A ideia de primárias, no PS, para definir a escolha de candidatos a cargos políticos, já tem barbas. Ela foi proposta pelo atual porta-voz de António José Seguro para a Saúde, Álvaro Beleza, em 1992, na moção que apresentou ao congresso desse ano, quando se candidatou a secretário-geral (tendo obtido uma votação residual). O tema passou despercebido, mas viria a ser recuperado, há um ano, por António Fonseca Ferreira, no âmbito da tendência interna que lidera (Esquerda Socialista, Corrente de Opinião). O antigo braço-direito de Jorge Sampaio na CML abria espaço a uma tese já admitida nos Estatutos do PS há algum tempo (primárias com abertura a simpatizantes e não apenas a militantes), mas nunca posta em prática. De repente, porém, António José Seguro transforma o conceito num ovo de Colombo político para contornar a marcação de um congresso e eleições diretas antecipadas.
O princípio é bom, mas os motivos são maus. A decisão é corajosa. Mas não surge, como devia, de forma convicta, espontânea e estruturada. É tomada sob pressão, não pelo seu mérito, mas pela instrumentalização que permite. Por isso, alguns apoiantes de Costa consideram que se trata de uma manobra dilatória. Oiçamos Beleza, no congresso de 2013: “Primárias, sim, mas nunca para primeiro-ministro!” E escutemos Seguro (debate com Francisco Assis, durante a campanha interna de 2011: “Abrir primárias a simpatizantes mata o debate político no partido.” O que os fez mudar, agora, senão a necessidade de ganhar tempo, continuar a afirmar a liderança e adiar as diretas?… E porque se recusa Seguro a antecipá-las, invocando a eleição de há um ano, enquanto, no plano nacional, muda de critério, exigindo a antecipação das legislativas para apear um Governo tão legitimamente eleito como ele?…
Eis as questões que se colocam: será correto eleger um candidato a primeiro-ministro quando, nas legislativas, a escolha recai apenas sobre listas de deputados? Em que moldes se abre a votação a alegados militantes, impedindo, ao mesmo tempo, a entrada de uma 5.ª coluna no partido? Quanto tempo demora a fazer um tal recenseamento? Citando um membro da direção socialista, “pode ser em setembro, outubro, novembro…”
António Costa não terá muito a temer – desde que o “recrutamento” de simpatizantes não seja “orientado”. Esta é, mesmo, a forma de Costa contornar um aparelho que parece ser-lhe hostil e de fazer valer, desta vez de um ponto de vista nacional, os 51% que obteve em Lisboa, perante um eleitorado da “sociedade civil” e heterogéneo. E mesmo que perca, nunca poderá ser acusado de não ter tentado. Se as coisas correrem mal ao PS, em 2015, terá o partido na mão (embora um pouco tarde de mais…)
Mas Costa também disse, recentemente, que “ser presidente da Câmara de Lisboa é incompatível com as funções de secretário-geral do PS”. Caso ganhe o partido, e não mude, também, de opinião, abandonará o cargo, sendo-lhe apontada a quebra de compromisso com o eleitorado da capital. E tem outro problema: cola-se-lhe à pele, como sarna, uma certa “tralha socrática” que será para Costa como os parentes pelintras de província são para uma família emergente da alta sociedade…
O arrastamento do processo no PS vai focar o partido numa luta interna, resguardando o Governo, que passa a ter como líder da oposição um coletivo difuso chamado… Tribunal Constitucional.