Com um primeiro-ministro já indigitado, Luís Montenegro, e outro ainda em exercício, António Costa, conhecemos esta semana os resultados finais das Legislativas de 10 de março: um empate técnico entre o PS e a AD (com uma vantagem de dois deputados para a AD, graças aos dois deputados do CDS) e a grande surpresa do Chega, com mais de 18% e 50 deputados, contando já com os dois deputados eleitos pelo círculo da emigração. Com o cenário político virado do avesso, não sabemos quanto tempo durará o próximo governo. Que balanço podemos fazer destes primeiros dias pós-eleições? A opinião de Alexandra Correia, Filipe Luís e Sara Belo Luís, subdiretores da VISÃO, no Olho Vivo desta semana.
Sobre o fenómeno Chega, Sara Belo Luís considera que o partido de André Ventura “vai ser um enorme desafio para a democracia”: “Pedro Nuno Santos, logo na noite eleitoral, fez muito bem em não desprezar aquele eleitorado. E, portanto, já se percebeu que o PS vai querer resgatar uma parte do eleitorado do Chega para o lado bom da democracia.”
A propósito do simbolismo dos 50 deputados do Chega no ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril, Filipe Luís acha que “a eleição de 50 deputados do Chega demonstra a superioridade moral da democracia e, de uma certa forma, é também uma vitória do 25 de Abril sobre o Chega e sobre muitos destes novos deputados eleitos. Porque nunca um regime como o que defendem muitos deles permitiria uma coisa destas. O que dá razão ao aforismo de Churchill: ‘A democracia é o pior dos sistemas, à exceção de todos os outros.’”
Na opinião de Filipe Luís, “a votação no Chega já não é só protesto, é também esperança”. “As pessoas acham que o Chega pode trazer mudança… Mas este voto já apareceu noutros momentos: em 1985, com o PRD, que também trazia um discurso moralista, para ‘limpar’ a política, já tinha estado com a candidatura de Fernando Nobre, e também com a proposta populista de Marinho Pinto. E, até, em muito do voto antissistema concentrado na primeira candidatura de Manuel Alegre contra Cavaco e Soares…”, recorda o subdiretor da VISÃO.
Sobre o governo de Luís Montenegro, que deverá ser conhecido no próximo dia 28, Sara Belo Luís é da opinião que “pode durar mais do que aquilo que à partida se esperava”: “Desde logo porque ninguém está interessado em novas eleições… Mesmo o Chega, que poderia ser o principal beneficiado, no sentido que podia continuar a angariar votos de descontentes, tenho dúvidas. Com 50 deputados, André Ventura vai ter muito trabalho, vai ter que organizar o grupo parlamentar, precisa de arranjar uma estrutura. Com 50 deputados, o Chega passou para outro patamar, de trabalho, de responsabilidade, de forma de fazer política.”
Para Alexandra Correia, “Luís Montenegro vai governar na passerelle. Porque tem um governo frágil, não se sabe quanto tempo vai durar e vai pensar nas eleições e nos votos. Vai satisfazer os pedidos das classes profissionais – professores, oficiais de justiça, polícias, profissionais de saúde – e, para isso, vai contar cm o apoio de Pedro Nuno Santos, como o próprio já indicou.”
Acrescenta ainda Sara Belo Luís: “É verdade que existe um excedente orçamental que vai permitir melhorar as condições de vida de alguns profissionais, mas essa almofada financeira não é ilimitada e, por outro lado, o contexto é muito adverso…” “Parece-me até um pouco irresponsável (e aqui a responsabilidade é não só da AD como também do PS, que já tornou claro que apoiará alguns desses aumentos). Satisfazer reivindicações de forma desbragada, como se não houvesse amanhã, como se os tempos não fossem incertos, como se o dinheiro fosse ilimitado… E até criando uma ideia no tecido social das inúmeras corporações de que, se fizerem muito barulho, muita desestabilização, depositarem muita lenha no incêndio, vão conseguir satisfazer as suas reivindicações. Os governos ficam reféns dessa contestação social”, argumenta. E Filipe Luís remata: “A chantagem do populismo funciona. O populismo é contagioso. Na campanha eleitoral, perante a pressão populista, todos prometeram a Lua. E essa pressão vai acentuar-se. Temo que Luís Montenegro não resista a ceder à tentação de satisfazer reivindicações e exigências da rua irrealistas, e rezar para que corra bem.”
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