Diz-se que uma das regras de ouro da adaptação humana é a inteligência emocional, que inclui a flexibilidade. Que dizer, nesse caso, da inteligência sexual? Ou da Flexualidade? É certo que andamos todos um pouco cansados de assistir ao desfile de novos nomes para designar as mesmas coisas. Porém, há que reconhecer o indesmentível prazer que dá classificar tantas variantes de si quantas as que a imaginação permite. Quantificar, comparar e diferenciar é a maneira de orientar-se no meio da fluidez e da diversidade humana. Isto passa-se na esfera pública, na vida familiar e nas cenas da vida privada. À força de tanto querer chamar as coisas pelos seus nomes e, desse modo, não correr o risco de as confundir, isso foi o que acabou por suceder. As categorias andam à solta: reina a grande confusão acerca do que melhor define um homem sexualmente inteligente. O melhor a fazer é aprender a ser no meio de conceitos desarrumados, sem temer o caos e, acima de tudo, a divertir-se com isso
Primeiro, as classificações geracionais, que aterraram de mansinho nos corredores das universidades e gabinetes de estudos de marketing social. Os termos X, Y, Z, Millennials foram passando de boca em boca e começaram a constar nos menus de conversas entre novos e menos novos (à cautela, é melhor excluir a palavra “velhos”, apesar de o aumento da esperança de vida agradar a todos). Depois, a moda dos estilos sexuais ganhou embalo e quase impôs uma ditadura da aparência, apoiada em ícones da moda e em palavras fáceis de fixar, com prefixos renovados ao ritmo das estações. De novo, o marketing no seu melhor, com baterias apontadas aos cavalheiros de todas as idades, a quem deveria interessar manter-se atualizado sobre as atitudes mais cotadas no mercado da conquista.
Foi assim que os ginásios e os gabinetes de estética se encheram de espécimes masculinos que queriam importar para as suas vidas o efeito David Beckham, o futebolista com visual de fazer parar o trânsito, independentemente de estar ao volante um homem ou uma mulher. Metrossexual, pois claro: urbano, sofisticado e sensível (atributo que deixou de ser exclusivo das senhoras), apostado em tratar muito bem o corpo, dos bíceps às sobrancelhas, passando pelos cremes, depilação e cortes de cabelo a lembrar tatuagens. Tudo isto por oposição ao homem da idade da pedra, o Retrossexual, vulgo ‘bota-de-elástico’ ou ‘feio, porco e a cheirar a cavalo’.
Esta tribo não agradou a todos, especialmente aos senhores maduros, que viam nestas modernices uma afronta à masculinidade. “Eu cá não embarco nisso.” Até se renderem ao novo modelo a seguir foi uma questão de tempo, que os profissionais destas coisas não brincam em serviço. Afinal, quem não quer ser – ou parecer-se com – George Clooney, senhor Nespresso, que tem muito mais pinta do que o malandro da Martini que já passou de moda? Não, o que está a dar é ser Ubersexual: emanar uma aura ‘Uber’ (‘o máximo’, no léxico alemão) é distribuir charme sem ser o homem das cavernas nem egocêntrico e prisioneiro da vaidade, qual menino da mamã.
Quando se percebeu que a moda dos prefixos pegava, foi a vez dos viciados em gadgets darem um ar da sua graça, munidos dos seus iPods e outros acessórios, deitando por terra a ideia de que não passavam de uns desenxabidos e até a marca de perfumes Calvin Klein criou uma embalagem a pensar neles. Tecnossexual é o homem com quem se pode alimentar fantasias, pela abundância de dispositivos eletrónicos com funções que apetece testar até onde vão. Na prática, assistimos à reabilitação do espírito “o meu é melhor que o teu”, com estilo e muita trabalheira, pois a maravilha de hoje – com a obsolescência programada – é o próximo chaço amanhã.
Num belo dia, alguém achou que estava na altura de baralhar e voltar a dar e, já agora, com uma pitada vintage: “Bom selvagem, onde estás tu, que fazes tanta falta?” E ele, mais a sua veia de lenhador descontraído, numa de “estou-me nas tintas, eu cá sou um rústico”, não se fez rogado. O Lumbersexual e a sua camisa aos quadrados, a condizer com a barba, mais farta que rija, à lenhador (´lumber’, lá está), torna virtualmente impossível ficar indiferente ao estilo rural e sensual (Tom Hardy, sabemos que sabes disso!).
