“Ui, não se pode dizer nada que fica logo à toa… o problema é ser muito sensível.” O comentário, expresso em tom jocoso, sugere que se está diante de alguém com problemas ou que tem algum grau de limitação, sendo esperado que a tratem com condescendência. Porém, a leitura pode ser feita ao contrário. Num contexto em que se valorizam as “soft skills”, ou seja, a capacidade de negociar e de estar sintonizado com as subtilezas da comunicação, quem não as tiver sujeita-se a ser criticado, alcunhado de brutamontes e até mesmo excluído.
Os estereótipos associados ao que é de homem ou de mulher podem ajudar à “festa”, levando a que uns e outros se sintam desqualificados e incompreendidos, apenas porque o seu sistema nervoso processa a informação que recebe de forma mais diferenciada e capta detalhes subtis que passam despercebidos a quem está à volta. Isto não é bom nem mau e tem um nome: Highly Sensitive Person (HSP), ou Pessoa Altamente Sensível (PAS).
PAS não é doença, é neurodiversidade…
The Highly Sensitive Person é também o título de um livro cujas vendas já ultrapassaram um milhão de exemplares. A sigla foi cunhada por um casal de psicólogos americanos, nos anos 1990, após terem estudado o tema e construído uma escala que cativou muitas pessoas. Desde então, o questionário tem merecido a atenção de investigadores, da biologia às neurociências, e foi sendo ampliada e subdividida. Contudo, para perceber melhor do que se trata, faça o teste (em língua inglesa e na versão simplificada) aqui.
Elaine e Arthur Aron estimaram que entre 15% e 20% da população mundial teria este traço de personalidade, caracterizado por um estilo cognitivo e emocional equipado para processar um nível de complexidade maior e que requer, por isso, um tempo de resposta superior à média. Isto nada tem a ver com hipersensibilidade, enquanto sinónimo de susceptibilidade excessiva a críticas e intolerância à frustração ou, como vulgarmente se diz, “fazer uma tempestade num copo de água”. Muito pelo contrário.
Sensibilidade e bom senso
Um estudo da Brain & Behavior Research Foundation, publicado em 2014 – em que Elaine Aron foi uma das autoras – mostrou que pessoas com este perfil tinham uma activação aumentada nas regiões cerebrais ligadas à consciência, empatia e integração da informação sensorial (corpo cingulado, ínsula, giro frontal inferior e médio temporal e neurónios espelho). A receptividade acrescida face aos estímulos leva estas pessoas a proteger-se, a serem mais ponderadas e sensatas (e, com frequência, mesmo sem o quererem, acabam por assumir responsabilidades que não lhes competem).
Os estudos que se seguiram comprovaram que este traço de personalidade com uma base biológica – possivelmente associada a factores genéticos, mas não só – confere um sentido estético e uma riqueza interior apreciáveis. Contudo, isso pode revelar-se um transtorno também. As PAS são mais vulneráveis ao stress – sobressaltam-se facilmente, têm dificuldade em estar com muita gente e manter conversas superficiais, o que as aproxima dos introvertidos – e propensas a problemas de saúde: os efeitos do ruído, da cafeína ou da dor no corpo são maximizados e é-lhes gerir o caos, o multitasking e as demandas do mundo digital pode ser uma tarefa tão esgotante que os leva ao tapete. Um pouco como uma corda de violino que, face à de uma viola, precisa de cuidados extra para não se partir, cuidados esses que valem bem a pena.
Keep calm… estás com uma PAS
Não estranhe se encontrar afirmações como esta em t-shirts, canecas e outros objetos de uso pessoal. Se nos anos 1990 se valorizavam os extrovertidas e os líderes que eram “animais de palco”, na última década, marcada pela aceleração e o excesso de estímulos, sobretudo visuais, as pessoas que funcionam em modo contra a corrente parecem levar vantagem. O seu funcionamento cerebral, mais plástico, permeável e criativo, parece estar melhor equipado para lidar com o registo intuitivo e fora da caixa dos dias que correm. É isso que defende Susan Greenfield, investigadora inglesa especialista em fisiologia do cérebro. Ser altamente sensível não é fácil, mas pode ser uma vantagem adaptativa, por ser ser um ingrediente essencial para inovar e gerar soluções criativas, tanto individualmente como com outras pessoas.
Como viver bem sendo PAS
A primeira coisa a saber é quando desacelerar e parar. De nada adianta comparar-se pois vai piorar a situação.Quando ficar em modo mais acelerado que pode ver nisso um sinal vermelho e respirar fundo, sentir os pés no chão e a cabeça no corpo, no aqui e no agora.
A segunda coisa a saber é que de nada adianta esse “dom” que está na sua natureza biológica se não o respeitar e desfrutar dele, encarando-o como uma limitação a camuflar a todo o custo só pelo medo da rejeição ou para não ser alvo de chacota.
A terceira é cultivar atividades que fortaleçam a sua adaptação e singularidade. Por um lado, há que expor-se a doses curtas mas repetidas de stress (seja o ruído, as imperfeições, etc), para “ficar vacinado” em vez de refém da ansiedade e de comportamentos evitantes.
E por fim, escolha o tipo de diversões que prefere e não sejam esgotantes para si, ainda que possam não ser as que a maioria elege e… nunca será pouco o que fizer para prevenir a sobrecarga do seu sistema nervoso, desde o simples dormir ao tempo passado a solo.