O resgate da costureira Reshma Begum dos escombros Raza Plaza, em Dacca, Bangladesh, 17 dias depois do colapso do edifício, é a notícia mais relevante e significativa da última semana.
Primeiro, porque é uma notícia autêntica – o salvamento da jovem operária, após um longo calvário debaixo de uma montanha de betão e ferro de onde foram retirados mais de um milhar de cadáveres, foi testemunhado, emocionadamente, por milhares de pessoas e ocorreu mesmo, não foi apenas mais um rumor sussurrado por um especialista de comunicação, amplificado por um fazedor de opinião e que, a seguir, contagia o resto da comunicação social, normalmente com um eco superior ao do seu significado.
Segundo, porque o salvamento de Reshma Begum permitiu algo muito importante: deu um nome e um rosto aos números. Naquele momento emocionante e quase milagroso, os jornalistas foram obrigados a deixar de falar apenas na actualização do balanço das vítimas. Naquele momento, havia outra vez uma história humana para contar, havia um rosto que simbolizava – em vida – a tragédia das centenas de vítimas.
Terceiro, porque o salvamento de Reshma Begum permitiu lembrar-nos, mais uma vez, que o episódio dramático do seu resgate foi apenas mais um capítulo na sua longa história de luta pela sobrevivência – é só isso que pode fazer uma pessoa que trabalha longas horas por dia, num edifício sem condições, para ganhar o equivalente a 29 euros por mês.
O resgate de Rehsma Begum, só por si, fez-nos acreditar no poder da informação, deu-nos mais um exemplo da coragem e tenacidade humanas e, mais importante do que tudo, teve o efeito mais importante que uma notícia pode ter: abalou a nossa consciência.
Habituados a comprar roupas de marcas ocidentais a preços cada vez mais “competitivos”, todos nos fomos esquecendo, ao longo dos últimos anos, como e em que condições elas eram feitas. Nessa medida, fomos nós, consumidores dos países ricos ocidentais (sim, apesar da troika e da austeridade, não há mínima comparação entre nós e a esmagadora maioria da população do Bangladesh), que permitimos que Rehsma tivesse passado 17 dias soterrada debaixo dos escombros de um edifício sem condições, onde trabalhavam milhares de pessoas. Fomos nós que, sem problemas, aceitámos que ela – e todos as outras – fosse paga miseravelmente para podermos ter as nossas roupas baratas. Fomos nós, que encolhemos os ombros à deslocalização em nome dos salários baixos e de condições miseráveis de vida – tudo valia a pena desde que isso não implicasse com o nosso modo de vida nem com o “normal funcionamento dos mercados”.
E como o Bangladesh não tinha uma “bandeira” como o Tibete, um governo com ambições expansionistas ou uma perseguição deliberada às minorias que estão na moda, nunca, entre nós, se tinham levantado grandes coros críticos sobre o que se passava, realmente, nas suas fábricas têxteis.
Felizmente, esta tragédia pode levar a mudar as coisas. E alguns passos começaram a ser dados. As primeiras soluções encontradas, não deixam de ser exemplares: aumento do salário mínimo, legalização de sindicatos e o reforço da protecção social. Era bom que, mais uma vez, o exemplo do Bangladesh continuasse a abalar a nossa consciência.