In all things: let love guide you, let truth test you, let success humble you, let dreams awaken you, let meaning free you
A afirmação do economista e pensador Umair Haque inspira-me e vem ao meu encontro diariamente. Assim que ligo o portátil, mergulho os olhos no ecrã e me desligo do contacto face a face, o post-it digital que surge no desktop tem a intenção de lembrar-me dessa ligação ao elemento humano e às questões centrais com que se confronta na sua curta passagem pelo planeta.
“Abram os vossos corações, fechem os telemóveis”
Como ficar indiferente ao repto do fotógrafo e realizador francês Yann Arthus-Bertrand, diante de todos os que encheram o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, na noite da super lua, para o visionamento do documentário Human? Foram três anos de trabalho intenso: mais de duas mil entrevistas de hora e meia cada uma, cinco equipas de dois jornalistas em 60 países – o próprio Yann, que se define como jornalista e ativista, fez meia centena delas – e sempre a filmar, sem ter uma base escrita, tinha tudo na cabeça e só se parava quando estava a acabar o orçamento.
Uma casa onde viver
Apagam-se as luzes. Abrimos os olhos e o tanto que vemos faz com que nos doam. A esmagadora beleza, dureza e estranheza na vida na Terra, filmada a partir do céu (maioritariamente de helicóptero). Arrebatam-nos as paisagens humanas e os contrastes da Natureza. Arrebatam-nos os muitos rostos que ocupam o grande ecrã e nos encaram de frente. Olhos nos olhos. Olham para a câmara e revelam as suas visões do amor, da família, da felicidade, da riqueza e da pobreza, da solidão, da injustiça, da homofobia, da dor e da morte. É vertiginoso acompanhar esta viagem de duas horas e meia. Inicialmente eram dez, depois sete, depois três (e mais vinte minutos), até chegar ao formato atual. “Ficou de fora muita coisa que nos deram e se tornou maior que nós, há muita espiritualidade nas pessoas”, partilhou o fotógrafo no final. Intencionalmente e sem esforço, deixou de lado depoimentos de figuras públicas (como Bill Gates), por entender “que tiveram muita dificuldade em sair do seu papel, ou em conseguir dizer coisas que toquem”.

Yann Arthus-Bertrand
Yann Arthus-Bertrand diz-se apaixonado pela natureza desde que se lembra de si. Fez-se repórter fotográfico, conduziu balões em África e nos anos noventa sonhou com um projeto em grande escala e aventurou-se no desconhecido. Dessa odisseia resultou um livro e uma exposição (que muitos de nós pudemos ver na Praça do Comércio, em Lisboa) e a Fundação GoodPlanet. A sua estreia como realizador aconteceu sete anos depois, com o filme Home – A Terra Vista do Céu, difundido em meia centena de países e numa data simbólica: o dia mundial do ambiente. Corria o ano de 2009 e, já nessa altura, o homem com pose imponente, atitude informal e sorriso aberto dizia:
“Não há ecologia sem amor”
Foi por amor que dedicou sete anos a empreender um mega projeto: ir ao encontro dos habitantes do planeta azul, perceber as suas angústias, ambições, definições de felicidade, ideias acerca da família, da guerra, da amizade, da vida e da morte, sem distinção de cor, raça ou outra singularidade que dividisse a humanidade em fações. “Não queria ser apenas espetador”. A vídeo-exposição 7 Milhões de Outros percorreu mundo e pudemos apreciá-la, há dois anos, no Museu da eletricidade, da Fundação EDP.
Agora, com as luzes acessas, alguém na plateia lhe pergunta que leitura faz de tudo o que estamos a assistir no mundo. Fala-se das mudanças climáticas, das desgraças que há no mundo. Arthus-Bertrand traz à conversa a atuação do cantor Sting a atuar no Bataclan e do facto de ele não poder fazer nada pelos refugiados, apenas levar-lhes empatia, essa marca de humanidade: “É preciso olhar o mundo com menos ceticismo e cinismo”.
É preciso, sobretudo, questionar o consumismo desenfreado que é pago com dinheiro que nos custa tempo de vida, um recurso que não se pode comprar, nas palavras da figura pública que não ficou fora deste filme. De seu nome Pepe Mujica, ex presidente do Uruguai. Passar à ação porque, como se pode ler no site deste projeto, que progride à escala mundial, “é demasiado tarde para ser pessimista”. Porque “agir cria felicidade!”
Coração ateu
E o que é isso da felicidade, no meio de tanta pobreza e de tanta riqueza, em que a solidão está presente e a esperança também? Ao elogiar o trabalho da “enorme família” que esteve por trás desta iniciativa em movimento, o realizador francês fez questão de destacar o trabalho de composição sonora, a cargo de Armand Amar, que envolve cada um dos temas e faz com que nos toquem e arrepiem os poros.
Disponível gratuitamente no You Tube e a ser transmitido na RTP1, Human procura respostas para os velhos problemas que nos tocam, a todos, e revela anseios comuns, tudo aquilo que nos liga e a essência humana, capaz de momentos trágicos e de momentos mágicos, de pertença e comunhão.
Abrimos os nosso corações. Voltamos a ligar os telemóveis. E ficamos sem perceber porque é que aquelas duas horas e onze minutos terminam com o tema da religião, sendo o mentor do projeto um ateu. Ele conforta-nos: “Acho que Deus é uma invenção humana e muitos dos crentes que encontrei acreditavam estar a fazer alguma coisa em nome de um mundo melhor. Fui criticado por fechar o filme com questão da religião, contudo, acho o final muito bonito.”