Penso que tens de encontrar um espaço maior / Porque quando tens mais do que do que pensas / Precisas de Espaço
Eddie Vedder in Society, faixa da banda sonora do filme O Lado Selvagem
Por trás de cada grande decisão há sempre uma história. Imagine alguém que, aos 28 anos, atinge o topo do sucesso no mundo empresarial e, nessa mesma altura, fica sem o casamento e perde a mãe, questionando-se então acerca do que realmente conta na sua vida. Ou coloque-se na pele de um jovem executivo exemplar, confrontado com o seu despedimento.
Dois cenários que podiam fazer parte da sinopse de um filme. Mas não são. Aconteceram mesmo a dois amigos de infância. Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus tinham a mesma idade quando passaram pelo avesso do sonho americano. Foi então que decidiram simplificar: reduziram ao mínimo os hábitos de consumo, venderam ou doaram tudo o que não acrescentasse valor ao seu quotidiano e as vidas deles mudaram. Tornaram-se mais ricas. O lema de Os Minimalistas, que vivem em Missoula, no Estado de Montana, pode resumir-se a três ideias-chave:
– “Viver com menos é mais”
– “Desapegue-se e siga em frente”
– “Ame as pessoas e use as coisas porque o contrário não funciona”
Criar espaço (e tempo)
Parece fácil mas não é. Eles explicam tudo numa conferência TED e no documentário lançado este ano e intitulado Minimalism: A Documentary About the Important Things. Porque é que não é fácil? Por ser preciso passar à prática e confiar que vai valer a pena. Por ser preciso reprogramar a ideia que se tem de abundância.
O emprego milionário, a casa à altura com carro a condizer e outros sinais exteriores de riqueza podem parecer uma meta cativante que todos querem alcançar (e que eles alcançaram). Só que, pouco tempo antes de a vida ter surpreendido Joshua e Ryan, já eles tinham percebido que manter esse estilo de vida não lhes dava a satisfação sonhada. E, para infelicidade de ambos, o consumo compulsivo só ampliava a sensação de vazio e os níveis de stresse, medo, desgaste e depressão. Em síntese, não era Vida. Não os tornava mais livres nem lhes fazia sentido. Seis anos passados, a dupla tem um site, um blog, um podcast, alguns livros e mais de quatro milhões de seguidores.
Sem tralhas
O minimalismo não é propriamente uma novidade. O conceito vem do século passado e teve impacto na escrita (Sam Shepard e Raymond Carver, para citar apenas alguns), na música (Philip Glass, Erik Satie ou Arvo Part), na pintura e no design (dos objetos com a chancela Philippe Starck, por exemplo, aos que constam nos catálogos do IKEA).
A verdadeira beleza e valor revelam-se de formas incrivelmente simples. Na dança e noutras artes, o cunho minimalista demarca-se pela depuração de tudo o que está em demasia, é ruído ou provoca a sensação de invasão e desperdício. A lógica minimal está tão presente nos princípios franciscanos como na estética dos jardins e locais de meditação nipónicos.
Resistimos, contudo, à sensação de ter tanto espaço em volta. Ao despojamento de todo o tipo de acessórios. À revelação, sem disfarces, do miolo que somos nós. Sim, reconheço-o: no início, pode ser assustador. Ser minimalista na arte de teclar com smartphones, reduzindo o léxico ao mínimo, a siglas, consoantes, não custa. Podia ser fácil aplicar esse movimento à vida de todos os dias, mas se o fosse – como diz o slogan publicitário, na sociedade de consumo – não era a mesma coisa. Sem ser uma novidade, o movimento aplica-se agora a nós, cidadãos. E às nossas escolhas, pois delas depende, em grande parte, a nossa liberdade e a nossa felicidade.