Como é costume nas análises que fazemos sobre os grandes países, escapa-nos a sua complexidade interna. É o caso da Turquia, sobre a qual fazemos, legitimamente, uma série de raciocínios que ligam um ciclo longo inflacionista com taxas superiores a 60%, uma queda contínua do PIB nos últimos dez anos, um aparente cansaço com o autoritarismo presidencial, a corrupção e o atropelo às liberdades, para chegarmos à derrota inexorável do padroeiro do sistema, o Presidente Erdogan. Como aqui escrevi na última crónica do ano passado, o sonho de Erdogan passa por renovar o mandato para cunhar uma era: se Ataturk fundou uma república pós-imperial e mudou a Turquia, Erdogan transformou a Turquia para criar uma república à sua imagem.
Estas presidenciais eram, por isso, a última barreira para fazer coincidir a apoteose do seu projeto com as celebrações do centenário da república, em outubro de 2023. Por aqui se percebe onde estava colocada a fasquia, tendo em conta que durante muitos meses nenhuma sondagem lhe deu uma confortável vitória à primeira volta e várias atribuíram favoritismo a alguns dos seus adversários numa segunda ronda. Quando a comoção se apoderou dos turcos no rescaldo da tragédia do sismo do passado mês de fevereiro, muitos apressaram-se a ditar o fim de Erdogan, tendo em conta as acusações de má gestão das infraestruturas e atrasos no socorro às populações. Ou seja, esta não era uma eleição qualquer e, também por isso, os nexos de causalidade analíticos deviam ter sido prudentemente acompanhados de um maior ceticismo.