Quer estacionar e não tem moedas à mão para o parquímetro? “Tivesse uma app e evitava levar multa quando foi ao café pedir trocos”. Já tentou o multibanco e o seu gestor de conta mas dizem-lhe que esse serviço é pago. Alternativa: “homebanking ou faça via app”. Quer gerir os talões de compra e fazer como as Finanças pedem, mas não consegue nada quando liga para a linha de atendimento telefónico e se desloca ao balcão mais próximo para o ajudarem? “Instale a app do e-fatura”. E por aí fora.
Uma fartura de apps, para todos. Ou para os que têm um smartphone. Ou para os que dispõem de espaço bastante para alojar as ditas e mais as suas atualizações, sem ficar com o aparelho bloqueado, de tanto megas e gigas acumulados.
E quando a “amiga” deixa de funcionar porque as empresas e instituições decidem “proceder a ajustes” ou “reconfigurar serviços” (é mesmo assim que dizem, quando se consegue reclamar para um qualquer call center e ouvir uma voz humana que não é uma gravação)? Sim, a solução é deitar abaixo e voltar a instalar. Com sorte, fica lá a informação toda na mesma, assim a gente se lembre da vigésima palavra-passe para aquela aplicação que não estava ligada ao Facebook nem à Google e já se pode voltar a usar a aplicação como “nos mandam” (perdão, “sugerem”).
Pelos dedos da mão
Provavelmente já ninguém se lembra do tempo em que não se sonhava com um dispositivo que juntasse várias coisas numa só – agenda de contactos eletrónica, câmara fotográfica, calendário interativo, várias caixas de correio, despertador, lembretes e, claro está, jogos e assistente pessoal.
Agora, que se tornou banal fazer contas de cabeça para saber quantas apps se podem armazenar num smartphone sem que as atualizações esgotem a capacidade do equipamento para funcionar sem bloqueios nem demasiadas perdas de autonomia, a pergunta é: usamos assim tanto todas as apps – gratuitas e pagas – que instalamos?
Contam-se pelos dedos. Um estudo recente da empresa comScore, citado na Fortune mostrou que 85% do tempo gasto pelos utilizadores inquiridos se concentrava em cinco ou seis apps apenas. Facebook (79,8%); Facebook Messenger (69,8%); You Tube (62,1%); Google Maps (54,8%); e Google Play (52,5%) e Google Search (51,8%). Todas as outras apps ficavam na linha dos quarenta e tal por cento e muito abaixo.
Eu, que nunca me orientei muito bem com os mapas de estradas e levei algum tempo a passar do papel para o GPS ligado ao carro, confesso que fiquei completamente rendida à Google Maps, que funciona como uma verdadeira tábua de salvação em mar alto (até lhe ‘perdoo’ quando, em locais menos acessíveis à “navegação”, acabo em becos sem saída). Contudo, esses momentos acabam por ter o seu quê de insólito, já que me obrigam a voltar ao mundo real e a “falar com pessoas” para retomar o trilho certo, que é sempre uma experiência fascinante e daria para um livro de apanhados.
Enquanto não inventarem mais uma app com uma lógica multifunções, dou por mim a pensar o quão irritante é navegar no browser do móvel e ser sistematicamente ‘convidada’, leia-se redirecionada, para uma app – introduzindo, claro, o meu login e palavra-passe – a fim de poder comentar algo que li e quero partilhar.
Mensagens que ficam na garrafa
Excluídas as funcionalidades que já conhecemos e usamos regularmente, do banco ao parqueamento, passando pela carteira eletrónica, sobram todas as outras, as apps para relaxar, medir as pulsações, os quilómetros andados, etc. Aquelas que servem mesmo só para entreter (pokémons e afins) e flirtar. Mas mesmo aqui, parece estar a haver uma onda de cansaço, como relata, e bem, o americano The Atlantic. De repente, sem nos darmos conta, passámos a andar distraídos, de cromo em cromo, e a deixar de olhar uns para os outros. O que prometia ser uma via de oportunidades afigurou-se um imenso palheiro tecnológico, onde a agulha desejada pode nunca ser encontrada.
No final resta aquela incómoda sensação de tédio e fadiga, uma estrada que não leva a nenhum lado a não ser o da distração pura e dura. Sem satisfazer os desejos e as aspirações que pareceiam estar ao alcance de um clic, quando tudo ainda era novo e eram poucos os que se aventuravam na experiência, quais exploradores do National Geographic. Isso mesmo mostrou o estudo da universidade americana de Cornell, realizado com uma amostra de utilizadores de aplicações de encontros: praticamente metade (49%) dos que enviavam mensagens, depois de se terem escolhido mutuamente, nunca obtinham resposta.
As apps facilitam a vida e mudam ao sabor das estações. Nós, humanos, talvez tenhamos de investir um pouco mais naquilo que são as nossas metas e, eventualmente, de forma simplificada. Mesmo aqui, o limite é a nossa imaginação. Se em tempo de guerra, há quem enriqueça a vender lenços de papel e armas, em tempos de fadiga digital já existem serviços dirigidos a millennials (em Nova Iorque, por exemplo) que consistem em massagens de meia hora (a 80 dólares) para a fadiga e dor nos tendões, pulso e braço.
Entretanto, há quem prefira navegar no velho browser e ganhar tempo de qualidade sem estar refém de notificações. Há quem volte a ir ao bar ou à associação local, ou se inscreva numa atividade pelo puro prazer de desfrutar dela, na companhia de terceiros, com os gadgets em modo de silêncio.