Nunca se falou tanto como agora da fluidez de género e de uma mentalidade mais diversa e inclusiva. Nos países desenvolvidos as mulheres assumem atributos como a autonomia e a liderança em todas as frentes, incluindo a da sedução e os homens também choram quando assim tem de ser, sem embaraço ou vergonha em mostrar afetos (Cristiano Ronaldo e Marcelo rebelo de Sousa que o digam).
Adeus estereótipos, viva a (r)evolução dos costumes. O tão aguardado fim do estigma parece ser do agrado de todos mas há sinais de que nem tudo são rosas (estarei a ser sexista?). Será esta uma mudança a sério ou, em abono da verdade, nada mudou realmente nos costumes?
É aqui que emerge um fenómeno a que se convencionou dar o nome de ‘bromance’ (‘brother’ + ‘romance’). Em bom rigor, pode dizer-se com algum grau de certeza que ele sempre existiu mas só agora está a sair do armário. Por estarem reunidas as condições para isso ou (não menos legítimo) simplesmente por desempenhar uma função ‘reparadora’ ou ‘compensatória’?
5 ‘boas razões’ para o culto do clima de “romance” (sem sexo) entre “manos”
1 – Rapazes serão sempre rapazes
Eles juntavam-se em matilha e iam “à caça”. Eles iam à bola e aos copos e “às meninas”. Eles ascendiam, profissional e socialmente e frequentavam clubes privados especificamente vedados às senhoras. Hoje aparecem em bandos, na noite, nas fotos de perfil das redes sociais e apps de encontros, vão ao surf ou ensaiar com a banda e vão passar uns dias na casa do amigo, na caravana do amigo e vão viajar com ele, que leva outro amigo também. Elas que se entretenham, que vão às compras e falar umas com as outras, como faziam as ‘cotas’ de O Sexo e a Cidade.
2 – Meus amigos, meus ‘irmãos’
Por mais ultrapassada que esteja a expressão freudiana “inveja do pénis”, ele há jovens milenares que desesperam quando o namorado ou amigo colorido se diverte mais com o vizinho ou na companhia daquele que poderia vir a ser o futuro cunhado, do que com elas. A “irritante” afinidade entre “pilinhas”, que nada tem a ver com sexo, continua a fazer-se acompanhar, talvez mais agora, de públicas e incontidas demonstrações físicas de afeto, sejam atletas, desportistas amadores ou simples adeptos. Eles não partilham apenas atividades, mas segredos e projetos de viagens (e que nenhuma ‘gaja’ se atreva a dizer mal de algum!)
3 – De homem para homem
Os estudos que demonstravam a relação entre a definição tradicional de masculinidade e sintomas de doença mental (reprimir a expressão de emoções por medo de ser visto como frágil ou indeciso na orientação sexual) deram lugar a pesquisas em que o foco é a amizade entre homens. Uma delas, bem recente e coordenada pelo cientista social britânico Stefan Robinson, não deixa margem para dúvidas: em 30 jovens do secundário, 29 achavam mais fácil superar conflitos e expressar emoções com os amigos, preferíveis às namoradas, face às quais se sentiam mais expostos a doses de carga emocional (cobranças) e julgamentos.
4 – Bromance 1 Romance 0
Costumavam ser elas – amigas, namoradas, companheiras – as grandes confidentes deles. Educados numa cultura mais igualitária, os homens tornam-se adultos mais tarde e poderem coabitar sem cumprir o guião do compromisso romântico. Com a aceitação social de novos estilos de vida, os “manos” são os “bons companheiros” com que se pode ser honesto. Um dos sujeitos do estudo britânico disse que “sem a poluição sexual a atrapalhar ou a fazer ruído, tudo se torna mais fácil”. A prolongar-se pela vida adulta, como estilo de vida – fenómeno identificado pela cientista social Bella DePaulo – isso pode ser crítico para elas? Depende.
5 – Homem és e assim continuarás
Não há um consenso, social e científico acerca das leituras a fazer sobre os ‘bromances’. Investigadores como David B Hartwell, da universidade americana do Texas, admitem que eles representam um movimento contra-corrente, uma maneira de manter viva a ideologia dominante (heteronormativa) associada à masculinidade. O ‘bromance’ enquanto bastião do que é ser homem, face à ameaçadora supremacia das mulheres na sociedade do conhecimento. O lugar onde podem exercitar a intimidade, longe da alçada delas. E resgatar o poder perdido, repondo a ordem, recriando a velha “guerra dos sexos”, na versão século XXI.
Aviso à tripulação (feminina)
Quando se derem conta daquela cumplicidade desarmante entre dois homens, sejam eles figuras de Estado, estrelas do desporto de elite ou comuns mortais com quem vocês convivem de perto (é irrelevante se na modalidade de amigo, namorado ou parceiro), isso pode ser um ‘bromance’.
O que fazer? Lembrem-se do mega hit do cantor Pedro Abrunhosa e… “dêem-lhes liberdade”. Por mais chato que seja lidar com a frustração e, até, alguma inveja (“a mim não me trata assim”, “os homens nunca crescem, e afins), é seguramente mais cativante e inspirador do que o “feios, porcos e maus”, tão do século passado…