qualquer compromisso político com ele – e que, em conformidade, se sentem muito mais livres para prosseguir os seus próprios interesses. Se falhar, não é responsabilidade de ninguém – de nenhum partido. Só do Presidente. Um tal governo é um nado-morto.
Ainda por cima, Portugal, neste semestre, é o país que detém a Presidência do Conselho Europeu… Novos protagonistas, desconhecidos, sem qualquer relação com os parceiros europeus, sem conhecimento dos dossiês, em rotinas de Bruxelas que não dominam e obrigados a aplicar um programa da Presidência que não delinearam. Bonito serviço.
Esta gente não pensa.