Depois disto, era expectável que as etiquetas caíssem em desuso ou tivessem o destino dos vídeos virais: um mês depois, ninguém se lembra de nada. Eis senão quando surge mais um termo – Sapio – que vai um pouco além, porque é simultaneamente o nome de uma app de encontros. Sapiossexual? Não estamos a falar do homem que dá a imagem de saber sempre o que quer (mesmo que não faça a mínima ideia do que isso é), nem do jovem empertigado que espera ter um séquito a admirar o seu corpo atlético e perspicácia de falcão. Trata-se de um espécime digno da sociedade do conhecimento. A inteligência pode ser um fator de atração que supera todos os outros, com a vantagem de não ter de depender do frasco.
“Está tudo na cabeça.” Talvez sim. O potencial de atração de um homem também se mede pelas palavras que lhe saem da boca e tornam mais sexy. E, mesmo que não funcione assim para todos, é possível que o sucesso do estilo Sapiossexual seja uma reação às críticas feitas por muitos – talvez até da geração X… – de que os millennials e os ‘Z’ estariam perdidos numa cultura de engate e superficialidade (como se os antecessores nunca tivessem tido sexo ou todos fossem dotados de inteligência e sensibilidade profundas).
O novo Kamasutra
Em que ficamos? Uma das mais conhecidas apps de encontros, a OkCupid, com cerca de 40 milhões de utilizadores em todo o mundo, passou a contemplar esta nova categoria nas opções de orientação sexual (uma entre 12 possibilidades de escolha), um pouco à semelhança do Facebook que, em 2014, decidiu inovar e alargar o espectro das opções de género para 56 (apenas nos Estados Unidos).
Fica então a saber: ao inscrever-se numa rede social ou de encontros, não estranhe se ficar uma vaga sensação de esmagamento ou desnorte. Mais vale adaptar-se à babel dos novos tempos e ir-se ambientando, ao seu ritmo, à nova gíria, sem pensar no marketing, na validação científica ou no que vai achar A ou B. De resto, um psiquiatra nova-iorquino fez um blogue com a intenção de desmistificar e esclarecer quem estiver interessado em aprofundar estas questões sem pruridos ou falsos pudores. E, acima de tudo, de forma inclusiva, ou seja, sem homens de uma lado, mulheres do outro e arrumar os que não cabem nesta dicotomia noutra tribo qualquer (algo próprio do século passado…).
Em Flexuality, James W. Hicks fala especificamente em tipos sexuais que, na sua maioria, não são profissionalmente aceites nem constam na literatura clínica. O autor e clínico apresenta esta panóplia de termos como “um kamasutra para bi-curiosos, heteroflexíveis, supersexuais, polissexuais, flexiamorosos…” e mais uns quantos. Destaco três, a título de exemplo:
Heteroflexível – Sentem atração pelo sexo oposto mas abertos a contactos sexuais íntimos com alguém do mesmo sexo ou, como ouvi dizer, “um tipo às direitas não tem de ter vistas estreitas”
Flexiamoroso – Tem a capacidade de de ter relacionamentos românticos com homens e mulheres e os seus gostos e experiências tendem a ser fluidos e não determinados pelo género.
Demissexual – A atração sexual só surge na presença de um vínculo afetivo ou intelectual prévios. Há quem situe esta orientação entre a dos assexuais – a prática não lhes desperta interesse – e dos alossexuais, capazes até de apaixonar-se mas o prazer sexual, só mesmo a solo
Estou em crer que este assunto ainda vai dar muito que falar na comunidade académica e fora dela. Por fim, aproveito para partilhar o seguinte: ultimamente tenho vindo a deparar-me com pessoas singulares (se calhar é um pouco ‘retro’ chamar-lhes cavalheiros ou senhoras… sugestões agradecem-se!) que se identificam como ‘sapio’ no registo online. Convicção, moda ou experimentalismo? Eles lá ‘sapiem’.